RESUMO ELEMENTAR
de
ARCHEOLOGIA CHRISTÃ
por
POSSIDONIO DA SILVA
1887
Antigo edificio religioso de Santarem
LISBOA―Museu de Archeologia do Carmo
RESUMO ELEMENTAR
de
ARCHEOLOGIA CHRISTÃ
por
Possidonio da Silva
medalha conferida em 1869
LISBOA
LALLEMANT FRÈRES, IMPRENSA
1887
Á
MEMORIA DE MEU PAE
Reinaldo José da Silva
TESTEMUNHO DE RESPEITO E
GRATIDÃO
O Auctor
AO LEITOR
Inaugurando-se agora nos seminarios de algumas dioceses de Portugal
cadeiras para o ensino de archeologia christã, estudo que ha
muito era urgente crear-se no nosso paiz, proponho-me publicar os
elementos principaes d'esta sciencia, afim de facilitar os estudos a
quem desejar possuir esses conhecimentos indispensaveis para curar da
conservação dos objectos do culto e evitar o
ignorante modo de se restaurarem os edificios religiosos dos
differentes estylos, que pertencem á
nação; pois
já é tempo de não se continuar a
praticar nos edificios concertos mal pensados, que alteram o caracter
respectivo da sua architectura, e causam tambem desdouro ao avaliar-se
a nossa civilisação.
Ainda que não façamos um compendio completo,
comtudo, talvez possa ser de algum auxilio para se divulgarem as
instrucções principaes
d'esta natureza afim de pôr cobro aos vandalismos que
têem destruido
tantas antiguidades e objectos preciosos do culto.
Muito embora não se consiga desde já o proficuo
resultado d'este ensino, todavia ficará registado, no final
do seculo XIX, o empenho que illustres Prelados têem tomado
para obstar a serem illudidos os parochos nas
substituições das alfaias, e para se opporem
ás defeituosas
restaurações dos monumentos religiosos do nosso
paiz. Darei por bem empregada esta minha modesta
publicação, se por ventura conseguir este empenho
patriotico e artistico a que tenho constantemente dedicado a maior
parte da minha existencia.
Possidonio da Silva.
INTRODUCÇÃO[1]
Os monumentos historicos ou simplesmente artisticos são os
marcos que assignalam os passos, mais ou menos firmes, vagarosos ou
apressados, que os povos vão dando no caminho da
civilisação. Porém não se
pense que, relativamente a esses padrões,
a cultura de uma nação deva ser avaliada
sómente pela significação d'elles, por
mais gloriosa que
seja, ou por mais que se aprimorasse n'elles a arte, mas sim tambem
pelo apreço e respeito com que essa
nação vela pela sua
conservação.
Sobreleva Portugal a todas as nações na alta
significação dos seus monumentos, porque
não commemoram unicamente façanhas militares e
virtudes christãs e civicas, communs a outros povos.
Não recordam só mil acções
de valor, de coragem e de abnegação, praticadas
na defensa da patria, ou para alargamento das suas fronteiras, ou para
honra e lustre do seu nome. Mas fallam tambem os nossos monumentos
d'essas arrojadissimas
[8]
emprezas de
navegações e descobrimentos, com
que os portuguezes abriram de par em par as portas á moderna
civilisação, levando a luz
do evangelho, atravez de mares ignotos, ás mais longinquas
regiões do globo.
Quasi todas essas glorias, que doiram as paginas da nossa historia,
foram memoradas por nossos maiores com a fundação
de um templo, acanhado e singelo, ou grandioso e opulento, segundo o
permittiam a rudeza dos tempos, ou a florescencia da
nação, bem como o animo e posses dos fundadores.
As convulsões do sólo, a pouca
illustração dos reedificadores, e modernamente a
sanha brutal dos demolidores, têem destruido ou desfigurado
muitas d'essas auctorisadas testemunhas dos tempos heroicos de
Portugal. Este vandalismo, que nos degrada do gremio das
nações cultas, não
está, infelizmente, ainda de todo proscripto d'entre
nós. Os poderes publicos ainda não prestam aos
nossos monumentos toda a attenção e vigilante
solicitude que, para
a sua conservação, elles demandam, e a honra e
bom nome do paiz com tanta justiça reclamam. E
não basta que se attenda á
conservação dos monumentos commemorativos dos
grandes factos historicos, e ao mesmo tempo opulentos d'arte. Merecem o
nosso apreço e cuidados todos os padrões que
interessam, de qualquer maneira, aos annaes da
nação e á historia da arte.
Não obstante os differentes elementos de
destruição, que tem actuado entre nós,
ainda existem de pé n'este reino não poucas
egrejas anteriores
á
[9]
fundação da monarchia, ou contemporaneas do nosso
primeiro rei, ou construidas sob o sceptro dos seus immediatos
successores. São pequenos e de
construcção mesquinha todos esses templos, tendo
por feição principal a mesma simplicidade e
pobreza, que distinguiam n'essa epocha o viver da
nação. Todavia, embora o acanhamento das
proporções, e a simplicidade da architectura
corram parelhas com a pobreza das memorias historicas, todas essas
egrejas são exemplares de subido valor para a historia da
arte em Portugal, tanto mais quanto é tristemente certo, que
os grandes templos, levantados nos principios da monarchia,
têem sido mascarados e desfigurados, por occasião
das
reedificações, como aconteceu ao de
Alcobaça, á Sé de
Lisboa, e a outros, ou desappareceram, como o de Santa Cruz de Coimbra
e o de S. Vicente de Fóra, em Lisboa, para em seu logar se
edificarem outros mais vastos e mais sumptuosos.
Pois essas preciosas reliquias de tão remota antiguidade que
têem resistido ao duro embate das tempestades no correr de
tantos seculos, zombando até agora dos cataclysmos da
natureza e dos furores do camartello, acham-se presentemente
ameaçadas, pelo menos algumas d'ellas, de perderem, em
reconstrucções dirigidas sem amor da arte, e sem
respeito aos monumentos de remotas éras, as suas primitivas
e venerandas feições.
E ao mesmo passo vão desapparecendo das velhas parochias
sertanêjas as suas antigas alfaias, vendidas por uma
bagatella, a titulo de alcançar
[10]
meios para
reparação do edificio, e os seus vasos
sagrados dos seculos anteriores ao XVIII, de muita belleza e
primôr artistico, a troco de outros de fabrica moderna, mais
luzentes e vistosos, porém destituidos da formosura e
elegancia das fórmas, e da delicadeza e
perfeição do trabalho
esculptural, que dão fóros universaes de
preeminencia
á ourivesaria, principalmente dos seculos XV e XVI.
Os compradores d'objectos d'arte e de industria, antigos, que vem a
Lisboa todos os annos do estrangeiro, sobretudo de França e
da Allemanha, percorrem as nossas provincias em todas as
direcções; apparecem em todas as cidades, nas
villas e nas proprias aldeias, tentando com dinheiro á vista
os possuidores d'essas preciosidades, que não sabem
aprecial-as, desconhecendo-lhes o valor.
É mister por honra do paiz, e por exigencia imperiosa dos
interesses publicos, que se trate de pôr algum
côbro, quando não possa obstar-se
inteiramente, á assolação ou
deformação d'aquelles monumentos da antiguidade,
e a esta continua expropriação das nossas
riquezas artisticas, documentos irrecusaveis do alto grau de
florescencia nas artes, e por conseguinte de
civilisação, que Portugal
attingiu n'esse glorioso passado.
Um dos meios inquestionavelmente mais adequado, seria oppôr a
essa torrente devastadora a
illustração e o zelo dos parochos,
illustração e zelo
provenientes de conhecimentos especiaes para saberem apreciar aquelles
objectos, ricos d'arte e de memorias
[11]piedosas, que os
estranhos nos
cobiçam, e que os nacionaes malbaratam por ignorancia.
Se os parochos tivessem algumas noções de
archeologia religiosa, não consentiriam, certamente, que as
suas egrejas perdessem, com feições
bastardas, o typo primitivo que as ennobrecia, nem haviam de tolerar,
que fossem despojadas, por compra ou troca, dos seus vasos sagrados e
alfaias antigas, que são nos templos verdadeiros
brazões da sua nobreza, e testemunhas authenticas,
eloquentes na sua propria mudez, do amor da religião dos
nossos antepassados, que n'elles se casava com o amôr da
patria. E não limitariam esses parochos a sua
acção benefica, sem duvida, a salvaguardar as
preciosidades artisticas das suas egrejas; mas não deixariam
tambem, em casos identicos, de dispensarem aos parochianos os conselhos
do seu saber e da sua experiencia.
Foram estas considerações retemperadas pelo
affecto que todos devemos á terra, que nos serviu de
berço, e ás Santas Crenças, que
recebemos dos maiores, que moveram a Real
Associação dos
Architectos e Archeologos a elevar ao esclarecido juizo dos Prelados
Portuguezes o pedido de instituirem nos seus respectivos seminarios uma
cadeira de archeologia religiosa.
É uma sciencia muito complexa a archeologia, não
ha duvida, pois que cada uma das partes, que a compõem, e
que se subdividem, a seu turno, em outras partes de materia amplissima
para o estudo, constitue um ramo importante dos conhecimentos
[12]humanos, que
demanda
muita applicação para ser bem sabido.
Porém, no que diz respeito á archeologia
religiosa é um estudo muito limitado, facil e agradavel, e
que póde restringir-se, querendo abrevial-o, estabelecendo
o ponto de partida da invasão dos povos septemtrionaes e
destruição do imperio romano; ou dos tempos mais
proximos da fundação da
monarchia portugueza. O que é mister é que se
dê nos seminarios aos futuros parochos a
instrucção precisa para que conheçam
os differentes estylos architectonicos, empregados nos templos do
christianismo; a epocha da sua introducção em
Portugal, e as modificações, que tiveram aqui,
determinadas
pelo estado da nossa civilisação e pelos habitos
e costumes da sociedade. É indispensavel, tambem
ministrar-lhes eguaes conhecimentos em relação
á ourivesaria religiosa, e ás mais artes liberaes
e mechanicas, que, no correr da éra christã,
têem concorrido com os seus productos para o
serviço dos altares, e para a
ornamentação das egrejas.
Os parochos assim instruidos não deixarão de
apreciar devidamente, e de velar com verdadeiro zelo pela
conservação dos edificios e dos
objectos concernentes ao culto, venerandos pelas
tradições
religiosas e pela consagração dos seculos, e
dignos de grande estima pelo seu valor artistico ou archeologico.
Ignacio de Vilhena
Barbosa.
[13]
Resumo elementar de archeologia christã
CAPITULO I
Principios da arte christã no Occidente
PRIMEIRO PERIODO
CAPITULO II
Summario.―Descripcão
das
catacumbas de Roma―Principios artisticos e
classificações das pinturas das
catacumbas―Symbolos ou allegorias dos primitivos
christãos―Representação de Jesus
Christo e de Nossa Senhora―Imagens dos Santos―Monogramma de
Christo―Lampadas―Sarcophagos christãos―Vasos de
sangue―Monumentos christãos fóra das
catacumbas―Edificios religiosos construidos nos tres primeiros
seculos―Cemiterios á superficie do
solo―Alfaias e
instrumentos do culto.
Os mais numerosos monumentos christãos que se offerecem para
o estudo da archeologia christã
são os cemiterios subterraneos da cidade de Roma. Os
christãos continuaram a escavar nas antigas pedreiras da
cidade novas catacumbas depois do reinado de Constantino, e durante os
quatro ou cinco seculos seguintes, transformaram as catacumbas em
logares de peregrinação. Fizeram-se
restaurações e embellezamentos n'estes
sanctuarios até ao fim do seculo VIII.
As catacumbas eram destinadas a tres fins: o primeiro e principal era
servirem de cemiterio aos christãos. Os tumulos ficavam
dispostos nas paredes uns por cima dos outros formando fileiras de tres
a doze. Os corpos eram collocados em nichos oblongos, fechados por
tampas de marmore, ou por tijolos ordinariamente em numero de tres,
ajustados perfeitamente com cal.
[14]
N'estas galerias veem terminar em muitos sitios camaras sepulchraes.
São especies de covas funerarias, no fundo das quaes se
encontra muitas vezes, debaixo de uma abobada, um tumulo encerrando os
restos mortaes de algum martyr illustre. Estes tumulos serviam de altar
no dia anniversario do martyr, em que os christãos vinham
fazer as suas orações.
A fórma dos sepulchros era variadissima: ha-os circulares,
semi-circulares, octogonaes, hexagonaes e pentagonaes; comtudo a maior
parte são quadrados.
O segundo fim a que destinavam as catacumbas era servirem de logar de
reunião para ahi celebrar as ceremonias do culto. Foi para
fazerem as suas assembléas religiosas que os primitivos
christãos construiram, nos seus cemiterios subterraneos,
oratorios, compostos a maior parte das vezes de dois ou tres sepulchros
contiguos, e que se designam pelo nome de
basilicas das
catacumbas.
O terceiro fim das catacumbas era tambem servirem de retiro ao
Pontifice, ao clero e aos fieis no tempo da
perseguição.
A historia das catacumbas póde dividir-se em tres periodos
principaes: o periodo da formação, o periodo da
restauração e de visitas piedosas, e
o periodo de explorações scientificas.
O primeiro periodo abraça os quatro primeiros seculos. No
decurso do seculo IV viu-se diminuirem as sepulturas subterraneas pelo
augmento dos tumulos á superficie do solo. Depois do anno
410 não se encontram sepulturas nas catacumbas.
[15]
O segundo periodo estende-se desde os primitivos annos do seculo V
até ao principio do seculo IX.
Chamam-se cryptas historicas as camaras sepulchraes em que repousavam
os restos de martyres illustres.
O ultimo periodo, de explorações scientificas,
data do anno de 1578.
No mez de maio de 1578, uns trabalhadores que se occupavam em extrahir
pozzolana n'uma vinha, a duas milhas da cidade de Roma, descobriram uma
abertura que dava para um cemiterio christão decorado de
pinturas, de sarcophagos e de inscripcões.
Estas pinturas pertencem a epochas differentes, e algumas ao primeiro
seculo da nossa éra. As do seculo II são mais
numerosas, porém as do seculo
III são ainda em muito maior numero.
A maior parte das decorações das paredes das
catacumbas foram executadas a fresco, sendo feitas algumas com mosaicos
em limitado numero.
Os antigos artistas contentavam-se em traçar a
silhuêta dos personagens e dos objectos, enchiam em seguida o
espaço comprehendido entre os contornos por côres
lisas ou illuminuras, e indicavam convencionalmente as rugas dos fatos
com traços cheios e as saliencias com traços
finos. Faziam o contrario do que se praticava desde o seculo VI,
desprezando, na representação dos assumptos, os
accessorios.
As pinturas dos tumulos, em fórma d'arco, apparecem
[16]
sobre um fundo ornado,―um
assumpto com muitas figuras traçadas dentro de molduras de
fórma quadrada ou semicircular.
Os ornatos são na maior parte
imitações de objectos usuaes, açafates
com fructos ou grinaldas de flores, sendo imitado este genero de
decoração de
pintura da arte pagã.
Nas catacumbas representava-se ordinariamente Jesus Christo debaixo da
fórma do Bom Pastor.
As imagens do Redemptor não se encontravam isoladas,
apresentando todos os caracteres das pinturas posteriores a muitos
seculos á conversão de Constantino.
A Santa Virgem é figurada nas pinturas das catacumbas sobre
os vidros dourados e os sarcophagos dos seculos primitivos, estando
sentada, com o Menino Jesus ao collo.
A adoração dos Magos recordava aos fieis tres
dogmas: a vocação dos infieis, a Divindade de
Nosso Senhor, e a Maternidade Divina.
Os primitivos christãos representavam tambem a Virgem com ou
sem o Filho, debaixo da forma d'uma
orante, isto
é, em
pé e levantando os braços n'uma attitude de
supplica. Muitas imagens são anteriores ao seculo IV.
Jesus Christo multiplicando os
pães: figura a Santa Eucharistia, como sendo
alimento das almas.
O Salvador é representado em geral debaixo da figura d'um
mancebo imberbe vestido com manto e tunica ornada com duas bandas de
purpura.
[17]
O paralytico curado é
representado no momento em que, deixando a piscina, leva a sua cama
ás costas. Está vestido com uma tunica e cinta e
uma especie de ceroulas.
Jesus resuscitando Lazaro:
é representado Lazaro debaixo da fórma d'uma
pequena mumia envolvida em pequenas fitas e collocada na
posição vertical á entrada do tumulo,
que tem a fórma de um edificio ou pequeno templo.
As representações de
refeição dividem-se em duas classes conforme
symbolisam a Eucharistia, ou a felicidade dos predestinados
á
bemaventurança.
A felicidade dos predestinados é symbolisada por um banquete
ao qual servem o Amor e a Paz, porque estes dois gosos eram tidos como
os principaes do Paraiso.
Jesus Christo rodeado dos seus
discipulos: representa o ensino dado aos apostolos e a
celebração da ultima ceia do Senhor.
As imagens dos Santos encontram-se nas cryptas historicas, e todas em
geral são posteriores á
conversão de Constantino. Muitas são ornadas de
resplendor, que só foi dado aos Santos no principio do
seculo VI.
A scena do Orpheu tocando lyra, tirada da mythologia, é
muito commum nas pinturas das catacumbas e sobre os monumentos
christãos dos primeiros seculos.
Entre os primeiros christãos, Orpheu deleitando os animaes
ferozes com os sons da sua lyra, era
[18]
um symbolo de Jesus Christo domando as
paixões dos homens e attrahindo-os com os encantos da sua
doutrina.
Os primeiros christãos reproduziam de differentes maneiras
as quatro estações sobre as paredes das
catacumbas e sobre os sarcophagos, porque as
estações symbolisavam aos olhos dos
christãos a futura resurreição.
Os primitivos christãos serviam-se dos symbolos, em primeiro
logar, para subtrahir á irrisão dos infieis as
mais augustas verdades da religião, e em segundo logar, para
se conhecerem entre si. Os mais antigos d'estes symbolos eram a pomba,
o peixe, a barca, a lyra e a ancora.
Durante os primeiros tres seculos da Egreja, o peixe era um dos
symbolos mais divulgados entre os christãos para
significarem Jesus Christo. Empregava-se de dois modos, como nome e
como figura. A palavra
ichtus, que significa
peixe, fornece as iniciaes das palavras
Jesus Christo Filho
de Deus.
O peixe representado sobre os monumentos pintados ou esculpidos tinha a
mesma significação, era um signal hyerogliphico
lembrando aos christãos a palavra grega e todas as verdades
que ella symbolisava. Tanto o acrostico como o peixe symbolico, era
principalmente gravado sobre as pedras e sobre os objectos portateis
para o uso da piedade dos primeiros christãos.
A Cruz que se encontra nos monumentos christãos dos quatro
primeiros seculos apresenta-se com
[19]
fórmas dissimuladas, de ancora,
que era ao mesmo tempo o symbolo da esperança, e serve desde
o primeiro seculo para recordar aos fieis o signal da
Redempção.
Empregou-se desde os primeiros seculos o cordeiro para representar
Jesus Christo.
Os primitivos christãos tinham por costume orar em
pé, com os braços estendidos e levantados para
o ceu. Na maior parte dos monumentos christãos primitivos
vêem-se fieis dos dois sexos, e principalmente mulheres em
attitude de
orantes.
A
orante symbolisa a alma
christã admittida no ceu e considerada esposa de Jesus
Christo. As duas arvores que em alguns monumentos se encontram aos
lados, designam o paraiso ou a felicidade eterna.
Encontra-se frequentemente nos primitivos monumentos
christãos de toda a especie a pomba, e principalmente nos
epitaphios dos seis primeiros seculos da nossa éra. Nos
tumulos symbolisa ordinariamente a alma pura e innocente dos fieis. A
oliveira que está ao seu lado ou o ramo d'esta arvore, que
muitas vezes tem no bico, são o symbolo da paz que gosa a
alma, e equivale á formula
in pace, tantas vezes empregada nos epitaphios.
A
palma tem sido em todos os tempos
o symbolo do triumpho; os christãos primitivos
collocaram-n'a nos seus tumulos para recordar a victoria ganha pelo
defuncto aos inimigos da fé.
O
monogramma de Constantino ou
simplesmente
monogramma são as duas
letras gregas X P ligadas da seguinte maneira:
[20]
Outro
monogramma cruciforme parece
ter existido no Oriente e tem a letra X com a fórma d'uma
cruz † onde está ligada na perpendicular
superior
a barriga da letra P:
As duas fórmas tambem se empregaram no Occidente.
A partir do meado do seculo IV, o monogramma é muitas vezes
acrescentado com mais duas letras gregas A e Ω, a
primeira e a ultima do seu
alphabeto.
O monogramma data da conversão de Constantino que mandou
fazer o
lábaro, que era encimado pelo
monogramma.
Durante os primeiros seculos da Egreja, o altar era apenas uma taboa de
madeira, servindo de mesa aos apostolos para celebrar os divinos
mysterios.
As catacumbas forneceram-nos mais tarde o typo dos altares em
fórma de tumulo. As tumbas
em arco
tinham uma prateleira
horisontal cobrindo os restos do santo martyr; sobre esta prateleira
é que se dizia a missa.
As lampadas que se encontraram nas catacumbas tinham a fórma
das
lucerncae dos antigos.
Assemelham-se a uma barquinha, que era um dos symbolos mais usados na
Egreja primitiva. A maior parte são de argila; tambem se
encontram algumas de bronze. Estas ultimas pertencendo a uma epocha
[21]
menos remota, são
quasi todas munidas de cadeias que serviam para as suspender nos tectos
das capellas.
Chama-se sarcophago (palavra derivada de
sarcos carne e
phagos eu
como) um tumulo de
marmore ou de porphyro mais ou menos ornado de esculpturas.
Podemos classifical-os em
simples,
mixtos e
ricos.
Os sarcophagos
simples apresentavam
a fórma de um cofre rectangular sem
ornamentação.
Na maior parte os sarcophagos eram adornados de um ornato que se
chamava
strigiles.
Os
strigiles são
canneluras de fórma sinuosa, imitando o raspador,
instrumento de que os antigos se serviam para tirar, na
occasião de se banharem, a humidade e os corpos estranhos
espalhados na superficie da pelle.
Os sarcophagos
ricos têem
as quatro faces, ou pelo menos tres, ornadas de esculpturas em baixo,
ou em alto relevo. Quando se reproduzem sobre uma mesma face muitas
scenas ou figuras, são justapostas simplesmente, ou
separadas por columnas ornadas de pampanos e de pequenos genios
colhendo fructos.
Muitos sarcophagos têem, no centro da face principal, um
medalhão circular, onde se vê em busto a figura do
defuncto. Os tumulos que serviam de sepultura a dois esposos,
têem dois bustos, e algumas vezes uma arcada central
apresentando, com a mesma significação, dois
personagens em
pé dando a mão e chorando.
[22]
Os sarcophagos
mixtos são
ornados parte com strigiles e parte com figuras gravadas a
traço ou esculpidas em relevo.
Os sarcophagos dos tres primeiros seculos foram escolhidos nas
officinas pagãs, ou esculpidos por artistas
christãos, segundo modelos profanos.
As scenas da Paixão propriamente dita, taes como a
flagellação, o coroamento de espinhos e a
crucificação, não se encontram
representados em monumento algum do primitivo christianismo.
Os christãos dos primeiros seculos punham muitas vezes nas
sepulturas objectos que tinham pertencido ao defuncto.
Encontram-se nos tumulos dos fieis: tecidos d'ouro, anneis,
bracelêtes e bijoterias, brinquedos de
creança, relicarios portateis, vasos de vidro ou d'argila
collocados ordinariamente perto das cabeças dos cadaveres,
instrumentos de supplicio.
Vasos de sangue. Entre os signaes
certos do martyr o principal é o vaso de vidro ou d'argila,
que serviu para recolher
o sangue do
martyr, collocado dentro do tumulo, ou no exterior do nicho
sepulchral.
Objectos collocados no exterior do
tumulo. Entre estes objectos, uns são executados
pela mão do homem, outros não o são.
Podem classificar-se, na
primeira cathegoria, os
baixos
relêvos, as estatuetas, os pequenos
bustos,
e os fragmentos
de esculpturas em pedra e em marmore, os cacos de louça, os
fragmentos de
vasos de
crystal e de
vidro
esmaltado e
dourado, os prismas e as
pequenas
placas
[23]
de
mosaico, os anneis, os collares, os
bracelêtes, e um grande numero d'outros objectos de
toilette
feminino, d'ambar, ouro, marfim e nacar, os brinquedos de
creança, as folhas de taboa de escrever, as placas de
bronze, as guarnições e os ornamentos para portas
e cadeiras, d'ouro, marfim, bronze e ferro, os camapheus, as moedas e
as medalhas, os utensilios de cosinha; n'uma palavra, tudo desde o
objecto mais ordinario até ás joias mais
preciosas.
Encontram-se tambem fragmentos brutos de toda a especie de substancias,
os mais diversos objectos naturaes e os mais extravagantes;
pedaços de tufo, estilhaços de pedra ou de
tijôlo,
caróços de fructos, folhas d'arvore ou de planta,
dentes e ossos d'animaes, caracoes, cascas de mexilhão e
d'ôstra, conchas, etc.
Estes objectos fixos ao cimento, eram dispostos de maneira que podessem
desenhar figuras de que facilmente se podesse fazer idéa.
Outros monumentos christãos dos tres
primeiros seculos além das catacumbas.
Occupar-nos-hemos dos edificios religiosos construidos sobre a terra,
dos cemiterios construidos ao ar livre, dos paramentos sagrados e dos
instrumentos do culto, anteriores á
abjuração de Constantino.
Sabemos por documentos historicos que muitas pessoas abastadas tinham
em seus palacios oratorios onde os soberanos Pontifices vinham celebrar
os Santos Mysterios na presença da multidão dos
[24]
fieis. Muitos d'estes oratorios
foram substituidos, depois da abjuração de
Constantino, por
basilicas, ás quaes deram o nome das pessoas piedosas que
haviam cedido á egreja o direito de propriedade; e se mais
tarde estas pessoas ficavam consideradas no numero dos Santos, estas
basilicas eram-lhes dedicadas.
A mais remota menção d'um templo
christão data do tempo de Alexandre Severo, que foi
imperador desde 222 até 235.
Não é conhecida a fórma nem a
distribuição interior d'estas primitivas egrejas.
Os unicos monumentos notaveis dos tres primeiros seculos,
até hoje conhecidos, são as
cellas dos cemiterios, ás quaes se deu
tambem o nome de
basilicas, desde o principio do
IV
seculo.
Estes pequenos edificios, construidos nos cemiterios, serviam para
ponto de reunião dos fieis.
Cemiterios ao ar livre. As
sepulturas christãs foram estabelecidas, desde o principio,
ao ar livre.
Estes cemiterios, designados em geral pelo nome de
d'areae[2]
eram, do mesmo modo
que as catacumbas, situados fóra das portas das cidades;
porque as leis romanas prohibiam severamente as
inhumações dentro dos muros.
Depositavam-se os cadaveres, quer em simples fóssas, algumas
vezes revestidas interiormente de tijólos e de lages, quer
em pias de pedra, ou
caixões de madeira mettidos debaixo da terra. As paredes dos
tumulos mais ricos eram, dadas certas
[25]
circumstancias, rebocadas de argamassa, ou
estucadas e decoradas com pinturas
a
frêsco, semelhantes ás das galerias e
capellas sepulchraes
das
catacumbas.
Paramentos e objectos do culto. Parece certo que,
durante os primeiros seculos, os paramentos sagrados
não se differençavam dos fatos
ordinarios, nem pela fórma nem pelo talhe.
Do mesmo modo que aproveitavam para os sagrados paramentos as
fórmas e os pannos dos fatos ordinarios, assim tambem
aproveitavam para o serviço dos altares os vasos ricos e
preciosos que haviam servido aos usos profanos.
CAPITULO III
Summario.―Estylo Latino―Estylo
Bysantino―Fórmas das Basilicas―Origem da Basilica
Christã―O
Narthex―Orientação das Basilicas e Egrejas
Christãs―Egrejas cruciformes, circulares e
polygonaes―Cryptas―Baptisterios―Oratorios domesticos―Templos
pagãos e edificios profanos apropriados em Egrejas
Christãs―Systema e regras de
construcção―Decoração
monumental―Narthex, fachadas e portaes das Basilicas―Janellas e a
maneira de as vedar.―Madeiramento do cume dos
edificios―Torres―Pinturas representadas em mosaico―Pavimento nos
edificios―Altares―Ciborium―Ambon, Tribuna para
as leituras da Biblia―Poltrona para os bispos e bancos para os
sacerdotes―Cemiterios―Monumentos funerarios―Sarcophagos―Tumulos
subterraneos―Objectos com symbolos christãos achados nas
sepulturas―Alfaias religiosas―Calices e
Patenas―Custodias―Relicarios―Pombas e torres―Accessorios do
altar―Corôas de metal precioso suspensas sobre o
altar―Dipticos―Encadernação dos livros dos
Evangelhos―Estofos religiosos―Paramentos sacerdotaes―Jesus Christo
sob fórmas symbolicas―Os Apostolos S. Pedro e S. Paulo.
Periodo Latino e Bysantino. A
architectura christã póde considerar-se dividida
em dois ramos
[26] perfeitamente
distinctos. O
primeiro, que se poderá chamar o
Estylo Latino,
foi adoptado
pela egreja Latina, isto é, na Italia, na Illyria, na
Dalmacia e em toda a Europa Occidental. É caracterisado pela
imitação mais ou menos correcta da architectura
classica, greco-romana. O outro estylo, formado por elementos orientaes
e romanos, nasceu em Constantinopla, e ahi se desenvolveu, formada sob
a influencia Oriental, uma configuração
inteiramente nova: deram-lhe o nome de
Bysantino.
O Estylo Latino predominou no Occidente até ao principio do
seculo VIII; e o Estylo Bysantino no Oriente, até
á tomada de Constantinopla pelos
Musulmanos, em 1453.
Chamou se
Latino o estylo do
imperio do Occidente, em primeiro logar porque, derivando do Estylo
Romano ou Classico, foi empregado nos paizes em que a lingua
latina
era a lingua
ecclesiastica e vulgar; em segundo logar, porque existiu tanto tempo
como aquella lingua, approximadamente.
O Estylo
Bysantino tem o nome
derivado de Bysancio ou Constantinopla, capital do imperio do Oriente.
Estylo Latino. A architectura
greco-romana chegou ao seu apogêo durante os dois primeiros
seculos da era christã. A sua decadencia começou
no seculo III, afastando-se da nobre simplicidade do Estylo Classico.
No seculo IV, ainda mais se pronunciou a sua
degeneração.
Começaram então a desmanchar os antigos
monumentos
[27]
para em seu logar
construir e decorar mais facilmente os novos. Tal era o estado da
architectura no Occidente, quando foram construidos os primeiros
monumentos christãos do periodo
Latino.
Fórma das basilicas. As
basilicas profanas eram vastos edificios
construidos no
Forum, ou nos arredores das praças
publicas. Serviam para ponto de reunião dos vendedores,
assim como de outros individuos que se occupassem de negocios. Era
n'ellas que os magistrados administravam Justiça.
As
basilicas christãs
foram construidas segundo o modêlo das basilicas profanas;
sómente, em vez de se construirem ao longo das
praças publicas, eram precedidas de um pateo quadrado, com o
fim de as afastar do ruido e do tumulto da rua. Tinham, como as
basilicas profanas, a fórma d'um rectangulo mais ou menos
alongado e compunham-se de tres partes principaes―o
pateo
ou o
atrium; a
nave e o
Sanctuario.
O
narthex abria-se ao fundo do
atrium. Era uma especie de vestibulo, propriamente dito, formado pelo
portico transversal contiguo á fachada da basilica.
Esta primeira parte da basilica era occupada, durante o officio, por
aquelles a quem as leis ecclesiasticas prohibiam tomar parte nas
assembléas dos fieis.
Do
narthex, entrava-se por uma, tres
ou cinco portas para a basilica, que era ordinariamente
[28]
dividida em tres naves por duas ordens de
columnas.
A da direita, reservada para os homens, e a da esquerda para as
mulheres.
Avançando pela nave dentro, encontravam-se os
ambons,
pulpitos destinados
á leitura dos Santos Evangelhos para as prédicas,
e á
promulgação das leis ecclesiasticas.
Entrava-se emfim na terceira parte da basilica, a parte mais Santa e
mais veneranda, aquella onde os seculares não podiam
penetrar, e que se chamava o
Sanctuario.
O altar occupava a parte central do Sanctuario, e tinha frente para uns
poucos de lados.
Atraz do altar desenvolvia-se o
abside de fórma semi-circular e coberto
ordinariamente com uma meia cupula.
A cadeira do Bispo era collocada ao fundo do
abside,
e para ella se subia por
uns poucos de degraus. Aos lados da cadeira episcopal, se achavam,
contiguos ao hemicyclo do abside, os assentos ou bancos destinados aos
padres, que assistiam aos Officios Divinos.
A alteração mais notavel, que a
disposição interior das basilicas soffreu com o
andar do tempo, foi o accrescentamento do cruzeiro ou nave transversal,
entre o abside e a nave propriamente dita.
Orientação das basilicas e das
egrejas christãs. Chama-se
orientação uma
disposição particular, segundo a qual o eixo
longitudinal d'um edificio, d'um tumulo, etc., se dirige uma
disposição particular, segundo a qual o eixo
longitudinal d'um edificio, d'um tumulo, etc., se dirige do Occidente
para Oriente.
[29]
Desde a primitiva que a egreja christã adoptou o costume de
orar voltando o rosto para o Oriente.
O costume de orientar as egrejas foi dos primeiros seculos do
Christianismo.
Ha dois modos inteiramente oppostos d'orientar as egrejas. N'um, usado
antigamente, a fachada principal forma a parte Oriental do edificio e a
capella-mór do lado do Poente. N'outro, que preponderou mais
tarde, a posição de todas as partes da egreja
é completamente trocada, a fachada está voltada
para o Occidente, e a capella-mór para o Oriente.
O primeiro modo d'orientação não durou
muito tempo. Nos seculos V e VI, a começar no V, se
construiram muitas egrejas com a capella-mór voltada para o
Oriente. No Occidente a mudança effectuou-se lentamente,
pois só se completou durante o seculo XIII.
Cryptas. A maior parte das basilicas
foram edificadas nos mesmos sitios onde tinham sido sepultados os
restos mortaes d'um Martyr, ou de qualquer Santo illustre.
Nas primitivas basilicas, o altar era situado mesmo sobre a sepultura.
As galerias e capellas subterraneas, que mais tarde foram substituidas,
tiveram o nome de
cryptas, da palavra grega que significa,
eu
escondo.
Estas galerias abobadadas transformaram-se muito tarde em verdadeiras
capellas, ou egrejas subterraneas, por debaixo de todo o
presbyterium;
bastante vastas para necessitarem o emprego de columnas
[30]
que recebiam os arcos das abobadas,
formando assim muitas naves.
Baptisterios. Distinguem-se tres
especies de baptismo: o baptismo por
immersão,
o baptismo por
aspersão, e o baptismo
por
infusão ou
affusão.
O primeiro ministra-se mergulhando na agua todo o corpo; no segundo e
terceiro, o ministro, de longe ou de perto, lança a agua
sobre a cabeça do
neophito. O baptismo por immersão foi usado até
ao seculo XII; a começar d'esta épocha,
principiou a ser substituido, na egreja Latina, pelo baptismo por
infusão, do qual até ali se não
serviam, a não ser para os doentes em perigo de vida.
Primitivamente era reservada aos Bispos a
administração do Solemne Baptismo. O Bispo
mergulhava tres vezes o neophito, invocando de cada vez uma das Pessoas
da Santissima Trindade.
Depois da abjuração de Constantino, quasi se
generalisou por toda a christandade o baptismo ministrado nos edificios
particulares situados ao lado das principaes egrejas, e especialmente
das cathedraes.
Os baptisterios tinham em geral a fórma circular ou
octogona, mas alguns havia quadrados, e outros ainda em
fórma de cruz grega. As pias baptismaes eram muito grandes,
porque muitas vezes se ministrava a adultos o baptismo por
immersão.
Templos pagãos e edificios profanos
convertidos em egrejas christãs. Os templos
pagãos não se prestavam em geral para o culto
christão, em consequencia das suas diminutas
proporções.
[31]
Entretanto alguns foram convertidos, com ligeiras
modificações, em egrejas christãs, e
outros foram-lhes encorporados.
A maior parte d'estas transformações datam do
reinado do imperador Theodosio (383-385), e dos seus successores
immediatos.
Tambem houve monumentos civis que foram transformados em egrejas
christãs; taes como as thermas e os banhos, que entre os
romanos excediam em magnificencia os proprios templos.
Caracteres do Estylo Latino. As
basilicas christãs foram muitas d'ellas construidas,
aproveitando para isso monumentos mais antigos. Mas em consequencia das
basilicas serem muito mais vastas do que os templos pagãos,
tornava-se por isso não raras
vezes necessario desmanchar muitos d'esses monumentos para construir
uma só basilica.
A architectura estava n'uma tal decadencia, que muitas vezes chegavam a
reunir fragmentos de dimensões e estylos differentes, e
ajustavam-nos o melhor que podiam.
Se, por exemplo, se tratava de columnas provenientes de diversos
monumentos, não pertenciam muitas vezes á mesma
Ordem d'architectura; tendo portanto os fûstes e os capiteis
de alturas differentes, enterravam os fustes, ou os collocavam sobre
soccos. O desvio e a distancia relativa das columnas variavam dentro de
limites excessivos.
A unica innovação d'alguma importancia
introduzida nas construcções, foi a
substituição da
arcada pela architrave.
[32]
Nas regiões onde escasseavam monumentos antigos, os
edificios do periodo Latino eram em geral muito pequenos, baixos e
pobremente decorados, muitos até de madeira.
Apezar do que acabâmos de expôr, no seculo V e VI,
construiram-se em Ravenna muitos monumentos importantes (dos quaes
ainda alguns se conservam), sem que fôsse necessario recorrer
á
devastação que tiveram os anteriores; o que prova
existir n'aquella epocha em Ravenna uma brilhante escola de habeis
constructores.
Materiaes de
construcção. As basilicas e os
monumentos do periodo Latino eram construidos com pedras d'alvenaria
regulares, quasi sempre quadradas, de mediano preparo, e tambem com
tijolos chatos, ficando separados por uma espessa camada de cimento.
Muitas vezes tambem os muros eram formados por cordões de
uma, duas ou muitas faxas de pedras d'alvenaria alternadas com outras
compostas de uma ou duas fiadas de tijolos.
Decoração dos
monumentos. O periodo Latino não foi epocha de
esplendor para a architectura ornamental.
O
ábaco dos capiteis
recebeu, durante o periodo Latino, dimensões e um
esvasamento taes que muitas vezes parecia ser um capitel
sobrepôsto sobre outro. A frente do ábaco era
adornada, do lado da nave principal, com um symbolo, que algumas vezes
era o monogramma do fundador, e em geral havia uma Cruz d'ordem Trina
isolada, ou inscripta
[33]
n'um
circulo. Chama-se Cruz de Ordem Trina aquella cujos braços
são mais largos nas
extremidades do que no ponto de intersecção dos
ramos. Esta cruz, quer só, ou entre dois cordeiros, ou entre
dois passaros, com a frente um para o outro, foi um dos symbolos
christãos mais usados durante o periodo Latino.
Narthex, fachadas e portaes das
basilicas. O narthex interior occupava o fundo do atrio, e
era formado pelo portico contiguo á fachada principal da
basilica. Communicava pelos extremos com as galerias que rodeavam o
atrio; como se observa na egreja de Villarinho de S. Romão,
na provincia do Douro.
Nas basilicas latinas, quando a configuração do
terreno não permittia estabelecer o atrio e o narthex,
substituiam algumas vezes estes, por galerias altas collocadas no
interior do edificio ao longo da nave.
Os portaes das basilicas eram construidos segundo o modelo dos portaes
ricos do estylo classico.
As portas dos portaes das basilicas eram de bronze ou de madeira.
Algumas das portas de bronze, das primeiras basilicas, provieram de
monumentos pagãos. No seculo IX, a egreja de Santa Maria
Maior, em Roma, tinha portas de prata.
Janellas e vidraças. As
janellas das basilicas eram rasgadas d'alto a baixo, e de volta
inteira.
Serviam de vidraças a estas janellas grandes laminas de
marmore ou de pedra, atravessadas de
[34]
buracos para por elles penetrar a luz no
interior dos edificios. Mais tarde, estas laminas foram vasadas de
maneira que offereciam á vista os mais complicados desenhos.
Na Europa Occidental e Septemtrional, em que as laminas de pedra e de
marmore escasseiavam, guarneciam as janellas com caixilhos de madeira.
As clara-boias muitas vezes não tinham cobertura,
principalmente nos paizes meridionaes; e n'outros eram vedadas com
laminas de pedras translucidas ou de placas de alabastro.
Desde o seculo VII que começou a haver vidraças
com vidros brancos e esverdeados, e até mesmo com vidros de
differentes côres. Não
appareciam ainda figuras, nem ornatos alguns, pintados sobre os vidros;
as vidraças com vidros de côr eram formadas por um
grande numero de vidros coloridos, cortados de differentes modos e que
se reuniam de certa maneira, a fim do conjuncto representar figuras de
fórmas regulares.
Desde o reinado de Constantino, os grandes edificios apenas se cobriam
com madeira.
A maior parte d'esta construcção ficava visivel
no interior dos edificios. Em alguns, as naves tinham tectos de madeira
com pinturas diversas, representando caixões ricamente
adornados e dourados.
Raras eram as basilicas que desde a sua fundação
tinham possuido torres. Os campanarios que hoje se vêem
proximo das antigas egrejas de Roma, são quasi todos
posteriores ao seculo VIII. As
[35]
torres do
periodo Latino
são na maior parte de fórma circular ou
octogonal.
Nas grandes basilicas as abobadas esphericas do abside e o Arco
Triumphal, e algumas vezes tambem as paredes comprehendidas entre as
janellas altas da nave e das arcadas que ligam as columnas, ficavam
revestidas com vistosos mosaicos.
Os materiaes mais ordinariamente empregados n'este genero de trabalho,
eram folhas de marmore e pedaços de vidro.
