The Project Gutenberg eBook of Á ventura

This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook.

Title: Á ventura

Author: Teixeira de Pascoais

Release date: September 16, 2007 [eBook #22632]

Language: Portuguese

Original publication: Coimbra: Typ. França Amado, 1901

Credits: Produced by Vasco Salgado

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK Á VENTURA ***

Produced by Vasco Salgado

TEIXEIRA DE PASCOAES

+Á Ventura+

COIMBRA. 1901

Typ. França Amado.

+Á VENTURA+

Aos meus companheiros.

Oh Saudade tantas vezes invocada,
Musa, que tantos infelizes inspiraste!
Tu, que nos deixas a nossa alma illuminada,
Que tantas Lyras, com teus dedos, afinaste!

Oh saudade que és das dôres a mais linda,
Que das tristezas és a mais menina e moça,
A mais eleita, a Desejada, a mais bem vinda!
A que mais nos governa, a mais senhora nossa!

Enche o meu coração da tua claridade,
D'esse raio de luz tremulo e moribundo,
—Que é o fogo-fatuo de perdida mocidade,—
Com que o sol, ao morrer, ensanguenta o mundo!

E quando á tarde, em labaredas, o Poente
Parece, na distancia, uma outra Roma a arder!
É uma saudade, é a dôr que a natureza sente
Pelo sol que a fecunda e faz reverdecer!

Oh minha musa triste e d'olhos lacrimosos!
Ensina-me a pintar o que é ficarmos sós!
Que eu saiba lêr nos corações desfortunosos,
Que eu apprenda a cantar com lagrimas na voz!

É sempre ao pôr do sol a hora de partir!
É quando chora nos pinhaes o vento norte,
Que tão bem sabe em doidos gritos traduzir
A dôr dos que andam sempre ao Deus-dará da sorte!

Sempre um signal do céo aos homens revelou
Cada facto que é, na vida, extraordinario!
Quando morreu Jesus o sol se eclipsou
E em convulsões estremeceu todo o Calvario!

É um adeus afinal a minha vida toda…
Sempre do coração sinto partir alguem!
Que deserto areal descubro, se olho em roda,
Nem sei por que milagre ainda me resta alguem!

Adeus! Adeus! Eis as palavras que apprenderam,
Logo ao nascer, os meus ouvidos infelizes!
Em chagas a sangrar assim os converteram
Estas palavras que nos deixam cicatrizes!

É ao ouvir, dentro do peito, soluçar
Desapiedada voz que só me diz adeus,
E me causa tristeza, e faz idealisar
Uma cruzada que conquiste novos céos!

É ouvindo essa voz, que em lagrimas chegara
Ao mais recondito logar do coração,
Onde um diluvio de repente se formara,
Que as Biblias do Amor em verso cantarão!

Que eu vou cantar, meus companheiros d'Aventura!
A facada que contra o peito nos vibrou,
Lá n'uma esquina d'este mundo, em noite escura,
A Sorte que funesta estrella nos dictou!

E que nos fez perder assim os patrios lares,
E nos deixou sem norte, errantes, vagabundos,
Abandonando-nos á furia d'esses mares,
Onde tentamos descobrir uns novos mundos!

E, quaes Telemacos entregues ao furor
Das tempestades e dos deuses vingativos,
Nós viajamos em procura d'um amor
Que vive longe… entre arvoredos primitivos!

Vive encantado, e simplesmente os leaes amantes
Têm para elle uma varinha de condão
Que, n'uma noite, os faz andar terras distantes
E um rochedo converter n'um coração!

O amor existe. É o eterno sol aureoral!
Que de flores esmalta nosso sentimento.
Quem fôr capaz de amar possue todo o Ideal,
Quem tem um coração é o Deus d'um firmamento!

Mas quantas ilhas desoladas visitamos!
De que tormentos e naufragios e perigos,
Por milagre de Deus, apenas nos salvamos,
Meus companheiros da Aventura, oh meus amigos!

Mas essa Grecia, aquella praia desejada,
Das velhas naus, em pouco tempo, heis de avistar…
Já no horizonte é como nuvem desmaiada,
É um lenço branco que p'ra nós está a acenar!

Já se distinguem bem as linhas sinuosas
D'aquelles montes onde, um dia, nós nascemos…
Lá nos esperam outras almas venturosas
Que nos hão de entregar aquillo que perdemos!

Do nosso lar o fumo perde-se no espaço,
Nossa terra natal já se descobre alem…
Dois braços eu avisto abertos n'um abraço,
E naquelle alto, á nossa espera, eu vejo alguem!

Que lindo mar! Olhae, vêde nascer a aurora!
Como brilha no céo a estrella da manhã!
O mundo unicamente é mau para quem chora,
E é feliz quem tiver outra alma sua irmã!

Já o sol apagou a estrella matutina;
N'um diluvio de luz parece tudo arder!
Ella fugiu da immensidade crystallina
Para no nosso coração amanhecer!…

Coimbra, 20—março—1901.