Em muitas basilicas de Roma, o abside abobadado em forma de esphera tem
ao centro a imagem de Jesus Christo em pé ou sentado, com o
braço direito erguido, ou lançando a
benção, e com um rolo de papel ou um livro
collocado á sua esquerda. Aos lados do Salvador
estão representados os Apostolos, ou outros Santos. O
sólo que pisam é o da Judeia, o que se conhece
pela
representação do rio Jordão, cujo nome
é muitas vezes inscripto debaixo dos pés de Jesus
Christo, e pela presença das palmeiras, que foram, desde o
primeiro seculo da era christã, o symbolo da Terra
promettida. Logo abaixo do abside se estende, em toda a largura, uma
zona estreita, no centro da qual se vê o Cordeiro Divino
coroado com ou sem a Cruz, collocado sobre um outeiro d'onde brotam os
quatro rios do Paraíso: Geham, Phison, o Tigre e o
Euphrates, symbolos dos Evangelistas. Doze cordeirinhos, seis de cada
lado, se dirigem para o cordeiro symbolico, e parecem sahir das
[36]
cidades Santas de Jerusalem e
Bethlem, que occupam os extremos da composição, e
se acham
representadas por varias portas e muralhas com ameias. Estes
cordeirinhos symbolisam os fieis.
Alguns mosaicos representam o sonho de S. João, isto
é, os quatro animaes, symbolos dos Evangelistas; e os vinte
e quatro velhos, vestidos de mantos brancos, offerecendo coroas ao
Cordeiro.
Para piso das basilicas, os primitivos christãos serviam-se
dos differentes processos de empedramento, como os romanos usavam. Mais
tarde, estes processos foram substituidos por um trabalho de novo
genero, chamado
opus
alexandrinum, assim designado por ter sido usado
primeiramente na Alexandria. Estes empedramentos consistiam em um
conjuncto de variados marmores em que predominavam os porphyros verdes
e vermelhos; pareciam como um rico tapete estendido no sólo.
O empedramento
alexandrino foi muito
pouco empregado na Europa Occidental e Septemtrional.
Havia tambem empedramentos em que sobresahia a prata e outros metaes
preciosos.
Parte do piso do Sanctuario da basilica do Vaticano é de
palhetas de prata; mas o da capella de S. Pedro, da mesma basilica,
é de palhetas de ouro.
Nas catacumbas era mesmo sobre os tumulos dos martyres que se
celebravam os Santos Mysterios; porém, a começar
do seculo III, este uso foi approvado tambem pela Egreja.
No Occidente, o altar era quasi sempre erigido
[37]
sobre o tumulo d'um martyr. Os restos
mortaes do Santo collocavam-se immediatamente debaixo do altar n'um
sarcophago, e ainda, na maior parte dos casos, ficavam depositados
n'uma crypta collocada debaixo do Sanctuario. Tanto na Grecia como no
Oriente, nunca em tempo algum, e até mesmo em nossos dias,
se fez d'um tumulo um altar, mas sim d'uma mesa, que recordava aquella
sobre a qual o Salvador instituiu a Eucharistia. Um altar
nunca
encerrava
reliquias. Desde o tempo de
Constantino, que data a maior parte dos altares das egrejas do
Occidente. No principio do seculo VI (517) o concilio de
Épona prescreveu, que todos os altares fossem de pedra, os
quaes foram adoptados pela razão symbolica de ser
considerado o Salvador a pedra angular.
Os altares de pedra d'essa épocha eram sempre formados por
uma especie de prateleira quadrada ou rectangular, para constituir a
mesa do altar propriamente dito. Esta mesa, muitas vezes, cobre um
sarcophago ou um tumulo de madeira; outras é sustentada por
um pé central em forma de
cippo e ainda outras posta em quatro, cinco e mesmo até seis
columnellos.
Havia altares formados de tres lages, das quaes duas se collocavam
verticalmente, servindo de supporte á terceira, collocada
horisontalmente, a fim de formar a mesa do altar. Encontram-se tambem
altares formados de cinco placas, tendo, pelo seu conjuncto, a
fórma de um cofre de pedra.
A Auréola era formada de folhagens e sustentada
[38]
por quatro anjos; Nosso Senhor
Jesus Christo fica collocado entre dois Cherubins, que facilmente se
reconhecem pelas suas asas abertas. Uma mão figurada no
remate superior da Auréola, é para
indicar a presença de Deus. É tambem adornada de
flores, para indicar que o assumpto se passa no Céu.
As esculpturas mostram que esta arte estava muito decahida no seculo
VIII. Essas figuras com posições grotescas e
forçadas, teem
todas o rosto de frente, e os membros desproporcionados,
sendo tudo d'uma imperfeição tal, que
é
difficil imaginar-se nada mais grosseiro e rude.
A inscripção, muito mal escripta, e n'uma
linguagem quasi inintelligivel, não é mais
esmerada do que as esculpturas.
Quando as faces dos altares das basilicas das grandes egrejas
não tinham esculpturas, eram
então revestidas de laminas de ouro e de prata, com engastes
de pedras preciosas, ficando cobertas de colchas bordadas,
representando algumas vezes assumptos sagrados.
Desde o seculo IV até meiado do XII, que as mesas dos
altares eram muitas d'ellas escavadas em fórma de bandeja em
toda a extensão do plano superior, tendo um
rebórdo de alguns centimetros de altura; às vezes
tinham ornatos esculpidos. Muitas mesas eram furadas nos angulos, com
um ou muitos buracos, cuja serventia ainda não foi possivel
descobrir. O altar era encimado por um
ciborium,
especie de docel ou
baldaquim, sustentado
[39]
por
quatro columnas de madeira ou de marmore e de metal.
Entre as columnas do
ciborium havia
umas cortinas ou reposteiros de corrediça, que se corriam
para occultar o officiante e o altar durante a
consagração.
O
ciborium, que data do seculo XII,
tem uma fórma um tanto differente da que foi posta em uso
durante o periodo Latino.
As cortinas dos antigos
ciboriums
eram em geral de preciosissimos damascos de seda e ouro, ou com ricos
lavores, guarnecidos de perolas, pedrarias e mesmo laminas de ouro e de
prata.
Primitivamente, cada egreja apenas tinha um altar. Comtudo mais tarde
houve egrejas no Occidente, que tinham muitos.
Os gregos e os orientaes nunca tiveram senão um altar nas
suas egrejas.
Os
altares portateis antigos
compunham-se, bem como os mais recentes, de uma prancha rectangular de
madeira, de pedra ou de metal, algumas vezes munida de uma moldura de
ouro ou de prata, e tendo no extremo um appendice para servir de punho.
Não se acharam altares portateis do periodo Latino,
não obstante parecer indubitavel que deveriam ser communs
n'aquelle periodo.
Uma tribuna, collocada no meio da nave principal das basilicas, era
destinada á leitura dos Santos Evangelhos e aos
sermões. Algumas egrejas possuiam tres: uma para o
Evangelho, outra para a Epistola e outra para as prophecias.
[40]
A tribuna do Evangelho tinha regularmente duas escadas. Perto d'ella
havia um enorme candelabro que servia para supportar uma grande tocha
chamada
o facho do Evangelho.
Nas basilicas christãs, o sanctuario e o côro eram
separados da nave por uma divisão, umas vezes occultando o
recinto, e outras ficando rendilhado, á altura de metro e
meio a dois metros acima do chão. Esta divisão,
chamada
cancello, era muitas vezes de marmore.
A cadeira episcopal ou
cathedra
occupava o fundo do abside. Era de pedra de marmore precioso, e elevada
tres degraus, pelo menos, acima do presbyterio.
Havia tambem cadeiras de marfim.
Aos lados da cadeira episcopal, e ao longo da parede do hemicyclo,
achavam-se os bancos destinados aos padres, chamados algumas vezes
exedrae, pelos auctores antigos. Eram muito
simples, e durante o officio cobriam-se com almofadas.
A partir do meado do IV seculo caíu a pouco e pouco em
desuso o enterramento nas catacumbas; e no principio do seculo
seguinte, desappareceu completamente. Os cemiterios estabeleciam-se
á roda da capella-mór das egrejas e das
basilicas, situadas fóra dos muros das cidades, com os seus
tumulos quasi sempre orientados.
N'estes cemiterios depositavam-se a maior parte das vezes os cadaveres
em covas de pedra e cal. Entre duas paredes parallelas e distantes
entre si
[41]
70 centimetros, pouco
mais ou menos, abriam-se, por meio de lages ou simples tijolos, nichos
de tamanho sufficiente para receber um cadaver. Estes nichos chegavam
ás vezes a disporem-se em dez ordens, umas sobre as outras.
Este systema foi o adoptado para as sepulturas dos cemiterios do IV, V
e VI seculos.
Algumas vezes tambem os cadaveres eram encerrados em sarcophagos, que
em seguida se cobriam com terra, ou se collocavam tanto ao ar livre
como debaixo de abobadas, no interior das egrejas e das basilicas.
Foi sómente no VII seculo que a Egreja começou a
permittir, ou antes a tolerar, as inhumações,
não precisamente no interior, mas em redor dos templos
situados dentro das cidades. Unicamente os bispos haviam até
ali gosado do privilegio de serem enterrados nas suas egrejas
Cathedraes.
Durante o periodo Latino foram muito raros os edificios isolados que se
construiram para servir de sepultura aos grandes personagens.
As esculpturas dos sarcophagos começaram a modificarem-se no
meiado do V seculo. Os assumptos biblicos desapparecem a pouco e pouco,
e são substituidos por imagens de Santos. A Cruz da SS.
Trindade ou o monogramma de Christo occupa, muitas vezes, o centro da
face principal dos sarcophagos, destinada antes para o logar do
Salvador, tendo aos lados pombas, pavões, palmeiras, parras
e outros symbolos.
As tampas são ornadas de Cruzes da SS. Trindade,
[42]
formadas pelo
entrelaçamento de Cruzes gregas e de Cruzes de Santo
André, isto é, em
fórma de X.
O meio da face principal d'alguns sarcophagos é occupado
pelo monogramma de Christo, que d'este modo preenche o logar do
Salvador. Os pavões aos lados do monogramma são
os emblemas dos Apostolos, e as pombas, bicando os cachos de uvas,
symbolisam os fieis alimentando-se do vinho eucharistico. A maior parte
dos sarcophagos eram de pedra ou de marmore; no entanto alguns havia de
chumbo e até mesmo de gesso.
Os
sarcophagos do IV seculo tinham
todos a mesma largura e a mesma altura nas extremidades; do V seculo,
apparecem muitos tendo o lado da cabeça mais largo que o dos
pés.
As
campas sepulchraes são
em geral indicio de uma sepultura subterranea. O seu uso é
muito remoto. As lages tumulares, assentes sobre os tumulos
subterraneos ou nos nichos ao longo das paredes, eram já
empregadas no V seculo, sendo muitas vezes esculpidas em relevo, e
tambem algumas ornadas com desenhos só a traço.
Por vezes
ajustavam na parede, onde existia qualquer sepultura, uma placa de
marmore ou de pedra, sobre a qual se gravavam symbolos, o nome do
defuncto, a sua idade, ou tambem o dia do seu fallecimento.
Os
tumulos dos cemiterios primitivos
podem-se dividir em tres classes, segundo os objectos que n'elles se
encontram. A primeira classe comprehende aquelles em que,
além do esqueleto, se não
[43]
encontra mais objecto algum, a não
ser ás vezes uma pequena faca: estes tumulos são
os dos servos ou pessoas de condição servil. Nos
tumulos da segunda classe, o esqueleto é acompanhado do
grande alfange de ferro, chamado
scramasaxe: são estes os dos homens
livres ou senhores feudaes. O homem livre gosava do privilegio de
trazer á cintura este instrumento, que com elle era tambem
depositado no tumulo. A terceira classe era constituida ordinariamente
por um certo numero de tumulos ricos em coisas de toda a especie,
principalmente em armas e objectos de toilette feminina: são
esses os tumulos dos chefes militares, dos guerreiros e membros da sua
familia.
O homem de guerra era sepultado com todo o seu equipamento, e ao lado
depositava-se a sua esposa, adornada com todas as joias que tinha usado
durante a vida.
As fivelas (fibules), que se encontram em tão grande numero
n'essas sepulturas tinham duas serventias.
As maiores serviam para fechar o boldrié de coiro onde se
suspendia o
scramasaxe.
Quasi todas são de ferro, sendo algumas marchetadas de prata
ou revestidas de laminas de prata, com lavores representando folhagens
ou figuras. Encontram-se algumas de bronze, e são as mais
bellas.
Ha tambem umas fivelas de bronze e de menores dimensões, que
serviam para ligar o vestuario á roda dos rins, para
individuos dos dois sexos. Estas
[44]
fivelas eram em geral menos lavradas que as do
cinturão. Algumas havia tambem de ferro.
Os alamares, broches ou
fibulas,
destinadas a unir sobre os hombros ou sobre o peito as duas
extremidades do vestuario, são sem duvida os objectos mais
interessantes que se encontram nas sepulturas dos cemiterios. Ha-os de
ouro, de prata, de bronze, e encontram-se sobretudo nos tumulos de
mulher.
Encontram-se tambem frequentemente nos tumulos de mulher, pregos para
segurar o cabello, com cabeças de aperfeiçoado
trabalho. Ha-os de ouro, de prata e de bronze, com grandes
comprimentos.
Os brincos das orelhas são em geral, assim como os pregos
para o cabello, pequenas obras primas de ourivesaria.
Compõem-se quasi sempre de um annel de grande diametro, ao
qual está ligado um pequeno botão de ouro cheio
de filigranas e de vidrilhos embutidos. Os
collares
que
frequentemente se encontram nas sepulturas de mulher,
compõem-se de contas, de fórmas e
dimensões differentes, enfiadas n'um cordel. As contas
são de vidro e de loiça de diversas
côres, e de coral natural ou
arredondado; tem-se tambem encontrado, mas raras vezes, contas de ouro
massiço. As de vidro e de loiça são,
em geral, pintadas com differentes
camadas de côres juxtapostas, que adherem pela cozedura,
reprezentando zig-zags, e outras muitas figuras estriadas. As
côres que predominam, são o vermelho, o amarello,
o verde, o pardo, o azul, o branco e o preto.
[45]
As
vasilhas de barro constituem o
complemento obrigado de todos os tumulos antigos. Encontram-se, quasi
sempre, uma ou duas aos pés do esqueleto. Parece que estas
vasilhas serviam aos pagãos para conterem agua lustral. Em
seguida á sua crença na verdadeira fé,
os convertidos ao Christianismo continuaram a encerrar vasilhas nos
tumulos, porém mudaram a significação
d'esta ceremonia funebre, substituindo a agua lustral pela agua benta.
A maior parte d'estas vasilhas são de barro preto e
vermelho. Muitas apresentam a fórma d'uma pequena urna,
tendo na parte superior do bojo ornatos de estylo muito rudimentar,
feitos em volta e por meio da ponta d'um instrumento cortante.
As
vasilhas de vidro, de
fórmas elegantes e variadas, que se encontram nas sepulturas
junto á cabeça ou aos pés do
esqueleto, mostram que a arte de vidraceiro já tinha
attingido um elevado gráu de
perfeição. O maior numero
são de vidro, d'um amarello esverdeado, soprado ou moldado;
algumas têem como ornato riscas delgadas, brancas ou de
côr, feitas depois da sopragem ou misturadas com a massa
vitrea.
A introducção do Christianismo entre os Francos
data do fim do seculo V. Não é por isso para
admirar o encontrarmos nos seus tumulos objectos ornados com symbolos
christãos.
O
calice occupa o primeiro logar
entre os vasos sagrados. Já os Apostolos se serviam de
calices para a celebração dos Santos Mysterios.
[46]
Nos primeiros seculos da egreja, os calices eram de madeira, de vidro e
até mesmo de chifre.
Depois da conversão de Constantino, é que se
começou a generalisar o uso dos calices de ouro e de prata.
Muitas vezes eram tambem ornados de pedrarias.
Existem calices de differentes especies. Os calices ordinarios, que se
compõem, como os de todas as idades posteriores, de uma
taça, um nó e um pé, tinham, em geral,
a taça de fórma
cylindrica, mais ou menos vasada, muito estreita e profunda. Os calices
da segunda especie eram os calices ministeriaes, que serviam para
distribuir aos fieis o precioso sangue, quando estava em uso a
communhão de duas especies na Egreja. Este uso foi abolido
no XIII seculo. Os calices ministeriaes, em geral, de grandes
proporções, tinham duas asas.
Havia ainda os calices das offerendas,
calices
offertorii, nos quaes os diaconos recebiam as
oblações de vinho; os calices baptismaes, que
serviam para dar aos novos baptisados uma mistura de leite e de mel; e
os calices de adorno, que nos dias solemnes eram suspensos na egreja,
nas proximidades do altar, ou collocados sobre a credencia.
A
patena, assim chamada do verbo
latino
patere,
estar aberto,
em consequencia da sua
fórma larga e pouco profunda, é um prato de
metal, de vidro, ou de qualquer outra substancia, no qual se colloca a
Hostia, durante a Santa Missa. O seu uso é tão
remoto como o do calice.
[47]
As patenas eram redondas, quadradas ou polygonaes e munidas d'um
rebórdo.
O uso de reservar a Santa Eucharistia para os doentes e ausentes,
provém desde a origem do Christianismo.
Pouco depois, quando os
altares
foram augmentados com o
ciborio, suspendiam a
reserva
Eucharistica encerrada em vasos com a fórma de torres e
pombas. Os vasos para as Sagradas Particulas tinham primitivamente a
fórma de uma pomba. Quasi todos eram de ouro, de prata e de
cobre dourado. A pomba Eucharistica encerrava-se geralmente em um
Tabernaculo com fórma de torre.
Durante o período
Latino-bysantino, os corpos dos Santos eram
cuidadosamente encerrados em sarcophagos, e depositados em cima d'um
altar ou n'uma crypta subterranea.
O Relicario para o Santo Lenho tem quasi sempre a fórma de
pequenas Cruzes peitoraes, concavas interiormente, e abrindo-se em toda
a sua altura, por meio d'uma dobradiça collocada no vertice
superior da Cruz.
As
chaves da confissão de S.
Pedro são assim chamadas, porque se diz, que
serviam para dar ingresso no tumulo do principe dos Apostolos, na
crypta da basilica Vaticana. As chaves são grossas, ovaes,
ôcas e de lavores rendilhados.
Os Soberanos Pontifices dos primeiros seculos tinham por uso distribuir
aos reis, aos principes e
[48]
aos
bispos, parcellas das cadeias de S. Pedro, dentro de anneis, cruzes, e
principalmente em preciosas chaves.
Desde o IV seculo que começaram a importar de Jerusalem os
oleos provenientes das lampadas que ardiam de noite e de dia no Santo
Sepulchro, e em outros logares Santos.
Os Papas e os Bispos enviavam estes oleos ás egrejas, aos
soberanos e ás pessoas de
distincção. Eram conservados e remettidos em
pequenos vasos de vidro ou de metal, circulares, e achatados, com
gargallo.
Durante os primeiros seculos, a Mesa do altar estava inteiramente livre
e a descoberto, e só se punha em cima o pão, o
vinho e os Vasos Sagrados necessarios para o Santo Sacrificio.
Os Crucifixos e os
castiçaes
eram
desconhecidos durante os primeiros seculos. N'essa
épocha apenas algumas vezes se via uma cruz ao lado direito
do altar.
Corôas de altar,
geralmente de
metal precioso e ornadas de
pedrarias engastadas, constituiram, durante todo o periodo latino, o
mais rico accessorio do altar.
As mais notaveis corôas de altar, que foram descobertas em
1858 e 1860, em Toledo (Hespanha), são em numero de onze,
todas de ouro e cravejadas de pedras.
Algumas vezes, principalmente a partir do IX seculo, deu-se o nome de
regnum
ás corôas votivas dos altares, para as distinguir
das de illuminar.
[49]
Tambem
ás vezes se penduravam Cruzes proximo dos altares.
As luzes que se empregavam com profusão, durante os Officios
Divinos, eram collocadas proximo dos altares, quer sobre uma mesa, quer
sobre candelabros, ou ainda mais vezes sobre lustres, em
fórma de corôa, suspensos no côro, no
Sanctuario e até mesmo no meio da egreja.
Os
diptycos são de
épocha muito remota. Ao principio eram formados de duas
pequenas taboas de madeira ou de marfim, dobrando-se uma sobre a outra,
e cuja parte interior continha uma camada de cera, sobre a qual se
escrevia. Estas taboas eram rodeadas com uns fios de linho, sobre os
quaes se deitava cêra que se imprimia com um sinete. Serviam
assim para as missivas secretas.
Desde a sua origem que a Egreja Christã teve diptycos. Eram
tabellas ou catalogos, sobre os quaes se inscreviam certos nomes que
deviam ser lembrados e lidos, pelo menos em parte, nas
reuniões sagradas dos fieis.
Podêmos pois, conforme a origem, distinguir duas especies de
diptycos sagrados: os diptycos consulares adaptados á
liturgia, e os diptycos puramente ecclesiasticos.
Os diptycos puramente ecclesiasticos eram de marfim ou de metal. Tinham
nas faces exteriores esculpidos ou cinzelados a imagem de Christo e a
da Santa Virgem, ou assumptos tirados da historia do Velho e Novo
Testamentos, e outros symbolos christãos.
[50]
Quando a leitura dos diptycos começou a deixar de se usar
nos officios sagrados, transformaram-se as taboas esculpidas ou
cinzeladas, em capas para livros liturgicos.
Desde o tempo de S. Jeronymo que começaram a ornamentar, o
mais ricamente possivel, o livro dos Evangelhos; notava-se esta riqueza
tanto no exterior como no interior do volume.
Muitas vezes o texto sagrado era escripto com letras de ouro sobre
membranas côr de purpura.
Exteriormente os livros dos Evangelhos eram ornados com todo o esmero;
nas capas abundavam o ouro, a prata, os vidrilhos, as pedrarias e as
perolas, e durante muito tempo, foi costume encerral-os em estojos ou
cofres,
capsae,
ricamente trabalhados.
As capas dos Evangeliarios podem-se dividir em duas classes: as de
laminas metallicas e as de marfim.
Entre as primeiras, umas eram simples, sem figuras e até
mesmo desprovidas de toda a
ornamentação, outras cravejadas de pedras e
esculpidas em relevo, representando assumptos religiosos.
Os assumptos das capas dos Evangeliarios de marfim e de metal
não differem dos que têem as dos diptycos.
São symbolos ou scenas extrahidas do Novo Testamento e
principalmente da vida e da paixão de Nosso Senhor.
Estofos preciosos. Durante os
primeiros seculos da era christã, os fatos ordinarios eram
de tela, ou, na maior parte das vezes, de lã. Depois da
[51]
conversão de
Constantino, o uso dos tecidos de seda para as vestes liturgicas
generalisou-se bastante, a ponto tal, que o Soberano Pontifice S.
Silvestre, contemporaneo d'este imperador, foi obrigado a abolil-o nas
roupas brancas de altar chamadas
corporaes.
Além dos tecidos unidos, ha outros ornados com figuras
ordinariamente multicolores, obtidas umas pela
applicação de variegadas côres
depois da tecedura, outras durante a tecedura, por meio de certas
combinações dos fios da cadeia e da trama.
Durante o periodo Latino, o fabrico textil da seda era completamente
desconhecido na Europa meridional e occidental. Provinham da Asia, do
Egypto, da Grecia e de Constantinopla, os tecidos de seda. É
por este motivo que muitas vezes se chamavam
estofos
transmarinos, e
mais tarde tambem, estofos dos Sarracenos, porque os arabes mahometanos
forneciam para o Occidente uma grande quantidade.
Os estofos mais antigos não raras vezes eram decorados com
medalhões circulares ou ovaes, no genero de
Maestricht,
obtidos ou
pela tecedura, ou por bordados applicados posteriormente.
A ornamentação dos tecidos, que vinham do Oriente
e sobretudo da Persia, consistia em assumptos em que predominavam o
reino animal e o vegetal, e até por vezes na propria
mythologia d'este ultimo paiz. Em vão procurariamos o
symbolismo christão n'estas
representações
tão variadas. Apenas ali se encontra o producto da
imaginação dos
[52]
artistas orientaes, que confeccionaram
esses tecidos.
Os symbolos e os assumptos christãos só
excepcionalmente apparecem sobre alguns productos das fabricas gregas
ou bysantinas, e isso mesmo em uma épocha relativamente
recente; consistem em pequenas Cruzes Gregas da Trindade, inscriptas em
circulos, animaes symbolicos, taes como o leão e o
pavão, e raramente um personagem isolado. As scenas
historicas do Velho e Novo Testamentos não
começaram a representar-se sobre os estofos senão
durante o VIII seculo.
Desde o meiado do IV seculo, que a egreja começou a
servir-se d'este meio, para representar, sobre os tecidos empregados
nas ceremonias sagradas, assumptos religiosos extrahidos do Velho e do
Novo Testamentos, ou da historia dos Santos.
O ouro, a seda e as perolas, abundavam em todos estes bordados, que
consistiam muitas vezes em medalhões circulares ou ovaes e
que applicavam sobre tecidos preciosos, para lhes imprimir um caracter
religioso.
Desde o VI seculo que a arte de bordar foi, na Europa occidental, a
principal occupação das
mulheres nobres, e no seculo seguinte, esta arte elevou-se a um tal
gráu de prosperidade, nas Ilhas Britannicas, que durante
toda a idade media não deixou de florescer.
Desde os primeiros seculos, que se ornavam com bordados de purpura, ou
de qualquer outra côr brilhante, as vestes de lã
branca dos padres e
[53]
dos diaconos. Estes bordados
foram mais tarde substituidos por brocados de seda. Serviam-se tambem
dos pannos d'essa qualidade, para armação nas
basilicas e nas egrejas.
Estes ricos pannos tinham ainda outro uso. Antes de serem collocadas
nos ataúdes, as ossadas dos Santos eram rodeadas de pelles
de camello e envolvidas em tecidos os mais ricos, de linho, seda e
ouro. A maior parte dos estofos antigos que se conservaram
até aos nossos dias, foram tirados de sepulturas de Santos.
Paramentos Sacerdotaes. A Egreja
manteve escrupulosamente, para os ornamentos sagrados, as
fórmas adoptadas pelos primeiros christãos,
emquanto que a fórma e o talhe dos fatos profanos se
modificaram invencivelmente.
Em geral, os paramentos sagrados dos padres e dos ministros inferiores
eram brancos. O uso das côres variadas manifestou-se
primeiramente nas
casulas e nas
capas
d'asperges.
As cinco côres liturgicas de que se servem hoje, foram
estabelecidas pouco mais ou menos no
IX seculo, e
definitivamente consagradas dois seculos depois.
Os paramentos dos padres são as casulas, a
capa
d'asperges, a
estóla, o
manipulo, o
cinto, a
ópa e o
amicto. As principaes vestimentas,
proprias para os ministros inferiores, são a
dalmatica e a
tunicella.
A casula primitiva era uma vestimenta sem mangas, muito ampla,
envolvendo todo o corpo
[54]
desde
o pescoço até aos pés, e
formando uma especie de barraca,
casula, em torno
da
pessoa que a vestia. Tinha apenas uma abertura para passar a
cabeça.
A
estóla deve o seu nome
e origem ao vestuario que os romanos chamavam estola.
A Egreja adoptou como paramento a
estóla, de que se fazia uso por toda a
parte, na occasião em que se estabeleceu o Christianismo.
O
manipulo não se usava
durante os primeiros seculos da Egreja. Foi S. Gregorio o Grande,
(590-604) quem primeiro fallou, em seus escriptos, do manipulo como
paramento sagrado.
A
capa é um paramento
commum ao padre e a alguns dos ministros inferiores. Primitivamente
serviam-se da capa para se resguardarem da chuva nas
procissões; é tambem por este motivo que ella
se chama muitas vezes
pluvial.
A
alva e o
cinto devem a sua origem
á
tunica talar dos antigos, que era um
vestuario de linho, munido de mangas e apertado á roda do
corpo com um cinto.
A
alva era vestida nas
funcções sagradas pelos bispos, padres e todos os
ministros inferiores.
O
amicto é uma
espécie de téla de que os padres e os ministros
se servem para cobrir o pescoço. A origem d'este vestuario
não vae além do VIII seculo.
Durante os tres primeiros seculos, os diaconos trajavam o
colobio,
que era uma
especie de tunica longa e estreita, ordinariamente sem mangas. Foi
[55]
no principio do IV seculo, que
o Papa S. Silvestre substituiu o
colobio pela
dalmatica.
A
dalmatica era uma bluse comprida,
feita de lã da Dalmacia.
Até ao VII seculo, os sub-diaconos da Egreja do Occidente
não eram vestidos senão com a alva, com o cinto e
com o amicto.
Mosteiros Latinos
Foi no principio do VI seculo, que começaram a maior parte
dos religiosos a reunir-se em communidade, e a viver juntos, debaixo do
mesmo tecto. Vivia então S. Benedicto.
Iconographia do periodo Latino
Muitos monumentos do periodo Latino, sobre tudo os mais antigos
mosaicos, conteem personagens em pé e attitude respeitosa,
tendo nas mãos, envoltas nas rugas do manto, uma
corôa em fórma de circulo, que offerecem ao
Salvador. Este é representado sob a fórma
symbolica do Cordeiro, do monogramma, da Cruz, e até mesmo
d'um simples espaço vazio.
Christo, debaixo da fórma symbolica do Cordeiro ou do
monogramma, no meio de doze cordeirinhos ou de doze pombas, que os
monumentos do periodo Latino nos offerecem frequentemente, symbolisa o
Salvador rodeado dos seus discipulos, isto é, a Egreja
triumphante no Céu, recebendo na
terra o ensino do seu Divino Fundador.
Tambem muitas vezes se encontra um cordeiro,
[56]
uma Cruz Trina, ou o monogramma de
Christo entre dois cordeiros, duas pombas, dois pavões ou
dois veados; isto symbolisa o Salvador sob a fórma humana no
meio dos Apostolos e d'outros Santos, ou sob a fórma
symbolica do Cordeiro e do monogramma no meio de doze cordeirinhos ou
doze pombas.
Vê-se tambem uma taça ou um cacho de uvas no meio
de dois pavões ou de duas pombas, o que nos parece uma
allusão mais directa ao regosijo dos que vão para
o Céu.
Alguns monumentos do periodo Latino, principalmente os mosaicos do V e
VI seculos, teem um throno, com ou sem docél, e em que ha
uma almofada, um cortinado cahindo diante da cadeira e algumas vezes o
livro dos Evangelhos. Um monogramma ou uma Cruz, geralmente da
Trindade, occupa o meio do throno e domina toda a
composição. Muitas vezes vê-se, ao lado
do throno, os doze Apostolos em pé, ou sómente S.
Pedro e S. Paulo. Em todos estes assumptos o throno representa o
Salvador.
Mais tarde, principalmente no Oriente, acrescentaram a esta
representação novos signaes
iconographicos: nas extremidades da almofada collocavam á
direita da Cruz a lança, e á
esquerda a esponja na extremidade d'uma lança; algumas vezes
tambem se entrelaça a corôa de espinhos em torno
da Cruz. A partir d'este momento, a
cathedra da doutrina torna-se o throno do
julgamento final e a Cruz o signal do Filho do Homem.
S. Pedro, collocado ao lado do Salvador, sustenta
[57]
ordinariamente sobre o hombro esquerdo
uma cruz de haste comprida; outras vezes recebe com a mão
direita um volume desenrolado, que Nosso Senhor lhe apresenta. Desde a
primeira metade do V seculo, que elle conserva as chaves na ponta do
seu manto.
S. Paulo é quasi sempre representado recebendo um ou dois
rolos, symbolos da Lei Evangelica.
Muitas vezes tambem collocavam uma phenix sobre uma palmeira. A Phenix
é a figura da
resurreição futura.
Caracteres do estylo Bysantino
O plano e a disposição das egrejas bysantinas
apresenta-se com tres typos distinctos: 1.º, com a basilica
coberta de
madeira, similhante á basilica Latina do Occidente;
2.º,
com a rotunda ou egreja circular; 3.º, com a basilica
bysantina
propriamente dita, abobadada e sobreposta d'uma ou de muitas cupulas. A
basilica bysantina abobadada distingue-se perfeitamente de todos os
monumentos dos tempos anteriores, pela cupula sobre abobadas pendentes,
e construida ao meio d'uma nave, mais ou menos alongada.
As fachadas das egrejas bysantinas differem das que têem as
basilicas Latinas. Estas terminam em geral por um frontespicio
triangular; as fachadas das egrejas orientaes, pelo contrario, terminam
ou por uma fachada horisontal á maneira d'uma cornija, ou
por uma serie de corôamentos semicirculares.
[58]
O systema de construcção das egrejas bysantinas
distingue-se pelos seguintes traços. O tijolo é
geralmente empregado para todas as edificações.
Mesmo nos paizes em que a pedra é abundante, os architectos
bysantinos preferiam, a maior parte das vezes, o tijolo aos materiaes
de grandes dimensões. O caracter distinctivo das egrejas
bysantinas, sob o ponto de vista da construcção,
consiste na presença de uma ou de muitas cupulas elevadas,
sobre abobadas pendentes.
Chamam-se
abobadas pendentes umas
certas saliencias nas abobadas do cruzeiro, que pela sua
fórma se approximam do sector espherico e que serve para
fazer passar uma construcção de
quadrado a octogono ou a plano circular.
A decoração exterior das egrejas bysantinas,
sobretudo no IV e V seculos, era pobre e simples. Do VII seculo ou do
VIII seculo em diante, os ornamentos exteriores das paredes e
archivoltas das janellas são bastantes vezes como os dos
edificios Latinos, formados por fiadas de pedras alternadas com uma ou
muitas fiadas de tijolos. As archivoltas ornadas de molduras ficam em
resaltos umas sobre as outras, e representadas nas paredes por
cordões feitos de tijolos de fórma e
côr variaveis.
A decoração
interna consiste em revestimentos de diversas
naturezas, marchetados de marmores ou mosaicos, applicados sobre os
pilares, paredes e abobadas. O caracter essencialmente superficial da
esculptura bysantina consiste regularmente em folhagens lisas e
angulares.
[59]
Os ornatos que os bysantinos gostavam de esculpir nas almofadas de
marmore com que decoravam o interior das egrejas, eram
entrelaçamentos de linhas rectas e curvas, ás
quaes juntavam cruzes da Trindade, florões e algumas vezes
figuras de animaes tanto reaes como chimericos.
A começar no VIII
seculo, as pinturas a fresco das egrejas bysantinas foram muitas vezes
substituidas por mosaicos e por embutidos em estuque; acabaram por ser
completamente substituidas.
A influencia bysantina fez-se sentir primeiramente no começo
do IX seculo
e mais tarde, no fim do X.
Foram construidas muitas
egrejas sob a influencia bysantina dos monumentos typos.
No reinado de Justiniano (527-565) o estylo bysantino ficou
definitivamente constituido com os caracteres acima definidos. Santa
Sophia em Constantinopla constitue o seu typo por excellencia.
Leão, o Isauriano, prohibiu, em 726, a
reproducção de qualquer figura, quer pela
esculptura, quer pela pintura nas paredes das egrejas, quer nos
objectos do culto. Esta prohibição, confirmada em
754, por um conciliabulo heretico, subsistiu até 842. N'este
ultimo anno, depois da morte de Theophilo, ultimo imperador
iconoclasta, a imperatriz Theodora substituiu os editos de
Leão o Isauriano e restabeleceu o culto das imagens.
A épocha mais florescente da arte bysantina foi no X seculo
e mais
particularmente
no reinado de Constantino Porphyrogeneta.
No XI seculo, uma
serie de graves
acontecimentos
[60]
precipitou
a decadencia do imperio bysantino e trouxeram por consequencia o
enfraquecimento das artes. No XIII, XIV e XV seculos, as artes
continuaram a desfallecer, até que, em 1453, os turcos,
apoderando-se de Constantinopla, causaram a decadencia da arte
bysantina.
CAPITULO IV
Summario.―Oestylo
Roman desde o
VIII até ao seculo X―Caracteres do
estylo Lombardo―Planos das Egrejas―Cryptas―Baptisterios―Systemas
de construcção―Abobadas―Pilares e
columnas―Bases―Capiteis―Fachadas―Cornijas―Decoração
monumental―Architectura, antes do seculo XI, nos
outros estados sem
ser na Lombardia: Italia
central e meridional, Belgica e
França―O
estylo Roman durante o
XI e o XII
seculos―Caracter da Architectura
Roman―Plano e distribuição das
Egrejas―Cryptas―Baptisterios n'este
seculo―Materiaes e modo de
construir―Sepultura
monumental―Fachadas―Portico das
egrejas―Portaes―Portas e suas
ferragens―Janellas e rosaceas―Maneira de resguardar da
chuva as
janellas e as
vidraças pintadas―Absides―Pilares,
columnas―Bases e capiteis―Arcadas e
arcarias
menores―Triforium―Cornijas e
modilhões―Abobadas―Contrafortes―Madeiramentos―Torres―Modo
de se lagearem os edificios―Pinturas
muraes―Inscripcões
lapidares―Altares―Piscinas―Tribunas―Cadeiras do
côro e a
separação da capella
mór do corpo
da egreja―Capellas funereas―Tumulos visiveis e occultos―Campas―Pias
Baptismaes―Gradamentos―Alfaias religiosas―Calices e
patenas―Custodias―Relicarios―Corôas
suspensas nos
altares―Lustres de forma de
corôas―Cruzes para os altares e
procissões―Castiçaes e
tocheiros―Evangeliarios―Capas dos
livros do
Evangelho―Thuribulos―Pias para agua
benta―Pentes
liturgicos―Cadeiras para os
sacerdotes―Baculos―Calçado liturgico―Mitras―Tecidos
bordados―Vestuarios sacerdotaes.
Periodo Roman
O periodo roman estende-se desde o VIII seculo até ao fim do
XII. O estylo roman formou-se e desenvolveu-se
debaixo da influencia combinada de tres elementos: 1.º, o
estylo
classico e latino,
[61]
cujos
monumentos existiam espalhados pela Europa meridional; 2.º, o
estylo
bysantino, cujos principios foram importados do Oriente; 3.º,
o genio
particular dos povos barbaros que invadiram a Europa desde o V seculo.
O estylo proveniente da influencia combinada d'estes tres elementos,
chamou-se
roman, porque a sua origem e
duração coincidem pouco mais ou menos com a da
lingua romanica. Por conseguinte a palavra
roman
indica, do mesmo
modo que na lingua romanica, o elemento barbaro que contribuiu para a
formação d'este estylo.
O estylo Roman desde o VIII até ao X seculo
A decadencia completa das bellas artes foi o effeito necessario dos
movimentos politicos que a Europa soffreu durante tres seculos.
Só os padres e os religiosos luctavam no meio d'este chaos,
contra a barbarie e a força brutal dos invasores. O
renascimento das artes foi lento, e do mesmo modo o das lettras, porque
o solo da Europa occidental estava juncado de destroços
amontoados, dos monumentos antigos; as tradições
artisticas tinham-se perdido, e os principios haviam cahido em
esquecimento.
Para a architectura e para as artes, a Lombardia foi, desde o VII
até ao fim do X seculo, o principal centro d'este
renascimento. O estylo formou-se n'esta épocha, ao norte da
Italia, e recebeu o nome de
Lombardo.
[62]
Caracteres do estylo Lombardo
O estylo Lombardo, ou o estylo Roman do norte da Italia, reinou n'este
paiz desde o VIII seculo até ao fim do XII.
O plano da basilica Latina foi geralmente adoptado nas egrejas
lombardas.
Na maior parte das grandes egrejas lombardas, as paredes internas
são construidas com galerias.
As cryptas das egrejas lombardas estendem-se por baixo de todo o
presbyterio, e formam verdadeiras capellas subterraneas, com muitas
naves abobadadas.
Os baptisterios isolados, geralmente octogonaes ou circulares,
usaram-se durante o periodo lombardo.
A maior parte dos edificios lombardos são construidos de
tijolo.
Abobadas. A abobada em
fórma de
berço
consiste n'um semi-cylindro concavo e sem
penetração alguma.
A abobada de
aresta,
assim chamada porque apresenta quatro arestas no intradoz, é
formada pela intersecção ou
penetração de duas abobadas de berço,
com a mesma abertura e reunindo-se em angulo recto.
Os architectos lombardos fizeram grandes progressos na
construcção das abobadas. Antes do seu tempo
não se conhecia além da cupula
senão duas especies de abobadas: a abobada de
berço, e a abobada de aresta romana.
[63]
As abobadas lombardas apresentam todas uma
elevação em fórma de zimborio,
particularidade que pertence ao systema de
construcção seguido pelos architectos lombardos.
Esta elevação
dá ás abobadas das egrejas lombardas um aspecto
particular.
Nas egrejas lombardas de tres naves, a principal tem sempre dobrada
largura.
Como dissémos, as abobadas da nave principal exercem sobre
os seus pontos de apoio não sómente
uma pressão vertical, mas tambem uma obliqua e lateral, que
tende a fazer inclinar para fóra os pilares e as muralhas
superiores. Nos edificios lombardos, esta pressão acha-se
equilibrada pelo encontro opposto das abobadas altas e baixas das naves
lateraes e em parte apoiada sobre os contrafortes exteriores, pelos
arcos-butantes das naves lateraes e pelas porções
de parede que supportam estes arcos.
Nos edificios antigos e nas basilicas latinas serviam-se de columnas
cylindricas, pouco espaçadas e recebendo directamente as
pressões verticaes de entablamentos d'um peso relativamente
pouco consideravel. Os constructores lombardos substituiram o pilar
composto de columnas pelo simples supporte cylindrico da basilica
coberta de madeira.
Os caracteres dos pilares lombardos pódem resumir-se da
seguinte maneira: 1.º Os pilares apresentam uma
secção rectangular ou quadrada e são
ornados de pilastras ou de columnas envolvidas, recebendo as bases das
nervuras e dos arcos-butantes.
[64]
2.º Não têem todas a mesma
grossura,
umas são menos, outras mais fortes, segundo recebem ao mesmo
tempo as bases de todas as abobadas, ou das naves lateraes
sómente. Foi desde a primeira metade do seculo VIII que
appareceram os pilares ornados de columna, desconhecidos na arte
classica e empregados com profusão no Occidente pela arte na
edade media. As columnas e as columnatas são ordinariamente
construidas por fiadas de desigual altura de medio e pequeno apparelho;
raramente são monolithas.
Essas columnatas dos pilares, quasi sempre delgados e muito elevados,
chegam muitas vezes sem interrupção
até á origem
das abobadas, e constituem um facto capital na historia da arte, porque
são um dos elementos mais caracteristicos e fundamentaes de
quasi toda a architectura da edade media.
As bases lombardas approximam-se sensivelmente, pela sua
fórma, da base attica propriamente dita.
Estas bases são muitas vezes munidas d'um ornato destinado a
ligar o tóro inferior com os angulos do plintho e a dar
d'este modo uma apparencia de maior solidez dos angulos. Este ornato ou
appendice recebeu o nome de
garra
ou
pata.
As garras mais antigas são muito simples, as de data
posterior representam ordinariamente cabeças d'animaes.
Os capiteis lombardos, assim como os bysantinos,
[65]
têem ordinariamente a
fórma de açafate
esvasado ou cubico.
Uma transformação se opéra
insensivelmente e a arte lombarda adquire uma certa originalidade. Os
seus typos são variadissimos; o cinzel do esculptor
dá ali provas de fecundidade. Mais tarde esta
transformação continúa lentamente, e
durante o X seculo, as esculpturas tornam-se mais salientes, as
folhagens são augmentadas e as extremidades arredondadas.
Em relação á esculptura d'ornato que
cobre o açafate, podem distinguir-se duas especies de
capiteis: os capiteis
ornados de folhagens e
os capiteis historicos ou legendarios. Os capiteis historicos
são muito communs nas egrejas lombardas que datam do VIII
seculo.
Chamam-se historicos e legendarios os capiteis que são
ornados com esculpturas que representam scenas tiradas da historia ou
da lenda e até mesmo algumas vezes têem animaes
symbolicos ou phantasticos.
O abaco enorme em fórma de capitel, que se encontra nos
edificios Latinos, só raramente se vê nas egrejas
Lombardas; é substituido por grosso abaco, mas pouco
elevado, de profil muito acentuado e muitas vezes talhado em pedra
differente do corpo do capitel.
Em opposição ao principio geralmente admittido
pela antiguidade e pela edade media, as fachadas das egrejas Lombardas
não indicam exteriormente a fórma das naves
lateraes.
[66]
Compõem-se d'uma grande parede que chega até aos
dois lados obliquos que a terminam, e na qual não apparece o
resalto na nave principal por cima das naves lateraes.
Os campanarios das egrejas Lombardas ficam ordinariamente separados do
edificio da egreja, e compõem-se de uma serie d'andares
quadrados, todos da mesma largura e pouco mais ou menos da mesma
altura, separados uns dos outros por cornijas. Estes andares
são ornados com faixas muraes e pequenas arcadas fingidas,
cujos arcos se apoiam sobre modilhões.
As cornijas dos edificios lombardos apenas apresentam uma pequena
saliencia das faces das paredes. São quasi sempre collocadas
sobre arcaduras fingidas, de volta inteira, assentando em
modilhões de fórma muito simples.
As arcaduras constituem uma das fórmas caracteristicas da
architectura Lombarda; encontram-se, não só
debaixo das cornijas dos telhados, mas
tambem debaixo das outras cornijas das fachadas; e até mesmo
nas platibandas horisontaes dos edificios.
Decoração
monumental
Os bysantinos cobriam com marmores e mosaicos as paredes interiores das
suas egrejas. Os lombardos, pelo contrario, mostram no seu systema
decorativo uma certa preferencia quasi exclusiva pelas esculpturas, a
qual derivando da bysantina, foi por algum tempo sua
imitação;
porém, mais
[67]
tarde,
a começar no IX seculo, principiou-se a abandonar esse modo
de decorar.
Nos primitivos edificios lombardos nota-se uma grande
incorrecção nas esculpturas das figuras, quer
verdadeiras, quer phantasticas. Mais tarde, encontram-se, em todo o
periodo do estylo Lombardo, nos seus edificios, animaes chimericos, ora
isolados ora em frente uns dos outros, e acompanhados, e tambem
entrelaçados de folhagens.
As esculpturas não cobrem só os capiteis, mas
tambem as archivoltas e os tympanos, assim como as faces dos altares,
dos doceis, etc.
Os embutidos e os revestimentos de marmore são raros no
interior dos edificios lombardos.
Desde o IX seculo que se substituiram os embutidos em marmore pelas
pinturas a fresco e por mosaicos de pequenos cubos.
Em quanto o estylo Lombardo se desenvolvia no Norte da Italia, o Latino
continuava a ser seguido na Italia central e meridional.
A maior parte das egrejas do VII e do VIII seculos eram construidas de
madeira, o que explica os frequentes incendios d'essas egrejas.
No principio do seculo IX, o imperador Carlos-Magno tentou fazer
reviver as bellas artes na Europa Occidental; quiz restabelecer o
renascimento da arte romana.
O estylo Roman durante os seculos XI e
XII
O estylo Lombardo, inteiramente constituido no Norte da Italia desde o
seguinte seculo, exerceu
[68] uma grande
influencia sobre a architectura roman dos paizes cisalpinos
no XI e XII seculos. No fim do X seculo, e no principio do seguinte, os
monges introduziram o estylo Lombardo na Allemanha, na Suissa, e nas
provincias da França visinhas da Italia, d'onde irradiou
para o Norte e Oeste.
O estylo roman da Europa Central não é outra
coisa mais que o estylo Lombardo transportado áquem dos
Alpes e modificado occidentalmente pelo proprio genio dos differentes
povos que occupavam esta região. O elemento Gaulo-romano
tomou tambem grande parte na formação do estylo
roman.
O roman inglez recebeu o elemento Lombardo por intermedio dos
Normandos, que, depois de terem conquistado a Inglaterra, para ali
levaram o estylo do Occidente da França.
A rapida propagação das ordens religiosas durante
o seculo XI, contribuiu poderosamente para a diffusão e
desenvolvimento da architectura Roman. Foi n'este seculo, que as ordens
religiosas, graças a abundantes recursos, cobriram em pouco
tempo a Europa Central e Occidental com um grande numero de egrejas e
mosteiros. Estes monumentos, não obstante apresentarem todos
os mesmos caracteres geraes, taes como o emprego das abobadas de volta
inteira e d'um mesmo systema de construcção,
differem comtudo entre si, em certos caracteres especiaes, proprios de
cada região.
O estylo roman do seculo XI differe do estylo
[69]
do XII por uma
ornamentação mais simples,
contornos menos correctos e execução geralmente
inferior.
No seculo XII, abundam os ornatos tanto no interior como no exterior
dos edificios. No final do seculo XI, estabeleceram-se, na Europa
Occidental, duas escolas de architectura, animadas de diversas
tendencias. Uma na ordem de S. Bento, que tinha o seu centro principal
na abbadia de Cluny, desenvolvia uma magnificencia e um luxo quasi
extraordinario na decoração dos edificios
religiosos, cuja construcção lhe era incumbida; a
outra, pelo contrario, procedente da Ordem de Cister, quasi que
não admittia ornatos alguns e levava a singeleza
até á severidade. Em todos os paizes em que
existiam edificios romanos por occasião da
formação do estylo roman, a sua existencia
exerceu grande influencia na decoração dos
edificios. Pelo contrario nos paizes em que escasseavam aquelles
monumentos, diligenciaram imitar, a maior parte das vezes, na
esculptura monumental os variados tecidos importados do Oriente.
Caracteres da architectura Roman
As egrejas romans apresentam ordinariamente em planta a forma d'uma
Cruz Latina, cuja frente representada pelo côro é
voltada para o Oriente. Têem geralmente tres naves formadas
por duas ordens parallelas de pilares, e algumas vezes de cinco. Depo
As egrejas romans apresentam ordinariamente em planta a forma d'uma
Cruz Latina, cuja frente representada pelo côro é
voltada para o Oriente. Têem geralmente tres naves formadas
por duas ordens parallelas de pilares, e algumas vezes de cinco. Depois
do seculo XI, o côro das egrejas cathedraes, abbaciaes
(exceptuando as da Ordem
[70]
Cistersiense e collegiaes), tem maiores dimensões que nas
basilicas Latinas e Lombardas.
Quando o côro não era rodeado de capellas,
terminava por um abside semi-circular ou por uma parede recta.
Encontram-se, nas margens do Rheno e em outras partes da Allemanha,
egrejas Romans com dois absides semi-circulares, um a Leste e o outro a
Oeste.
Algumas das grandes egrejas Romans têem os lados do corpo da
egreja divididos por galerias.
Todas as egrejas Romans, sem excepção,
são orientadas.
Muitas das mesmas egrejas têem cryptas quasi sempre situadas
debaixo do côro, e formando capellas subterraneas, com tres a
cinco naves, cujas abobadas de barrete veem assentar sobre duas ou
quatro ordens de pilares pouco elevados.
Desce-se para a maior parte das cryptas por duas escadas collocadas aos
lados da que do transepte conduz ao côro. Nas que
não têem
senão uma entrada, acha-se ordinariamente diante do
côro mesmo no eixo da egreja.
O uso de construir cryptas só deixou de existir desde o
seculo XIII.
Durante o periodo Roman, ainda se construiram, ao pé das
cathedraes e das grandes Egrejas abbaciaes e parochiaes, baptisterios
isolados, de fórma polygonal e circular.
Todavia, logo que a solemne ministração do
baptismo caiu em desuso, não se construiram mais
[71]
baptisterios proximo das novas Egrejas
parochiaes que se edificaram. A pia baptismal foi então
transportada para a nave principal, proximo á porta de
entrada da egreja nas naves lateraes, ou então em uma
capella do lado occidental, proximo da porta principal.
A natureza dos materiaes influe poderosamente sobre o modo de
construcção adoptada; assim nos paizes em que a
cantaria é resistente, construe-se com grandes
dimensões, o apparelho é mais
grandioso, as fiadas são altas; emquanto que, nas
localidades em que os materiaes são menos resistentes, e em
que o trabalho de preparar a cantaria é portanto mais facil,
o apparelho tem menor dimensão.
No seculo XI, a esculptura monumental toma repentinamente um
desenvolvimento extraordinario pela influencia combinada do estylo
Lombardo, dos monumentos Gaulo-Romanos; dos tecidos e outros objectos
d'arte importados do Oriente pelos cruzados.
Em cada paiz ou quasi que em cada provincia, a
decoração Roman offerece caracteres
particulares, devidos á aptidão dos habitantes,
á
variada natureza dos materiaes e a outras influencias locaes. Em geral,
em todos os paizes onde se encontravam documentos romanos ricamente
decorados, a influencia Lombarda se liga e se combina com a d'estes
monumentos.
No Noroeste da França, principalmente na Normandia, e
até mesmo na Inglaterra, a decoração
[72]
consiste principalmente em
estrellas e outras figuras geometricas. A
ornamentação Roman da Allemanha
compõe-se sobretudo de galões
entrelaçados, cujas extremidades acabam em folhas com tres a
cinco lobulos. Estes galões, algumas vezes ornados de
perolas, parecem ordinariamente ligados com fitas ou reunidos por
anneis.
Na Belgica, onde principalmente se manifestou a influencia da escola
Cistersiense, os monumentos do periodo Roman não
têem as
decorações de trabalhos custosos e variados, que
se encontram n'outros paizes.
Assim como nas basilicas Latinas, as fachadas das egrejas Romans
indicam em geral a forma transversal das naves; só no seculo
XI, começaram
a ornal-as com mais cuidado e esmero. A sua
decoração architectural consiste nos portaes,
ordinariamente tres, construidos em profundas arcadas de volta inteira
mais ou menos carregadas de molduras de architectura; as galerias,
verdadeiras ou fingidas, eram formadas por uma ou muitas ordens de
arcadas fingidas ou rendilhadas; e emfim em grandes rosaceas vasadas,
por cima da porta principal.
Raras vezes se encontram fachadas romans decoradas com estatuas.
Antes do seculo XI, os atrios que succederam aos narthex das basilicas,
apresentavam-se d'ordinario sob a fórma d'um portico,
geralmente pouco profundo e occupando toda a largura da
Antes do seculo XI, os atrios que succederam aos narthex das basilicas,
apresentavam-se d'ordinario sob a fórma d'um portico,
geralmente pouco profundo e occupando toda a largura da fachada da
egreja; havia alguns tambem, ainda que pouco
[73]
numerosos, que eram construidos na
fachada Occidental.
Os atrios Romans dos seculos XI e XII dividem-se em fechados e abertos;
os primeiros tomaram, em varios paizes, um desenvolvimento de tal modo
importante, que formavam de alguma maneira uma nova egreja construida
em frente das naves propriamente ditas, como havia na egreja de S.
Francisco de Santarem.
Nos grandes monumentos do seculo XI, e especialmente do XII, os portaes
mais notaveis, e até mesmo algumas vezes os secundarios,
são ornados profusamente de esculpturas de todo o genero.
Quando as archivoltas dos portaes são cobertas com muitas
esculpturas, o tympano é quasi sempre ornado d'um baixo
relevo, representando Jesus Christo sentado e sob uma aureola. Em
alguns casos o Redemptor offerece as mãos a dois Santos
coroados e ajoelhados cada um do seu lado; em outros, lança
a benção com a
mão direita e segura um livro com a esquerda; n'este caso a
aureola é muitas vezes cercada de animaes symbolicos
representando os Evangelistas.
Nos mais importantes monumentos, os batentes dos portaes eram
ordinariamente de bronze ou de qualquer outro metal.
As ferragens das portas, que a principio não serviam
senão para consolidar todas as travessas da porta,
forneceram desde
As ferragens das portas, que a principio não serviam
senão para consolidar todas as travessas da porta,
forneceram desde o seculo XI, no estylo Roman, um dos mais bellos
modelos de
ornamentação.
[74]
Encontram-se tambem, nos edificios de architectura Roman, portaes com
batentes de madeira esculpidos em baixo relevo. As janellas d'estes
edificios mais antigos são pequenas e quasi sem
ornamentação alguma.
No meado do seculo XI, augmentaram os vãos das janellas
á proporção que mais se
generalisava o uso do vidro. No final d'este seculo e durante todo o
XII, as archivoltas exteriores das janellas dos grandes monumentos
são executadas com o maior cuidado, e compostas de arcos com
muitas ordens de pedras lavradas symetricas, varias vezes com o feitio
de tóros, ficando assentes sobre grupos de pequenas columnas
ou sobre pés direitos ornados de uma imposta com esculptura.
Estes tóros têem tambem muitas vezes ornatos.
No seculo XII, apparecem as janellas geminadas de dois vãos,
separados por uma humbreira em fórma de columna, e
servindo-lhe de moldura um arco commum de resalva. Vêem-se
tambem janellas mesmo de tres vãos reunidos debaixo d'um
unico arco. N'estas ultimas ou o vão do meio é
mais alto que os dos lados, ou então
é o tympano formado pelo grande arco, no qual ha um oculo,
inteiramente aberto ou em fórma de trêvo, de
quatro folhas e ás vezes com seis e mais
lóbulos.
Tambem se encontram nos edificios romans do seculo XIII, olhos-de-boi e
que não servem de ornamento aos vãos de janellas.
Chamam-se rosaes e são compostos de differentes maneiras.
[75]
Nos paizes meridionaes continuaram a vedar os vãos das
janellas com caixilhos rendilhados, de madeira ou de marmore. Os
desenhos produzidos pelos recortes das travessas apresentam
fórmas mais variadas e em harmonia com a
ornamentação Roman; compõem-se quasi
sempre de figuras geometricas. Os caixilhos recortados foram empregados
até ao seculo XVI, na Grecia, Italia e Hespanha e
ainda hoje no Oriente.
Na Europa Occidental e Septentrional preferiam tapar as janellas com
vidros pequenos assentes em caixilhos de madeira, mas, desde o seculo
X, reunidos por meio de filetes de chumbo. Algumas vezes estes vidros,
differentemente coloridos, formavam um mosaico transparente, no qual
ainda não havia figuras nem ornatos pintados sobre o vidro.
O emprego de vidraças com varios assumptos e personagens
pintados, começou provavelmente no final do seculo X.
Em muitas egrejas, o côro e mesmo algumas vezes os
braços do transepto terminam por um abside semi-circular ou
polygonal.
O abside está ordinariamente ligado por um abside circular
coberto d'um tecto quasi sempre mais baixo que o do côro.
As paredes exteriores dos absides são a maior parte das
vezes ornadas d'uma ou de muitas ordens de arcadas separadas por faixas
de pequena saliencia; columnas ou pilastras envolvidas, ligadas entre
si por arcos de volta inteira. As janellas, ordinariamente
[76]
em numero impar,
são abertas debaixo das arcadas.
Os absides de quasi todas as egrejas Romans das margens do Rheno
apresentam junto ao tecto uma galeria aberta, formada por uma serie de
pequenas arcadas de volta inteira e sustentadas por pequenas columnas.
Estes absides receberam o nome de absides
rhenanos.
Serviam
outr'ora, e servem ainda hoje, em alguns sitios, para a
exposição das reliquias.
Os edificios construidos na Europa Central, no fim do seculo X e
principio do XI, não apresentam, muitas vezes, mais do que
pilares muito simples, de
secção circular, quadrada ou rectangular. No
seculo XI, tambem se introduziu, áquem dos Alpes, o uso dos
pilares com angulos reintrantes para collocar duas ou quatro columnas
envolvidas, de que os constructores Lombardos se serviam já
no seculo VIII.
As egrejas, parochias ruraes, de menor importancia teem muitissimas
vezes pilares quadrados, curtos, sem base nem capitel, ou tendo por
ornamento unicamente uma ou duas molduras pouco salientes que fazem
parte do capitel.
Durante o periodo Roman, principalmente no seculo XII, muitos dos
fustes das columnas foram cobertos de esculpturas variadas, consistindo
em figuras geometricas, espiraes, torç
Durante o periodo Roman, principalmente no seculo XII, muitos dos
fustes das columnas foram cobertos de esculpturas variadas, consistindo
em figuras geometricas, espiraes, torçaes,
galões,
botões, folhagens, cordões, animaes e mesmo
representações de assumptos historicos ou
legendarios. Estes ornatos são communs principalmente no Sul
da Europa.
[77]
No fim do periodo Roman e no principio da época Ogival, as
columnas são
anneladas, isto é, formadas d'uma
especie de tóro á
roda do fuste.
As columnas
anneladas constituem um
dos caracteres dos monumentos da transição do
estylo Roman para o estylo Ogival. Tambem se encontram d'estes anneis
nas nervuras das abobadas. No seculo
XII, as
columnas
são tambem ás vezes duplas ou enfeixadas.
As bases das columnas são variadissimas.
Muitas das que se encontram nos edificios mais antigos assimilham-se
ás bases Lombardas, mas sem ter garras.
As bases ornadas com esculpturas, muito communs no Sul da Europa,
são raras nos paizes do Norte.
Foi no meado do seculo XI que começou a apparecer,
áquem dos Alpes, o ornato chamado
garra, que os lombardos já tinham usado
muito tempo antes.
A garra Romã tem em geral a fórma d'uma folha
applicada sobre o tóro inferior da base no angulo do
plintho, e tambem ás vezes, a d'uma carranca ou d'um animal
phantastico.
Desde o principio do seculo XII, os constructores romans achatam a
forma do tóro inferior, quando a base se approxima da forma
Attica; um pouco mais tarde apparece entre os tóros das
bases, a moldura concava, bastante profunda, que fórma um
dos
caracteres distinctivos dos monumentos
[78]
do fim do seculo XII e da
primeira metade do XIII.
Os capiteis de architectura Roman são variadissimos. Ha uns
que apenas se compõem de duas ou tres molduras curvas ou
chanfradas, imitando o capitel toscano ou dorico.
A cornija dos capiteis é umas vezes elevada e coroada com um
ábaco saliente, e outras baixa, tendo um ábaco
que não resalta o fuste da
columna.
Encontram-se, em muitos monumentos Romans, capiteis chamados
cubicos,
porque
têem a configuração d'um cubo. Estes
capiteis são algumas vezes chanfrados nos angulos inferiores
e em geral arredondados na parte inferior.
A parte inferior do capitel cubico
Rhenano, do seculo XII, era muitas vezes dividida
em quatro
porções de esphera, formando assim um grupo de
quatro capiteis reunidos debaixo de um mesmo ábaco, mas foi
ainda augmentado o numero das subdivisões, produzindo d'este
modo os capiteis cubicos
canellados ou com
resaltos redondos,
que se encontram principalmente na Inglaterra e no Noroeste da
França.
No tempo da formação do estylo Roman, a arte da
esculptura estava quasi totalmente perdida áquem dos Alpes.
Os que primeiro tentaram manejar o cinzel esforçaram-se em
reproduzir, melhor ou peior, os antigos ornatos que tinham á
vista; as
producções d'estes artistas improvisados
são imperfeitas e grosseiras.
[79]
Encontram-se em muitos monumentos Belgas do seculo XII, capiteis cuja
ornamentação, simples e
rudimentar, consiste unicamente em folhas applicadas sobre o
açafate, e algumas vezes contornadas em voluta debaixo dos
angulos do ábaco.
Os capiteis de quasi todos os grandes monumentos dos seculos XI e XII,
são decorados de esculpturas ou de pinturas de
côres carregadas. Os ornatos consistem em galões
imitando perolas, folhagens encrespadas, florões
artisticamente executados, animaes symbolicos, animaes phantasticos
isolados ou em grupos, assumptos tirados da lenda ou da historia,
principalmente do Velho e Novo Testamentos.
O capitel de
crochets usou-se na
Belgica e em algumas partes da Allemanha desde o fim do periodo Roman.
Dá-se o nome de
crochets e algumas vezes tambem o de
baculo
vegetal,
ás folhas mais ou menos compridas, recurvadas em voluta na
sua extremidade.
Chama-se
arcada toda a abertura,
real ou simulada, contornada por uma archi-volta; e
arcadura, uma arcada de pequenas
dimensões.
Até ao seculo XI serviam-se geralmente do arco de volta
inteira ou formado por um semi-circulo para ligar duas columnas ou os
dois pontos extremos d'uma arcada. Nos seculos XI e XII,
começam a apparecer novas formas d'arcos: 1.º, o
arco
elevado,
cujos dois ramos
descendentes se prolongam verticalmente abaixo do centro gerador;
2.º,
o arco em fórma de ferradura produzido por
[80]
uma parte da circumferencia que excede o
semi-circulo; 3.º o arco de volta abatida ou em aza de cesto,
formado
por uma semi-ellypse cortada segundo a direcção
do eixo maior; 4.º, o arco de tres lóbulos cujo
intradoz
é composto de tres
lóbulos.
As paredes interiores lateraes das egrejas, as capellas, as casas
capitulares são em geral ornadas, na sua parte inferior, com
arcaduras sustentadas por pequenas columnas mais ou menos embebidas no
pé-direito e firmadas sobre um sócco de pedra
collocado em roda de todo o edificio.
As arcaduras tambem são muitas vezes empregadas, no exterior
dos edificios, para a decoração das fachadas.
Encontram-se egualmente sobre as outras partes dos monumentos arcadas
pouco salientes, cujas extremidades assentam sobre modilhões
muitas vezes executados apenas de feitio chanfrado, e ainda
ás vezes ornadas de esculpturas. Em alguns casos foram os
modilhões substituidos por grupos de columnas embebidas.
As arcaduras servem principalmente para ornamentar as partes lisas das
paredes debaixo das cornijas, os parapeitos das janellas e as
platibandas de que se servem para as ligar entre si pelas faixas
muraes.
Estas arcaduras foram imitadas do estylo Lombardo. Tambem se encontram
principalmente nos edificios romans da Allemanha, da Inglaterra e
d'algumas partes da França.
Chamam-se
Triforiums as galerias
mais ou menos
[81]
largas, que
ficam por cima das arcadas das naves lateraes das egrejas, ou
simplesmente por cima das archivoltas das grandes arcadas que ligam
dois pilares contiguos.
Encontram-se
Triforiums, que
abrangem todo o comprimento do corpo da egreja, nos edificios
Lombardos.
Os
Triforiums estreitos
são posteriores ao seculo XII, e só durante o
periodo Ogival é que se generalisou o seu emprego.
A cornija compõe-se d'uma pedra mais ou menos saliente sobre
a face das paredes de maior ou menor grandeza, segundo a maior ou menor
dureza dos materiaes de que dispomos.
A cornija é sustentada por consólas ou
modilhões collocados regularmente por baixo das juntas das
pedras que formam as cornijas. Os modilhões têem a
fórma d'um curvo ou d'um florão.
Chama-se
curvo um
modilhão simples, que fica saliente sobre a face d'uma
parede ou d'um pilar e que tem as duas faces lateraes parallelas e
perpendiculares á mesma parede; e com feitio de
florão, é uma consóla que
não tem as faces nem
parallelas, nem perpendiculares á parede. Ás
vezes
são os curvos e esses florões ornados de
esculpturas representando cabeças humanas, figuras
grotêscas, carrancas, monstros, volutas, etc.
A maior parte dos edificios do periodo roman não tinham
abobadas senão no abside do
côro, no pavimento inferior dos campanarios e algumas vezes
ao de cima das naves lateraes. A nave central
[82]
era ordinariamente coberta com um
simples tecto de madeira. As abobadas que hoje se vêem em
muitas egrejas do estylo roman foram construidas em epoca bem mais
recente.
Nos edificios religiosos que tinham a nave principal coberta
d'abobadas, eram estas d'aresta geralmente em nervuras; e como succede
nas egrejas lombardas, a cada arco da nave central correspondiam nas
paredes lateraes dois arcos de menores dimensões. Para
supportar a pressão
obliqua, exercida sobre os pilares e sobre as altas paredes da nave
pela abobada da nave central, os architectos romans seguiram dois
systemas.
Uns, imitando os constructores lombardos, construem as paredes lateraes
quasi da altura da nave e dispõem as abobadas de maneira que
supportem a curva da abobada central. Outros construem nas paredes
lateraes abobadas semi-circulares ou de quarto de cylindro, cuja parte
inferior assenta sobre as paredes mestras do edificio, e a parte
superior vem apoiar-se contra a principal parede da nave central no
logar onde começa a sua abobada.
Até ao principio do seculo XII, os arcos duplos
compõem-se de uma ou de duas ordens de cunhas de cantaria
geralmente sem molduras nem ornatos, e apresentam uma
secção quadrada ou rectangular. No fim do periodo
roman, e mais tarde ainda, os angulos do intradoz do arco dobrado
têem regularmente o feitio de tóros.
As nervuras das abobadas d'aresta consistem em um simples
tóro, algumas vezes acompanhado de
[83]
dois ou quatro tóros de menor
espessura. No fim da época Roman, e durante o periodo da
transição, o tóro principal foi em
certos paizes achatado e composto de uma aresta viva no intradoz. As
nervuras das abobadas do estylo Roman são muito mais toscas
que as das Ogivaes.
Os architectos dos seculos XII, XIII e XIV decoravam algumas vezes o
nascimento das nervuras das abobadas superiores ao capitel com molduras
geometricas.
Chamam-se
contrafortes aos pilares
embebidos nas paredes exteriores dos edificios, e que servem para
sustentar e diminuir a pressão das abobadas, ou supportar o
peso do madeiramento do telhado. Estes apoios correspondem sempre
exactamente (nos monumentos que não têem abobadas)
aos pontos onde assentam as asnas do madeiramento, e nos edificios
abobadados, aos pontos onde vem exercer-se a pressão
combinada dos arcos duplos e das nervuras das abobadas.
Nas construcções de architectura Roman,
especialmente nas mais antigas, os contrafortes apresentam-se algumas
vezes com a apparencia de uma pilastra semi-cylindrica.
No XI, e principalmente no seculo XII, apresentam os contrafortes
variadissimas fórmas. Uns são muito largos na
base, e diminuem successivamente em cada um dos seus tres lados
isolados; outros, mais delgados, têem sempre a mesma largura
entre as duas faces lateraes e parallelas, e não diminuem
senão na face exterior, em que essa
diminuição
[84]
se faz
successivamente em diversas partes
na sua total elevação. Alguns ha que
têem sempre as mesmas dimensões em todas as faces,
sem saliencia nem resalto algum, desde a base do edificio
até á cornija.
Os madeiramentos nos telhados dos edificios do estylo Roman
são raros.
Na Europa Occidental os telhados conservaram até ao seculo
XII uma pequenissima
inclinação.
É só no meiado d'este seculo, e até
mesmo mais tarde, que se encontram declives com excessiva correnteza
nos telhados dos edificios da edade média.
As
Torres, tanto na Europa Central
como na Occidental, anteriores ao seculo XI, são em geral
quadradas, e sem nenhum ornamento, ou apenas ornadas com simples
arcadas, e ordinariamente cobertas por um telhado de quatro abas de
fórma concava, formando uma pyramide obtusa.
Os campanarios do seculo XI, e sobretudo do XII, são mais
elevados e ornamentados que os dos seculos precedentes.
Compõem-se de dois e mais pavimentos, que se
sobrepõem, e cujas dimensões vão
muitas vezes diminuindo successivamente. A sua fórma e
aspecto geral variam de um paiz para outro.
Os campanarios isolados, que são quasi exclusivamente
proprios da Italia, distinguem-se por mais duas especies.
Ha uns construidos no ponto de intersecção do
[85]
transepte com a nave
principal, e ainda outros edificados ora sobre a fachada, ora sobre as
extremidades do côro ou do transepte. Os primeiros assentam
sobre quatro grossos pilares: os segundos erguem-se perpendiculares
sobre os seus quatro lados; ou são sustentados por arcadas
abertas sobre uma, duas e até mesmo tres das suas faces.
Os campanarios centraes têem em geral differentes
fórmas. Ha-os quadrados, octogonaes, e ainda com muito maior
numero de lados; existem tambem alguns em fórma de
cúpula.
Os campanarios da fachada, e os construidos proximo do côro
ou dos transeptes das egrejas, apresentam ainda fórmas mais
variadas que os centraes. Os mais simples são quadrados e
divididos tanto interior como exteriormente em dois ou mais pavimentos.
Outros, elevando-se sobre uma base quadrada, tornam-se em polygonos de
maior numero de lados logo no primeiro ou segundo andar, tendo em geral
a fórma octogonal.
No XI e no XII seculo eram os campanarios cobertos de madeira com
feitio de flecha ou de pyramides construidas de pedra; quadrados ou
octogonaes, eram pouco elevados e acachapados. Os angulos das pyramides
de base quadrada eram ás vezes ornados com pequenos
campanarios. Muitos remates de cantaria foram destruidos pelas chuvas e
pelos gêlos, e depois substituidos nos seculos XIII e XIV
pelas flechas esguias.
Algumas torres tinham por cobertura um telhado
[86]
apenas com duas abas, terminando
por uma empêna em cada um dos lados. As torres cobertas por
este modo só se usaram durante uma parte do periodo Ogival.
Os pavimentos em
opus alexandrinum
continuaram a usar-se na Italia e em todos os paizes aonde havia
marmore. Na Allemanha, na França e na Belgica, por exemplo,
serviam-se de tijolos de terra, cota esmaltada, ou de pedras gravadas e
com embutidos de massa colorida. Até ao fim do seculo XII
cada tijolo tinha a sua côr propria. As côres que
se encontram nos pavimentos do fim do periodo Roman, são a
preta, cinzenta, vermelha, e principalmente amarella e verde-escuro. As
duas ultimas predominam em quasi todos os trabalhos d'este genero do
seculo XII.
No Oriente e no Sul da Europa, os edificios historicos, legendarios e
symbolicos eram bastante communs no seculo XII; tambem se viam alguns
na Europa Occidental.
Se, na sua origem, a pintura das paredes imitou as mesmas
fórmas que tinha o mosaico, e se inspirou dos principios
d'esta arte, não podia tardar muito que ella tomasse mais
livre desenvolvimento e adquirisse certos principios que lhe fossem
especiaes em consequencia da propria natureza dos seus processos e da
maneira por que estes satisfazem a vontade do artista.
Com effeito, a pintura liga-se ás fórmas da
architectura até nas mais delicadas molduras; e por
conseguinte de um modo mais intimo que o mosaico.
[87]
Desde os primeiros seculos
até á
época da Renascença, a pintura das paredes
pôde, sem
duvida, modificar o estylo do desenho, e variar o tom e a harmonia das
côres empregadas, seguindo o progressivo desenvolvimento da
arte de construir, mas ficou sempre subordinada á
architectura.
A pintura monumental differe muito da que se emprega ordinariamente
n'um painel.
Um painel, no sentido moderno da palavra, não é
mais do que uma scena mostrada nos limites de um quadro, atravez de uma
janella aberta. A pintura monumental, pelo contrario, é uma
arte convencional na qual a imitação da natureza,
a
reproducção das suas fórmas e dos
phenomenos atmosphericos que ella apresenta, quasi que por assim dizer
não existem.
A figura humana e as composições em que esta
apparece em grupos são geralmente reservadas para as grandes
superficies planas das paredes; só muito raramente se
encontram nas pilastras e nas columnas. Por toda a parte o symbolismo
ou a allegoria constitue um dos grandes caracteres tanto da pintura das
paredes como de todas as artes em geral durante o periodo de que nos
occupamos.
As pinturas historicas eram tratadas da maneira mais simples. O artista
apenas faz figurar o numero de figuras estrictamente necessario para a
composição do assumpto de que trata. As
côres são applicadas com tintas eguaes, sem
indicar sombras
[88]
nem os
differentes accidentes da luz, de fórma que é
muitas vezes impossivel determinar qual o lado por onde o artista teve
em vista que a scena fosse illuminada. As partes salientes dos corpos
são regularmente indicadas por traços finos, e os
contornos são representados com linhas cheias.
A pintura a
fresco, que tem a
vantagem de produzir tons agradaveis, foi a preferida para as pinturas
historicas e legendarias. A
encaustica foi tambem escolhida para certos
trabalhos. A intensidade e a harmonia dos tons que resultam do emprego
da cêra, a possibilidade de nos occuparmos
indefinidamente do trabalho
já começado fizeram com que muitas vezes fosse
adoptado este processo. Com effeito até mesmo a pintura a
oleo é tambem muito antiga. Durante toda a edade
média eram preferidos os outros processos, por meio dos
quaes, obtendo-se tons baços, evitavam o reflexo
tão desagradavel na pintura das paredes.
Durante a edade média a primeira pedra do alicerce dos
edificios religiosos era regularmente ornada com uma cruz e uma
inscripção. A sua
collocação era feita com grandes solemnidades: um
prelado ou um dignitario ecclesiastico a benzia publicamente, e elle
proprio a collocava na base de um dos principaes pontos de apoio da
construcção.
Tambem muitas vezes se serviam de inscripções
lapidares para conservar a memoria da fundação do
edificio e o nome do architecto ou do mestre da obra. Em algumas
egrejas encontram-se pedras com dedicatorias indicando a data da
consagração,
[89]
os nomes dos santos cujas
reliquias se acham depositadas no altar, e até mesmo o nome
do orago da egreja.
Os altares eram uns fixos e outros portateis.
Altares fixos.―As mesas dos altares
fixos, ordinariamente de marmore ou de pedra, e de fórma
quadrada ou rectangular, continuaram até meiado do seculo
XII a ser vasadas em fórma de bandeja, como já se
usára no periodo Latino.
O supporte da mesa do altar consiste, muitas vezes, em uma simples base
cubica de alvenaria sem ornamentação alguma, e
algumas vezes tendo em roda uma inscripção e um
simples rebordo. Nos dias solemnes cobriam-se estes altares com alfaias
de lã e seda ou de outros tecidos preciosos.
Outras vezes o altar é sustentado por uma ou muitas pequenas
columnas.
Os altares de fórma cubica eram muitas vezes revestidos de
oiro e de prata e esmaltados, tendo tambem pedrarias, ou ornados com
esculpturas e pinturas.
A face dos altares, com esculpturas, ou pintados, era em geral dividida
em tres compartimentos com a fórma de arcadas mais ou menos
ricamente decoradas. Jesus Christo lançando a
benção, de pé ou sentado, occupa
ordinariamente a parte central, que é muitas vezes a mais
elevada, ou com a fórma
de uma auréola oval ou de quatro lóbulos. Nas
arcadas lateraes vêem-se figuras de santos e os symbolos dos
evangelistas, que se acham dispostos
[90]
ou em torno do compartimento do
meio, ou nos fundos das arcadas.
O altar principal das grandes egrejas era muitas vezes, como succedia
no periodo Latino, encimado por um
ciborium, e o
mesmo acontecia
com alguns dos altares lateraes.
No final do XI
seculo
começou o uso dos retabulos, isto é, dos paineis
ou quadros assentes verticalmente ao fundo dos altares propriamente
ditos. O retabulo não constitue por si só uma
parte essencial do altar, mas sim um accessorio. O seu primitivo e
principal fim é promover a
devoção entre o padre que offerece o santo
sacrificio e os fieis que a elle assistem, fazendo-lhes ver assumptos
religiosos produzidos pelo cinzel, esculptura, pintura, etc.
A principio era pouco elevado, attingiu uma excessiva altura no fim do
periodo ogival e na época da Renascença.
Representavam-se nos retabulos os mesmos assumptos que nas alfaias:
Christo, sentado ou em pé, occupava em geral o painel do
centro, tendo imagens de Santos e assumptos tirados da Historia
Sagrada, ou da lenda, em arcadas lateraes, ou em medalhões
de diversas fórmas, collocados em redor da imagem do
Salvador.
A maior parte dos primitivos retabulos eram de oiro, prata ou cobre
doirado e esmaltado: todavia alguns se encontravam, ainda que em menor
numero, construidos de pedra e de madeira pintada ou esculpida. Estes
ultimos só se generalisaram
[91]
no fim do periodo roman e no principio da
época ogival.
A principio os retabulos serviam tambem para encerrar os relicarios
quando elles não tinham mais ornamentos, ou para os
emmoldurar quando os seus frontaes eram ricamente adornados. Parece ter
sido nos mosteiros que este uso teve principio. Durante o XI seculo, a
maior parte das abbadias da Europa Central e Occidental mudaram a
disposição interior das egrejas no que diz
respeito ao logar reservado aos religiosos durante a
celebração do Santo Officio: as cadeiras ou
bancos dos padres, que d'antes occupavam o proprio côro do
abside, foram transportadas para o transepte, e desciam ordinariamente
até á segunda ou
terceira arcada da nave principal, como na egreja
d'Alcobaça.
Ao fundo do Sanctuario, proximo á curvatura do abside,
elevava-se o altar das reliquias, atraz ou debaixo do qual eram
expostos os restos mortaes dos Santos, que até ali se tinbam
conservado religiosamente nas cryptas das egrejas.
Algumas vezes as reliquias eram encerradas em caixas ou cofres e
collocadas no interior do altar.
Tambem se expunham mesmo sobre os altares, como succedia no IX seculo;
mas não é facil
actualmente determinar se esta exposição era
permanente ou temporaria, isto é, durante certas
solemnidades religiosas extraordinarias.
Comtudo, está provado que existia em muitos paizes o costume
de se conservarem os relicarios
[92]
sobre os altares. Este costume pouco a
pouco se foi generalisando, pelo menos em alguns d'elles. Quando esta
exposição se realisava por detraz dos
altares, o cofre era collocado pouco mais ou menos dois metros acima do
piso e sustentava um dos lados triangulares sobre o proprio altar, ou
então sobre um retabulo de pedra, collocado em cima
d'aquelle, mas pouco elevado, e o outro sobre uma consola ou um grupo
de columnas junto á parede absidal ou interior da egreja.
Os fieis podiam circular em torno do altar e vir collocar-se
directamente debaixo das reliquias. O uso de passar debaixo dos
relicarios, quer de pé, quer de joelhos, ainda hoje existe
em muitos paizes catholicos. Quando a parte superior da urna, que vinha
assentar sobre o altar, era desprovida de qualquer ornato, cobria-se
então com um retabulo de metal ou de pedra; se pelo
contrario, como succedia com as urnas de oiro, de prata ou de cobre
doirado e esmaltado, tinha figuras primorosamente executadas, ficava
inteiramente livre e visivel por detraz do altar. Construia-se
então por cima da urna uma especie de tabernaculo ou de
baldaquino. Algumas vezes ornamentavam a parte central do lado
triangular, com um retabulo de metal precioso.
O altar-mór das cathedraes assim como das collegiaes que
não possuiam grandes reliquias, só veiu a ter
retabulo no XIV seculo. Tanto no XII como no XIII seculo, se collocavam
n'estes edificios retabulos sobre os altares secundarios do
[93]
transepte e das Capellas absidaes. Estes
retabulos eram de pouca espessura, não se lhes podendo
collocar em cima nem crucifixos, nem candeeiros.
Altares portateis.―Apresentam
ordinariamente, bem como os do periodo Latino, a fórma de um
parallelogrammo rectangular, e são compostos de uma lagea de
marmore ou de pedra mettida n'um caixilho de carvalho e guarnecida com
bordados de oiro ou de prata, de modo a não tornar visivel
senão a parte superior da placa.
A lagea que constituia o altar propriamente dito era de porphyro, de
jaspe, de onyx, de crystal de rocha, de pedra preta e até
mesmo de ardosia. Tambem algumas vezes constava de uma pedra preciosa
unicamente como recordação historica que a ella
estava ligada, por exemplo, um fragmento das lageas tintas com o sangue
de S. Thomaz de Cantorbery.
As reliquias, cuja presença é de rigor em todo o
altar, encontram-se entre a lagea de marmore ou de pedra e o caixilho
de madeira: algumas vezes era este concavo em fórma de
recipiente. Em geral os altares portateis são de pequena
altura, apenas alguns têem a fórma de um pequeno
cofre sustentado
por pés pouco elevados. As laminas de metal que constituem
os adornos são muitas vezes cobertas com filigranas, de
pedrarias, de folhagens gravadas, ou de figuras esmaltadas.
Usaram-se estes altares até ao final do seculo XIII.
Piscinas.―A
ablução das mãos, tanto antes como
depois do sacrificio da missa, foi sempre um dos
[94]
preceitos dos padres. Deitava-se nas
piscinas não sò a agua de que o padre se servia
para a
ablução das mãos, mas até
mesmo aquella de que os ministros se serviam para lavar tanto os
calices ordinarios como os ministeriaes em seguida á
communhão do padre e dos fieis.
N'esta época o padre não tomava as
abluções do mesmo modo que actualmente.
Algumas piscinas, que são as mais antigas, têem
apenas uma abertura ou concavidade para dar passagem á agua;
ha porém outras que têem duas, uma para escoadouro
das aguas ordinarias, e outra para receber as
abluções das mãos.
As primeiras chamam-se
piscinas
simples, e as segundas
duplas. As mais
antigas
são de uma grande simplicidade, pois muitas vezes apenas
constavam de uma bacia, ou escavada no proprio banco de pedra que havia
junto á parte inferior das paredes, ou sustentada por uma
pequena columna isolada, ou por muitas formando grupo. As piscinas que
são sustentadas por columnas chamam-se
pediculadas.
No XII seculo começou-se a collocar
piscinas em nichos abertos nas paredes exteriores
da egreja. As piscinas duplas só no fim do XII seculo
appareceram.
Doceis.―Foi durante o periodo roman
que maior uso tiveram os doceis. Em geral consistem n'uma especie de
cúpula quadrada ou polygonal, de marmore, de estuque, ou de
pedra. Muitas vezes têem um leão sentado entre a
base e o fuste
[95]
das columnas. A
face anterior da cúpula é quasi sempre munida de
uma estante, sobre a qual o diácono ou o leitor collocava o
livro sagrado.
Esta estante assentava ordinariamente na cabeça de uma
aguia, symbolo do Evangelista S. João; e algumas vezes na de
um homem munido de azas, emblema de S. Matheus. Quando a estante
assentava sobre a cabeça de aguia ou de homem com azas, os
symbolos dos outros evangelistas estavam tambem, ás vezes,
representados nos angulos da base da cúpula.
Nas egrejas mais ricas havia mesmo doceis cuja cúpula era
revestida de oiro, de prata, e de laminas esmaltadas, ou decorada com
esculpturas sobre marfim.
Cadeiras episcopaes ou do clero.―A
cadeira episcopal nas cathedraes, ou do celebrante nas egrejas
inferiores, achava-se regularmente, como no periodo Latino, no fundo do
abside do côro, contiguo á muralha; e aos lados
estendiam-se os bancos ou cadeiras destinadas ao clero. Esta
disposição,
que foi conservada até nossos dias em algumas egrejas
romans, era a que havia em todas as egrejas seculares, tanto
cathedraes, como collegiaes e parochiaes.
Havia, já o dissemos, algumas
excepções a esta regra, como succedia com certas
collegiaes que possuiam um altar das reliquias no fundo do
côro, e com as egrejas monasticas. N'estas ultimas cedo foram
mudadas as cadeiras para o transepte, e mesmo para o corpo da nave; sem
duvida por
[96]
causa do grande numero
de religiosos, que era impossivel collocar convenientemente na
curvatura do côro.
Durante a maior parte do periodo roman os bancos dos padres foram de
marmore ou de pedra como anteriormente. As cadeiras ou
fórmas,
formulae,
de madeira, foram
raras até ao fim do XII seculo; apenas se encontram algumas
que escaparam á destruição.
Vê-se
perfeitamente que estas cadeiras, apezar de bem feitas em madeira,
imitam todavia exactamente as antigas de pedra.
Capellas funerarias, tumulos e pedras
tumulares
Capellas funerarias.―Construiram-se
algumas vezes, nos cemiterios e na proximidade das egrejas, capellas
funebres, de fórma circular ou polygonal, á
similhança da rotunda construida pelo imperador
Constantino sobre o Santo Sepulchro, ou o mausoléu de
Theodorico em Ravenna (Italia).
Tumulos.―O costume de encerrar em
sarcophagos os restos mortaes das pessoas ricas e poderosas existiu no
Norte da Europa até ao XII seculo, e nos paizes meridionaes,
isto é, no Sul da França, na Italia e na Hespanha
existiu pelo menos até ao XIV. Estes sarcophagos constavam,
como no periodo antecedente, de cofres oblongos, de pedra ou de
marmore, muitas vezes mais estreitos para o lado dos pés, e
fechados por uma tampa convexa ou em fórma de telhado de
duas aguas. Eram esculpidos com ornatos e symbolos; florões,
folhagens, monogrammas, cruzes e alguns assumptos
[97]
allegoricos. Collocavam-nos
habitualmente sobre pequenos pilares grossos, ou sobre columnas curtas
só com o fim de os isolar do solo.
Durante o periodo roman tambem foi adoptado o uso dos
cenotaphios
que consistem
em sócos de pedra, macissos d'alvenaria ou grupos de
columnas, assentes sobre uma sepultura subterranea e sustentando ou um
sarcophago simulado ou a effigie do defunto. Em tôrno do
sóco ou do macisso d'alvenaria acha-se disposta uma serie de
pequenas columnas. Umas vezes são unidas por meio d'arcos,
outras, o rebordo da grande lage que corôa o sóco
é apoiado sobre as columnas. No XII seculo, os cenotaphios
começaram a ser encimados pela effigie do defunto, esculpida
em relevo e ás vezes até mesmo gravada ao
traço ou representada em esmalte. O personagem é
geralmente collocado estendido sobre um leito e tem todas as insignias
da sua dignidade; os bispos estão com a mitra e o
báculo pastoral; os reis e os principes, com o sceptro e a
corôa. Estas estatuas deitadas não apresentam o
aspecto d'um morto; porque têem os olhos abertos, os gestos e
attitudes de pessoas vivas.
Alguns anjinhos fazem balancear thuribulos ou sustentam a almofada
sobre que assenta a cabeça do personagem.
Tumulos não apparentes.
Consistem, como os do periodo anterior, em cofres de pedra ou de
alvenaria mais largos do lado da cabeça que dos
pés e fechados por uma tampa chata ou prismatica.
[98]
No interior do cofre encontra-se algumas
vezes, principalmente do XI até ao XIV seculo, um
espaço
circular destinado a receber a cabeça do cadaver. Alguns
têem no fundo dois regos, no prolongamento dos quaes
está feita uma abertura destinada a dar vasão
ás materias viscosas.
Pedras tumulares. O uso das pedras
tumulares continuou durante o periodo roman. Em geral têem a
fórma d'um trapezio; algumas tambem, as mais antigas,
são rectangulares. A sua
decoração em geral consiste em figuras
geometricas, folhagens ou figuras symbolicas, e raras vezes se
lê o nome do defuncto, e a causa e data do seu fallecimento.
Pias baptismaes. As pias baptismaes
eram de grandes dimensões durante todo o periodo roman, por
isso que se continuou a administrar o baptismo por immersão
até ao XII seculo. As pias eram em geral de pedra; comtudo
algumas havia de bronze e outras de cobre. Em França e
especialmente na Inglaterra tambem as havia de chumbo.
As pias romans eram de variadissimas fórmas; sendo algumas
similhantes a uma vasilha.
O grande impulso que na Allemanha teve a arte da ourivesaria durante o
XI seculo, longe de affrouxar no seculo seguinte, pôde
conservar-se na vanguarda do movimento artistico da Europa Central e
Occidental.
Com a applicação do
esmalte, os objectos d'ourivesaria mudaram
completamente d'aspecto no XI e XII seculos. Até ali a
accumulação das pedrarias
[99]
ligadas por folhagens de
filigranas constituia todo o segredo
d'ornamentação dos ourives do
Occidente; desde o fim do X seculo que as laminas duplas e lavradas
alternam a maior parte das vezes com laminas esmaltadas. Estas
encontram-se não só nas grandes peças
d'ourivesaria, taes como as molduras e as alfaias dos altares, mas
até nos menores objectos.
Os primeiros esmaltes fabricados na Allemanha foram engastados em ouro
e prata, semelhantes aos que os Bysantinos fabricavam durante a segunda
metade do X seculo; mais tarde tambem se empregou o cobre com o qual se
douravam as partes que ainda ficavam visiveis depois da
incrustação do esmalte. Foi a começar
no XI seculo que em algumas localidades substituiram o esmalte
introduzido no rebaixo pelo dividido em
separação.
Até meado do seculo XII, a influencia Bysantina é
apparente nos esmaltadores Rhenanos. Durante bastante tempo, com
effeito, os esmaltadores allemães imitaram o estylo
Oriental, reproduzindo mais ou menos fielmente typos bysantinos,
modificando-os comtudo segundo o seu proprio engenho. Os seus processos
technicos tambem se resentem da origem Bysantina da arte
allemã: é assim, por exemplo, que, nos esmaltes
em separação, e
até mesmo nos mais antigos esmaltes executados em rebaixos,
as carnações são
substituidas pela pasta vitrea, a exemplo do que se praticava em
Constantinopla. Com tudo isto, os esmaltadores das margens do Rheno
não tardaram em gravar sobre metal
[100]
reservado, as figuras de pequenas
dimensões, emquanto que para as grandes, continuaram ainda,
durante algum tempo, a esmaltar as roupas; e n'este caso só
se serviam da gravura para as
carnações. No final do XII seculo, para proceder
sem duvida d'uma maneira mais expedita, começaram a gravar
figuras inteiras, ainda mesmo que tivessem uma certa grandeza, e quasi
que não era preciso gravar com esmaltes os entalhos, muitas
vezes grandes e profundos da gravura.
Em França, os ourives do XI seculo e dos primeiros annos do
XII, continuaram a servir-se exclusivamente, para a
decoração das suas obras, de placas cinzeladas ou
até simplesmente estampadas, e
d'applicações de pedrarias ligadas com
filigranas. Até 1145 os ourives francezes ignoravam o modo
de gravar do esmalte; tanto que, quando no principio d'esse anno,
Suger,
abbade
do mosteiro de S. Diniz, proximo de Paris, quiz mandar fazer uma peanha
e cobril-a de placas de esmalte engastadas sobre cobre, viu-se
obrigado, segundo elle mesmo conta, a chamar em seu auxilio ourives da
Lotharingia, em numero de cinco ou sete, que tiveram o trabalho de
terminar esta obra em dois annos.
As producções dos primeiros esmaltadores
francezes apresentam grandes analogias com as dos allemães
do Rheno, que vieram ensinar a arte de esmaltar, em França.
Uma vez começado, o gosto pela ourivesaria esmaltada em
breve foi augmentando em França, e
[101]
deu logar a que, em 1160, se creasse
uma celebre escola de esmaltadores em cobre cuja séde foi em
Limoges.
Nos primeiros ensaios, os ourives de Limoges procuraram dar aos seus
esmaltes o aspecto do dos allemães; representavam as figuras
inteiras, até as proprias carnações,
com
côres d'esmalte; só aproveitavam o metal para lhe
fazer traçar as principaes linhas do desenho. Em pouco
tempo, para mais rapida e mais barata producção,
renunciaram a este processo e principiaram a gravar logo sobre o metal,
todas as figuras e a esmaltar
apenas o fundo.
Muitas vezes
até substituiam as partes gravadas por figuras em
alto relevo de bronze fundido e cinzelado. Os esmaltadores de Limoges
cederam em parte a sua obra ao gravador, ao esculptor, ao fundidor e ao
cinzelador, limitando assim o seu trabalho á simples
decoração dos fundos,
operação que se tornava pouco
difficil.
Pelo lado artistico o esmalte rhenano é muito superior ao de
Limoges. Os esmaltes fabricados no XI e no XII seculo nas margens do
Mósa, em Liêge, Maestricht, Stavelot, em Waulsort
e em Gembloux têem os caracteres da escola rhenana, cujo
principal centro de fabrico era em Colonia, constituindo por isso uma
variedade dos esmaltes rhenanos. As differenças que se
encontram entre os esmaltes com rebaixo de Limoges, os do Rheno e os do
Mósa são estas: nos primeiros predominam as
côres azul e verde claros, em quanto que nos outros
são o verde e o azul carregados. Os esmaltadores
[102]
do Rheno e os do
Mósa servem-se d'algumas côres que lhes
são proprias; o bello azul de torqueza, o branco de leite, o
vermelho de purpura muito vivo e o preto. Os tons são mais
harmonicos na Belgica e na Allemanha, e mais vivos e asperos na
França. Os esmaltes do Rheno e do Mósa reproduzem
scenas em que toma parte um grande numero de personagens, com
inscripções latinas em verso, gravadas e
encrustadas de esmalte; nos de Limoges não se encontram
inscripções a não ser apenas um ou
outro nome. Os differentes lavôres que os esmaltadores do
Rheno e do
Mósa executavam sobre o cobre e com as
incrustações de esmalte, são notaveis
pelo bom gosto e variedade de assumptos,
qualidade
que se
não encontra entre os de Limoges.
Os objectos, grandes ou pequenos, ornados com esmaltes do
Mósa ou do Rheno apresentam geralmente uma particularidade
que se não observa na ourivesaria franceza contemporanea.
Têem, além das placas esmaltadas, filigranas e
pedrarias, placas de cobre vermelho com ornatos e
inscripções douradas sobre campo brunido ou
vice-versa.
Calices e patênas. Conservou-se, durante
o periodo roman, o uso dos calices ordinarios e
ministeriaes.
Os calices ordinarios do VIII e do IX seculo, têem muitas
vezes, como os do periodo Latino, a taça profunda e
estreita, o pé pequeno e ligado á
taça por um simples nó sem haste.
No IX seculo começou a usar-se a taça maior, e
[103]
ás vezes de
fórma espherica e com azas. O
pé conserva-se ainda n'este seculo com as mesmas
dimensões que nos precedentes.
Os calices do XI e do XII seculos têem a taça e o
pé muito grandes, o nó bastante grosso e a
haste curta quando a têem.
Na Allemanha encontram-se calices do XII seculo que têem o
exterior da taça inteiramente coberto de
medalhões, de esmaltes, de pedrarias e de filigranas; estes
ornatos são apenas interrompidos por um pequeno
espaço semi-circular destinado para o padre applicar o labio
inferior durante a communhão.
Os mysterios da vida e da paixão do Salvador e
principalmente a sua crucifixão, eram os assumptos que os
artistas mais gostavam de reproduzir sobre os medalhões
circulares ou ovaes com que decoravam a taça e o
pé dos calices.
Em geral compõem-se d'um reservatorio sustentado por um
grosso fuste cylindrico, ou mesmo por um pilar quadrado, e tambem se
encontram alguns cujos angulos se apoiam sobre quatro columnas.
Estas pias baptismaes, exteriormente quadradas, são os
reservatorios circulares e ovaes, tendo as faces externas esculpidas
com florões, folhagens, arcos, animaes phantasticos,
carrancas e até é facil vêrem-se
assumptos legendarios ou historicos.
Grades. Os romanos faziam muitas
vezes grades fundidas em bronze. Na Italia e no Sul da Allemanha
[104]
ainda se empregaram
até ao XI seculo. estas grades.
Carlos Magno empregou o bronze nas grades da egreja de Aix-la-Chapelle
que foram, assim como o edificio de que fazem parte, uma
importação meridional.
Durante o XI e XII seculo, as grades eram compostas de montantes
verticaes mettidos n'uma moldura e encerrando ornatos formados de
barras, de secção quadrada ou rectangular; estes
ornatos consistem em geral em curvas entrelaçadas.
Alfaias religiosas
No seculo VIII estavam as artes e as sciencias inteiramente decahidas
no Occidente, em consequencia das continuas guerras provocadas pelas
invasões dos barbaros. Os processos technicos das artes
industriaes e mais faceis d'adoptar tinham quasi
caído no esquecimento. No
imperio do Oriente, pelo contrario, o culto das artes não
cessou de prosperar desde Constantino Magno até ao XI seculo
inclusivamente, graças á
protecção generosa dos imperadores bysantinos.
Tambem, logo que se seguiram os primeiros momentos de socego depois das
tempestades politicas, pensou-se na Italia e no resto do Occidente em
dotar d'alfaias convenientes as egrejas, e basilicas que se acabavam de
construir ou de restaurar e para isso foram obrigados a dirigirem-se a
Constantinopla tanto para proc
No seculo VIII estavam as artes e as sciencias inteiramente decahidas
no Occidente, em consequencia das continuas guerras provocadas pelas
invasões dos barbaros. Os processos technicos das artes
industriaes e mais faceis d'adoptar tinham quasi
caído no esquecimento. No
imperio do Oriente, pelo contrario, o culto das artes não
cessou de prosperar desde Constantino Magno até ao XI seculo
inclusivamente, graças á
protecção generosa dos imperadores bysantinos.
Tambem, logo que se seguiram os primeiros momentos de socego depois das
tempestades politicas, pensou-se na Italia e no resto do Occidente em
dotar d'alfaias convenientes as egrejas, e basilicas que se acabavam de
construir ou de restaurar e para isso foram obrigados a dirigirem-se a
Constantinopla tanto para procurar os objectos que desejavam como para
obter
[105]
artistas aptos que
annuissem a vir trabalhar no Occidente.
Durante muito tempo os artistas verdadeiramente dignos d'este nome,
pintores, esculptores, ourives e outros, continuaram a vir de Bysancio,
e quando no principio do IX seculo, Carlos Magno quiz decorar com
mosaicos e enriquecer com vasos sagrados e outros objectos d'arte o
edificio religioso que elle acabára de construir em
Aix-la-Chapelle, teve que se dirigir a artistas gregos ou aos
discipulos que se haviam formado na Italia, particularmente em Ravenna.
Com os inferiores successores d'este principe, a arte cessou de ter
desenvolvimento, retrocedendo tanto na Europa central como na
Occidental, ao mesmo estado de barbaria em que se achava antes dos
esforços empregados por Carlos Magno para restabelecer o seu
progresso.
No fim do X seculo, produziu-se no Occidente um movimento util nos
estudos artisticos; os artistas gregos foram ainda aqui, como mais
tarde na Italia, os iniciadores que presidiram a este movimento
instructivo.
A restauração artistica, começada sob
a influencia dos artistas bysantinos, foi extremamente rapida na
Allemanha. Desde o fim do X seculo, a escola de Trèves,
dirigida pelo bispo Egberto, deu nascimento, no territorio germanico, a
muitos outros centros artisticos creados pelos bispos nos seus palacios
episcopaes, ou pelos abbades nos seus Mosteiros. Santo Henrique que
governou o
[106]
imperio do
Occidente durante o primeiro quartel do XI seculo, foi tambem um dos
grandes promotores da restauração artistica na
Allemanha.
Os
calices ministeriaes conservaram,
durante o periodo roman, a mesma fórma que tinham tido
anteriormente. A sua decoração é a
mesma que a dos calices ordinarios. São munidos d'azas com a
fórma de folhagens, ou de dragões e d'outros
animaes phantasticos.
Nos medalhões sobre a taça representavam-se
scenas da vida do Salvador; nos do pé, as quatro virtudes
Cardeaes e assumptos tirados da historia do Velho Testamento; e nos
medalhões do nó mostravam-se as
personificações dos
quatro rios do Paraizo.
As patênas, ordinariamente muito simples, tinham a
configuração d'um pires com um esvasamento
circular no meio. O fundo interior era liso, com adornos de buril; os
bordos, por vezes lavrados em relevos ou gravados ao buril, eram de
pequenas dimensões. Encontram-se comtudo algumas
patênas da época roman, sobre as quaes abundavam
os ornatos e as esculpturas.
Custodias eucharisticas: pyxides e
ciborios. Desde o XI seculo que as pombas eucharisticas
foram substituidas em geral pelas pyxides, cuja origem alguns auctores
reputam ser do V seculo. Dá-se o nome
pyxides
a pequenas caixas de
marfim, d'onyx, d'ouro, de prata ou de cobre esmaltado, nas quaes se
guardavam as Sagradas particulas. Suspendiam-se, debaixo do docel do
altar, n'uma bolsa de tecido
[107]
precioso, ou então collocavam-se n'um pequeno nicho
aberto em parede proxima do altar.
Durante os primeiros seculos do periodo roman as pyxides de marfim
empregavam-se em concorrencia com as pombas eucharisticas de metal.
Consistiam regularmente em pequenas caixas cylindricas, tendo muitas
vezes no exterior esculpturas em relevo.
As pyxides do XII e do XIII seculo são ordinariamente de
cobre dourado e esmaltado; compõem-se d'uma pequena caixa
cylindrica encimada por uma tampa de fórma conica ligada ao
cylindro por uma charneira. Muitas d'estas pyxides sairam das officinas
dos esmaltadores de Limoges.
As pyxides romans têem algumas vezes um pé, e
são em geral tanto umas como outras de pequenas
dimensões, por isso que apenas servem para guardar um
pequeno numero d'hostias necessarias para dar o Sagrado Viatico aos
doentes em perigo de vida.
Todas as pyxides anteriores ao XVI seculo, com raras
excepções, têem a tampa ligada ao
cylindro por meio de charneira.
Relicarios. Consideraram-se
primeiramente como reliquias os restos mortaes dos Santos,
porém, hoje têem um sentido mais lato;
considerando-se tambem como taes os paramentos e outros objectos usados
por elles durante a sua vida mortal. A Egreja professou sempre um
grande respeito pelas reliquias, prestando-lhes um culto particular. Em
vista d'isto não é para admirar que nos primeiros
[108]
seculos se fabricasse um
tão grande numero e diversidade de relicarios, afim de
conservarem estes preciosos thesouros e expôl-os á
veneração dos fieis.
Relicarios da verdadeira Cruz. A
maior parte dos relicarios que contéem parcellas da
verdadeira Cruz foram trazidos do Oriente na época das
Cruzadas, ou fabricados na Europa segundo os modêlos
bysantinos. São ricamente cravejados de pedraria e
d'esmaltes, e têem muitas vezes a fórma de uma
dupla cruz chamada cruz do Santo Sepulchro, de Lorrena ou de Caravalla.
Como a travessa superior d'esta cruz é menor que a inferior,
leva isto a suppôr que o que parece uma
repetição dos braços seja simplesmente
o
titulo da cruz, pelo qual os Gregos e os Orientaes
sempre tiveram especial veneração.
Tambem muitas vezes se collocavam as reliquias da Sagrada madeira n'uma
cruz com uma simples travessa.
As reliquias da verdadeira Cruz, encerradas n'uma cruzeta, muitas vezes
com duas travessas, eram tambem muitas vezes emmolduradas n'uma placa
metallica ricamente ornada e fixa sobre um centro de madeira. Estes
relicarios, com a fórma d'um pequeno quadro rectangular ou
d'um triptyco, eram mettidos em ricos estojos guarnecidos d'esmaltes,
filigranas e pedras preciosas.
Não eram só os relicarios da madeira da
verdadeira Cruz, que tinham a fórma d'uma cruz com duas
travessas horisontaes; os proprios edíficios
[109]
em que se conservavam estes relicarios
eram muitas vezes encimados com uma cruz do mesmo genero. Nas parochias
em que os campanarios tinham a dita cruz, eram collocadas sobre os
tumulos n'ellas existentes, cruzes de madeira ou de pedra com a mesma
fórma.
Urnas. A urna é uma
especie d'um cofre dentro do qual são guardadas as reliquias
d'um Santo. O emprego das urnas vulgarisou-se desde o XI seculo. Ha-as
grandes
e
pequenas. As grandes urnas têem o feitio
d'um pequeno edificio rectangular, com a fórma de telhado de
duas vertentes; ha algumas, como a dos Reis Magos em Colonia, que
imitam uma egreja com as suas paredes exteriores.
Em geral são cobertas de placas de metal ornadas com
filigranas, esmaltes e pedrarias. Christo lançando a
benção, sentado ou em
pé, só ou no meio de dois Santos, occupa
ordinariamente uma das faces extremas, e na outra face a Santissima
Virgem entre dois Santos cujas reliquias a urna encerra. As faces
lateraes são divididas por arcadas de volta inteira ou
abatida, debaixo das quaes se vêem as figuras dos Apostolos
ou d'outros Santos; emfim, as vertentes da
imitação de telhado são decoradas com
baixos relevos. Os esmaltes servem de caixilhos aos differentes
assumptos e cobrem tanto as archivoltas como as columnas das arcadas.
Ha tambem urnas exclusivamente feitas de placas esmaltadas.
As urnas pequenas, muito triviaes nos seculos XII e XIII,
têem a fórma d'um cofre oblongo, coberto
[110]
com uma tampa semelhante a um
telhado de duas aguas. Compõem-se em geral de placas de
cobre vermelho, esmaltadas segundo o processo do buril. Tanto as quatro
faces da urna, como a tampa são adornadas de figuras e
algumas vezes com assumptos completos. Merecem
attenção as
figuras pela gravura em relevo ou pelo seu modo de
execução especial.
Sobre muitas d'estas urnas se vêem em relevo as
cabeças e as mãos ou sómente as
cabeças; nas mais antigas, em vez de serem simplesmente
gravadas, são incrustadas de esmalte.
D'ordinario o trabalho é rude e barbaro e o desenho deixa
muito a desejar com relação a
correcção.
A tampa é geralmente terminada por uma lamina de cobre
recortada em fórma de crista.
Pertencem em geral estas urnas ao trabalho dos esmaltadores de Limoges.
Tambem se têem encontrado urnas romanas de pedra, marfim e
mesmo de madeira.
Estatuêtas,
bustos,
braços,
pés, etc. No seculo X,
começou-se a collocar as reliquias em estatuêtas,
bustos, ou relicarios de metal ricamente ornamentados e imitando a
fórma do corpo humano a que ellas haviam pertencido. Assim,
quando queriam guardar os ossos d'um pé, ou d'um
braço, dava-se ao relicario a fórma de qualquer
d'estes dois modelos. Continuaram a usar-se estes relicarios durante os
seculos seguintes, tornando-se bastante vulgares.
[111]
Urnas de marfim. Encontram-se, com
frequencia, nos thesouros das egrejas e nas
collecções d'objectos antigos, cofres de marfim
cobertos de esculpturas decorativas e legendarias. As que offerecem
assumptos religiosos ou alguns signaes de symbolismo
christão, e que por consequencia foram executadas para o
serviço do culto, são
extremamente raras. Isto prova que primitivamente eram destinadas aos
usos profanos, por exemplo, para guarda joias. No entanto
não é para admirar que se encontrem nas egrejas,
pois que umas foram cedidas ás egrejas como obras artisticas
offerecidas por bemfeitores generosos; outras, executadas no Oriente,
serviram aos cavalleiros cruzados para trazerem as reliquias de
Constantinopla e da Terra Santa. As reliquias vindas do Oriente,
ficaram encerradas em pequenos cofres, adquiridos por alto
preço no Egypto, na Syria e na Asia Menor. Estes pequenos
cofres, que sahiam d'officinas musulmanas ou indianas, são
regularmente cobertos de figuras geometricas, d'arabescos d'animaes
phantasticos e algumas vezes
d'inscripções Orientaes.
Frascos de crystal de rocha. D'entre os varios
objectos de que os cruzados se serviam como
relicarios, para trazerem reliquias para o Occidente, devemos
especialmente mencionar os pequenos frascos de crystal de rocha. Estes
frascos, cuja altura raras vezes excedia dez centimetros, eram ou muito
simples ou com fórmas d'ani. D'entre os varios objectos de
que os cruzados se serviam como
relicarios, para trazerem reliquias para o Occidente, devemos
especialmente mencionar os pequenos frascos de crystal de rocha. Estes
frascos, cuja altura raras vezes excedia dez centimetros, eram ou muito
simples ou com fórmas d'animaes phantasticos. Muitos
estiveram
guardados, durante o
[112]
periodo
ogival, em ricos estojos de ouro ou de prata.
Diversos relicarios. Ha-os com
diversas fórmas architecturaes imitando, em metal ou em
marfim, as principaes partes das egrejas romans, e até mesmo
as dos edificios civis.
Corôas suspensas nos
altares. Estas corôas conhecidas com o nome de
votivas
eram por
devoção offerecidas a Deus e aos Santos, ou em
cumprimento d'algum voto. Já existiam durante o periodo
latino; como então, compunham-se de um circulo de metal
precioso, muitas vezes adornado com o brilho de pedrarias e de
esmaltes. Fabricou-se grande numero d'estas corôas
directamente para o serviço dos altares; todavia os antigos
chronistas designam-nas tambem muitos como offertas feitas por reis e
principes, de corôas d'ouro e de prata e que elles
precedentemente cingiam como insignia de realeza.
Corôas para luzes. As
corôas para luzes continuaram a usar-se durante o periodo
roman e as mais bellas que a idade media nos legou são
d'esta época.
Todas estas corôas, guarnecidas de torres e ameias parecem
alludir á visão de que falla S. João
no capitulo XXI do Apocalypse.
Deus me
mostrará a santa cidade de Jerusalem, que desceu do Ceu,
mandada por Deus... representada por uma alta muralha,
franqueada por dôze portas; vendo-se a estas portas
dôze anjos, e tendo gravados os nomes das dôze
tribus de Israel. As portas
[113]
ficavam tres ao Oriente, tres ao Norte, tres ao Sul e tres ao
Occidente. A muralha tinha dôze socalcos, em que se achavam
gravados os nomes dos dôze Apostolos.
Suspendiam-se estas corôas no côro proximo do altar
e tambem no ponto de intersecção da nave com o
transepte, quando eram muito grandes.
A corôa para luzes de Aix-la-Chapelle tem oito metros de
circumferencia; é composta de oito arcos de circulo
unindo-se de maneira que formam angulos reintrantes. Estes angulos
são guarnecidos de lanternas em fórma de
torrinhas redondas havendo, no ponto medio de cada arco de circulo, uma
torre quadrada maior. Entre cada torrinha podem ser collocadas tres
vellas; como são dezeseis torres, oito quadradas e oito
redondas, a corôa póde receber quarenta e oito
luzes em todo o seu circuito. Duas inscripções
latinas se
lêem em tôrno do circulo metallico, indicando a
data do XII seculo em que foi dada á egreja de
Aix-la-Chapelle pelo imperador Frederico Barba-rôxa.
Cruzes d'altar e para as
procissões. Até ao final do XV seculo,
não havia distincção
alguma entre as cruzes do altar e as procissionarias ou estacionarias.
A mesma cruz servia para ambos os fins; collocava-se sobre o altar
fixando-a em uma peanha, trazia-se em procissão na
extremidade d'uma vara comprida.
As cruzes d'altar romans, ordinariamente de cobre, de prata, ou mesmo
d'ouro, têem em geral apenas uma só cruzeta; as
mais antigas são de
fórma
[114]
Trina,
e cravejadas de perolas ou de variadas pedrarias. Mais tarde, no XI e
no XII seculos, são então compostas com a imagem
de Christo, sendo os ramos da cruz de desiguaes dimensões,
isto é, deixam de ter a fórma Trina.
Grande parte das cruzes d'altar romans são de cobre vermelho
adornado com esmaltes entalhados ao buril, outras compõem-se
de simples laminas de cobre sobre as quaes se reproduzem em esmalte a
imagem do Divino crucificado ou outros symbolos religiosos. Muitas
cruzes são formadas de madeira, tendo as duas faces ou
só a principal revestidas com placas esmaltadas. A imagem de
Christo era representada n'estas cruzes e em alto-relevo. O
perizonium,
que cobre
os rins e a corôa que cinge a cabeça do Salvador,
são ordinariamente esmaltados e os olhos representados por
fragmentos de vidro azul.
No fim do periodo roman, as peanhas em que se fixavam as cruzes para as
collocar sobre o altar eram muitas vezes d'uma riqueza notavel; algumas
eram de fórma triangular, a mais geral; e outras tinham
quatro faces. Em cada um dos quatro angulos, d'estas ultimas,
apresentam um Evangelista escrevendo textos relativos á vida
ou
á morte do Salvador. Queria-se d'este modo symbolisar a
diffusão, pela prédica do Evangelho, da
Fé em Jesus-Christo, Redemptor do genero humano.
Candelabros. Os candelabros eram em
geral pequenos e terminavam na sua parte superior por uma dirandella
ponteaguda. A fórma d'estes candelabros
[115]
do XII seculo,
varía pouco; consta em geral de um pé assente
sobre tres patas de leão ou em tres corpos de
dragão; um nó de folhagens ou de
dragões enroscados; e uma dirandella bastante concava,
sustentada por tres ou quatro pequenos animaes phantasticos que se
assimilham aos dragões ou aos lagartos com azas.
O contraste que existe entre os pequenos candelabros d'outro tempo e os
que actualmente se empregam de excessiva altura, explica-se da seguinte
maneira: deram aos candelabros e ciriaes uma tão descommunal
altura que obrigaram a substituir as antigas velas de cêra
por um cirial simulado e accrescentado com uma vela. Não
devemos esquecer que os ciriaes se accendem em homenagem ao Crucifixo
ou ao Santissimo Sacramento, e que portanto não devem
exceder em altura o tabernaculo. Comprehende-se, pois, a
razão por que um candelabro d'altar é maior e
mais monumental que outro qualquer de sala.
Candelabros para o Cirio Pascal. Tinham uma altura
bastante consideravel.
A ornamentação d'estes candelabros, destinados a
sustentar o Cirio Pascal, era analoga á dos candelabros
d'altar. N'elles se encontram, tanto no pé como na
dirandella, os dragões e os lagartos com azas (geralmente no
numero de tres), as folhagens e os florões. Em alguns,
tambem se representavam varios personagens e diversos outros assumptos
nas facetas do pé.
Candelabros de sete
braços. Estes candelabros
[116]
sempre de bronze, usavam-se desde o
periodo roman, e talvez antes. Destinados, sem duvida, a fazer recordar
o antigo candelabro dos israelitas, são tambem muito
elevados. O pé, o nó
e os ramos eram ordinariamente ornados.
Os braços estão collocados, em geral, no mesmo
plano, tres de cada lado da haste central e as dirandellas tambem se
encontram ao mesmo nivel.
Evangeliarios. Durante o periodo
roman, trataram, como até ali, de reproduzir o mais
correctamente possivel o texto Sagrado; e continuaram do mesmo modo a
transcrever os exemplares de luxo com lettras de ouro sobre velino
branco ou côr de purpura.
As Biblias completas e os evangeliarios, isto é, os
manuscriptos em que se encerra o texto dos quatro Evangelhos,
são em geral ornados com um grande numero de miniaturas
representando personagens e assumptos do Novo e Velho Testamentos, e
até mesmo alguns factos legendarios. Todavia, nos mais
antigos manuscriptos o numero das illustrações
é geralmente muito menor
que nos do XI e XII seculos. Encontra-se com frequencia, na parte
superior de cada Evangelho, a figura do Evangelista, sentado e
escrevendo o seu livro.
Egualmente se encontram na parte superior de quasi todos os
Evangeliarios, miniaturas que occupam muitas paginas, consistindo em
arcadas sobre columnas, agrupadas ás t
Egualmente se encontram na parte superior de quasi todos os
Evangeliarios, miniaturas que occupam muitas paginas, consistindo em
arcadas sobre columnas, agrupadas ás tres e ás
quatro, sob um arco commum que abrange toda a largura da
[117]
pagina; em cada arcada
lêem-se series de numeros collocados uns debaixo dos outros.
Estas columnatas formam o que se chamam os
canhões
d'Euzebio ou de
concordancia Evangelica. Foram compostas por
Euzebio de Cezaréa para facilitar o estudo comparativo dos
Evangelhos, e consistem em quadros que indicam, por meio de algarismos
escriptos na mesma linha horisontal em duas ou mais arcadas, as
citações dos Evangelhos com
relação ao mesmo objecto.
São dez: o primeiro indica todos os logares communs aos
quatro Evangelhos; o segundo, os que se não lêem
senão em S. Matheus, S.
Marcos e S. Lucas; o terceiro, o que é referido por S.
Matheus, S. Lucas e S. João; o quarto, as passagens
comparativas de S. Matheus, S. Marcos e S. João; o quinto, o
accôrdo de S. Matheus com S. Lucas; o sexto, de S. Matheus
com S. Marcos; o setimo, de S. Matheus com S. João; o
oitavo, de S. Lucas com S. Marcos; o nôno, de S. Lucas com S.
João; emfim o decimo, sob differentes series, o que cada
evangelista escreveu de particular.
Cada Evangelho tem á margem, com tinta preta por ordem
numerica, a indicação de todos os
versos que o compõem; e inferiormente a cada verso
está notado a encarnado o numero do canhão a que
se tem de recorrer para encontrar a concordancia.
Capas evangeliarias. Durante o
periodo roman as capas dos livros lithurgicos tinham ordinariamente um.
Durante o
periodo roman as capas dos livros lithurgicos tinham ordinariamente um
comprimento dobrado ou triplicado da
[118]
largura. Comtudo já havia
n'essa epoca
encadernações que se approximavam sensivelmente
da fórma quadrada, que foi a que mais tarde prevaleceu.
As capas dos livros romans são de metal e tambem de marfim;
acontecendo muitas vezes reunirem estas duas materias na mesma capa, ou
servindo de caixilho a uma placa de marfim quadrada ou rectangular e
com relevos metallicos.
Os assumptos que mais trivialmente se encontram sobre as capas dos
evangelhos são: 1.º O Salvador, sentado ou de
pé, lançando a
benção e collocado n'uma aureola oval;
2.º A
crucificação de
Christo; 3.º A Santissima Virgem com o menino Jesus;
4.º Scenas
tiradas da historia do Novo Testamento.
Os symbolos dos Evangelistas occupam quasi sempre os quatro angulos das
capas.
Para o fim do periodo roman, tambem frequentemente se empregaram, como
capas de livros lithurgicos, placas esmaltadas, oblongas,
rectangulares, fabricadas em Limoges, representando a
crucificação do Senhor, com as figuras
accessorias.
Thuribulos. É provavel
que nos primeiros seculos fossem simples vasos com grande diametro e um
peso consideravel.
Dos thuribulos anteriores ao XI seculo apenas temos conhecimento pelas
pinturas das paredes e pelas miniaturas dos manuscriptos.
São d'uma simplicidade notavel; têem, como todos
os que se lhes seguiram, a fórma espheroidal.
No XI e XII seculos apparecem thuribulos mais ricos.
[119]
Caldeirinhas d'agua benta portateis.
Estas caldeirinhas serviam para levar agua benta aos imperadores, aos
reis e outros grandes personagens no momento em que entravam na egreja.
Têem a fórma d'um cóne troncado e
invertido.
Geralmente são de pequenas dimensões,
não excedendo 20 centimetros em altura.
Tambem as ha de marfim e outras de metal. A maior parte tem
exteriormente duas ordens sobrepostas de figuras em relevo,
representando assumptos religiosos, figuras de Santos ou symbolos.
Pentes lithurgicos. Os padres eram
obrigados a pentear os cabellos e a barba antes de celebrar o Officio
Divino. O uso dos pentes lithurgicos existiu até ao XVI
seculo, e ainda nos nossos dias se emprega o pente na
Sagração dos Bispos.
Os pentes lithurgicos são
geralmente d'osso ou de marfim e tambem algumas vezes de madeira.
Uns são maiores do que outros; os maiores são
guarnecidos com duas ordens oppostas de dentes, tendo uma com mais
finissimos dentes. O espaço comprehendido entre as duas
ordens de dentes é em geral esculpido. Os pentes de menores
dimensões têem apenas uma ordem de dentes, sendo
egualmente mais ou menos ricamente esculpidos.
Cadeiras. O uso da cadeira,
cathedra, foi durante, muito tempo considerado
como uma prerogativa dos Papas, dos Bispos e dos Soberanos temporaes.
No fim do periodo Latino e no começo do Roman, as cadeiras,
eram por vezes feitas á imitação
[120]
da cadeira
curúl dos Romanos, a qual
era formada de duas dobradiças em fórma de X,
entre as quaes assentava um coxim. Os ramos das
dobradiças d'esta especie de cadeiras romans são
ordinariamente terminados, superiormente, por cabeças
d'animaes e inferiormente por patas ou garras; como tambem succede com
as cadeiras curúes mais ricamente esculpidas.
As cadeiras romans têem d'ordinario a fórma d'um
cofre rectangular, não tendo costas nem tão pouco
braços. Adornavam-nas com
incrustações de marfim, ouro, prata ou outros
metaes; eram estofadas de preciosos brilhantes e damascos. As cadeiras
de costas altas são raras.
Baculos pastoraes. Desde os
primeiros seculos que os Bispos empunhavam o bastão pastoral
como insignia da sua dignidade. Mais tarde foi este privilegio
extensivo aos abbades dos grandes mosteiros.
Os bastões pastoraes mais antigos eram de duas
fórmas diversas: havia o bastão em
fórma de muleta e o bastão em
voluta.
O
primeiro, pela sua similhança com a letra T (a que os gregos
chamavam
tau)
é conhecido pelo
nome de
bastão ou baculo em
fórma de
tau. O
cabo ou travessa ordinariamente de marfim é todo esculpido.
Os baculos de
voluta que ainda hoje
existem, datam do XII seculo. A fórma que tinham antes
d'esta epocha sabe-se pelas esculpturas, pinturas e miniaturas.
Não nos parece que se encont
Não nos parece que se encontrem Bispos empunhando
[121]
o baculo em monumentos cuja
data seja anterior ao ultimo quartel de X seculo.
No seculo XII e até mesmo já durante a ultima
metade do seculo XI, é que se começaram a usar os
baculos de voluta. São
tambem d'esta epocha os
bastões de metal
ornados
de pedrarias d'esmaltes e filigranas.
A voluta de quasi todos os baculos do XII seculo termina por uma
cabeça de serpente ou de dragão encimada por uma
cruz, ou lutando com o Divino Cordeiro armado com o signal da
redempção.
As volutas terminando em florão são por emquanto
raras n'esta epocha, assim como tambem aquellas que têem
representadas scenas historicas.
Attribue-se geralmente aos baculos pastoraes e a todas as suas
differentes partes, uma
significação symbolica. O baculo representa o
bordão do Pastor espiritual; do Bispo na sua diocese e do
abbade no seu mosteiro. A haste é recta para recordar ao
Prelado a rectidão da governação; a
ponteira de metal é o emblema da justa severidade com que
deve reprimir os rebeldes, e a voluta recurvada symbolisa a bondade
como as almas são attrahidas para o bem pelas
consolações. A voluta do baculo voltada para o
peito, indica a
jurisdicção interna dos Abbades; voltada para
fóra, mostra a auctoridade dos Prelados.
Sapatos lithurgicos. Estes sapatos,
que desde os primeiros seculos são considerados como uma das
principaes insignias dos Bispos e dos Abbades, tinham o nome de
sandalias,
sandalia, e eram em
[122]
geral de fórma identica.
Constavam d'uma solla de coiro ordinario, d'uma gaspea e de dois
quartos.
A gaspea era de coiro e recortada muito profundamente a formar uma
especie de lingueta,
lingua, e quatro appendices,
ligulae,
em
fórma de orelhas atravez das quaes passavam os
cordões. As seis chanfraduras, formadas por estas orelhas,
fizeram dar á gaspea o nome de
coiro
fenestrado,
corium fenestratum, por
affectarem a fórma de
aberturas dos rotulos de janellas.
Tanto a gaspea como os quartos tinham um grande numero de furos, os
quaes bem como as chanfraduras da gaspea tinham uma
significação symbolica.
As sandalias são guarnecidas, inferiormente, por uma solla e
superiormente por um pedaço de cabedal chanfrado ou
fenestrado, porque os pés dos prégadores devem
ser resguardados inferiormente para se não sujarem nas
coisas terrestres conforme as palavras do Senhor―
Sacudi o
pó de
vossos pés―; são descobertos pela
parte superior para que lhes seja relevado o conhecimento dos
celestiaes mysterios, segundo estas palavras do propheta:
«Desvendae-me os olhos e considerarei as maravilhas da tua
Lei».
A gaspea e os quartos eram ordinariamente bordados a ouro e seda e
até mesmo de pedras preciosas.
Mitras. As mitras de dois bicos eram
desconhecidas até ao fim do XI seculo. D'antes os Bispos
usavam algumas vezes uma corôa ou grinalda de
[123]
laminas de metal, cravejada de pedras,
debaixo da qual elles punham um barrete pouco elevado ou um
pedaço rectangular de seda ou de tela, cujas extremidades,
ordinariamente bastante compridas, fluctuavam livremente sobre as
costas.
No fim do XI seculo, a cobertura collocada por debaixo da
corôa tornou-se mais alta de maneira que formava ou uma
especie de touca ponteaguda ou dois lobulos obtusos ou arredondados e
pouco tempo depois duas agudas pontas. N'esta mesma epocha foi
substituido o circulo de metal por fachas de pergaminho primorosamente
pintadas e as extremidades fluctuantes do pedaço de tela por
duas fachas compridas e estreitas, que se chamam
fanons.
Alfaias preciosas.
Tecidos.
Durante
os primeiros seculos da éra christã, os tecidos
de seda apenas
se fabricavam no Oriente.
Mas no periodo roman continuou a Europa a mandar vir todos os tecidos
preciosos de Constantinopla, da Grecia, da Asia Menor e da Persia.
Comtudo, no seculo IX, os Mouros introduziram a cultura do bicho de
seda no Sul da Hespanha, e a começar do seculo seguinte, a
pequena cidade de Almeria, situada a pequena distancia de Malaga sobre
as costas do Mediterraneo, tornou-se um importante centro de industria
de seda, cujos productos da Europa eram procurados.
Em seguida á expulsão dos musulmanos no anno de
1146 ou 1147, as fabricas de seda tambem se desinvolveram muito na ilha
da Sicilia, e o commercio
[124]
de tecidos de seda tornou-se extremamente florescente e prospero,
graças aos intelligentes
esforços do rei normando Roger, secundado na sua empreza por
operarios trazidos da Grecia na escolta d'uma
expedição militar. Os tecidos d'ouro e seda,
fabricados na celebre manufactura official de Palermo, e conhecida pelo
nome de
Hotel de Tiraz, foram os mais estimados
durante toda a edade média.
Os tecidos do periodo roman, geralmente encorpados e solidos,
são uns lisos e outros ornados de desenhos representando
animaes, plantas, flôres e fructos, empregados apenas como
decoração, sem a menor
intenção de symbolismo. Os estofos produzidos
pelas fabricas musulmanas, tinham tambem ás vezes
inscripções arabes;
aquelles cujas decorações consistiam em assumptos
biblicos
ou symbolos christãos, fabricavam-se em Constantinopla, na
Grecia e mais tarde egualmente na Sicilia.
Bordados. Os bordados continuaram a
usar-se para reproduzirem assumptos religiosos quer em
medalhões quer sobre umas fitas que applicavam ás
velas d'altar e aos paramentos sacerdotaes. A arte de bordar fez
consideraveis progressos durante o periodo roman. Encontram-se um
grande numero de passamanarias inteiramente executada á
agulha «
acula
pictae» no XI e XII seculos.
Os bordados executados durante o periodo roman eram geralmente feitos
em seda ou lã fina sobre uma talagarça de tela
fina.
[125]
Paramentos sacerdotaes. No principio
do periodo roman eram ainda desconhecidas as côres
lithurgicas, e só se começaram a empregar no IX
seculo tomando um certo desinvolvimento nos seculos seguintes, ao mesmo
tempo que se fixou o seu symbolismo. A côr branca e a
vermelha foram as primeiras adoptadas: aquella, como emblema da
innocencia e da candura, servia nas festas do Salvador, da Santa
Virgem, dos anjos, dos Santos que não morreram martyres e
durante a Paschoa; o vermelho, symbolo da caridade e do heroismo, foi
destinado aos martyres bem como ao Pentecostes, festas por excellencia
do amor.
No XII seculo duas novas côres vieram augmentar as que
já se usavam: o verde, symbolo da
esperança, foi empregado aos domingos e nos dias de semana
em que se não celebrava festa alguma de Santo e durante o
tempo que decorre entre a Epiphania e a septuagesima, entre o
Pentecostes e o Advento, o preto, signal de luto, foi reservado para a
sexta feira Santa e para os officios funebres.
A principio, o uso d'estas differentes côres era facultativo;
porém desde o final do XII seculo e ainda mais durante o
seculo XIII, tornou-se obrigatorio.
Mais tarde, tambem se introduziu o uso da côr violeta,
symbolisando
penitencia,
para o Advento, quaresma, temporas e vigilias.
A
casula conservou, durante o
periodo roman a mesma fórma que até ali havia
tido, isto
é,
[126]
a d'uma veste
dupla, sem mangas, e caindo livremente á roda do corpo.
As
casulas mais ricas eram de seda;
cravejadas de pedras, de perolas e bordadas a ouro, prata, seda ou
lã, reproduzindo figuras geometricas,
flôres, animaes, symbolos e assumptos religiosos. Estes
ornatos espalhavam-se muitas vezes por toda a casula; comtudo,
d'ordinario, apenas occupavam as bandas verticaes longas e estreitas,
chamadas
praetestae,
listae
ou
augusti clavi; regularmente são duas,
uma na frente e outra na parte posterior. Além do modo
decorativo que ellas tinham, estas bandas serviam ainda a um fim util,
a de tapar as duas costuras precisas para dar feitio ao paramento. Duas
outras fachas, egualmente estreitas, passavam sobre os hombros e vinham
terminar nas bandas verticaes do peito e ao meio das costas, figurando,
adiante e atraz, uma Cruz em fórma de Y.
Ha
casulas antigas que
não têem as fachas de
juncção que passam sobre os hombros e cuja
decoração se resume nas duas fachas verticaes.
Algumas vezes tambem estas fachas são substituidas por
arvores ou plantas com muitas ramificações.
As casulas de uso diario e as das egrejas mais modestas não
eram de seda, materia de um preço excessivo n'essa
época, mas sim de lã, tela ou
outros tecidos mais baratos.
A
estola consiste em uma facha
comprida e estreita, de seda, de lã ou de tela, medindo em
geral 2
m,70 de comprimento sobre 6 a 7
centimetros
[127]
de largura. Foi a partir do IX
seculo, que ella tomou esta fórma e estas
dimensões, que se approximam muito das que ainda hoje tem.
As estolas ricas eram ornadas de pedrarias bordadas, e placas de metal
cinzeladas e esmaltadas, e terminavam nas pontas por longas franjas.
O
manipulo, que d'antes consistia
n'uma especie de toalha, com a qual os padres limpavam as
mãos e a cara ou purificavam os vasos sagrados,
só perdeu a fórma e o destino primitivo, durante
o IX seculo, quando se tornou um verdadeiro paramento similhante
á estola na fórma, côr e
decoração.
A
capa conservou, durante o periodo
roman, a mesma fórma que tinha antes; especialmente
reservada aos chantres e clero inferior, era feita com um tecido
ordinario. Os Bispos só raras vezes a vestiam e, por
consequencia, não havia capas ricamente decoradas.
A
alva era de linho mais ou menos
fino e algumas vezes de seda branca. Havia duas especies de alva: as
alvas sem ornatos, chamadas
albae purae ou
simplices, e as alvas guarnecidas,
albae paratae ou
frisiatae. As primeiras
serviam nos dias ordinarios e nas egrejas de segunda ordem; as outras
eram usadas pelos Bispos e pelo clero, especialmente nos grandes dias
de festa.
A decoração das alvas dos Bispos consistia apenas
em certos ornatos em volta do pescoço,
nas extremidades das mangas e no bordo inferior; além de
duas orlas parallelas verticaes que lembram
[128]
as
augusti clavi
dos Romanos,
e que descem do pescoço até aos pés,
tanto na
frente como nas costas.
O
cinto era geralmente ornamentado
com grande luxo.
Muitos tecidos preciosos se fabricaram com fio d'ouro; tendo a
fórma d'uma grande fita de largura entre tres e seis
centimetros, podendo-se mui facilmente assentar, em toda a sua largura,
perolas, pedrarias, e placas de metal cinzeladas e esmaltadas.
O
amicto é composto d'um
pedaço de panno quadrado ou rectangular, que o sacerdote
põe na cabeça, quando começa a
revestir-se, e que depois
faz descer sobre o pescoço.
Os amictos eram em geral de panno de linho. No periodo roman tambem os
havia de seda, e de fio d'ouro.
No IX seculo começaram os amictos a ter um ornamento, que se
conservou em uso durante toda a edade média, e que recebeu o
nome
de―
parura plaga―e tambem, ás vezes o
de―
praetextae. Este adorno consistia, no seu
principio, em uma tira
rectangular d'ouro, de renda ou tecido de côr brilhante, que
se pregava no bordo superior do amicto, e que formava em torno do
pescoço uma especie de rico collar, visivel mesmo depois do
sacerdote e os ministros sagrados terem revestido a casula ou a
dalmatica. Algumas vezes tambem tinham como adorno perolas e pedras
preciosas.
A
dalmatica é o paramento
sacerdotal para vestir
[129]
por
cima, pertencente ao diacono e sub-diacono. Consistia, durante o
periodo roman, regularmente n'uma especie de toga fechada muito
comprida, com mangas e uma abertura para passar a cabeça.
Duas faixas verticaes d'ouro ou de côr brilhante se
applicavam, ás vezes, sobre a toga, prolongando-se
até ao bordo inferior.
Do seculo XI em diante appareceram dalmaticas abertas nos dois lados
até uma certa altura. Eram muitas vezes guarnecidas de
faixas douradas em volta do pescoço, e nos
canhões das mangas.
O
pallium constituia entre os
antigos o principal paramento de vestir por cima.
Deu-se com o pallio o mesmo que se havia dado com a estola; a parte
principal, e primitivamente essencial, isto é, o manto foi
supprimido, e apenas se conservou o ornato accessorio, as faixas que se
lhe applicaram. Estas uniam sobre o peito e sobre as costas, em
fórma de Y, da mesma maneira que as
listae
em
certas casulas.
Durante o periodo Latino já se decoravam as faixas do
pallium
com pequenas cruzes
gregas. Estas cruzes, pouco numerosas a principio, foram-se
multiplicando insensivelmente, e desde o XI que já se
contavam muitas sobre toda a extensão das faixas.
Abbadias, Mosteiros e claustros dos
Capitulos
Desde o VIII seculo que se começaram a levantar
estabelecimentos religiosos, compostos de numerosas
[130]
construcções
edificadas e dispostas com
arte. Havia já egrejas, edificios para alojamento e
exercicios dos frades, enfermarias, escolas, bibliothecas, hospedarias
para os estrangeiros, celleiros, jardins,
edificações destinadas aos
aprovisionamentos, emfim, habitações e officinas
para as
corporações d'artistas que as abbadias tinham
sempre ao seu serviço.
Todos estes antigos mosteiros foram destruidos ou inteiramente
modificados com o correr dos seculos.
Examinaremos as suas disposições interiores,
quando tratarmos do plano das abbadias do periodo ogival.
A principio os conegos das cathedraes e collegiaes viviam em
communidade como os religiosos.
Os claustros dos simples collegiaes eram ordinariamente, como os das
abbadias, contiguos ás paredes meridionaes da egreja, porque
a exposição ao sol do meio dia é a
mais agradavel e a mais vantajosa para a saude. Por estas
razões o lado sul nas cathedraes era occupado pelos palacios
episcopaes, e os conegos viam-se obrigados a escolher o lado norte das
egrejas, para edificarem os seus claustros.
Todavia, esta regra não era geral: existem muitos exemplos
de claustros tanto d'abbadias como de capitulos occupando outros
logares. Estas
excepções á regra geral são
devidas a differentes causas, taes como a presença de ruas
ou de
construcções que era impossivel supprimir, e, nos
[131]
paizes montanhosos, os
accidentes do terreno que torneava a egreja.
Os claustros das egrejas monasticas, cathedraes e collegiaes,
compunham-se ordinariamente de um pateo quadrado ou rectangular,
rodeado de galerias cobertas, que serviam de passeio aos religiosos e
aos conegos.
Estas galerias, abertas para o lado do pateo, eram comtudo d'elle
separadas por meio de um apoio quasi continuo, sobre o qual vinham
assentar as columnas com archivoltas, tornando a arcada toda
contínua.
Os mais antigos claustros apenas tinham uma especie de
ornamentação com as galerias cobertas d'um
simples alpendre de madeira, cujo madeiramento só era
visivel no interior. Desde o fim do X seculo foram estes alpendres
substituidos por abobadas de berço com aresta, por baixo das
quaes muitas vezes tambem se construia um pavimento.
Na maior parte dos claustros romans do XII seculo, as curvas
descendentes das archivoltas são sustentadas por columnas
duplas, cobertas por uma perna de telhado. Algumas vezes columnas
isoladas alternam com columnas duplas.
Os claustros das cathedraes e das collegiaes eram, como os das
abbadias, rodeados de edificações
indispensaveis para a vida commum dos conegos.
Debaixo d'essas galerias se abriam as portas do refeitorio, do
dormitorio, da escola, e da sala capitular e outros locaes affectos ao
serviço da communidade. Mais tarde, quando a vida commum foi
[132]
abandonada pelos capitulos, as
habitações
privadas dos conegos occuparam, em torno das galerias, o logar d'estes
differentes edificios.
A iconographia, isto é, a
sciencia das
imagens, occupa-se das representações
figuradas devidas
á esculptura e, em geral, a todas as outras artes de
modelar.
A gloria, o nimbo e a
auréola. A gloria é um ornamento
symbolisando uma nuvem luminosa, que os artistas da idade
média põem em torno da cabeça ou do
corpo d'um personagem, como attributo da santidade ou do poder. Quando
ella não rodeia senão a cabeça,
dá-se-lhe o
nome de
nimbo; quando rodeia o corpo inteiro,
chama-se
auréola.
O nimbo derivado da palavra latina
(
nimbus) é um adorno circular, e tambem
ás vezes quadrado, oblongo ou triangular com que se costumam
adornar as cabeças das figuras que representam as pessoas
divinas, os santos e os homens revestidos d'auctoridade suprema, quer
civil, quer ecclesiastica. É costume collocal-o
verticalmente na parte posterior da cabeça. Assim como a
corôa
é o signal da realeza, assim o nimbo é o da
santidade ou da auctoridade.
O nimbo circular ou em fórma de disco é o symbolo
de Deus, dos anjos e dos Santos; comtudo, quando circumda a
cabeça d'alguma das pessoas divinas, o disco é
regularmente ornado com uma cruz grega, de que apenas se vêem
tres ramos, pelo que se chama nimbo crucifero. A cruz do
[133]
nimbo crucifero deve ser vertical, e
não inclinada como a cruz de Santo André X.
Muitos artistas, quando se servem do nimbo, commettem um erro, contra
esta regra de iconographia. O nimbo crucifero é o symbolo
caracteristico das pessoas divinas, mesmo quando apenas se representam
por figuras symbolicas. Assim, por exemplo, a mão, symbolo
do Pae Eterno, o cordeiro, symbolo do Filho Jesus Christo, e a pomba,
symbolo do Espirito Santo, representam-se sempre com o nimbo crucifero.
Os ramos do nimbo crucifero são geralmente bastante
compridos e mais largos nas extremidades. O nimbo circular sem a cruz
é o symbolo dos anjos e dos Santos do Novo Testamento. No
Oriente tambem os Santos do Velho Testamento têem o nimbo,
mas no Occidente não se segue essa pratica. As
personificações das virtudes, das provincias e
das cidades têem tambem o nimbo. Elle é egualmente
concedido aos Papas, aos imperadores, aos reis, e aos padres quando
são representados administrando o Sacramento do baptismo,
por isso que elles se acham n'estes casos revestidos d'uma auctoridade
suprema.
Os personagens vivos depositarios da auctoridade suprema, eram tambem
adornados com o nimbo quadrado ou rectangular. O nimbo é
muitas vezes substituido pela corôa que se dá
ás imagens esculpidas do Salvador crucificado ou da Virgem
com seu Filho.
Origem do nimbo. Os
pagãos já faziam uso do
[134]
nimbo, para ornamentar os seus deuses e
imperadores.
Assim se vê Trajano n'um baixo relevo do arco de Constantino
e Antonio o Piedoso em uma moeda, confirmando o uso d'este emblema. Mas
que época indicará a
introducção do nimbo na
iconographia christã? O nimbo parece só ter sido
empregado pelos christãos depois da conversão de
Constantino. Até este tempo não se conhece
monumento algum authentico dos tres primeiros seculos, em que vejamos
Christo ou os Santos adornados com o nimbo. Os mais antigos monumentos,
de data determinada, em que este ornamento se acha empregado como
signal iconographico, são os mosaicos de Roma e de
Ravêna.
Ora foi da comparação d'estes differentes
monumentos entre si que se conheceu terem sido as imagens do Salvador
as primeiras que tiveram nimbo, em segundo logar as dos anjos, depois
as dos evangelistas e seus symbolos e emfim as dos Santos e dos
soberanos. As imagens de Nosso Senhor começaram a ter nimbo
desde o principio do IV seculo; até ao VI seculo se
vê o nimbo umas vezes simples, outras crucifero. A Santissima
Virgem e os anjos começaram a ter nimbo desde os primeiros
annos do seculo V, os Evangelistas e os Apostolos no meado do mesmo
seculo, os Santos e os personagens revestidos de auctoridade soberana
no começo do seculo seguinte.
Auréola (palavra derivada do latim
aura,
vento suave,
sôpro
luminoso) é uma especie de moldura
[135]
que envolve todo o corpo como se
fôsse o nimbo do corpo inteiro.
Os artistas da edade média dão auréola
ás tres Pessoas Divinas e á Santissima Virgem e
tambem ás almas dos Santos e principalmente á do
pobre Lazaro, figuradas por um pequeno corpo inteiramente
nú. A alma é assim deificada no momento em que
volta ao seio do Creador.
Os Santos, por mais venerados que sejam, nunca têem
auréola.
Quando Deus Pae ou Deus Filho se representam sentados na
auréola, os seus pés assentam em
geral sobre um arco-iris, e sentados sobre um arco similhante.
Estes arco-iris são muitas vezes substituidos, o primeiro
por um escabello rendilhado, e o segundo por uma especie de poltrona.
Sendo a auréola mais recente do que o nimbo, caíu
comtudo em
desuso primeiramente do que este ultimo.
Representações da Santissima
Trindade. Durante o periodo roman eram as pessoas da
Santissima Trindade representadas de varios modos.
1.º―Para inculcar aos fieis o dogma da egualdade dos homens,
representavam-se estes com fórmas inteiramente similhantes.
Ás vezes tambem o Deus Filho se representa nos
pés ou nas mãos, e o Espirito Santo é
representado com a fórma d'uma pomba. As pessoas Divinas
quando se representam com fórmas humanas, têem
sempre nús os pés.
2.º―Tambem empregavam a representação
do
[136]
baptismo do Senhor nas aguas
do Jordão, para figurar as pessoas da Santissima Trindade.
3.º―Nos ultimos annos do periodo roman representava-se a
Santissima
Trindade da maneira seguinte: Deus Pae, sentado n'um throno ou sobre um
arco-iris, tendo nas mãos uma cruz na qual está
crucificado o Salvador; o Espirito Santo, representado por uma pomba,
apparece entre a bôca do Pae e a do Filho, para mostrar que o
procede tanto d'um como do outro. Este typo foi conservado durante toda
a idade e mesmo até aos XVI e XVII seculos.
Comtudo, a partir do XV seculo, deixou de se symbolisar o dogma da
procissão do Espirito Santo, e collocava-se a pomba ou no
braço da cruz ou no hombro do Pae.
Representações das tres Pessoas
Divinas.
Deus Pae. Até ao
seculo XI, nunca se
attribuiram a Deus Pae fórmas humanas. A sua
presença era apenas
indicada por uma mão saindo das nuvens. Esta mão
symbolica, primeiramente sem nimbo, e mais tarde com o nimbo simples ou
crucifero, encontra-se nos sarcophagos e nos antigos cofres. Foi pois
no XI seculo que Deus Pae começou a ser representado sob
fórmas humanas.
Deus Filho. Quando
tratámos da iconographia das catacumbas, dissémos
que, durante os tres primeiros seculos, só se representava o
Salvador, debaixo das fórmas symbolicas ou das scenas
historicas. Já no IV seculo se encontram imagens isoladas do
Salvador. Até ao X seculo, Christo representa-se
[137]
muitas vezes com as
feições d'um mancebo de quinze a vinte annos, sem
barba, de figura agradavel e resplandecente d'uma mocidade Divina;
só excepcionalmente Christo tem barba e parece
não ter mais de vinte e cinco annos. No XI e XII seculos os
artistas dão-lhe uma expressão
mais severa; ordinariamente apresenta barba parecendo ter trinta a
trinta e cinco annos.
Deus Espirito Santo. Até
meiado do X seculo foi sempre representado com a fórma d'uma
pomba; mas no XI e XII seculos começou tambem a ser figurado
com a fórma humana.
A cruz e a
crucificação
Considerações
geraes. A historia da
representação da
crucificação póde resumir-se
dizendo que este assumpto não se encontra sobre os
monumentos christãos e outros objectos do culto anteriores
á conversão de Constantino; a cruz apresenta uma
fórma dissimulada.
No IV seculo, a cruz fez a sua apparição na
iconographia christã. Desde a conversão de
Constantino foi então que appareceu sobre um grande numero
de monumentos; mas até ao VI seculo ainda não
tinha a imagem de Christo: era no emtanto adornada com pedrarias e
ás vezes circumdada por uma auréola.
No VI seculo começam então alguns artistas
christãos, ainda que timidamente, a representar o Salvador
sobre a cruz. Primeiramente servem-se do Cordeiro symbolico, que elles
representavam
[138]
de differentes
maneiras com o signal da
redempção. Tambem se vêem cruzes tendo
ao centro, e ás vezes nas extremidades dos
braços, uns
medalhões com o Divino Cordeiro ou com a imagem do Salvador
Triumphante.
Desde o VI até ao XI seculo representa-se o Salvador sobre a
cruz com o fim manifesto de recordar o Seu Triumpho sem nunca indicar a
minima idéa de soffrimento ou d'opprobrio.
Do XI ao XII seculo representa-se Christo crucificado mas Glorioso e
Triumphante, apesar de ser manifesta a idéa de soffrimento.
Do XIII ao XV seculo, os artistas christãos, tendo mais ou
menos em vista o symbolismo das épocas precedentes,
esforçam-se por patentear realmente os soffrimentos do
Divino Crucificado.
Durante o periodo do renascimento, o culto da fórma e da
realidade constitue por assim dizer a unica
preoccupação do artista, que, dominado pela
idéa de expressar uma dôr vulgar ou de representar
um corpo morto ou moribundo, perde todo o sentimento de nobre
symbolismo.
A historia das representações da cruz e do
crucifixo comprehende, pois, duas épocas distinctas: a
primeira, que durou desde o IV ao XII seculo inclusive, tem por
caracter distinctivo a representação glorificada
do instrumento da Paixão e da Victima, sem signal de que se
tivesse prestado voluntariamente; a segunda, que começa no
XIII seculo e termina no XIX, é caracterisada pela
expressão
dos soffrimentos do Divino Salvador.
[139]
A época do soffrimento corresponde ao periodo ogival e ao do
renascimento.
No IV seculo a cruz é frequentemente encimada por um
monogramma inscripto em uma corôa. Quando não tem
o referido monogramma, (o que se dá principalmente desde o V
seculo) ou tem os braços eguaes e mais largos nos extremos,
ou é ornada de perolas em renques, ou ornada de
flôres e folhagens, ou rodeiada de auréola. Ha
todo o cuidado de apresentar na cruz qualquer idéa
d'opprobrio ou d'ignominia; a cruz não é o
instrumento de supplicio, mas sim, a cruz glorificada, o instrumento da
Redempção do genero humano.
Estas diversas fórmas de cruz continuaram a usar-se
até muito antes do periodo Roman.
Datam do ultimo quartel do VI seculo as primeiras imagens conhecidas do
Salvador crucificado. Porém, entre a cruz simples e o
Cruxifixo encontra-se uma série de monumentos
intermediarios, offerecendo a cruz associada ao Cordeiro symbolico.
Estas cruzes intermediarias, partindo da cruz sem figuras animadas, ao
crucifixo propriamente dito, ainda se encontram em alguns monumentos do
VII seculo.
Os mais antigos monumentos conhecidos que representam Christo pregado
á cruz, pertencem ao ultimo quartel do seculo VI. Taes
são a miniatura do celebre manuscripto syriaco de
Florença, do anno 586, e muitos objectos enviados por S.
Gregorio
[140]
o Grande, a
Theodolinda, rainha dos Longobardos e conservados hoje no thesouro de
Monza. Alguns d'estes ultimos mostram-nos claramente Christo na cruz,
ao passo que outros, taes como os frascos de chumbo, que continham
liquidos recolhidos dos tumulos dos martyres, não fazem mais
do que relacionar a imagem de Christo com a cruz, d'uma maneira muito
mais sensivel do que a cruz do imperador Justino e outros objectos
similhantes. Tres d'estes curiosos frascos têem ao meio da
face principal, uma simples cruz folheada, acima da qual se acha o
busto do Salvador entre as personificações do Sol
e da Lua; aos lados da cruz vêem-se dois adoradores, os dois
ladrões, a Santissima Virgem e S. João;
inferiormente está figurado o Anjo e as Santas mulheres ao
pé do tumulo de Christo.
No reverso acha-se a Ascensão do Senhor, nos dois lados do
gargalo uma cruz grega de braços eguaes debaixo d'um arco de
triumpho e inscripto n'uma corôa folheada. Sobre o quarto
frasco figuram scenas symbolicas analogas: está Nosso Senhor
em pé entre os dois ladrões, tendo os
braços estendidos em cruz. O instrumento do supplicio, que
não se vê na face principal, é
comtudo representado no reverso do frasco, debaixo d'um arco de
triumpho, e cercado pelas cabeças dos Apostolos inscriptas
em medalhões circulares e formando uma especie de
corôa. Conclue-se, pois, que o artista christão
foi obrigado primeiramente a
não representar a menor idéa de opprobrio e de
soffrimento;
[141]
para isto
elle transformou a cruz tornando-a de braços eguaes,
ornando-a de folhagens e metamorphoseando-a em arvore da vida: quiz
affirmar o triumpho alcançado com a morte, por Aquelle que
morreu sobre a cruz, recordando a Resurreição e
Ascensão do Salvador.
Os crucifixos primitivos não têem quasi nunca
Christo esculpido em alto relevo.
Christo está vestido com um
colobium ou tunica, ordinariamente sem mangas, que
chega até aos pés.
O uso d'esta longa veste serviu exclusivamente durante o VII seculo e
generalisou-se no IX seculo. N'esta época foi substituida
por uma tunica larga cobrindo os rins do Salvador.
Christo tem sempre a cabeça elevada ou ligeiramente
inclinada para a direita e os braços estendidos e
perfeitamente horisontaes. Os pés estão pregados
separadamente á cruz por dois cravos e muitas vezes apoiados
sobre um escabello, ou suppedaneum. Algumas vezes parece serem
supprimidos os cravos com a intenção manifesta de
significar que o Christo se offereceu voluntaria e espontaneamente
sobre a cruz para a redempção dos homens.
Desde o VI seculo até ao VIII, a scena da
crucifixão é muitas vezes acompanhada de
personagens e outros accessorios fundados na verdade historica, mas que
se representam, bem como a imagem de Christo, de uma maneira symbolica.
Assim vemos a Santissima Virgem e S. João, o phariseu que
empunha a lança e o que segura a
[142]
esponja, o Sol e a Lua, a
resurreição do
Salvador, o bom e o mau ladrão. Todos estes accessorios, com
excepção do bom e do mau ladrão,
se encontram ainda representados nos crucifixos do seculo
VIII.
O sacrificio da crucifixão e os crucifixos do
seculo IX até ao XII,
apresentam Christo na mesma attitude que nos seculos precedentes. Os
pés conservam-se ainda com dois cravos, mas afastados um do
outro e assentes geralmente em
um―
suppedaneum.
Foi no XII seculo que appareceram os primeiros crucifixos apresentando
Christo com os pés
sobre-postos.
Christo poucas vezes se encontra vestido com o
colobium;
apenas em geral tem
á volta dos rins uma toalha de linho larga e comprida, que
lhe cobre o corpo desde os quadris até aos joelhos. Nos
seculos XI e XII, esta toalha tem muitas vezes a
configuração d'uma pequena saia que se
chama―
perizonium.
A Cruz tem geralmente quatro ramos.
Algumas vezes teem um rotulo, mas sem inscripção
alguma; outras, nem mesmo teem rotulo, que em geral consiste n'uma
pequena travessa de madeira rectangular. As
inscripções costumam ser variadissimas.
Antes do seculo IX, os personagens e outros accessorios que acompanham
a Cruz, são historicos, isto é, a sua
presença é justificada
pela narração dos proprios Evangelistas. No IX
seculo começaram então a apparecer os crucifixos
com figuras
[143]
allegoricas,
taes como a Egreja, a Synagoga e as
personificações da Terra e do Oceano. Vamos,
pois, tratar successivamente dos principaes typos do cyclo d'estas
representações,
começando pelos accessorios historicos, visto que elles se
empregam desde o VI seculo.
Personagens e accessorios historicos
A Santissima Virgem e S.
João.―Santa Maria está á
direita e por debaixo da Cruz, e o
Apostolo em posição analoga, mas á
esquerda do
Salvador. Só muito raramente se encontram ambos do lado
direito, como succede na miniatura de Florença.
Ordinariamente estão como que erguendo os braços
ao Salvador ou occultam o rosto em signal de dôr com a
mão núa ou escondida na
ponta do manto. A Santissima Virgem tem a cabeça envolvida
em um veu e os pés calçados, em quanto que S.
João, de cabeça descoberta e com os
pés descalços, tem nas mãos um livro.
O phariseu que empunha a lança e segura a esponja.―Ha
uma piedosa
tradição, desde a idade media, em que se diz que
o guarda que feriu o Salvador com uma lançada, era um
pagão chamado
Longino, que mais tarde
se fizera
christão, sendo depois venerado como Santo pela Egreja.
Quasi todos os escriptores ecclesiasticos consideram Longino
representado ao lado da Cruz com o typo dos gentios, em quanto que o
phariseu que apresentou a Jesu-Christo a esponja embebida em vinagre
parece ser um judeu.
[144]
O Sol e a Lua.―No seculo VI, tambem
estes astros começaram a ser representados no sacrificio da
crucifixão, vendo-se o Sol á direita e a Lua
á esquerda do Senhor.
A presença do Sol e da Lua n'estes primitivos monumentos,
parece ter por fim recordar o obscurecimento do Sol e as trevas que
subitamente se deram em seguida á morte do Salvador.
No seculo IX, a significação, ainda limitada e
puramente historica d'este assumpto, foi amplificada com outra mais
allegorica, desde esta epocha. O Sol e a Lua não alludem
sómente á
obscuridade que envolveu a terra por occasião da morte de
Christo, simulam tambem o firmamento assistindo e tomando parte na
morte e no triumpho do seu Creador.
N'este mesmo seculo os dois astros são quasi sempre
personificados e representados por um homem e uma mulher. A
personificação do Sol tem regularmente a
cabeça cingida de raios luminosos, a da Lua é em
geral encimada por um crescente. Uma e outra teem ás vezes
um facho.
As santas mulheres chegando ao tumulo do
Salvador.―Desde o VI até ao XII seculo, apparece
muitas vezes, por debaixo do crucifixo, a
approximação, ao tumulo, das tres santas
mulheres, Maria Magdalena, Maria, mãe de S. Thiago, e
Salomé. Ellas seguram jarros, thuribulos ou outros vasos, e
estão diante do Anjo, sentadas, não dentro do
sepulchro, como diz o Evangelho, mas diante d'elle. Muitas vezes
figuram-se tambem soldados desfallecidos ou adormecidos.
[145]
A reproducção d'esta scena na parte inferior da
Cruz era para pôr em parallelo a
humilhação e a glorificação
do Salvador, a sua morte sobre a
Cruz e a sua resurreição gloriosa.
A resurreição dos mortos e a sua
sahida do tumulo.―Durante o seculo IX figurava-se muitas
vezes ao pé da Cruz a Resurreição dos
mortos que se deu por occasião da morte de Jesus Christo,
segundo narra o Evangelho.
Os tumulos d'onde sahiram os resuscitados têem a forma de
pequenos edificios, geralmente armados com uma capella, mais raramente
d'um frontão triangular ou d'um telhado de duas aguas. Nada
havia que mais se prestasse a proclamar a victoria alçada
contra a morte de Nosso Senhor expirando sobre a Cruz, como a
Resurreição dos mortos.
Personagens e accessorios
allegoricos
A Egreja e a Synagoga. Desde o
seculo IX até ao XII encontram-se, sobre a maior parte das
representações do Sacrificio da Cruz,
personificações da Egreja e da Synagoga. Tinham
ellas por fim recordar aos Christãos a
reproducção do povo d'Israel e a
vocação dos infieis á
Fé da Egreja Christã. A Egreja, quasi sempre
á direita da
Cruz, é representada por uma mulher com uma bandeira e
aparando n'um calix o sangue que corre da chaga de Nosso Senhor feita
no lado direito. A Synagoga é representada por uma mulher
com uma bandeira e tambem ás vezes uma palma.
[146]
Está collocada á
esquerda do Salvador com as costas voltadas para o Senhor, e algumas
vezes parece afastar-se lançando olhares d'insulto e de
cólera.
O Oceano e a Terra.―Os artistas
romans collocavam frequentemente sobre o marfim e sobre as miniaturas
dos manuscriptos, no pé da Cruz ou inferiormente a toda a
composição, as
personificações do Oceano e da Terra tiradas da
mythologia.
O Oceano, geralmente collocado á direita do Salvador,
é representado por um homem barbado, sentado sobre um
monstro marinho, ou despejando uma urna; tem na mão um remo,
um peixe, uma cornucopia, ou o tridente de Neptuno, e na
cabeça chavelhos em fórma de serpentes, e tambem,
ás vezes, trazendo azas. Defronte do Oceano acha-se a Terra
com a fórma d'uma mulher, semi-nua, segurando, e
até amamentando creanças ou serpentes, muito
proximo d'ella; ás vezes mesmo, n'uma das mãos,
vê-se uma cornucopia.
As personificações do Oceano e da Terra
collocavam-se perto da Cruz, primitivamente, como acima dissemos, para
exprimir a dôr que a Natureza soffreu com a morte do seu
Creador; e mais tarde, para mostrar que todo o Universo partilhou da
Redempção operada pela morte do Salvador.
A mão Divina e a pomba. Muitas vezes
vê-se na extremidade superior da Cruz uma
mão, com ou
[147]
sem
nimbo crucifero, parecendo sair das nuvens e segurando uma
corôa. Esta mão é o
symbolo de Deus Pae, do mesmo modo que a pomba, que se vê
sobre algumas Cruzes, symbolisa o Espirito Santo.
Os Anjos. Superiormente á
travessa horisontal da Cruz e proximo do Sol e da Lua vêem-se
ás vezes dois, tres ou quatro anjos, em attitude de
adoração. Algumas vezes suspendem sobre a
cabeça do Salvador uma corôa. Nos monumentos mais
remotos (os do IX seculo), onde mais frequentemente se vêem
os anjos, são estes em numero de dois e designados pelos
nomes de Miguel e Gabriel: representam a Natureza angelica assistindo
á morte do Salvador.
Os Evangelistas.―Anteriormente ao
IX seculo, nunca se representavam os Evangelistas do lado principal aos
crucifixos, mas sim nas quatro extremidades do reverso, tendo no centro
a imagem da Santissima Virgem. A razão d'isto é
porque n'esta epocha não se admittiam no sacrificio da Cruz
senão accessorios puramente historicos.
No VIII seculo, quando na iconographia da Cruz se introduziram as
allegorias e os symbolos, tambem appareceram os Evangelistas.
Encontram-se ora por cima dos braços horisontaes da Cruz,
com os anjos e os astros, ora nos quatro angulos da cercadura, que
forma a moldura da scena principal. Tambem ás vezes se
encontram, tanto no IX como no XII seculo, no lado principal dos
crucifixos, nas extremidades dos ramos.
[148]
O Calix. Encontram-se crucifixos em
que o
suppedaneum é substituido por um
calix.
É muito provavel que este calix não seja mais que
o
Santo Graal,
[3]
tão
celebre na idade mèdia. O
Santo Graal
diz-se que servira
á Ceia; foi n'elle que Jesus-Christo transformou o vinho
pelo seu proprio sangue.
Adão sahindo do tumulo. Esta scena
representa-se muitas vezes proximo da Cruz, para significar
que a resurreição da carne é uma
consequencia da morte de Christo.
O sacrificio da Cruz, desde o IX até ao XII seculo, com os
seus accessorios allegoricos e historicos, deve interpretar-se: a
Natureza Angelica, Celeste e Terrestre assistindo ao sublime sacrificio
do Homem-Deus sobre a Cruz, onde affronta os salutares affectos; a
Synagoga reprovada, a Egreja formada, a cabeça da serpente
infernal esmagada, o genero humano rehabilitado e recebendo o
testemunho da Resurreição da Carne.
Os crucifixos dos seculos XI e XII. Existem muitos
d'estes crucifixos; apresentam os seguintes caracteres:
A imagem de Christo é, em geral, de cobre vermelho; tem,
quasi sempre, os olhos de vidro azul.
[149]
O perisonium, ou a toalha que cobre
o corpo de Christo desde os quadris até aos joelhos, toma
ordinariamente a forma d'um saiote cujas orlas são ornadas
de perolas. Os Christos dos seculos XI e XII, vestidos de tunica
comprida com mangas ou com o
perisonium em forma
de saiote,
que lhe chega até aos pés, são
extremamente
raros.
Nos crucifixos do XI seculo, Christo
está muitas vezes coroado com uma especie de gorra ou
corôa real. No XII seculo, já a gorra e a
corôa se
tornam raras desapparecendo completamente no fim d'elle.
Os braços das cruzes que
teem imagens de Christo, são geralmente ornados com esmaltes
e symbolos, tanto no reverso como na frente principal.
Cruzes da Paixão e Cruzes da
Resurreição. A Cruz da
Paixão é formada por uma haste e uma ou duas
travessas e representa ou imita as
proporções das differentes partes da Cruz,
instrumento de supplicio.
A Cruz da
Resurreição é apenas
um symbolo da Cruz Real ou da Paixão; é uma
pequena cruz na extremidade d'uma haste como a que segura o Divino
Cordeiro.
A Santissima Virgem. Durante os doze
primeiros seculos da nossa era representa-se a Virgem umas vezes
sósinha e outras acompanhada do Divino Filho.
A Virgem sem o Menino Jesus tem
ordinariamente os braços estendidos e erguidos parecendo
[150]
orar e perto da
cabeça está inscripta a sigla
MPOY, isto é:
Mãe
de
Deus. Este modo de
representação, muito usado desde o IV
até ao VII seculo, deixou comtudo de ser empregado nos
seculos seguintes.
A Virgem com o Menino Jesus. Ha duas
maneiras de representar a Virgem com o Menino. Quando a scena
é imaginada para prestar homenagem a Nossa Senhora, diz-se
que ella é
poetica.
Quando os reis magos, por exemplo, vêem trazer os seus
presentes a Jesus no collo da Santissima Mãe, a scena
é puramente historica.
Durante o periodo Latino e a primeira parte do periodo Roman, o grupo
historico é o mais frequente. Vemol-o em differentes scenas
da vida do Senhor, principalmente na adoração dos
reis
Magos.
O grupo poetico póde reduzir-se a dois typos distinctos. O
primeiro que chamaremos
grego ou
bysantino, consiste
em representar a
imagem da Virgem com os braços erguidos como que orando,
tendo diante de si o Menino Jesus, lançando a
benção, ao modo Grego, com as duas
mãos, ou só com a direita. Este typo
já se encontra nas catacumbas.
Os Bysantinos empregaram-se durante toda a idade media, e os Gregos
ainda hoje se empregam.
O Guia da pintura (manual
iconographico, adoptado pelos antigos pintores e ainda hoje seguido
pelos Gregos), recommenda que se represente Nossa Senhora com as
mãos erguidas e Christo
[151]
lançando a
benção para ambos os lados,
com o evangelho sobre o peito.
No outro typo do grupo
poetico, a
Santissima Virgem é representada umas vezes de pé
com o Menino Jesus nos braços, outras sentada tendo-o sobre
os joelhos.
Dá-se a este typo o nome de Occidental, não
porque elle fôsse desconhecido pelos Gregos, pois que o
usavam conjuntamente com o typo
bysantino, mas por que foi este o unico usado no
Occidente durante toda a idade média. Foi introduzido ou
pelo menos generalisado insensivelmente na iconographia
christã depois da
condemnação de Nestorio pelo Concilio de
Épheso, celebrado em 431. Este heresiarcha negava que Nossa
Senhora fôsse mãe de Deus.
Para affirmar o dogma da maternidade divina de Nossa Senhora,
representavam-n'a com o Menino Jesus nos braços, e muitas
vezes acompanhada da inscripção Η
ΑΓΙΑ
ΟΕΟΤΟΚΟϚ,
isto é,
Santa Deipara, ou a
Santa Mãe de Deus.
Em geral Nossa Senhora está sentada com o Menino Jesus sobre
os joelhos, lançando a
benção, pelo menos, com uma das mãos.
Durante todo o periodo Roman estas representações
de Nossa Senhora e do seu Divino Filho distinguem-se por uma magestade
e nobreza de sentimento como quasi se não encontra nos
seculos seguintes.
A Santissima Virgem tem geralmente diante de si o Menino Jesus
completamente vestido, não estando
[152]
entretido com sua Divina
Mãe, mas sim abençoando aquelles que lhe
vêem prestar
homenagem. Tem nas mãos uma esphera ou mais geralmente um
livro, ou um rolo,
volumen,
symbolo da doutrina da nova Lei dada ao mundo.
Na Grecia e no Oriente, os pintores e os esculptores cobrem
ordinariamente a cabeça da Santissima Virgem com um veu; os
artistas occidentaes tambem conservaram esta
tradição durante algum tempo, mas, a
começar do seculo IX, dão a Nossa Senhora uma
corôa real e algumas vezes uma especie de gorra.
Os Anjos. Os anjos têem
figurado nos monumentos christãos desde o IV seculo. Os
primeiros não tinham azas. Só do V seculo em
diante
é que começaram a tel-as bem como o nimbo.
São
representados com uma longa tunica, orlada por duas faixas em
fórma de
clavi, e têem
algumas vezes na
mão um longo sceptro ou
bastão, terminado por um
florão ou por uma cruz. Os archanjos Miguel, Gabriel e
Raphael, tambem muitas vezes são representados.
Os Anjos têem sempre os pés descalços.
Symbolisava-se d'esta maneira a sua qualidade de mensageiros celestes.
Os Evangelistas e seus symbolos. O
uso de representar os Evangelistas sob a fórma humana ou por
symbolos, data pelo menos do IV seculo.
Sob a fórma humana encontrâmol-os primeiramente em
alguns mosaicos antiquissimos e um pouco mais tarde tambem nas
miniaturas dos evangeliarios.
[153]
Estão regularmente sentados debaixo d'um
portico, tendo na sua frente um pulpito chamado
scriptional,
sobre o qual
está desenrolada uma folha de pergaminho, com o titulo ou as
primeiras palavras do seu Evangelho. Apparecem sempre
descalços e ás vezes acompanhados do animal que
lhes serve de symbolo.
Os symbolos mais usados dos evangelistas são os seguintes:
Os quatro rios do Paraizo. O modo de
symbolisar os evangelistas pelos quatro rios: Phisonte,
Géhonte, Tigre e Euphrates, tem origem muito remota. Os mais
antigos mosaicos e as proprias catacumbas nos offerecem já
exemplos d'esta
representação. O Salvador com a fórma
humana ou com a do Divino Cordeiro, apparece sobre um outeiro d'onde
brotam quatro rios, emblemas dos Evangelhos, os quaes, produzidos pela
fonte da Vida Eterna, trouxeram ao Universo a fertil doutrina de
Christo.
Os animaes symbolicos. Os
Evangelistas são muitas vezes symbolisados por quatro
figuras com azas: um homem, uma aguia, um leão e um bezerro.
Estes symbolos devem a sua origem ás visões do
propheta Ezequiel e do Apostolo S. João. Eu vi (dizia este
ultimo), em torno do throno do Cordeiro quatro animaes. O primeiro com
o aspecto de um leão; o segundo, de um bezerro; o terceiro
com rôsto humano e o ultimo semelhando-se a uma aguia em
pleno
vôo.
Os santos Padres consideraram estas visões como
[154]
os seguintes symbolos: o homem o de S.
Matheus; a aguia o de S. João, o leão o de S.
Marcos e o bezerro o de S. Lucas.
Encontram-se os animaes symbolicos mais a miudo: 1.º, sobre as
capas
dos evangeliarios; 2.º, nas quatro extremidades das cruzes
d'Altar;
3.º, nos quatro angulos da representação
do
Christo em sua Gloria, como elle existe sobre as frentes dos altares, e
nos tympanos dos portaes d'egreja do XI e XII seculos.
Os symbolos dos evangelistas reduzem-se a quatro sobre um unico objecto
ou empregados conjunctamente n'uma pintura, ou esculptura;
são regularmente acompanhados de Christo figurado com a
fórma humana ou por um symbolo.
É, finalmente, da doutrina de Christo que derivam, como
d'uma fonte commum, os quatro Evangelhos.
Quando se dá o caso dos animaes symbolicos ornarem os quatro
angulos d'uma superficie quadrada, quadrangular ou redonda, taes como
as capas dos livros, os tympanos dos portaes, as frentes d'altar ou a
flabella,
têem certos logares determinados pelo uso: o homem com azas
(ao qual muitos auctores dão abusivamente o nome d'anjo)
occupa o angulo superior direito (á esquerda do espectador);
a aguia, o angulo superior esquerdo; o leão, o angulo
inferior direito, e o bezerro, o angulo inferior da esquerda.
Quando collocados nas extremidades dos quatro braços da
Cruz, a aguia acha-se no vertice,
[155]
o homem na extremidade inferior, o
leão no braço direito e o bezerro no
braço esquerdo da Cruz.
Os Apostolos. S. Pedro e S. Paulo
eram os unicos Apostolos que durante o periodo Roman se representavam
com um typo uniforme.
Desde os tempos mais remotos, que S. Pedro era representado trazendo
uma Cruz, ou as chaves, e tem cabello na cabeça, emquanto
que S. Paulo é calvo. Até ao XIII seculo
não
se encontra nos outros Apostolos nenhum attributo caracteristico.
Representam-se todos do mesmo modo, com um rôlo ou livro na
mão.
Os Apostolos e mesmo Judas, têem os pés
descalços.
Os artistas da idade media symbolisavam com este signal iconographico a
missão sublime, confiada aos Apostolos, de derramar por toda
a terra a doutrina Evangelica.
Assumptos religiosos representados sobre os monumentos dos
seculos XI e XII. Estes assumptos tirados quasi todos da
Biblia, não
eram muito variados; tinham em geral um caracter uniforme e
reconheciam-se bem ao primeiro golpe de vista. Eis pois os que mais
frequentemente eram reproduzidos:
1.º, a tentação dos nossos primeiros
paes; 2.º,
o sacrificio d'Abrahão; 3.º, a
Annunciação; 4.º, a
visitação da Santissima Virgem; 5.º, o
Nascimento de Nosso Senhor, que já se representava sobre os
sarcophagos e nas pinturas a fresco das catacumbas
[156]
do seculo IV; 6.º, a
Adoração dos reis
magos; 7.º, a degolação dos innocentes;
8.º, a
fugida
para o Egypto; 9.º, a exposição do
Menino Jesus
no Templo; 10.º, o baptismo de Nosso Senhor; 11.º, a
sua entrada
triumphal em Jerusalem; 12.º, a
transfiguração;
13.º, a ultima ceia; 14.º, a
crucifixão; 15.º, a descida da Cruz; 16.º,
a
Resurreicão; 17.º, as Santas mulheres no tumulo;
18.º, a
Ascensão de Nosso Senhor.
Representações symbolicas das
virtudes e dos vicios. Os artistas christãos da
idade media estimavam muito symbolisar tanto as virtudes como os
vicios. Durante o periodo Roman as virtudes representam-se sob a figura
de mulheres tendo corôas, algumas vezes tambem azas, e na
cabeça uma especie de gorra. O seu nome acha-se inscripto do
seu lado, ou sobre qualquer objecto que conservam nas mãos;
ás vezes teem mesmo um emblema. As quatro Virtudes
Cardeaes;―prudencia, justiça, força e
temperança―encontram-se frequentemente sobre os monumentos
Romans de toda a especie.
Os vicios são figurados, ou por monstros phantasticos, ou
por homens e mulheres entregues aos excessos de suas
paixões; encontram-se muitas vezes sobre o mesmo monumento
em concorrencia com as virtudes que lhes são oppostas.
Animaes phantasticos. Os monumentos
do periodo Roman offerecem-nos a representação de
numerosos animaes reaes e phantasticos.
Indicaremos alguns d'estes ultimos.
[157]
1.º O
basilisco é um
animal com a fórma d'um gallo, mas com a cauda semelhante
á d'uma serpente. Reputa-se provir d'um ovo de gallinha
chocado por um reptil. O basilisco symbolisava o demonio.
2.º A
aspide é uma
especie de serpente que a lenda diz estar de guarda á arvore
do balsamo. Se o homem quizer approximar-se d'esta arvore para lhe
colher o fructo, torna-se necessario que elle primeiro
adormeça a mesma serpente pelo encanto; mas esta, para se
subtrahir ao encantamento, tapa uma das orelhas com a cauda e a outra
com terra, espojando-se na lama. A
aspide representa os que voluntariamente deixam de
attender aos mandamentos do Senhor.
3.º O
griffo é um
quadrupede com azas e cabeça d'aguia. Symbolisa o demonio.
Vê-se muitas vezes sobre os monumentos Romans dos seculos XI
e XII.
4.º A
sereia é um
monstro com o corpo metade mulher e metade peixe. A parte superior do
corpo, que comprehende a cabeça, os braços e o
corpo até á cintura, tem a fórma
humana; e o resto inferior é a cauda d'um monstro marinho.
Entre os Gregos e os Romanos as sereias terminavam em passaro e
não em peixe; eram tres e habitavam uns rochedos escarpados
entre a ilha de Capri e as costas d'Italia; os seus cantos tinham o
poder de fazer esquecer aos navegadores o paiz d'onde vinham. Durante a
idade media a sereia foi o symbolo da seducção
causada pelos attractivos das pessoas.
[158]
Tambem se encontram sobre muitos monumentos os doze signos do zodiaco,
muitas vezes acompanhados com os trabalhos do anno que lhes
correspondem. Eram frequentemente empregados para ornar as archivoltas
dos portaes principaes das egrejas.
Doadores e doadoras. Quando os
doadores e as doadoras d'um monumento queriam conservar ás
gerações futuras a lembrança do seu
beneficio, faziam-se representar em pequenissimas
proporções, humildemente prostrados aos
pés de Jesus Christo, da Santissima Virgem ou d'outros
Santos.
Algumas vezes tambem os doadores se figuravam n'uma parte secundaria do
monumento, apresentando a Deus ou tendo simplesmente nas
mãos um modelo da egreja, do altar ou do objecto que haviam
offerecido.
CAPITULO V
Summario.―Noções
preliminares―Diversas fórmas de ogiva―Origem da ogiva e do
estylo ogival―Periodo de transição
do estylo Roman ao estylo Ogival―Caracteres d'Architectura
Ogival―Observações geraes―Plano e
disposição das egrejas―Systema
de construcção―Materiaes e apparelhos de
construcção―Esculptura
monumental―Fachadas―Adros―Portaes―Pinturas―Janellas―Rosaes―Caixilhos
de janellas e vidros―Vidraças pintadas―Pilares, columnas e
columnasinhas―Bases de columnas―Capiteis―Caxorros e misulas―Arcadas
e
arcaduras―Triforium―Cornijas―Platibandas―Abobadas―Arcos
butantes―Contrafortes―Gargulhas―Nichos e
Docel―Madeiramentos―Telhados―Torres e
campanarios―Pavimentos―Labyrintho―Pinturas das paredes―Cruzes de
consagração―Altares―Tabernaculos―Cadeiras de
côro―Separação do
Altar-mór―Pulpito e confissonarios―Capellas funereas,
tumulos, campas, Cruzes de Cemiterio―Pias Baptismaes―Pias de agua
benta―Engradamentos―Orgãos―Alfaias
religiosas―Calices e
patenas―Custodias―Thuribulos―Relicarios―Corôas para
luzes―Cruzes de altar e de
procissão―Castiçaes―Estantes―Instrumentos de
paz―Moldes para Hostias―Baculos―Mitras―Vestimentas
sacerdotaes―Abbadias e Mosteiros―Egrejas―Claustros e
Refeitorios―Sala de Capitulo―Dormitorios―Casa para
hospedes―Celleiros―Prisão―Cartuxa―Hospitaes―Iconographia―O
Nimbo―O Crucificado―Os Apostolos e os Evangelistas―O Dia de
Juizo―Sibyllas.
Periodo Ogival
O estylo ogival, tambem chamado
gothico, foi usado desde o meiado do XII seculo
até ao principio do XIV. Chama-se ogival, porque differe de
todos os outros estylos que o precederam, pelo emprego da
ogiva.
Os allemães
chamam-lhe ás vezes―
estylo em arco bicudo.
As janellas, as arcadas, os vãos das portas, n'uma palavra,
todas as aberturas são regularmente terminadas por arcos em
fórma de ogiva. Devemos acrescentar que a
denominação de
Gothico,
dada ao estylo da idade
media, é uma especie de ironia da época da
renascença,
[160]
pois que o estylo ogival nada tem de commum com os
Gôdos.
Foi o
italiano Vasari quem primeiro empregou este epitheto como synonimo de
barbaro!
Diversas fórmas de ogiva. Chama-se
ogiva
toda a figura formada por dois ou
mais arcos de circulo, cortando-se segundo um certo angulo.
Expliquemos, segundo a ordem chronologica, as principaes
fórmas da ogiva:
Ogiva obtusa. Chamada tambem Roman,
quando termina superiormente em bico, muitas vezes quasi se confunde
com o arco de volta inteira. Os dois arcos que a formam, têem
os centros muito proximos; algumas vezes mesmo tão perto um
do outro que é necessario um attento exame para distinguir o
bico pouco sensivel que o distingue do arco de volta inteira.
A ogiva com esta fórma encontra-se muito frequentemente nos
edificios do principio do periodo ogival, reapparecendo mais tarde,
já no fim do mesmo periodo, nos monumentos dos ultimos annos
dos seculos XV e XVI.
Ogiva aguda ou lanceta. É
formada por dois arcos cujos centros estão situados
além da corda que une as suas duas extremidades inferiores
da volta do berço.
Tem o nome de
Lanceta pela sua
semelhança com o instrumento de cirurgia d'este nome.
Ogiva equilatera. É
aquella cujos centros se acham nos dois extremos da corda, e na qual
podemos por consequencia inscrever um triangulo
[161]
equilatero. Tambem se dá a
esta ogiva o nome de ogiva traçada de terceiro ponto.
A ogiva alteada é aquella
cujos arcos se prolongam inferiormente, sendo formados por dois ramos
verticaes e parallelos abaixo da linha dos centros. Encontra-se muitas
vezes no fundo do côro das grandes egrejas.
As tres fórmas de ogiva acima descriptas empregaram-se
durante os seculos XII e XIII.
A ogiva de terceiro ponto
é a que tem os centros dos arcos situados no terceiro ponto
da linha dos centros ou corda, e está dividida em tres
partes eguaes. Chama-se effectivamente ogiva de terceiro ponto, por
isso que se colloca a ponta do compasso no terceiro dos pontos de
divisão da corda.
É para notar que muitos auctores, aliás muito
recommendaveis, não mencionam a ogiva formada por arcos cujo
centro se encontra a um terço da corda; a razão
d'isto é porque consideram a ogiva
equilateral como de terceiro ponto.
Esta ogiva começou a apparecer no fim do XIII seculo e
generalisou-se bastante nos seculos XIV e XV.
A ogiva inflexa descreve-se por meio
de raios partindo de quatro pontos e produzindo duas curvas junto
á corda e duas outras curvas em sentido inverso no vertice.
O extradorso d'esta ogiva bem como o da fórma seguinte
é convexo na parte inferior e concavo na superior.
A ogiva em fórma de
chaveta apenas differe da precedente por ser mais achatada.
[162]
Estas duas ultimas fórmas usaram-se durante os XV e XVI
seculos.
A ogiva inflexa serve muitas vezes de coroamento a um arco de terceiro
ponto, durante a primeira metade do seculo XV, ou em chaveta, durante a
segunda metade do seculo XV e principio do XVI.
A ogiva formada meia convexa e meia concava é
traçada como a ogiva em chaveta, com raios que partem de
quatro centros differentes, mas inversamente; o extradorso do arco
é concavo inferiormente e convexo no vertice. Encontra-se
esta ogiva, ainda que raras vezes, em alguns monumentos dos seculos XV
e XVI.
O arco Tudor, assim chamado, porque
tomou o nome dos reis, que estavam no throno de Inglaterra na epoca em
que o seu uso se generalisou n'este paiz; é formado por
quatro arcos cujos centros se acham todos dentro do espaço
da ogiva. Ha uma fórma mais aguda, que é a que se
vê em monumentos inglezes de uma grande parte do seculo XV; a
outra forma mais abatida só foi empregada no fim do XV
seculo, e no principio do XVI. Os inglezes chamam á
primeira, arco de quatro centros, e á segunda arco abatido.
Ha ainda muitas fórmas intermediarias entre estes dois
extremos.
Origem da ogiva e do estylo ogival. Os archeologos
não concordam uns com outros sobre a origem
da ogiva. A opinião que parece mais provavel, attendendo a
que os monumentos do Oriente exerceram certa influencia sobre a
introducção da
[163]
ogiva na architectura da
Europa no meiado do XII seculo, considera como um producto do genio
Occidental a applicação logica e systematica da
ogiva nas construcções executadas no Occidente
desde essa epoca. A ogiva appareceu na Europa poucos annos depois da
primeira cruzada.
É possivel que esta forma architectonica fosse como outras
muitas cousas, introduzida no Occidente pelos cavalleiros cruzados,
quando regressaram das suas longiquas expedições.
Empregada a ogiva no principio como pura phantasia e como um novo modo
de ornamentação, quer para formar os
vãos das portas e janellas, quer para decorar as arcadas, as
paredes lisas e por baixo das cornijas, tornou-se mais tarde o ponto de
partida para o bello estylo da architectura cujo nome se ligou ao XIII
seculo e cujo desenvolvimento methodico pertence exclusivamente
á Europa Occidental.
Este estylo rapidamente attingiu um subido gráo de
perfeição, devido ás numerosas
egrejas parochiaes, collegiaes, monasticas e cathedraes, que foram
fundadas, construidas ou reconstruidas e augmentadas nos seculos XIII e
XIV.
A palavra
ogiva nem sempre teve a
mesma accepção, que nos nossos dias se lhe
attribue. Outr'ora designava as nervuras salientes que se cruzam em uma
abobada, seja qual for a curvatura em arco de circulo, em ogival,
d'estas nervuras. Só depois do principio do seculo XIX
é que este termo foi empregado para designar o arco
terminando em ponta, conhecido agora pelo nome de ogiva.
[164]
Divisões do periodo
ogival. O periodo de treze seculos e tres quarteis, durante
o qual reinou na Europa Occidental o estylo ogival, póde ser
dividido em tres grandes epocas, tendo cada uma caracteres distinctos.
As denominações francezas de estylo em
lancetas,
radiante,
são tiradas da
fórma das janellas, assim como o nome de
perpendicular,
dado em Inglaterra, no terciario do seculo XV.
O estylo ogival não foi introduzido ao mesmo tempo em todos
os paizes, nem mesmo em todas as partes do mesmo paiz. Nasceu e
desenvolveu-se rapidamente, no meado do XII seculo, nos arredores de
Paris.
O primeiro monumento que appareceu do estylo ogival, foi a fachada
occidental da abbadia de S. Diniz, perto de Paris, construida entre
1135 e 1140. Foi introduzido em Inglaterra, Allemanha, Hespanha e mesmo
n'algumas partes da Italia, por constructores formados em
França.
Periodo de transição do estylo
Roman para o Ogival
A substituição do estylo ogival pelo roman
não se fez em um dia, foram precisos muitos annos para a
operar. Foi esta epoca de transformação que
recebeu o nome de
periodo de
transição entre os dois estylos. A
duração não
foi a mesma em todos os paizes, elle começou mais cedo n'um
paiz do que n'outro.
Os monumentos do periodo de transição
distinguem-se quasi todos pelo emprego simultaneo do
[165]
arco de volta inteira e da ogiva. Esta
combinação
consegue-se por dois modos:
1.º Por simples
juxtaposição,
quando a ogiva isolada se acha n'um mesmo monumento ao lado d'um arco
de volta inteira. Nos edificios de
transição, vêem-se muitas vezes
aberturas de forma circular nos pavimentos inferiores, que
são os mais antigos, emquanto que, nos demais andares, se
vêem aberturas ogivaes; porém mais raramente se
vêem voltas inteiras nas divisões elevadas d'um
monumento, tendo vãos ogivaes nas inferiores.
2.º Como decoração, quando duas ou
muitas ogivas
estão comprehendidas debaixo de uma só volta
inteira. Este modo de reunir a ogiva ao arco circular encontra-se
principalmente nas janellas e nas arcadas. Tambem se vêem
ás vezes dois ou muitos vãos de volta inteira
emmoldurados n'uma ogiva.
3.º Quando arcos de volta inteira produzem ogivas,
entrecruzando-se
reciprocamente.
Uma outra particularidade que muitas vezes se observa nos edificios de
transição, é
a união da esculptura da ornamentação
roman com a ogival.
Caracteres da architectura ogival
O estylo ogival seguiu principios até então
desconhecidos e um methodo novo e constante nas suas
deducções.
A fórma dada a um objecto era conforme a
construcção, resultante não d'um
capricho ou d'uma phantasia, mas d'uma necessidade real.
[166]
Segue-se que a ornamentação não se
applica indifferentemente e sem razão sobre as differentes
partes d'um monumento. D'ella nos servimos ou para chamar a
attenção sobre uma principal parte da
construcção, ou sobre um ponto importante d'um
objecto, ou para dissimular um obstaculo.
Um outro caracter distinctivo do estylo ogival é que os seus
monumentos estão, como se diz em termos de architectura,
na
escala do
homem, isto é: que em toda a
construcção, grande
ou pequena, ha certas partes em harmonia com a estatura humana e, por
consequencia, tendo pouco mais ou menos sempre as mesmas
dimensões.
Os caracteres notaveis do estylo ogival, que nós acabamos de
assignalar em poucas palavras, encontram-se principalmente nos
edificios construidos na edade media, no Noroeste da Europa.
Durante o periodo Roman os architectos e os operarios habilitavam-se
nas grandes obras das abbadias.
O clero secular, e até mesmo os particulares ficaram sob a
direcção de Bispos protectores das artes, taes
como Egberto de Tréves (977-993) e S. Bernardo de Hildesheim
(993-1022) tomaram tambem uma grande parte na
direcção dos
movimentos artisticos.
No XIII seculo as corporações seculares
apoderaram-se da pratica da architectura, e desde este momento, tod
No XIII seculo as corporações seculares
apoderaram-se da pratica da architectura, e desde este momento, todos
os grandes monumentos, quer religiosos, quer profanos, foram
construidos por mestres praticos.
[167]
Plano e disposição das
egrejas. Plano no rez-do-chão.―Grande parte das
egrejas ogivaes apresentam, na planta, a fórma d'uma cruz
latina, cujo vertice figurado pelo côro, é voltado
para o
Oriente. Em algumas, nota-se sensivelmente um desvio grande no eixo do
côro com relação ao
da nave principal. Este desvio, que em geral só tem logar no
Norte e raramente no Sul, symbolisa provavelmente a
inclinação da cabeça do Salvador
sobre a Cruz no momento em que deu o ultimo suspiro.
A orientação symbolica das egrejas, introduzida
desde os primeiros seculos do Christianismo, foi observada
escrupulosamente durante toda a edade media, e mesmo na epoca da
renascença. Foi só nos primeiros annos do nosso
seculo que a
orientação começou a desapparecer.
Um pequeno numero d'egrejas tem o plano quasi rectangular.
No Sul e no Oeste da França muitas grandes egrejas do XIII
seculo apresentam uma vasta nave unica sem naves lateraes, tendo
contrafortes interiores para sustentar o esforço da abobada
principal, que é d'aresta com nervuras.
Encontram-se, principalmente na Allemanha, egrejas com duas naves.
Quasi todas foram construidas por religiosos d'ordens mendicantes, taes
como os Dominicanos e os Franciscanos. No seculo XIII tambem os
Jacobinos ou Dominicanos construiram egrejas de duas naves em Paris e
no Sul da França.
As grandes egrejas do XIII seculo compõem-se
[168]
de tres, de cinco e até mesmo
de sete naves. Na Europa Central e Meridional, na França e
na Belgica, o côro tem geralmente a fórma
polygonal, emquanto que na Inglaterra elle é muitas vezes
rectangular e terminado por uma parede liza. No continente, apenas
excepcionalmente se encontra esta
disposição no côro d'algumas grandes
egrejas, a não ser nas extremidades do transepte.
No final do periodo Roman, tinha-se começado em
França a dispôr capellas absidaes no
côro das grandes egrejas. Este uso manteve-se durante todo o
periodo ogival, e as capellas tomaram grandes
proporções. As primeiras que se chamam absidaes,
irradiam em torno da capella-mór; as outras ao longo das
paredes lateraes: exemplo a Sé de Lisboa.
Notar-se-ha tambem que na cathedral d'Amiens, conforme o uso muito
geralmente seguido em França e em outros paizes, a
capella-mór
é muito mais vasta do que as outras. Encontram-se
egualmente, no côro das cathedraes inglezas do XIII seculo,
capellas da Virgem, com a simples differença que
são em geral muito maiores do que as do continente e
construidas sobre plano rectangular.
Na Belgica, os córos das grandes egrejas do XIII seculo
estão ás vezes, como succede em
França, rodeados de capellas collateraes, dando a volta
completa ao côro, e limitadas por capellas construidas em
parte sobre plano rectangular e em parte sobre o polygonal; mas em
geral são pequenas e o seu numero mais restricto do que nas
cathedraes francezas.
[169]
Estas capellas constroem-se entre os contrafortes, que as dissimulam.
O plano das egrejas do XIV e do XV seculos conserva pouco mais ou menos
a mesma disposição que durante o precedente
seculo. A unica mudança importante, que geralmente se nota,
consiste na addição de pequenas capellas ao longo
das paredes
lateraes das naves.
As capellas são estabelecidas sobre um plano rectangular
entre os contrafortes, parecendo como que formar uma segunda nave
collateral ao lado da primeira. Na mesma época, juntou-se
muitas vezes, aos edificios do XIII seculo, ao longo das naves
lateraes, capellas construidas fóra do primitivo plano.
Estas addições tornavam-se precisas pelo grande
numero de capellanias fundadas nos seculos XIV e no XV. Pelo mesmo
motivo se acrescentaram altares entre as pilastras das egrejas.
Disposição acima do solo, e
aspecto exterior das egrejas. As egrejas
d'uma
só nave―apresentam sempre uma
secção rectangular. Nos edificios
abobadados os contrafortes têem muitas vezes uma grande
importancia apresentando maior saliencia sobre a parede do edificio
tanto no interior como no exterior. Quando os contrafortes
estão construidos no interior, estabelecem-se regularmente,
entre estes contrafortes, capellas fazendo corpo com a egreja: como na
de S. Vicente em Lisboa.
As egrejas que têem tres ou um numero impar de naves, podem
dividir-se em duas classes conforme
[170]
fôr a nave do meio mais
elevada ou da mesma altura que as paredes lateraes.
A primeira classe comprehende as egrejas cuja nave do meio é
notavelmente mais elevada do que as paredes dos lados. As egrejas com
esta fórma são as unicas conhecidas na Europa
Occidental e Meridional, isto é, na Belgica, na
França, na
Inglaterra, na Hespanha, na Italia e em Portugal. A sua nave mais alta
é coberta com telhado de duas aguas inteiramente
independentes, emquanto que as paredes dos lados têem muitas
vezes um terraço ou um telhado de fórma de
alpendre e a sua
inclinação approximando-se sensivelmente da linha
horisontal; ás vezes tambem são cobertos com
repetidos pequenos telhados de duas vertentes, ficando perpendiculares
á nave e terminados por empenas.
Abrem-se regularmente nas paredes lateraes da grande nave, janellas que
deitam para cima dos telhados lateraes.
A segunda classe compõe-se das egrejas cujas naves se elevam
á mesma altura. Estas egrejas são
proprias da Europa central; encontra-se um grande numero d'ellas,
conjunctamente com alguns edificios da primeira classe, na Allemanha,
Austria e Hungria.
Os Allemães deram ás egrejas tendo nave de egual
altura o nome de egrejas-mercado, sem duvida porque ellas parecem
formar uma vasta salla, um
hall inglez, devido
á
elevação uniforme das suas naves. O seu aspecto
exterior tambem differe sensivelmente do das egrejas belgas, francezas
e
[171]
inglezas; as tres naves
são cobertas por um telhado unico de duas aguas, e, por
conseguinte, a nave central não recebe luz directamente,
como nas egrejas de primeira classe; a luz só lhe penetra
pelas janellas lateraes; todavia estas, altissimas em consequencia da
grande elevação das paredes, compensam bem a
suppressão das janellas superiores introduzindo a luz na
nave central.
No fim do periodo ogival encontram-se, particularmente na Austria e
Hungria, egrejas com esta fórma, cujas paredes lateraes
são um pouco menos elevadas que a nave do meio.
Tambem se construiram, na época do renascimento, egrejas com
naves da mesma altura.
Egrejas da Flandres maritima.
Encontram-se em muitas cidades e aldeias da Flandres Occidental,
egrejas cujas disposições differem notavelmente
das que se construiram no resto da Europa. Apesar de se assimilharem
ás precedentes, de tres naves da mesma altura,
não se devem de modo algum confundir com as egrejas
allemãs, com as quaes se parecem á primeira vista
por terem as naves da mesma altura; não têem nada
mais de commum entre si.
Construidas em geral sobre um plano rectangular, compõem-se
d'uma nave principal fechada por paredes d'egual extensão;
não têem
transepte ou, se o têem, não produz saliencia
alguma no exterior das paredes.
As abobadas de pedra ou de tijolo são substituidas, mesmo
nos grandes edificios, por tectos
[172]
curvos formados de madeira com divisões visiveis, pintados e
até com obra de talha, e deixando vêr as
peças do madeiramento.
A cobertura das egrejas é formada por tres telhados de duas
aguas da mesma altura pouco mais ou menos; resultando não
ter a nave principal janellas altas e ser a fachada sempre terminada
por tres empenas da mesma altura.
O plano das capellas.―As capellas
construidas durante o periodo ogival não têem
ordinariamente transepte
e são construidas sobre plano rectangular.
O côro termina no lado Oriental por um abside polygonal ou
uma parede lisa. As capellas das egrejas conventuaes
compõem-se geralmente de tres naves, emquanto que as
pequenas capellas não têem regularmente
senão uma.
As construcções ogivaes não apresentam
em geral symetria, e o mesmo se nota no traçado do plano e
nos caracteres architectonicos. Estas irregularidades provêem
de duas causas principaes. Em primeiro logar os architectos d'esta
época, sem desprezarem a symetria, não a
consideraram propria das conveniencias, necessidades e harmonia geral.
Algumas vezes tambem, vindo a faltar-lhes os recursos com que contavam
no principio dos trabalhos, viam-se forçados a alterar o
plano primitivo e supprimirem-lhe certas partes. Emfim, muitos
monumentos foram construidos muito lentamente, o que deu logar a que as
suas differentes partes fossem successivamente construidas,
apresentando
[173]
sempre por esse motivo
cada uma d'ellas os caracteres architectonicos em voga na
occasião da sua construcção.
Systema de
construcção.―Os grandes
monumentos edificados pelos romanos no tempo da republica e sob os
imperadores, formavam, pela estabilidade dos seus pontos d'apoio,
condensação e cohesão perfeita dos
seus materiaes, massas solidas capazes de resistir ao peso, e, em caso
de necessidade, á pressão das abobadas, que eram
formadas de peças homogeneas, concretas e sem elasticidade.
Em substituição da abobada romana os architectos
romans empregaram pouco a pouco a abobada de nervuras, cuja
construcção assenta sobre o principio da
elasticidade e do equilibrio das forças. O plano quadrado
era o escolhido para as suas edificações; mas
quando se tratava de
neutralisar a pressão lateral exercida por esta abobada
sobre os seus pontos d'apoio, ou quando era preciso construir uma
abobada sobre um plano que não fosse quadrado, entregavam-se
então a experiencias cujo resultado nem sempre correspondia
á espectativa.
Os architectos do periodo ogival realisam grandes progressos na
construcção das abobadas.
Primeiramente cobrem os edificios servindo-se das abobadas de nervuras,
superficies cujos planos são parallelogrammos, trapesios,
pentagonos e mesmo polygonos irregulares; depois, resolvem d'um modo
completo o problema tão difficil da estabilidade
[174]
das abobadas, pelo principio do
equilibrio das forças. Empregam a abobada, não
como uma crosta homogenea e inerte, mas como uma serie de paineis de
superficies curvas ou de triangulos de enchimento independentes uns dos
outros e limitados por nervuras apparelhadas e flexiveis. Ás
pressões obliquas d'estas abobadas, oppõem
resistencias activas, em vez de obstaculos passivos, e transportam a
resultante de todas as pressões obliquas e contrarias para
os contrafortes exteriores, que fazem rigidos e firmes, dando-lhes uma
base muito ampla e carregando-os com um consideravel pezo.
As nervuras das abobadas com os seus pontos d'apoio, isto é,
as columnas, os contrafortes e algumas vezes os arco-butantes,
compõem a ossada, o esqueleto de todo o grande edificio
ogival. As outras partes da construcção, que
formam o
revestimento d'esta ossada, desempenham o logar de simples tabiques: as
janellas occupam, entre os pontos d'apoio das abobadas, o maior
espaço possivel, e as paredes pouco espessas são
ornadas de arcadas que ainda as tornam mais delgadas. As janellas e as
paredes podiam ser supprimidas sem que a
construcção principal soffresse o menor
prejuiso.
Materiaes e apparelhos de
construcção. Tanto durante o periodo
roman, como durante o ogival, se procuravam os materiaes precisos o
mais proximo possivel do logar em que se fazia a
construcção. Com effeito o transporte, ainda
n'este tempo, offerecia
[175]
grandes difficuldades por causa da ausencia completa de estradas
viaveis. Os materiaes empregados são em geral de pequenas
dimensões, porque os instrumentos para os
extraír,
transportar e assentar eram insufficientes em
comparação com as
poderosas machinas de que dispomos em nossos dias.
Quando não havia pedreiras para explorar, serviam-se de
tijolos.
Esculptura monumental. Durante o
periodo roman, a esculptura d'ornato consistia em figuras geometricas,
animaes monstruosos, e tambem ás vezes de
imitação de vegetaes. Durante a segunda metade do
seculo XII, teve logar uma revolução completa na
esculptura ornamental; as palmas, as folhagens, os galões e
as figuras geometricas, os cordões entrelaçados
dão logar aos
vegetaes indigenas; n'uma palavra, tudo o que não
é inspirado pela flora do paiz desapparece.
Os primeiros artistas que se entregam ao estudo das plantas indigenas
para as reproduzir na esculptura d'ornato, não procuram
imitar fielmente nas suas obras os vegetaes que têem
á sua vista; mas antes os interpretam a seu modo, isto
é, apoderam-se dos caracteres principaes com que se inspiram
e compõem a largos traços a sua esculptura
monumental.
Os artistas entendem que a arte para ser bem apreciada não
consiste na reproducção
escrupulosa como se fôsse photographia da natureza real, mas
sim na expressão do real idealisado e transformado pela
imaginação do esculptor.
[176]
Esses artistas introduziram no centro e no norte da França
este novo estylo de esculptura monumental durante a segunda metade do
seculo XII; e os seus imitadores nas outras partes da Europa, no
principio do seculo seguinte, limitaram-se em principio a imitar nas
suas obras as plantas mais humildes dos bosques e dos campos na
occasião em que dão os seus primeiros rebentos,
quando os botões apparecem apenas meio abertos ou n'uma
palavra quando começam o seu primeiro desenvolvimento. Ha um
exemplo bem conhecido d'esta ornamentação vegetal
rudimentar nos mais antigos
crochetes de capiteis
e nas rampas
dos edificios que se usaram no final do seculo XII e principio do XIII.
Estes
crochetes primitivos terminam
enroscados de folhagem, semelhando-se bastante com os rebentos das
plantas que brotam da terra.
Entretanto os esculptores vão progredindo; depois de haverem
applicado as suas inspirações ao estudo do
primeiro desenvolvimento dos mais modestos vegetaes, abandonam estes
humildes modelos, para em seu logar applicarem as folhas completamente
formadas, as flores e os fructos das arvores, dos arbustos e das
plantas herbaceas, mais graciosas.
Procuram reproduzir a vinha, a hera, o acre, o azevinho, a roseira
brava, a figueira, o carvalho, a pereira, o nenuphar, as campainhas, o
rainunculo, o morangueiro, o trevo, o platano, a salsa, etc. Todavia
esta transformação não se
operou bruscamente,
[177]
mas a
pouco e pouco e por successivas transições: na
flora monumental, bem como na
flora natural, á maneira que os tempos passavam, os renovos
abrem, as folhas desdobram-se, os botões tornam-se em flores
e produzem fructos. Foi n'esta epoca que na França (no final
do XII seculo, e
até mais tarde) os roulamentos primitivos das
crochetes se abrem dando logar a
florões e ramos de folhagens inteiramente desenvolvidos.
Progredindo sempre, os esculptores do seculo XIV abandonavam pouco a
pouco a nobre e graciosa simplicidade que os do seculo XIII costumavam
imprimir a todas as suas obras; entregam-se apaixonadamente
á imitação da natureza real e escolhem
de preferencia as plantas d'um modelo exagerado; reproduzem-nas com uma
rara perfeição, mas exageram-lhes as
ondulações e contornos.
Estas ondulações, que constituem um dos
caracteres que distinguem a esculptura do seculo XIV, encontram-se
já algumas vezes, ainda que poucas, durante a segunda metade
do seculo XIII.
As esculpturas do seculo XIV são muitas vezes inferiores
ás do XIII, porque são menos
francamente executadas e carecem de simplicidade nos contornos e no
modelado; finalmente já visam muito a produzir effeito. O
seculo XIV no entanto produziu obras esculpturaes de grande merito.
A esculptura monumental no seculo XV caminha cada vez mais para o
affectado. Toma as plantas com folhagens m
A esculptura monumental no seculo XV caminha cada vez mais para o
affectado. Toma as plantas com folhagens muito recortadas, taes como o
cardo, a folha do repolho, etc. e para as imitar
exagera-lhes
[178]
as profundas
chanfraduras e os lóbulos angulosos das folhas.
Estas esculpturas são finas, delgadas e excessivamente
vasadas.
Um ornato muito frequente do XV seculo em diante e que principalmente
se vê nas açafatas dos
capiteís, é o que vulgarmente se chama folha de
repolho por causa da sua semelhança mais ou menos com a sua
folha enroscada.
Tambem se vêem representados na esculptura decorativa do
periodo ogival, assumptos historicos, legendarios e symbolicos bem como
animaes reaes e phantasticos. Estes animaes e as figuras grotescas,
algum tanto raras no interior dos edificios, encontram-se comtudo
bastante na decoração
exterior dos monumentos, como carrancas, modilhões e
até algumas vezes ornatos em
substituição dos
crochetes
de rampa.
Durante todo o periodo ogival, as esculpturas eram completamente
concluidas antes de se collocarem.
Os esculptores de imagens terminavam as suas obras na casa do trabalho,
e eram collocadas no seu logar pelos alveneos. Um esculptor nunca subia
a um andaime.
Fachadas.―As faces exteriores dos
monumentos da edade media são a expressão exacta
das disposições interiores.
Em consequencia d'este principio, as fachadas occidentaes das egrejas
reproduzem no conjuncto o córte transversal das naves.
Além d'isso, como
[179]
a
fórma d'este córte é pouco mais ou
menos a mesma em quasi todas as egrejas ogivaes, resulta d'isso, que o
aspecto geral de muitas fachadas é d'uma grande
semelhança. Apezar d'esta semelhança
no conjuncto geral e dos contornos exteriores, a
disposição e a
ornamentação das fachadas são
extremamente variadas. As mais bellas fachadas ogivaes são
sem duvida as das grandes cathedraes francezas. Compõem-se
em geral de muitas zonas horisontaes e parallelas; o pavimento terreo
tem tres portaes, que dão ingresso para as tres naves; o
central, que é a porta principal, é mais largo e
ornado mais ricamente que os outros dois.
As fachadas das grandes egrejas inglezas e allemãs (excepto
a de Colonia), não têem
ornamentações tão vistosas como as
cathedraes francezas. A disposição é
menos regular e a
ornamentação destituida ás vezes de
bom gosto. Grande numero das egrejas allemãs têem
só na fachada
Occidental duas torres em cada lado.
Na Belgica poucas egrejas têem tres portaes; geralmente na
fachada principal ha apenas um. As rosaceas, que são
tão vulgares nas fachadas
francezas, raramente se vêem nas egrejas da Belgica.
As fachadas das egrejas ruraes são sempre de uma grande
simplicidade. Em geral tem um campanario, e apenas uma porta ao centro
da fachada e uma ou tres janellas no frontispicio.
Alpendres. Quasi todas as grandes
egrejas ogivaes apresentam um ou muitos alpendres, collocados adiante
da fachada Occidental, ou das entradas
[180]
lateraes. Em muitas egrejas
romans foi addicionado o alpendre na epocha ogival.
Os alpendres contiguos á fachada principal das egrejas
ogivaes ou os construidos debaixo do campanario, que limita esta
fachada, quasi se não encontram em França desde o
seculo XIII. Ainda são mais raros na Belgica, Allemanha e
Inglaterra.
Durante o periodo ogival, muitos alpendres se construiram adiante das
entradas lateraes. Os mais bellos monumentos d'este genero
são os alpendres ao Norte e ao Sul da Cathedral de Chartres,
que datam dos primeiros annos do seculo XIII. Na Belgica tambem ha
alguns alpendres lateraes notaveis, compostos d'um ou dois
vãos na frente e vedados por tres lados, estando ornados no
interior com estatuas collocadas sobre misulas e coroadas de doceis.
Tambem se construiam, mas raramente, alpendres abertos em tres lados ou
vedados por frestas nos dois lados.
Portaes. Na França e
mesmo em Colonia as cathedraes e as grandes egrejas ogivaes
não têem geralmente alpendres adiante da fachada
principal, mas os portaes formam de per si verdadeiros alpendres, que
são cuidadosamente adornados.
Os portaes principaes das grandes egrejas francezas do seculo XIII
distinguem-se pela riqueza extraordinaria das esculpturas de todos os
generos com que são adornados. Apresentam grandes
vãos que se abrem do interior para o exterior e divididos em
duas partes eguaes por uma parede.
Na fachada de
Notre-Dâme
de Paris vê-se, em
[181]
frente d'essa parede e sob um docel, uma grande estatua representando o
Salvador deitando a
benção, a Santissima Virgem com o seu amado
Filho, e tambem ás vezes o orago da Egreja. A base d'essa
parede e os rodapés dos vãos
são ornados com baixo-relevos.
Os tympanos são regularmente divididos em tres partes
horisontaes, onde se figuram em relevo assumptos religiosos, estatuas
de grandes dimensões, que em numero consideravel guarnecem
as paredes verticaes dos portaes, emquanto que as curvas das abobadas
recebem muitas ordens parallelas de estatuetas collocadas debaixo de
doceis.
Todas estas esculpturas representam Santos e factos tirados da historia
do Velho e Novo Testamento, da lenda e de certos dogmas da
Fé.
Os arcos dos portaes, das janellas e das empenas são,
algumas vezes, ornados tambem interiormente, d'um appendice chamado
redente;
este ornato tambem ás vezes se encontra no intradorso das
grandes arcadas, ligando as columnas que separam as naves das paredes
lateraes das egrejas.
Os
redentes são recortes
em fórma de dente ou de bicos, que guarnecem o intradorso
d'um arco. Tambem se applicou este mesmo nome a uns ornatos analogos,
que se collocam sobre as prumadas das empenas.
Nos edificios do seculo XIV, os portaes são ainda bem
delineados, todavia já não têem a
grandeza que caracterisa os do seculo XIII. Os perfis das
[182]
molduras são agudos e muito
multiplicados; a estatuaria, abandonando a nobre simplicidade,
preoccupou-se em cogitar formas affectadas, e por isso mesmo a arte
declina. Apesar d'estes defeitos, os grandes portaes das egrejas do
seculo XIV têem
ainda verdadeiro merito quanto á
composição e outras qualidades que debalde se
procuram nos monumentos dos seculos posteriores.
Os grandes portaes dos seculos XIV
e XV têem
as mesmas disposições geraes que os do seculo
precedente, com a simples differença de que as columnas
cylindricas que formavam os vãos dos portaes e que sustentam
as archivoltas são substituidas por molduras prismaticas,
ordinariamente sem capitel, e que prolongando-se constituem por si
só as archivoltas. Estes portaes occupam
espaço profundo, porque são regularmente
construidos entre dois contrafortes salientes da fachada.
O pilar que separa o portal, e o tympano dos grandes portaes do XIV e
XV seculos, tem
sempre estatuas de Santos debaixo dos doceis e apoiando-se sobre
misulas primorosamente esculpidas. Desapparecem as estatuas em muitos
monumentos.
Ordinariamente os vãos ogivaes dos portaes e muitas vezes os
da entrada dos alpendres, são emmoldurados por um contorno
em forma de empena.
Nos seculos XIII e XIV, este feitio
representa a extremidade d'um telhado de duas vertentes com a
inclinação d'um angulo que varia entre 45 e 90
gráos. No XV
seculo, os
vãos de todos os portaes grandes e pequenos, e algumas vezes
tambem os
[183]
das janellas,
são formados por ogivas ou por contracurva.
No seculo XII, as inclinações das empenas
são quasi sempre ornadas de
colchetes
enroscados; desde o principio do seculo XIII, os enroscamentos ou
extremidades d'estes
colchetes
desdobram-se e transformam-se em florões. Os
colchetes são
substituidos, no seculo XIV, por folhas de extraordinaria grandeza, que
muitas vezes se designam ainda pelo nome de colchetes, redentes ou
animaes phantasticos; nos seculos XV e XVI apparecem as folhas de
repolho.
Estes ornamentos pouco numerosos e muito espaçados no XIII
seculo, multiplicam-se e approximam-se á medida que a arte
ogival vae em decadencia. O vertice das empenas ou das ogivas inflexas
que substituem as empenas do XV seculo, termina ora por um
florão, ora por uma estatua assente sobre uma quartella, em
fórma de sóco.
Os portaes de segunda e terceira ordem offerecem mais simplicidade do
que os outros que acabamos de descrever. Não têem
pilar de
separação e por causa dos seus vãos
geralmente pouco profundos, têem molduras menores que os
portaes de primeira ordem.
No XIII e XIV seculos, as empenas compõem-se de duas, tres
ou quatro columnatas na rectaguarda umas das outras, e ligam-se com os
extremos dos arcos superiores. Desde o final do XIV seculo, foram as
columnatas substituidas por molduras prismaticas, quasi sempre sem
divisão de capitel.
[184]
Até meiado do seculo XV, ajuntava-se, muitas vezes,
á archivolta dos portaes e tambem ás
curvas das janellas, um rebordo exterior em fórma de goteira
cujas extremidades assentam á altura da nascença
da ogiva, sobre modilhões esculpidos,
representando figuras, animaes phantasticos ou carrancas; este rebordo
tambem ás vezes é ornado de
colchetes
com folhas de grande
lavor ou figuras grotescas.
Lemes das portas. Os constructores
romans tinham, como já explicámos, convertido em
objecto de ornamentação os lemes e as ferragens
que
empregavam para reunir os frisos que compõem os batentes. As
archivoltas do periodo ogival ultrapassaram os seus precedentes n'este
genero de decoração.
No seculo XIII e ainda mesmo no XIV, os lemes representam folhagens
entrelaçadas, armadas de flores e fructos. As suas
differentes partes são reunidas com uma arte e delicadeza
notaveis, apesar de n'esta epoca os meios de fabrico serem muito
simples. Um martello movido por uma corrente de agua
constituía, por assim dizer, o unico recurso das
fabricas da edade media. O ferro obtido em fragmentos de um peso
mediocre, era entregue ao ferreiro, que á força
de braço
convertia estes fragmentos em barras ou peças mais ou menos
delgadas. Não eram conhecidas, nem a lima, nem as cisalhas.
Apezar da pobreza de meios de
fabricação, os ferreiros da edade media
produziram obras primas de serralheria. Podemos affirmar que em
[185]
muitos paizes a arte de
serralheria attingiu o seu apogeu no seculo XIII. Os lemes do principio
do periodo ogival distinguem-se dos das epocas posteriores em que,
ordinariamente, são
estampados, isto é, trabalhados em
relevo por meio de matriz. Foi pela estampagem que se obtiveram
ramagens cheias de vigor e estes soberbos cachos que caracterisam os
lemes dos portaes de todas as grandes egrejas do XIII seculo.
Os lemes estampados começaram a desapparecer na
França no principio do seculo XIV, ao passo que na Belgica
foram muito empregados ainda n'este seculo e até mesmo no
seculo XV.
Nos fins do seculo XIII começaram a apparecer na
França os lemes lisos, isto é, formados por uma
peça de ferro batido, poucas vezes executados em relevo.
Este uso generalisou-se desde os primeiros annos do seculo XIV; nos
outros paizes e especialmente na Belgica eram empregados
simultaneamente com as ferragens estampadas, tanto no seculo XIV, como
no XV.
Os serralheiros da edade média procuraram para objecto de
ornamentação, não
só os lemes, mas tambem todos os outros accessorios
necessarios para os portaes, taes como os prégos, os fechos,
as argolas das fechaduras.
Janellas. Durante o periodo de
transição e no principio da epoca ogival, os
vãos das janellas eram estreitos, pouco elevados e fechados,
na sua parte superior, por lancetas ou ogivas agudas. Estes
vãos, em geral reunidos em dois ou tres, são
[186]
separados por pequenos pilares em
fórma de humbreira, estando muitas vezes como emmoldurados
por um grande arco commum. Chamam-se prumos de cantaria os que dividem
uma janella em humbreiras aos vãos ou compartimentos
verticaes. A triplice lanceta da janella tem o vão do meio
geralmente mais elevado que o dos lados.
Em França, no principio do seculo XIII, e n'outros paizes
alguns annos mais tarde, em vez de estreitarem os vãos das
janellas, alargavam-nos e formavam por cima bandeira com
construcção de cantaria compostas de humbreiras
simples e ligeiras. Em geral existe uma abertura independente por cima
dos vãos d'estas janellas primitivas. Nas
construcções esmeradas e ricas, as humbreiras
estão collocadas tanto no interior como no exterior, tendo
uma columna com base e capitel, e o tympano da janella é
ornado de redentes, com uma ou muitas vidraças compostas de
tres, quatro, seis e algumas vezes oito vidros.
As grandes egrejas do XIII seculo e um grande numero de edificios do
XIV seculo teem as janellas muito grandes, divididas em muitos
vãos.
Estas janellas compõem-se de uma rosacea de grande diametro,
que occupa a parte superior do tympano tendo uma columna que divide o
vão em duas partes eguaes; em cada um d'estes
vãos secundarios, apresenta uma abertura composta egualmente
de uma columna central, porém, mais delgada que a primeira e
d'um oculo circular do feitio de folha de trêvo, ou uma de
quatro folhas. Se mesmo
[187]
com
estas sub-divisões (como succede nas janellas de grande
largura), estas columnas não ficam
sufficientemente proximas para a segurança das
vidraças, estabelecem-se ainda entre si novas humbreiras
divisorias, tendo por cima tambem rosaceas de menor grandeza.
Na Belgica, Allemanha e Inglaterra, ha janellas do seculo XIII,
divididas por duas humbreiras de menor importancia para formarem tres
vãos. Ás vezes é o vão do
meio mais estreito que os dos lados. Este feitio de janellas era muito
raro na França, no principio do periodo ogival.
Para diminuir o espaço vazio das rosaceas do tympano das
grandes janellas, collocavam-se redentes de cantaria seguros por
circulos de ferro. Ás vezes, no seculo XIV, se substituiam
as rosaceas do tympano por folhas de trêvo, ou compostas de
quatro folhas, e tambem com outras combinações
de figuras geometricas.
Durante os seculos XIV e XV, o numero dos vãos das janellas
varia muito, mas em geral é de tres.
No mesmo edificio, se vêem, conforme a largura dos
vãos, janellas de dois, tres, quatro, cinco, seis, sete ou
oito compartimentos.
Em alguns monumentos belgas, inglezes e allemães, as grandes
janellas das extremidades do transepte e da capella mór,
quando esta termina por uma parede recta, ficam divididas em duas
partes eguaes por uma columna central de grande grossura formando um
verdadeiro pilar.
As humbreiras das janellas dos seculos XIII e XIV
[188]
são ás vezes
formadas por uma só pedra
inteiriça; comtudo geralmente são construidas por
pedras pequenas. Em grande numero dos edificios francezes, ha, interior
e exteriormente, ou n'um dos lados das janellas, uma columna embebida,
com base e capitel.
Na Belgica, Allemanha e Inglaterra as humbreiras das janellas de muitos
monumentos não têem columnas, principalmente as do
seculo XIV.
As columnas servindo de humbreiras apparecem sempre collocadas junto
dos pés direitos, no interior e no exterior da janella. Na
Belgica vêem-se com frequencia essas columnas embebidas nos
angulos das paredes pertencentes ás janellas nas quaes lhes
faltam as humbreiras.
Os capiteis das columnas que formam as humbreiras das janellas,
são coroados por um ábaco
quadrado,
no principio do periodo
ogival, mais tarde tornou-se
circular, e no
principio do XIV seculo,
hexagonal.
Os constructores dos seculos XIII e XIV, habituados a discorrer sobre
todas as suas obras, facilmente comprehendiam que collocar um capitel
nas columnas servindo de humbreiras, era ir ao encontro do principio
fundamental da architectura ogival, que prescrevia desprezar todas as
partes inuteis, todos os motivos de ornamentação
que
não resultassem d'uma necessidade de
construcção. Effectivamente não parece
sufficientemente justificada a necessidade d'este capitel, porque a
parte superior da columna não serve de ponto de apoio a
nenhum
[189]
peso extraordinario, e
tambem não serve de
transição ás duas partes realmente
distinctas, pois a moldura superior do capitel é em tudo
semelhante á fórma do fuste da columna, porquanto
o capitel apenas servia de ornato, sem outro fim verdadeiramente util.
Tendo em vista o principio fundamental do estylo ogival e todas as
consequencias logicas que elle encerra, os architectos da segunda
metade do seculo XIV e do principio do XV não se
detêem em reconsiderar, supprimem inteiramente o capitel e
muitas vezes a propria columna, e dão a todas as humbreiras
a mesma espessura. No fim do XIV seculo introduziram egualmente
modificações importantes nos desenhos
traçados pelas humbreiras dos tympanos das janellas. Os
redentes que até aqui serviam para diminuir o
espaço roto das grandes rosaceas foram primeiramente
substituidos por combinações de figuras
geometricas em que predominam as formas ogivaes com curvas compostas de
duas em sentido oppostos e do feitio de chamma. É d'esta
epocha que data o ornato conhecido pelo nome de
chamma
e deu
o nome de
flammejante ao estylo do seculo XV.
Este ornato não só se encontra nos tympanos de
janellas, mas tambem nas balaustradas, nos batentes das portas, fechos,
mobilias, n'uma palavra, em tudo onde é possivel applical-o.
Os allemães chamam-lhe Fischblase (bexiga de
peixe).
As janellas da
primeira metade do
seculo XV têem ainda ás vezes alguma analogia com
as dos seculos precedentes. Não é raro
encontrar-se nos
[190]
tympanos
grandes rosaceas com figuras curvas ou chammas em vez de redentes.
Todavia grande numero das rosaceas circulares dos tympanos, durante a
primeira metade do seculo XV, foram substituidas com o feitio de
triangulos e quadrilateros curvilineos ou por outras figuras
geometricas regulares, nas quaes ha chammas representadas. No meado do
seculo XV desapparecem do tympano as figuras regulares, e as humbreiras
tomando
direcções cada vez mais arbitrarias,
dão logar aos mais variados desenhos flammejantes.
No fim do XV seculo as archivoltas das janellas tornam-se mais obtusas
e tomam no principio do seculo XVI a forma de arcos de volta abatida ou
em aza de cesto; os desenhos dos tympanos são toscos e
angulosos. A volta inteira ou de semicirculo, que começa a
apparecer timidamente nos vãos entre as humbreiras, annuncia
o proximo regresso dos typos de architectura classica.
Do que acabamos de dizer resulta que os desenhos geometricos
encontram-se principalmente nos tympanos das janellas durante a
primeira metade do seculo XV, emquanto que os desenhos flammejantes
propriamente ditos são da ultima metade do XV e do principio
do XVI seculos.
As archivoltas exteriores das janellas dos edificios de primeira ordem
têem ás vezes alguns ornatos.
O cavado mais largo e mais profundo do intradorso d'estas archivoltas
é ornado de colchetes nos grandes monumentos francezes do
seculo XIII; no
[191]
seculo XIV
é ornado de florões e de cachos, e no XV apparece
a folha de repôlho.
As archivoltas exteriores das janellas são do mesmo modo que
as dos portaes e dos alpendres rodeadas por um rebordo saliente ou
encimadas por uma galeria. Os rebordos que rodeiam as archivoltas das
janellas têem o mesmo feitio que os dos portaes.
Nos seculos XIII e XIV, têem a fórma d'uma goteira
e são geralmente formados nos proprios fechos da archivolta;
as extremidades vêem acabar á altura do nascimento
da ogiva, ficando assentes sobre modilhões ou
então na
direcção horisontal sob a fórma de
cordão, que liga entre si duas
janellas proximas uma da outra.
Nos edificios mais importantes, os rebordos são em geral
decorados de distancia a distancia, com colchetes ou folhas
ornamentaes. Nos seculos XV e XVI, os feitios das janellas
têem a fórma de uma ogiva com curvas inversas,
terminando por um florão. Os remates que coroam muitas vezes
as janellas dos grandes monumentos, são similhantes aos dos
portaes, tendo do mesmo modo a fórma da empena e os seus
lados inclinados têem colchetes, redentes ou folhas de
repolho encrispadas. O vertice, que em geral termina em
florão, penetra muitas vezes na balaustrada prolongando a
altura do tecto e fazendo corpo com elle.
Os architectos do periodo ogival, e até mesmo os do periodo
de transição, de ordinario
reservaram nas grandes egrejas, galerias passando junto
[192]
das janellas e que eram principalmente
destinadas a facilitar a collocação e
conservação das vidraças. Estas
galerias são estabelecidas em toda a extensão do
edificio, dando muitas vezes a volta completa em todo o monumento;
são verdadeiros corredores de serviço. No
rez-do-chão, isto
é, nas paredes dos lados e no côro, quando este
não tem capellas lateraes, são ellas
estabelecidas no interior em quanto que no pavimento superior ficam
sempre exteriores e atravessam os contrafortes. D'aqui resulta haver
galerias em que as vidraças estão assentes por
dentro nas janellas inferiores e por fóra nas altas.
Rosaceas. As rosaceas são
um dos mais bellos ornamentos dos grandes monumentos religiosos do
periodo ogival.
Apparecem tanto na fachada Occidental como nas empenas dos transeptes.
Na França, as rosaceas são muito communs nos
seculos XIII e XIV; pelo contrario na Belgica e na Inglaterra,
são raras, mesmo nas maiores egrejas.
As rosaceas e as janellas têem caixilhos de pedra destinados
a fixar as vidraças. Estes caixilhos
são muitas vezes dispostos em fórma de raios de
roda.
Durante a segunda metade do seculo XIII e todo o XIV, foram construidas
grande numero de rosaceas em contacto umas das outras e dispostas em
muitos renques concentricos á volta d'uma rosacea central,
na qual são inseridos caixilhos do feitio de folhas de
trêvo ou em quatro folhas.
Foi a brilhante ornamentação d'estas rosaceas e
[193]
dos tympanos das janellas que deu
ao estylo ogival do XIV seculo a denominação de
radiante.
Os caixilhos das rosaceas do XV seculo descrevem em geral desenhos
flammejantes, semelhantes aos que se vêem nos tympanos das
janellas da mesma epoca. Ás vezes encontram-se: 1.º
nos
monumentos do seculo XIII rosaceas que têem analogia com as
dos edificios romans do seculo XII; 2.º nos edificios dos
seculos XIV
e XV, rosaceas compostas de folhas de feitio de trevo, e de quatro
folhas, ou com figuras geometricas curvilineas.
No seculo XV, e na Belgica já no XIV, os caixilhos das
rosaceas, não têem como d'antes, columnas formando
as divisões, mas têem os mesmos
compartimentos que os caixilhos de janella d'esta epoca.
Vedações das janellas e
vidraças. Por causa da aspereza do clima nos
paizes do Norte foram muito cêdo usadas as
vidraças nas janellas.
Os vidros, incolores ou pintados d'uma côr unica e de
pequenas dimensões, eram antigamente collocados em caixilhos
de madeira ou de cantaria. Depois do seculo X eram fixos por meio de
pestanas de chumbo. Foi devido ao emprego do chumbo que conseguiram
formar bellas vidraças pintadas, cuja historia vamos
expôr succintamente.
As vidraças dividem-se em duas classes: vidraças
incolores
e
pintadas.
Vidraças incolores. As
vidraças incolores dos seculos XII e XIII são
compostas de pequenos pedaços de vidro, não
excedendo doze a quinze centimetros, na sua maior dimensão,
sendo de côr esverdeada
[194]
escura, irregulares e um pouco convexas.
O chumbo empregado antigamente era muito espesso, convexo nas suas
faces e algumas vezes polido nas ranhuras; distingue-se facilmente dos
modernos, fabricados depois do fim do seculo XVI, por se servirem de
instrumento proprio para o reduzir a tiras, com uma especie de
laminador.
Em consequencia da maleabilidade e brandura do chumbo, as tiras que
reunem os vidros das vidraças incolores dos periodos roman e
ogival apresentam muitas vezes as mais curiosas figuras. N'este caso e
em muitos outros a urgencia fornece um motivo
d'ornamentação; era necessario vedar uma abertura
relativamente alta e larga com pequenos fragmentos de vidro, porque as
grandes chapas de vidro eram ainda então desconhecidas. Os
vidraceiros da idade média resolveram este problema como
verdadeiros artistas: em vez de adoptarem um systema de
envidraçar vulgar, consistindo em quadrados ou rhombos,
serviram-se das tiras de chumbo para produzir, nas janellas, os mais
variados e vistosos desenhos.
Na Belgica as vidraças incolores eram muito communs nos
seculos XII e XIII; ha exemplos de vidraças, ainda
existentes, que se podem referir com certeza a esta epoca. É
verdade que se encontra aqui e ali algumas vidraças
representando
entrelaçamentos de fitas, anneis, circulos e figuras
geometricas, que parecem muito antigas por causa da pequenez das
aberturas destinadas a receber as
[195]
chapas de vidro; mas não é possivel
determinar-lhes uma data approximada.
Estes entrelaçamentos de fitas e de figuras geometricas
foram usados na Belgica durante todo o periodo ogival e conservaram-se
com modificações mais ou menos consideraveis
até ao presente.
Vidraças pintadas. Ha uma
grande differença entre colorir um vidro ou pintal-o, ou por
outras palavras, entre os vidros coloridos e os pintados. Os primeiros,
que tambem se chamam vidros de côr, obtêem-se
misturando-lhes na massa vitrea em fusão oxydos metallicos,
que dão a toda a
pasta um colorido uniforme. Este colorido não é
superficial; as materias que produzem as diversas
côres penetram durante a fusão na massa vitrea e
combinam-se inteiramente com ella. Para fazer vidros pintados toma-se
uma chapa de vidro translucido e sobre uma das faces, ou em ambas,
applica-se com o pincel os traços do desenho a
côres vitrificaveis, que não são mais
que pastas
vitreas coloridas por meio d'oxydos metallicos, reduzidos a
pó e diluidos n'um liquido como vinho, agua gommada e
essencia de therebentina. A lamina de vidro, esmaltada, é em
seguida submettida ao fogo; o pó corante entrando
promptamente em fusão, fixa-se sobre a placa de vidro que a
sustenta e que apenas está amollecida pela
acção
do calôr.
No VII seculo, havia vidraças compostas de laminas de vidro
diversamente coloridas; eram especies de mosaicos transparentes. Mas
seria n'essa epoca que começaram a pintar a côres,
sobre vidro
[196]
branco ou
colorido, personagens e assumptos historicos e legendarios? A
opinião mais provavel colloca a
invenção da pintura sobre vidro no fim do X
seculo. Comtudo só no seguinte é que esta arte
nasceu na Allemanha e se desenvolveu e espalhou pela Europa occidental.
Logo que se inventou a pintura sobre vidro no meiado do seculo XIV, o
pintor de vidros servia-se de laminas, cada uma de sua côr
uniforme.
No seculo XII e XIII, houve excepção a esta regra
para o vidro vermelho, que, em geral era
duplicado, isto é, composto de uma
lamina delgada vermelha, applicada sobre uma lamina de vidro incolor.
As differenças de espessura que têem os vidros
antigos, differenças que resultam da
imperfeição dos processos de fabríco
do vidro, contribuem singularmente para augmentar o brilho das
vidraças da idade média. Em primeiro logar, os
pintores vidraceiros empregavam com muita pericia estes vidros
desiguaes ou ondulados, cortando-os de fórma que a parte
mais delgada se achasse do lado da luz; o que fazia augmentar
consideravelmente o effeito da vidraça. Por consequencia,
mesmo para os fundos fechados, estas differenças de
espessura dão á coloração
um aspecto
scintillante, que a certa distancia augmenta consideravelmente a
intensidade dos tons.
As côres de que o pintor de vidros dispunha na idade
média eram numerosas e variadas, porque a maior parte das
operações chimicas empregadas
[197]
para obter vidros de côr, eram
empiricas e por consequencia, davam muitas vezes resultados
imprevistos.
Esta gamma de côres extensissima póde comtudo ser
reduzida a cinco tons principaes: azul, vermelho, amarello, verde e
côr de purpura.
Para exprimir as carnações, isto é as
partes apparentes das carnes, taes como as cabeças, as
mãos e os pés, usavam nos seculos XII e XIII,
d'um vidro d'uma leve côr de violeta, e mais tarde d'um vidro
esbranquiçado; os traços sobre estes vidros
eram d'uma côr parda, applicada com um pincel e em seguida
fixada com a cozedura.
Os pintores de vidros dos seculos XII e XIII occupavam-se
principalmente, na composição do
cartão, da harmonia das côres. Para o obter elles
não hesitavam em sacrificar a verdade, dando aos objectos
côres que a natureza lhes não deu; é
assim que se encontram nas vidraças antigas, cavallos verdes
e arvores com folhas de muitas côres diferentes. Como o
vermelho, e sobre tudo o azul se prestam admiravelmente a uma
collocação vigorosa e alliam-se admiravelmente
com todos os outros tons, os fundos vermelhos e azues são
sómente empregados nas vidraças de assumptos
historicos ou legendarios.
Os vidros coloridos das vidraças, vistos a distancia, tomam,
graças á translucidez e á luz
que os atravessa, um brilho que faz parecer a sua superficie maior do
que na realidade é; este effeito chama-se
rayonnement.
[198]
As diversas côres translucidas têem
rayonnements de valôr muito differente;
assim, para não fallar senão das tres
côres fundamentaes do
prisma; o azul é a mais brilhante, seguindo-se o vermelho e
depois o amarello.
O
rayonnement de certas
côres translucidas, a distancia, é tal que
não só faz
parecer a sua superficie maior do que na realidade é, mas
até modifica mesmo a qualidade d'estas côres e das
que lhe ficam proximas.
É d'este modo que um azul limpido, collocado ao lado d'um
vermelho augmenta o brilho dos bordos d'este e torna-os côr
de violeta. Além
d'isso, este brilho faz ás vezes desapparecer totalmente os
filetes de chumbo, que engastam os vidros, e altera as linhas do
desenho fixado sobre os vidros por meio do esmalte escuro.
Os principios artisticos que regem a pintura sobre vidro ou translucida
differem notavelmente dos principios da pintura opaca. A luz
atravessando côres translucidas actua sobre estas
côres, e sobre
as combinações d'estas côres entre si,
de maneira differente do que se fossem opacas; a luz passando atravez
d'um desenho modifica os contornos d'este, facto que se não
dá quando actúa sobre uma superficie opaca
desenhada.
A pintura sobre vidro só póde ser uma pintura de
convenção muito differente da pintura em
quadro. N'esta procura-se illudir a vista do espectador servindo-se de
todos os recursos das sombras, do claro escuro e da perspectiva linear
e aérea.
[199]
Na pintura
sobre vidro, pelo contrario, assim como na pintura monumental, o
artista deve respeitar e deixar parecer plana a superficie sobre que
pinta; deve contentar-se em traçar a silhueta dos
personagens e dos objectos que entram na
composição do seu assumpto, fazer pouco caso da
perspectiva, mesmo linear, traçar as sombras d'uma maneira
convencional, indicando as partes salientes por claros e as rugas por
tons opacos, e desprezar os accessorios ou, quando muito,
represental-os
hieroglyphicamente. Na pintura opaca o artista deve procurar
grupar os personagens d'uma scena de modo que se destaquem uns dos
outros afim de obter uma sèrie de planos, em quanto que na
pintura translucida, evita-se, tanto quanto possivel, as
agglomerações d'um grande numero de figuras, e
esforçam-se por fazer apparecer o fundo em torno de cada uma
d'ellas.
As vidraças pintadas do XII seculo são sempre
formadas de pequenos medalhões circulares, quadrados ou
apresentando outras fórmas simples e regulares. Estes
medalhões, nos quaes apparecem
composições adornadas, ficam dispostos
symetricamente sobre fundos formados de mosaicos de vidro simples ou
differentemente coloridos.
A côr
azul domina
geralmente nos fundos das vidraças pintadas no XII seculo;
pouco empregam a côr encarnada; algumas vezes tem tambem o
fundo azul, ficando mais harmonico, tendo-se espalhado, sobre esse
fundo, pequenos florões encarnados, ou pequenos
traços que se encruzam e
[200]
cobrem o fundo azul de um tecido encarnado
com divisões quadradas ou rhombos. Em roda da
vidraça
e de cada medalhão ha cercaduras differentes, quasi sempre
bastante longas e compostas de florões, palmetas, folhagens
e enlaçadas com
perolas.
As composições representadas nos
medalhões são tiradas da vida de Jesus Christo e
de Nossa Senhora, ou da historia do antigo e novo Testamento; assim
como da legenda dos Santos. A execução
é d'uma grande simplicidade e com muita ingenuidade. O
desenho accusa as tradições
bysantinas: o emprego das figuras apparece, não obstante as
roupas que o vestem, sendo as prégas da roupagem estreitas e
parallelas.
As vidraças do XIII
seculo. As vidraças pintadas no XIII seculo
têem grande similhança com as do XII, porque a
maneira de sua execução ficou quasi
a mesma. Nas janellas inferiores da capella mór e das naves
lateraes, as vidraças compunham-se, como precedentemente, de
medalhões historiados de differentes fórmas,
dispostos uns por cima dos outros sobre uma ou muitas fileiras. Nas
janellas superiores da capella mór e da nave principal,
principiaram a representar, desde o final do XII seculo, grandes
figuras em pé, figurando veneraveis personagens do antigo e
novo Testamento.
As côres de que mais uso se fez para os fundos das
vidraças pintadas no XIII seculo foram o
azul, o
encarnado e o
verde; empregava-se tambem, em certos casos,
porém com moderação, o
amarello
[201]
e o
roxo. Os fundos não
são lisos, formam uma especie de pannos-de-raz sobre os
quaes vem assentar a composição dos assumptos.
Esta
tapeçaria se compõe não
sómente de
escamas,
canniçal e de
xadrez,
mas, muitas vezes
tambem, de enlaçados, festões e folhagens,
enrolamento,
sobre os quaes os assumptos se destacam perfeitamente. Do mesmo modo
que nas composições com as grandes figuras, as
tiras de chumbo indicam os contornos principaes d'estas
ornamentações.
No correr do XIII seculo, o estylo e o caracter do desenho mudaram
completamente, porém por séries de
transformações successivas.
Desde a metade do XII seculo, os artistas de vidraças
pintadas, da mesma fórma que os miniaturistas, os pintores,
e os esculptores, tinham principiado a abandonar pouco a pouco as
tradicções da arte Byzantina, e a manifestar uma
direcção notavel para a
imitação da natureza. Esta
direcção augmenta e se affirma cada vez mais no
XIII seculo. Os pintores das vidraças d'esta
época não
continuam a representar o nú das figuras em desdem da
inclinação natural dos vestuarios, estudam a
natureza e esforçam-se de a reproduzir tal qual se apresenta
á sua vista: reconhece-se facilmente este novo methodo pela
maneira por que são indicados os gestos das personagens, a
physionomia das cabeças e as prégas dos
vestuarios: os gestos perdem a sua
expressão archaïca, as cabeças
não são
já desenhadas conforme os typos convencionaes, e os trajes
são os da epoca, fielmente imitados. A
composição
[202]
dos assumptos
é apresentada com
animação; sendo evidente que os artistas do XIII
seculo se preoccupavam de proposito em produzir no espectador um
effeito subito.
As vidraças pintadas do XIII seculo offerecem muito
interesse para o estudo do vestuario da idade média.
Conforme o uso adoptado n'esta epoca em todas as
representações artisticas, sejam pintadas ou em
esculptura, o artista vidraceiro tomava os seus modelos que lhe eram
familiares; não se preoccupando de nenhuma maneira da
fidelidade historica, trajava as suas figuras á moda do seu
tempo.
A arte da pintura das vidraças não se conservou
por muito tempo no apogeu que havia alcançado no decurso de
alguns annos. Desde o meiado do XIII seculo principiou a declinar pouco
a pouco. Em consequencia da sua propensão notavel para os
effeitos dramaticos, chega á
affectação e ao exquisito, occupando-se mais dos
detalhes, perdendo facilmente a nobre simplicidade que tanto
caracterisava as suas obras no final do XII seculo e no principio do
XIII seculo.
Ao findar o XII seculo, as pinturas das janellas superiores da nave
principal e quasi todas da capella mór foram ornadas com
figuras em pé,
representando santos do antigo ou do novo Testamento, não
excedendo, em tamanho, a estatura geral do homem. No XIII seculo,
dava-se a estas figuras proporções mais
colossaes, porque ficavam
collocadas a uma grande distancia do espectador.
[203]
A disposição geral
d'estas vidraças
nas cathedraes e nas grandes egrejas do XIII seculo merece o exame
reflectido da parte do archeologo. A pintura da vidraça
superior do côro da capella
mór, que attrahe sobretudo a vista e domina, de alguma
maneira, o altar mór, era dedicada ao Salvador soffrendo
pela redempção do genero humano;
vê-se ahi quasi sempre Jesus Christo na Cruz entre a sua
Divina Mãe e o discipulo querido, com os symbolos
accessorios, que na idade média acompanham sempre a scena da
crucifixação. Nas outras janellas superiores do
côro estão em pé
os Apostolos e os Santos venerados na basilica; as janellas altas da
nave principal são pintadas com grandes imagens de outros
Santos, taes como as dos patriarchas, reis e prophetas do antigo
Testamento. As vidraças pintadas á roda da
capella mór e das capellas da charola, formadas por
medalhões, representam os principaes factos da vida de Jesus
Christo e de Nossa Senhora, ou as legendas dos oragos da egreja;
algumas vezes tambem, se representavam, sob fórmas
symbolicas, os principaes dogmas da Fé. As
vidraças pintadas das
janellas lateraes da nave, e muitas vezes do transepte, eram dedicadas
ás legendas de devoção
da localidade, e aos Santos ou Santas de que a egreja possuia
reliquias.
Nas vidraças pintadas do XII e XIII seculo, ás
vezes reproduziam os retratos dos doadores, mas sempre de tamanho
menor.
Passemos agora a fallar das vidraças com pinturas
[204]
de
grisalha.
Dá-se
este nome á composição do caixilho
pintado de vidros brancos ou um pouco esverdinhados, sobre os quaes
são traçados, por meio do
esmalte pardo,
desenhos e
ornatos variados.
Nas
grisalhas da primeira metade do
XIII seculo, o desenho é desenvolvido com firmeza,
vigorosamente modelado, e os vidros seguros por filetes de chumbo que
indicam os traços mais fortes dos ornatos ou formam as
principaes divisões do caixilho da vidraça
pintada. Os vidros são quasi opacos e completamente sem
nenhuma parte colorida. Estes vidros são geralmente grossos,
esverdeados e muitas vezes apresentam bolhas na superficie.
A começar da ultima metade do XIII seculo, as
grisalhas
vieram a ser menos opacas,
deixando penetrar uma claridade mais abundante no interior dos
edificios; ás vezes não são estes
vidros sem ter colorido, porque se lhe ajuntam vidros coloridos nos
filetes que os dividem, ou nas pequenas rosetas espalhadas na
superficie.
Vidraças pintadas do XIV seculo
As vidraças pintadas do XIV
seculo apresentam aspecto differente das dos seculos
precedentes, posto que, durante toda a metade do seculo, o artista
d'esta especialidade se servia ainda dos mesmos processos
d'execução dos seus antecessores. Esta
mudança total d'aspecto proveio de muitas causas: pelas
novas disposições da
armação de
[205]
ferro, assim como pelo tom claro e brilhante que se deu ás
vidraças, finalmente pelas
propensões exageradas para a imitação
servil da natureza real.
Nas guarnições de ferro das vidraças
do XII e do XIII seculo, desenhando os contornos tão
variados dos medalhões legendarios, foram levados a seguir a
fórma primitiva, consistindo em simples hastes verticaes
divididas de distancia a distancia, por travessas horisontaes, formando
angulo recto com essas hastes.
As côres mais empregadas nas vidraças do XIV
seculo, eram o
azul, o
encarnado e o
amarello; este ultimo tom, geralmente muito usado,
produzia um brilhante effeito, que fazia desmerecer as grisalhas
claras, frequentemente empregadas n'essa epoca. A côr
verde
e o
roxo vão sendo menos usadas.
O desenho continúa, durante o XIV seculo, a obter mais
correcção; porém o pintor de
vidraças, esquecendo cada vez mais a pintura transluzente
que não é e não podia ser uma simples
pintura de conservação, procura já
produzir
illusão para a vista do espectador; tenta de copiar a
natureza, e consegue algumas vezes reproduzil-a com certa fidelidade.
As vidraças
legendarias
desapparecem quasi completamente no XIV seculo, e nos raros exemplos
que se encontram, os medalhões são quasi sempre
supprimidos e as representações das differentes
scenas religiosas sobre-postas uma ás outras, ficam
[206]
sem molduras e sem
separação. As grandes figuras isoladas preferidas
n'esta epoca, apparecem, não sómente nas
vidraças altas, mas
tambem nas outras dos lados da nave e á roda da
capella-mór. Representam mais vezes Santos, e poucas vezes
pessoas ainda existentes.
As figuras estão sempre postas debaixo de doceis cheios de
ornamentação tirada da architectura, taes como
ridentes, pinaculos, clochetões, rosaceas e arcos-butantes.
Estes doceis parecem ficar sustentados por pés-direitos com
feitio de contrafortes ornados de arcadas e de nichos, nos quaes se
collocam pequenas figuras d'anjos e de santos. As molduras e os doceis
do remate das grandes figuras tomam ás vezes uma
tão grande importancia
que occupam tanto e mesmo maior espaço, que as figuras que
elles adornam.
No principio do XIV seculo os fundos das vidraças sobre os
quaes sobresaem as grandes figuras são ás vezes
lizos, outra de côr
encarnada ou
azul; vindo a
ser depois quasi
sempre de feitio
adamascado, isto é,
cheias de desenhos differentes, similhantes aos que se vêem
na seda chamada
damasco.
No XIV seculo, os brazões dos doadores apparecem muitas
vezes nas vidraças pintadas. Vêem-se tambem nos
bordados, nas rosaceas do tympano e nas almofadas inferiores das
janellas, e
inscripções que apparecem frequentemente.
No meiado do XIV seculo, uma importante descoberta, do
amarello
de prata, fez obter aos
pintores
[207]
de
vidraças um novo esmalte e proporcionou-lhes grande
facilidade no trabalho da pintura. O
amarello de prata,
é um
esmalte obtido por um composto d'ocre amarello com o sulphureto de
prata. Depois de ter passado pelo lume os vidros cobertos d'este mixto,
separa-se a demão secca d'ocre; ficando depois sobre o vidro
um bellissimo tom amarello mais ou menos carregado e perfeitamente
translucido.
Os fabricantes dos vidros tornando-se mais habeis, conseguiram tambem,
durante o curso do XIV seculo, produzir chapas de vidro muito maiores
que nos seculos precedentes.
A descoberta do amarello de prata e os progressos feitos no fabrico do
vidro contribuiram poderosamente para modificar o aspecto das
vidraças pintadas, porque fizeram diminuir o numero dos
filetes de chumbo, e simplificaram, por conseguinte, a
armação da vidraça.
As grisalhas do XIV seculo parecem-se muito com as do final do seculo
precedente. Todavia as grisalhas sem colorido são
substituidas pouco a pouco pelas que apresentam algum colorido.
Além d'isso, depois do meiado do XIV seculo, apparecem as
grisalhas brancas, com o realce do amarello de prata.
Vidraças pintadas do XV
seculo
No XV seculo uma unica côr
tem applicação, posto que, de pouca importancia,
para servir de
incarnação, vindo-se ajuntar á palheta
do artista aos dois
[208]
esmaltes
já conhecidos. Esta fraca tinta, que servia para modelar as
cabeças e as partes nuas do corpo humano, era provavel
fôsse um composto d'oxydo de ferro e terra de sombra
calcinada. O pintor de vidraças não tinha ainda
á
sua disposição senão tres
côres para pintar sobre o vidro: o
pardo,
o
amarello
de prata e a
côr para a
incarnação; porém achou novo
expediente para a sua arte no emprego de
vidros
duplicados. Já explicámos como, desde
o XII seculo, o vidro encarnado era muitas vezes composto de duas
laminas, uma sem côr e outra encarnada, ficando sobrepostas
durante a sua fabricação. Depois no final do XIV
seculo, o processo que tinha servido antes para se obter vidros
encarnados, foi applicado ás outras côres.
Sobrepondo duas ou mais demãos de differentes
côres, obtinham-se vidros de
tintas muito variadas. Os vidros duplos lhe davam certos tons d'um
vigor desconhecido até então: obtinham-se vidros
roxos sobrepondo o vidro encarnado ao azul claro; verdes, sobrepondo o
branco, amarello e o azul.
O colorifico que é resultado de se terem unido dois vidros
de côres differentes não
póde ser confundido com o que se obtem pela
applicação d'uma côr d'esmalte sobre o
vidro fabricado, e posto depois á
recocção do fogo.
Os pintores de vidraças do XV seculo, não
empregavam sempre os recentes aperfeiçoamentos introduzidos
na sua arte com bastante cuidado e intelligencia. É por isso
que o emprego muito frequente
[209]
e irracional da pintura em grizalha sobre vidro branco
constitue um dos caracteres particulares das vidraças
pintadas da ultima metade do XV seculo e do principio do XVI seculo.
Muitas vezes as roupas superiores das grandes figuras em pé
são brancas e o fôrro sómente de
côr. Comprehende-se que este abuso das grizalhas, nas
roupagens e na maior parte dos accessorios, dá
necessariamente ás vidraças uma apparencia clara
e scintillante. Muitas vezes os fundos azues e encarnados, adamascados
superiormente, nos quaes sobresaem as figuras e os assumptos, offerecem
ainda unicamente um tom real com bastante colorido.
O maior numero d'estas vidraças tem emmoldurados de feitio
architectural, consistindo em contrafortes cheios de pinaculos ou
columnasinhas, com os fustes mais ou menos ornados. Estes emmoldurados
parecem suster os docéis, cujos lados inclinados da empena,
sempre de fórma ogival, são ornados de elegantes
folhagens. Debaixo dos docéis estão figuras em
pé
separadas pelas molduras das hombreiras, seja por assumptos historicos
ou legendarios, occupando toda a largura do vão. Nas
vidraças com assumptos não
apparecem os filetes de ferro na separação dos
vidros. Quando se superpõem, como às vezes
acontece, muitas figuras e muitos assumptos em um só
vão da janella, ficam separados uns dos outros por
sócos ornatados com decoração
architectonica
da época,
e
apoiando-se sobre os
docéis que formam o remate do renque inferior.
[210]
Os grandes progressos que foram realisados, no XV seculo, na pintura
opaca ou de cavallete, e o estado prospero em que ella se achava desde
a primeira metade do XV seculo, exerceram a mais funesta influencia
sobre a pintura translucida. Os pintores de vidraças, que
quasi sempre eram tambem, e mesmo principalmente, pintores de quadros,
esqueciam diariamente, cada vez mais, que a pintura sobre o vidro
é essencialmente uma pintura de
convenção. Não se contentavam de
introduzir nas vidraças pintadas um desenho mais correcto,
procuravam ainda enganar a vista do espectador tão
completamente quanto fosse possivel; por outras palavras, executavam
sobre o vidro composições que só
convinham para
superficies opacas.
No meiado do XV seculo, apparecem nas vidraças pintadas,
como nos quadros de tela, pequenas paisagens em perspectiva longiqua;
estas paisagens representavam vistas pittorescas de castellos cheios de
ameias, edificios de toda qualidade e
apresentações dos trabalhos agricolas.
No XII e no XIII seculo, as vidraças das egrejas
compunham-se de pinturas e esculpturas, eram um livro sempre patente,
onde os ignorantes e bem assim os estudiosos podiam instruir-se nos
principaes dogmas da Fé, na historia da religião
e nos deveres do homem para com Deus e o proximo. Esta
missão sublime da arte religiosa começou a ser
esquecida durante o XIV seculo; em muitas vidraças d'esta
época, as
representações exemplares
[211]
e instructivas são
substituidas por brazões
e retratos em pé dos doadores. No XV seculo, as
propensões, cada vez mais profanas, se manifestam na escolha
dos assumptos reproduzidos nas vidraças pintadas. Estas
não serviam para
instrucção do povo; muitas vezes os principaes
dignitarios ecclesiasticos e os poderosos do mundo se faziam ahi
representar sumptuosamente; quando muito, o santo orago apparece atraz
no segundo plano da pintura, emquanto os brazões de armas se
repetem, sob fórmas diversas, em todos os lados da
vidraça.
Vidraças pintadas no XVI
seculo
No XVI seculo, as vidraças pintadas apresentam um aspecto
inteiramente novo. Todavia o primeiro terço do seculo se
passou sem que os processos materiaes da pintura sobre o vidro se
tivessem modificado; e se a
renascença
não tivesse, desde este momento principiado a influir nas
composições
artisticas, seria difficil distinguir as vidraças dos
primeiros annos do XVI seculo das do final do seculo precedente. Em
1540, uma nova côr teve applicação, o
encarnado
de
ferro, que se juntou na paleta do pintor de
vidraças aos tres esmaltes conhecidos então: o
pardo, o amarello de prata, e a côr para
encarnação. Alguns annos
depois, em 1550, achou-se o segredo de applicar todas as
côres, preparando-as com um liquefactivo (que não
era outra coisa que o pó vitreo),
incorporando-os pela cozedura nas placas de vidro. Este
[212]
genero de pintura sobre vidro, que teve o
nome de
pintura ou
apprèt, deu grandissimas facilidades
para os pintores de
vidraças, e fez mudar completamente os processos da arte. O
artista preparava primeiramente a placa vitrea, pouco mais ou menos
como a téla, para a pintura a oleo pela maneira de tintas
geraes e sitios; sobre estes tons modelava depois as figuras e
objectos; finalmente traçava as sombras e
alcançava o effeito com os
retoques de côres, emquanto fazia apparecer os pontos
luminosos, desfazendo com promptidão a tinta opaca afim de
deixar ao vidro toda a sua translucidez.
Cerca da mesma época descobria-se a propriedade que tem o
diamante de cortar o vidro, inventando-se o tira-chumbo, que facilitou
a producção dos filetes de chumbo para segurar os
vidros, conseguindo-se tambem executar placas de vidro de grande
dimensão. Todos estes progressos nos processos materiaes
produziram uma revolução completa na arte da
pintura das vidraças, e tiveram por principal resultado o
abandono quasi total dos vidros tintos na massa.
O estylo das vidraças transforma-se inteiramente no XVI
seculo sob a influencia artistica do renascimento. Nos edificios
religiosos dos primeiros annos do XVI seculo, a volta inteira
substituiu insensivelmente a ogiva. Depois d'esse momento tambem
appareceram, sobre as vidraças pintadas, ornatos tirados do
estylo classico, misturados com florões e outras
decorações que recordavam ainda a
época
[213]
ogival. Pouco a
pouco as idéas classicas fazem progressos e conseguem,
depois de algum tempo, obter a preferencia. Não se
vê mais então
ovanos, volutas, folhas de acantho, festões de flores e
fructas. O arco de triumpho ou portico, imitado da architectura
pagã, forma de ora ávante o
moldurado proprio das vidraças pintadas em que figuram as
personagens e os assumptos. Até metade do XVI seculo, o
artista se satisfaz em desenvolver, na parte inferior da
vidraça o assumpto principal com o moldurado que o limita, e
reserva a parte superior, assim como o tympano para collocar os
brazões e os symbolos. Poucos annos depois da metade do XVI
seculo, em 1560, o assumpto e o emmoldurado passam mesmo atravez dos
enlaçamentos do tympano, se todavia os quizerem respeitar, e
não fazel-os desapparecer.
Os assumptos religiosos e symbolicos são raros sobre as
vidraças pintadas do XVI seculo: vêem-se as mais
das vezes os retratos dos doadores nas vidraças, onde
apparecem representados geralmente de joelhos sobre um genuflexorio,
quer só, quer rodeados das pessoas de suas familias. O orago
do sanctuario os acompanha sempre, e os seus brazões
repetem-se muitas vezes em differentes partes na pintura da
vidraça.
No XVI seculo, produziu-se uma certa predilecção
pelas pequenas almofadas pintadas com que se ornavam antes, algumas
vezes no final do seculo precedente, as vidraças dos
edificios publicos, castellos, claustros e mesmo as
habitações particulares.
[214]
Essas bonitas pequenas almofadas,
quer em grizalha retocada com amarello de prata, quer de
côres differentes, são feitas com bastante
tenuidade e delicadeza extrema. Ás vezes occupam toda a
abertura, ou pelo menos uma das divisões principaes da
vidraça, outras vezes consistem em simples
medalhões circulares ou ovaes, circumdados de vidro colorido
ou branco. As pequenas vidraças pintadas, designadas
vidraças
suissas, porque tiveram primeiramente uso na republica
Helvetica, pertencem á mesma categoria. Estas
vidraças, cujo uso se conservou durante os seculos
seguintes, reproduziram para a nobreza os brazões de
familias differentes moldurados; para os edificios municipaes, as
armarias da cidade ou da provincia com figuras de porta-estandartes
vestidos com os trajos e as armaduras da época; para as
abbadias, as armas do mosteiro ou a figura em pé do
fundador. Os burguezes e as pessoas de profissão eram ahi
representados com os symbolos do seu officio sobre um escudo. Muitas
vezes tambem os fidalgos, burguezes e operarios eram representados
todos nos seus trajos com sua familia. A transparencia e o brilho do
colorido são geralmente mais vistosos nas
vidraças suissas, que nas maiores vidraças
pintadas.
Vidraças pintadas do XVII
seculo
No XVII seculo, a pintura com preparo ou com côres pegadas,
continuou a ter voga, devido aos aperfeiçoamentos
introduzidos na
composição e no
[215]
assentar os esmaltes, o que fez
abandonar completamente o emprego dos vidros duplos e dos vidros tintos
na massa. Este genero de pintura, muito apropriada para as
vidraças pintadas dos aposentos, não convinha de
maneira nenhuma para
decoração das grandes vidraças
pintadas, porque o artista querendo apresentar grandes sombras e tons
fugitivos, servindo-se de meias-tintas e de tintas de bistre, tornava a
sua pintura tão carregada, embaciada e confusa que, por
vezes, era difficil distinguir os objectos.
A representação de Arcos de Triumpho ou porticos
constituia, como no seculo precedente, o moldurado forçoso
de todas as composições, com
esta differença, que esses arcos e esses porticos
são agora vistos obliquamente ou de lado, isto é,
em perspectiva, emquanto d'antes apresentavam a frente geometral.
Os filetes de chumbo, que anteriormente seguravam tão
vantajosamente os principaes contornos do desenho, foram considerados
como inuteis e mesmo causando embaraço na
execução da
pintura. Não serviram mais que para reunir vidros eguaes e
quadrados, formando uma especie de canniçado, por detraz do
qual os artistas pintavam sobre os vidros como se fossem uma tela,
não fazendo nenhum
Os filetes de chumbo, que anteriormente seguravam tão
vantajosamente os principaes contornos do desenho, foram considerados
como inuteis e mesmo causando embaraço na
execução da
pintura. Não serviram mais que para reunir vidros eguaes e
quadrados, formando uma especie de canniçado, por detraz do
qual os artistas pintavam sobre os vidros como se fossem uma tela,
não fazendo nenhum caso das juntas metallicas.
[216]
Vidraças pintadas do XVIII
seculo
No XVIII seculo, os vidros tintos na
massa foram pouco fabricados; seu preço era avultado, e sua
falta muito grande. Quasi todas as vidraças d'esta
época são com vidros esmaltados. O esmalte
branco, já conhecído no XVI e XVII seculo, veiu
a ser
então de uso geral e formou as principaes côres
empregadas. A decadencia da pintura das vidraças foi
completa, e a arte perdeu a tal ponto que havia em Paris um
unico
pintor d'esta
especialidade, o qual não podia subsistir por
este seu trabalho.
Finalisando a historia de pintura sobre o vidro, devemos notar uma
tradição popular muito vulgar que considera, sem
razão, a arte da pintura sobre o vidro, conforme era feita
na edade média, como sendo um segredo que se perdeu desde
muito tempo. Esta opinião não tem nenhum
fundamento.
Pilares, columnas e columnasinhas
Na edade média, as designações de
pilar e de
columna se
confundem muitas vezes;
todavia a palavra
columna indica a
idéa de
um apoio com fuste cylindrico. Eucontram-se nos edificios do periodo
ogival quatro especies principaes de pilares ou columnas: o pilar
quadrado,
a columna
monocylindrica, a columna
cruciforme
e a columna
enfeixada. A columna monocylindrica dá
em secção
um
circulo, e o pilar quadrado, um
quadrado
ou
um
rectangulo; a columna cruciforme se
compõe de um
pilar central, tendo
sobre
as faces quatro columnas
[217]
mais ou menos
envolvidas; finalmente a columna
enfeixada, como
o nome indica,
é o resultado da reunião em
mólho, em roda de um
massiço formando pilar,
muitas columnasinhas ou
nervuras.
Os pilares quadrados são raros durante o periodo ogival;
apparecem no começo, e ás vezes as suas arestas
são chanfradas.
Em quasi todos os monumentos belgas do XIII e XIV seculos, as columnas
são monocylindricas. As columnas cruciformes, communs nas
cathedraes francezas, servem na Belgica principalmente na
intersecção da nave e do transepte nos grandes
edificios.
Os edificios do XV seculo teem as columnas monocylindricas ou
enfeixadas. As primeiras apresentam ás vezes capiteis;
outras vezes são inteiramente privadas d'elles. N'este
ultimo caso os arcos-duplos e as nervuras das abobadas nascem
directamente do fuste da columna, no logar onde se colloca o capitel.
Este genero de columnas se encontra muitas vezes em todos os paizes da
Europa central e occidental.
No XV seculo, as columnas enfeixadas não são
já formadas, como precedentemente, de columnasinhas com
capitel, porém compostas de nervuras
prismaticas
em grupo, á
roda de um pilar central. Estas nervuras saem da base da columna
erguendo-se quasi sempre sem ter por intermedio o capitel
até ás abobadas do edificio, afim de
formar os
arcos-duplos e os arcos ogivaes;
são sempre
[218]
com a
fórma angulosa e apresentam
secções similhantes ao feitio de um seio.
É por
excepção que se encontram ainda, em certas partes
dos monumentos do XV seculo, columnas enfeixadas formadas pela
reunião de columnasinhas cylindricas com capitel.
Os pilares e as columnas são construidas por
fiadas na Belgica, na Allemanha e no Norte da
França. No meiodia da França e na Italia, as
columnas cylindricas são quasi sempre monolithos.
Durante o periodo ogival, os fustes das
columnasinhas não são, como
muitas vezes no periodo
roman, cobertas de
diversas
esculpturas. Todavia encontram-se, em alguns edificios dos primeiros
annos da época ogival, como na cathedral de Chartres em
França, e em muitos monumentos italianos, columnasinhas
terciaes
em que o
fuste é em espiral.
As columnasinhas tiveram principalmente
applicação no XIII e no XIV seculos. As que
compõem os grandes pilares teem geralmente o seu fuste
envolvido n'um quarto de circumferencia, os outros tres quartos ficam
apparentes; algumas, não obstante, estão
inteiramente separadas da parede ou da columna que fórma o
pilar que ellas ornam, como existe nas cathedraes de Amiens,
França, e de Salisbury, na Inglaterra. No XIII seculo, essas
columnas são muitas vezes, como as do seculo precedente,
anneladas,
ou compostas de
engrossamentos em fórma de bracelete.
No XV seculo, estas columnasinhas são raras;
[219]
ou então substituidas por
nervuras prismaticas não sómente nas columnas
enfeixadas, mas tambem em todas as outras partes dos edificios, taes
como o molduramento das portas e das janellas. Estas nervuras teem
base, mas sem capitel.
No principio do XVI seculo tornam a apparecer as columnasinhas com o
fuste coberto de esculpturas, representando figuras geometricas,
festões e arabescos. Os fustes das columnasinhas d'esta
época são regularmente cylindricos: algumas vezes
polygonaes ou apresentando a forma de
balaustre.
Bases das columnas
As bases das columnas do XIII seculo compõem-se de dois
tóros
separados
por uma cavidade redonda (
scocia) bastante
profunda
de maneira a formar uma calha na qual a agua da chuva se retem afim de
não prejudicar o cimento da
construcção. Algumas vezes o tóro
inferior é achatado e sobresae bastante por cima do
plintho; o tóro superior é
quasi sempre cylindrico; por vezes todavia apresenta uma pequena
depressão.
Durante a primeira metade do XIII seculo, as bases das columnas
estão ainda muitas vezes ligadas aos angulos dos seus
plinthos
por
garras. As garras apparecem por vezes, porém
excepcionalmente no final do periodo ogival.
Depois do meiado do XIII seculo, a
scocia profunda, que indica um dos signaes
caracteristicos das bases da ultima metade do XII seculo e do principio
do XIII seculo, desapparece pouco a pouco,
[220]
assim como o achatamento do tóro
inferior. As bases passam depois successivamente pela fórma
polygonal ou cylindrica; pertencendo a primeira d'este feitio ao XIII
seculo, e a segunda ás bases do XVI seculo.
Quando o tóro inferior da base desdobra muito sobre o
plintho da columna, põe-se algumas vezes um pequeno apoio
por baixo do tóro. Esta particularidade, sem
belleza, se encontra nos edificios francezes e da Belgica.
O sóco sobre o qual vem assentar a base da columna do XIII e
do XIV seculos, fórma, quasi sempre, um octogono regular;
algumas vezes, comtudo, é quadrado (nos edificios dos
primeiros annos do periodo ogival) ou cylindrico. Os
sócos
cylindricos se encontram em muitos monumentos belgas do XIII
e do XIV seculo: tambem são bastante communs na Inglaterra:
em França servem na Normandia, na Bretanha e no Maine.
No XV seculo, a base e plintho das columnas monocylindricas
são extraordinariamente delgadas. A base é
formada sempre por uma simples moldura do feitio de tóro.
Muitas vezes esta moldura, que nos seculos precedentes era
traçada sobre um plano circular, toma a fórma
polygonal do sóco.
Nas columnas enfeixadas do seculo XV, as pequenas bases parciaes das
nervuras prismaticas ou cylindricas em grupo á roda do pilar
central, formam, pela sua reunião e
penetração,
a base e o sóco da columna. Durante a primeira metade
[221]
d'este seculo, as pequenas bases
teem todas o mesmo perfil e ficam ao mesmo nivel. Mais tarde, os
architectos costumaram perfilar as bases parciaes em niveis
differentes, como para melhor fixar cada columnasinha e para evitar
tantas compridas linhas horisontaes.
Capiteis.―Durante todo tempo do
periodo ogival, ornaram regularmente com bellas esculpturas os
açafates dos capiteis. Houve comtudo
excepções a esta regra, e por isso se encontram
em alguns edificios religiosos de segunda e terceira ordem do XII
e do XIII seculo, limitados por uma simples moldura.
Os capiteis do XIII seculo distinguem-se com facilidade pela
ornamentação vegetal de um caracter mui
particular. O seu açafate compõe-se
geralmente de um, de dois, e algumas vezes mesmo de tres renques de
crochetes ou enroscamento de folhagens. Os crochetes de renque superior
supportam quasi sempre os angulos do abaco, e substituem, de alguma
maneira, o emprego dos modilhões. No final do XII seculo e
no principio do XIII seculo, teem a sua extremidade enroscada e parecem
rebentos de vegetaes. Em França desde o final do XII seculo,
e na Belgica um pouco depois, as extremidades dos crochetes se
desenrolam, e os rebentos se abrem em folhagens.
Algumas vezes os crochetes, em logar de acabarem por folhagens
enroscadas ou abertas, trazem no seu cume cabeças de homens
e de animaes verdadeiros ou phantasticos.
[222]
Os capiteis com crochetes enroscados, cujo emprego então
estava abandonado em toda a parte no final do XIII seculo, continuou na
Flandres maritima até ao fim do periodo ogival.
Além d'isso, os crochetes teem, n'esta região,
uma fórma
especial; seus enroscados são muito mais chatos e mais
largos.
A ornamentação dos capiteis do XIV seculo
consiste em ramos de folhagens, de flôres e de fructos, de
fórma muito variada, nas quaes se acham todos os caracteres
da esculptura ornamental do XIV seculo. Os crochetes, apropriadamente
assim designados, não apparecem mais que excepcionalmente
com os capiteis d'esta época: todavia os ramos de folhagens
e de flores são geralmente collocados, nos angulos do abaco,
de maneira a recordar pelo seu vulto os crochetes do XIII seculo, e
servem para o mesmo fim. Muitas vezes estes ramos são
dispostos sobre dois renques; esta maneira se nota sempre quando, como
acontece repetidas vezes, o açafate é composto de
duas
peças sobrepostas, e mesmo algumas vezes, quando o capitel
é formado de uma só pedra.
As figuras de animaes reaes ou phantasticos se encontram poucas vezes
sobre os capiteis do XIII e do XIV seculos.
Os capiteis do XV seculo teem, como os dos seculos precedentes, o seu
açafate coberto de folhagens; porém essas
folhagens apresentam geralmente mais ou menos desenvolvimento;
são delgadas, angulosas, muito recortadas, muito profundas
[223]
e exaggeradas. Com o XV
seculo, appareceu sobre os capiteis o ornato vulgarmente designado
folha
de repolho.
Em muitos ornamentos do XV seculo, os architectos, levados pela
applicação muito rigorosa do preceito que
qualquer ornato deve ter ao mesmo tempo um emprego necessario,
supprimiram o capitel. N'estes casos, os arcos-butantes e as nervuras
das abobadas sobem, sem intermediario, do fuste cylindrico, ou
então nascem na base mesmo da columna, seguindo toda a
largura do fuste até ao nascimento das abobadas, e tomam,
n'esse logar, as differentes direcções
convenientes para a construcção das abobadas.
As columnas cylindricas com capitel são usadas nos edificios
belgas do XV seculo, mas são bastante raras em
França.
Modilhões e misulas
É um apoio que faz saliencia sobre a face de uma parede ou
de uma columna que se chama
modilhão quando tiver dois lados
lateraes parallelos e perpendiculares á parede; e
misula, quando apresentar uma outra differente
posição.
Depois do meiado do XIII seculo, os modilhões do feitio de
curvas são raros.
As misulas apresentam por vezes uma tal ou qual similhança
com os capiteis, e são tambem
sempre rematadas por um abaco; differençam-se comtudo, as
mais das vezes, pelo seu genero de
ornamentação. Na verdade, as esculpturas dos
capiteis
[224]
do periodo ogival
reproduzem quasi sempre vegetaes: e sómente por
excepção mostram figuras
de homens ou de animaes. Sobre as misulas, pelo contrario, a
ornamentação vegetal não apparece,
por assim dizer, senão no XIII seculo, e mesmo é
rara; durante os dois seculos seguintes desapparece, e então
as misulas são constantemente formadas de personagens
grotescas, acocoradas, de animaes reaes ou phantasticos, e algumas
vezes tambem de cabeças humanas, ou figuras de anjo e de
homem sustentando escudos, disticos e bandeirolas.
Muitas vezes as misulas, collocadas quer no interior, quer no exterior
dos edificios, são pintadas com côres vivas.
Arcadas e arcaduras
As grandes arcadas ou archivoltas ligando os pilares das naves e
sustentando o peso das paredes superiores, compõem-se
regularmente de dois ou tres renques de sobre-arcos nos edificios do
periodo ogival. Os perfis variam nos differentes seculos.
No XIII seculo, e mesmo ainda no XIV seculo, as arestas da archivolta
são formadas por tóros inscriptos na face
quadrada da peça do arco; no XIV seculo e durante uma grande
parte do XV seculo, os tóros já não
são
completamente cylindricos, mas teem antes do termino a curva d'esta
moldura, um filete destinado a deter a força do reflexo; no
final do XV seculo e no principio do XVI, os tóros
cylindricos tornam a apparecer.
[225]
As
arcaduras são bastante
vulgares nos monumentos do periodo ogival; servem para ornar o liso das
paredes internas e exteriores dos edificios. Na parte interna apparecem
principalmente no
triforium e por baixo dos
peitorís das janellas das naves lateraes; na parte exterior,
por baixo das cornijas e nos frontespicios, nos vasamentos dos grandes
portaes e nas galerias dos claustros.
As arcaduras que se vêem em baixo das janellas de quasi todos
os grandes monumentos, compõem-se de uma serie de pequenas
arcadas fingidas, collocadas entre os peitorís das janellas
e o solo ou no sóco de cantaria que fórma, muitas
vezes, uma especie de base ao longo das paredes das naves lateraes.
No XIII seculo, as curvas das arcaduras assentam sobre columnellos mais
ou menos embebidos na parede. No XIV e no XV seculos, os
columnellos ficam substituidos por simples
nervuras, ás vezes cylindricas; porém as mais das
vezes a
secção polygonal não differe muito da
de uma semi-hombreira de janella. Estas nervuras teem remate junto do
solo, sobre as bases que lhes pertencem. No final do periodo ogival,
supprimem-se, por vezes, as nervuras, e então as
arcaduras assentam sobre modilhões.
No XIV e no XV seculos, as arcaduras sobre os peitorís das
janellas ligam-se inteiramente com as hombreiras das janellas e
parecem, de alguma maneira, confundir-se com elles: parecendo que
atravessam a cantaria do peitoril e descem até ao solo.
[226]
As arcaduras não
são mais do que a parte inferior
da janella que está tapada, e na verdade, a parede
necessitando de diminuir para dentro, ficando á face da
vidraça, afim de deixar metade do peitoril apparente,
conserva apenas uma pequena
grossura, que equivale a uma simples divisão.
Nos edificios mais esmerados, os
seguintes, isto é, os lados
triangulares comprehendidos entre os extradoz das archivoltas e de duas
arcaduras, proximas uma da outra, estão
geralmente ornatados com esculpturas, pinturas ou rendilhados,
mostrando a fórma trilobada ou quadrilobada, e com vidros
pintados, emquanto as paredes que separam os entre-columnios,
apresentam pinturas decorativas.
As esculpturas e as pinturas com as quaes se decoravam os
seguintes
das
arcaduras, durante o periodo ogival, são ora legendarios ou
satyricos, ora tirados do reino vegetal. Nos monumentos inglezes do
XIII seculo, os
seguintes
estão muitas vezes com ornatos similhantes a estofo cheio de
relevo.
Dentro das grandes egrejas do XV seculo existem como
decoração as arcaduras e outras figuras por cima
e por baixo do
triforium,
sobre o dorso das grandes arcadas e ao correr das janellas mais
superiores; ás vezes mesmo sobre o liso das paredes e em
outras partes do edificio.
[227]
Triforium
Os
triforiums comprehendem toda a
largura das naves lateraes, não se vêem
senão por
acaso nos edificios do periodo ogival. Desde o final do XII seculo,
lhes substituiram, nas egrejas da Europa occidental, galerias
estreitas, abertas na grossura da parede, por baixo dos
peitorís das janellas superiores da nave principal. Estas
galerias estreitas offereciam commodidade: em primeiro logar
facilitavam a circulação dentro da egreja quasi
á
altura das janellas superiores, e davam logar a collocarem-se as
armações e outros adornos com que havia o costume
de decorar as egrejas nos dias de festa; e em segundo logar, diminuindo
a grossura das paredes superiores, alliviavam a pressão
exercida sobre os pilares principaes dos edificios; finalmente,
offereciam uma das mais importantes disposições
para a
decoração da nave principal.
O triforium communica com o interior da egreja por series de arcaduras
abertas, tendo o mesmo feitio que as arcaduras que havia sobre o liso
das paredes, debaixo dos peitorís das janellas
inferiores.
Muitas vezes, principalmente no XV seculo, tapava-se a parte inferior
da arcadura com um parapeito formando ornato de feitio de
trêvo ou de quatro folhas.
Nota-se que nos triforiums, assim como nas arcaduras com ornato, as
archivoltas ficam assentes sobre columnatas com
capitel pertencente ao estylo do XIII seculo, e sobre
nervuras
das
hombreiras
[228]
dos seculos seguintes. A
disposição das arcaduras do triforium apresenta
ainda uma outra analogia muito parecida com as arcaduras de ornato,
formando regularmente, desde o final do XIII seculo, a
continuação das janellas das naves lateraes.
Depois d'esta época tambem as arcaduras do triforium se
assemelham ás janellas superiores da nave principal.
No termo do periodo ogival, supprimem-se muitas vezes as arcaduras,
não conservando mais do que um simples guarda-peito; o
ornamento denominado
chama apparece regularmente
nos
desenhos que formam as hombreiras d'esses guarda-peitos. As janellas
superiores ficam, n'este caso, collocadas a prumo sobre a parede
exterior do triforium.
Na Belgica, o triforium é geralmente tapado do lado exterior
da nave por uma parede; é, por
excepção, que esta parede tem abertura, e a um ou
dois metros por cima do pavimento da galeria, pequenas aberturas
circulares,
trilobadas ou
quadrilobadas, cobertas de grisalhas ou com
ornatos elevados. Nos edificios francezes do XIII e XIV seculos, pelo
contrario, a galeria do triforium não fica, as mais das
vezes, separada do exterior senão por uma simples lumieira,
apresentando bellos vidros pintados, semelhantes aos que decoram as
janellas.
Cornijas
As cornijas do estylo ogival têem geralmente pouca
importancia. Nos edificios que pertencem ao periodo de
transição, e mesmo, na Belgica, em
[229]
algumas que são dos primeiros
annos do periodo ogival, o
larmier superior da
cornija assenta ainda muitas vezes, de distancia em distancia, do mesmo
modo que na época
roman,
sobre cachorros servindo de modilhões, com muita sacada, mas
de grande simplicidade.
Em França, as cornijas dos monumentos mais principaes
compõem-se, quasi sempre, de duas fiadas de cantaria. A
fiada inferior está ornada de crochetes vegetaes no XIII
seculo, de folhagens ondeadas no XIV, e de folhas de repôlho
encrespadas no XV. Algumas vezes vê-se tambem, entre estas
esculpturas, modilhões formados por cabeças
humanas ou por carrancas.
As cornijas dos grandes edificios belgas apresentam as mesmas
fórmas geraes que as cornijas francezas, porém
não têem esculpturas,
sendo substituidas por arcaduras simples, ogivaes, ou triboladas. Estas
arcaduras apparecem principalmente nos paizes onde, durante o periodo
Roman, as arcaduras serviam de decoração,
imitando-se o estylo Lombardo, e foram usadas para ornar certas partes
dos edificios.
Desde o começo da ultima metade do XIII seculo
até o final do XIV, os edificios de segunda ordem, e mesmo
os de primeira ordem na Belgica, têem as cornijas compostas
de simples perfis, formados por um pequeno numero de molduras pouco
importantes.
[230]
Platibandas
As
platibandas que corôam
as cornijas no exterior dos edificios principiaram nos primeiros annos
do XIII seculo. Antes, a agua da chuva caía dos telhados
directamente sobre o solo; até o meiado do XIII seculo
sómente os edificios mais importantes tiveram canos de
chumbo para dar vasão á agua da chuva e se
assentaram platibandas sobre a beira do telhado. Estas platibandas
encanavam a agua por gargúlas, que a lançavam
para longe da face das paredes, e impediam por esta maneira que as
aguas da chuva podessem prejudicar a base da
construcção, introduzindo-se-lhe a humidade. As
platibandas, cujo destino principal era evitar o perigo que apresentava
passar sobre as gargúlas, facilitam além d'isso
os concertos do telhado, e resguardam das telhas da beira quando
cáem; permittindo aos architectos darem melhores
decorações ao exterior dos monumentos.
As mais antigas platibandas têem a fórma de
arcaduras rendilhadas, compostas de columnatas, sobre as quaes vem
assentar um remate vasado, na sua parte inferior, em arco ogival,
trilobado. No final do XIII seculo substituiram-se
as arcaduras pelas folhas de trêvo e de quatro folhas
vasadas.
A altura e o feitio das platibandas variam conforme os materiaes
empregados. No XIV seculo as platibandas, as mais das vezes, tinham
folhas de trêvo e de quatro folhas, vasadas e divididas de
[231]
distancia em distancia, na
prumada dos contra-fortes, por pinaculos. No XV seculo, as prumadas
são compostas, umas vezes pela reunião de
rhombos, de triangulos equilateraes curvilineos, ou por figuras
geometricas angulares; outras vezes por desenhos flammejantes,
parecidos com os que caracterisam os tympanos das janellas d'esta
época. No final do XIV seculo apparecem, principalmente nos
edificios civis, as platibandas com ameias, nas quaes se vêem
os mesmos feitios que nas platibandas vulgares. O seu uso persistiu
até ao final do periodo ogival.
As platibandas com arcaduras verticaes apparecem ainda aqui ou
acolá nos edificios do XIV, XV e mesmo do XVI seculo.
Abobadas. As abobadas ogivaes
distinguem-se ao mesmo tempo pela sua elegancia e leveza. Isto foi
resultado da pouca grossura dos triangulos do enchimento que vedava a
parte composta de arcos-duplos e de nervuras. Comtudo a leveza
não excluia a solidez; pelo contrario, as abobadas ogivaes
são mais solidas e mais resistentes que as dos periodos
anteriores, posto que sejam muito menos massiças.
Estabilidade e plano das abobadas. Já
explicámos que a estabilidade das abobadas
não depende do mesmo principio dos edificios antigos e do
periodo ogival; e fizemos notar, em poucas palavras, os progressos
tão importantes realisados pelos architectos do XII e XIII
seculos nas
construcções das abobadas.
[232]
Fizemos tambem conhecer que as abobadas com o feitio das nervuras, como
são construidas as abobadas ogivaes, causam um
esforço lateral que tende a desviar para fóra dos
seus pontos de apoio as columnas, contra-fortes ou paredes. Os
constructores do periodo ogival evitavam esse esforço
lateral, oppondo-lhe quer um esforço em sentido inverso,
quer um obstaculo rigido que, impedindo de operar, resolveu-o
empregando cargas verticaes. É caso particularmente para
notar, porque constitue egualmente uma differença essencial
do systema de construcção dos antigos, esses
obstaculos apresentam as dimensões unicamente necessarias
para preencher o fim ao qual são destinados.
Esta neutralisação dos esforços
lateraes não se obtem da mesma maneira nos edificios
religiosos, cuja nave principal é notavelmente mais alta do
que as naves lateraes, e n'aquelles em que todas as naves teem egual
altura.
Egrejas que teem a sua nave central muito mais elevada do que
as outras lateraes. Foi o systema adoptado, desde o final do
XII seculo, pelos constructores da Europa occidental, afim de conservar
o equilibrio das differentes partes de que se compunham os seus
monumentos; porque o arco-duplo da abobada principal á
parede mestra, o arco butante, o contraforte e a columna que separavam
a nave principal da nave lateral do seu arco-duplo, formavam um triplo
esforço motivado pelo arco-duplo da abobada principal e os
seus dois arcos
[233]
ogivaes, que
faziam pender para fóra a parede mestra do edificio. A este
esforço, o constructor da edade média oppunha o
arco butante, que vinha apoiar-se sobre a parede mestra, ficando
collocado ao mesmo nivel. Por esta maneira o esforço triplo
causado n'esse ponto era transferido sobre o contraforte, onde se
quebrantava por causa da sua rigidez; e devido a essa rigidez, o seu
peso juntando-se ao da parede mestra do edificio, que comprime sobre a
columna que sepára as duas naves; por ambas as
forças reunidas, tornava-se esta bastante fixa para aguentar
e neutralisar o triplo esforço exercido pelo arco-duplo da
nave lateral e pelas nervuras proximas da mesma nave. O
esforço do arco-duplo d'esta nave e das duas nervuras ficam
supprimidas pelo encontro do contraforte.
Egrejas em que as naves ficam na mesma
altura. N'estas egrejas os esforços lateraes que
a abobada da nave principal opéra sobre os seus pontos de
apoio ficam diminuidos pela pressão das abobadas exteriores
d'estas mesmas naves lateraes, ficando supprimidos pelos contrafortes,
geralmente bastante salientes, os quaes lhes oppõem um
obstaculo rigido, que produz o equilibrio das abobadas.
Abobadas de feitio de tecido. As
abobadas sobre plano
quadrado longo, formadas por
arcos ogivaes que se entroncam uma só vez, foram geralmente
abandonadas proximo do meiado do XV seculo. Apparecem então
as abobadas em
tecido, designadas
[234]
tambem pelos archeologos, abobadas
com
divisões prismaticas. N'estas abobadas as
nervuras
bifurcam-se, ramificam-se e encruzam-se em todos os sentidos, de
maneira a figurar um verdadeiro tecido, como está
representado na surprehendente abobada do cruzeiro da egreja monumental
dos Jeronymos em Belem. Todos os pontos de
intersecção das nervuras estão
regularmente ornados de esculpturas.
Perfis das nervuras nas abobadas
ogivaes. As nervuras ou arcos ogivaes das abobadas
construidas no final do periodo Roman consistem muitas vezes em um
grosso tóro, algumas vezes tendo dois ou quatro
tóros de menos vulto. Os arcos-duplos da mesma
época, muito mais massiços que as nervuras,
apresentam secções quadradas ou
rectangulares, e teem os angulos das partes concavas da abobada
talhadas em tóro. Desde o principio do XIII seculo, os
arcos-duplos tiveram, com raras excepções, os
mesmos perfis que os arcos ogivaes.
Durante os primeiros annos do periodo ogival, vê-se ainda
arcos-duplos e arcos ogivaes muito grossos, semelhantes aos dos
edificios romans. Todavia não tardou a
adelgaçarem, a diminuirem de grossura. Pouco depois, a parte
redonda do tóro principal apresenta uma aresta viva. Esta
fórma teve logar em França desde o final do XII
seculo, e na Belgica sómente no meiado do seculo seguinte.
Mais tarde, em França ao principio, e na Belgica proximo do
meiado do XIII seculo, a aresta viva é
[235]
substituida por um filete, que ficou
adoptado até ao final do periodo ogival. Nos edificios
francezes apparece tambem o filete sobre os tóros
secundarios desde o meiado do XIV seculo. No final do XV e no
começo do XVI seculo, as nervuras apresentam muitas vezes o
perfil composto de molduras concavas e redondas.
Comparando-se os perfis mais antigos com os mais recentes, nota-se que
os primeiros apresentam uma superficie mais larga e menos alta que as
dos ultimos. Esta mudança na fórma dos perfis
não se fez sem motivo: os constructores tinham aprendido por
experiencia que a resistencia de um arco ou de uma nervura
está em razão directa da altura da
peça de voltas e não em
razão da sua largura.
Fecho da abobada. No XII seculo,
tinham principiado a ornar com esculpturas os fechos da abobada. Estes
primeiros fechos esculpidos representavam Jesus Christo deitando a
benção, o Cordeiro Divino, Nossa Senhora, os
anjos, os animaes symbolicos dos evangelistas, santos, e muitas vezes
tambem carrancas ou animaes phantasticos. Nas abobadas dos edificios de
segunda ordem contentavam-se algumas vezes de indicar um simples
florão ou entrelaços.
No XIII seculo o emprego dos fechos de abobadas com esculpturas veiu a
ser geral, sendo representado nas abobadas do côro, Jesus
Christo, o Cordeiro Divino, os symbolos dos evangelistas e outros
objectos religiosos. Na nave principal e nas
[236]
lateraes a
ornamentação distingue-se por ser
vegetal. Os fechos de abobada no XIV seculo, e tambem na primeira
metade do XV seculo, apresentam bastantes vezes a mesma
decoração que a do XIII seculo; todavia na sua
esculptura vegetal ha os caracteres proprios da
ornamentação de cada um d'estes seculos. No XV
seculo, os brazões dos bemfeitores da egreja são
esculpidos frequentemente sobre os fechos da abobada.
No final do XV seculo, apparecem os fechos da abobada ornados de um
appendice que recebeu o nome de
pendente, que
ficou em uso
durante uma parte do XVI seculo, imitando stalactites que
estão suspensas ás superficies superiores das
grutas. Algumas vezes tem o feitio de um florão ou um
ornamento extravagante; outras representa uma estatua pegada
á abobada.
Muitas vezes os fechos da abobada são furados por um buraco
circular, para se poder içar os sinos e outros objectos
acima das abobadas: como havia dois oculos na abobada da egreja de
Belem, indicando não sómente essa
applicação, mas que o edificio
deveria
ter duas
torres: todavia, construiram modernamente um
torreão colossal, que esmaga aquelle monumento, e
não respeitaram o que fôra projectado na sua
primitiva
edificação!
Arcos butantes. Chama-se
arcos butantes aos arcos destinados a transportar
até aos contrafortes exteriores o esforço lateral
das abobadas mais elevadas de um edificio. Nascem dos contrafortes e
[237]
apoiam-se sobre as paredes da
nave principal nos differentes pontos onde vão confinar os
resultantes dos
encostes dos arcos ogivaes e dos
arcos-duplos.
Já explicámos os dois systemas empregados durante
o periodo roman para contramurar o esforço lateral produzido
pelas abobadas superiores sobre as paredes altas das egrejas em que a
abobada principal é muito mais alta que as outras das naves
inferiores, e notámos os inconvenientes que resultavam de
uma e de outra applicação. Estes dois systemas
foram em pouco tempo abandonados, primeiramente porque a nave principal
ficava sem claridade, sobretudo nos edificios de maior largura, e em
segundo logar porque, n'um como no outro systema, as abobadas das naves
lateraes precisavam de ser muito altas para attingir o ponto onde se
effectuava o encontro combinado das nervuras das abobadas altas.
Raciocinadores dispostos a sujeitar tudo aos principios dos architectos
do XII seculo e do XIII seculo, conheceram que os semicirculos das
abobadas em berço contiguo, do qual alguns dos seus
antecessores se tinham servido com o fim de neutralisar o
esforço lateral das abobadas altas, não era
necessario na sua fórma completa, e que se obtinha o mesmo
resultado applicando sobre a parede exterior do edificio no ponto onde
viesse dar a resultante dos encostes, um arco partindo de um
contraforte exterior: foi esta combinação que deu
origem aos arcos-butantes.
[238]
Para que satisfaça á sua
applicação deve o arco-butante: 1.º, ter
as
juntas das peças de sua construcção
normaes ou perpendiculares
á curva por elle descripta; 2.º, ficar o seu
vertice sobre
a parede exterior no ponto onde passe a resultante do
esforço da abobada. Esse ponto acha-se entre o nascimento
das nervuras ou arcos ogivaes e perto da metade da altura da abobada.
Em theoria esse ponto é um ponto geometrico; todavia na
prática é preciso que a summidade ou
cabeça do
arco-butante seja larga; primeiro porque é impossivel, na
execução, determinar de uma maneira exacta a
direcção da resultante dos differentes
esforços das abobadas; depois porque a
direcção d'esta linha póde facilmente
desviar-se em resultado de ter dado de si nos pontos de apoio
verticaes, effeito que acontece frequentemente nas grandes
construcções medievaes cujos pontos de apoio
são delgados e supportam uma pesada carga.
Os arcos-butantes são geralmente reforçados, no
seu
extradoz, por um encosto em
linha recta, construido em cantaria. O espigão d'este
encosto é muitas vezes ornatado de
crochets.
Desde o final do XII seculo e no principio do XIII seculo, os
arcos-butantes vieram a ser de uso geral em todos os grandes monumentos
religiosos, cuja nave principal era mais alta que as naves lateraes. Os
mais antigos são geralmente formados por um quarto de
circulo. Depois a curvatura veiu a ser menos curva, approximando-se da
linha recta.
[239]
Empregaram tambem desde os primeiros annos do XIII seculo,
arcos-butantes
duplos, isto é, dois arcos-butantes
collocados um por cima do outro.
Os arcos-butantes foram empregados durante todo periodo ogival; todavia
eram menos usados durante a ultima metade do XV seculo. Em muitos
monumentos d'esta época, mesmo os mais principaes,
julgavam-se sufficientes os contrafortes muito massiços e
salientes para diminuir o esforço das abobadas.
Quando no principio do XIII seculo collocaram por baixo do madeiramento
um canal para receber as aguas da chuva, dirigiam as aguas do telhado
principal para os contrafortes exteriores por um canal de cantaria
posto sobre o capello do arco-butante. As aguas passavam atravez no
cimo dos contrafortes, e eram depois lançadas
fóra por gargulas, caindo afastadas da base do monumento. As
infiltrações causadas pela passagem das aguas
sobre o capello dos arcos-butantes, e atravez dos contrafortes,
produziram damnos tão consideraveis nas
construcções que ficou em pouco tempo abandonado
este systema de dar escoante ás aguas da chuva.
Contrafortes. Durante os primeiros
annos do periodo ogival, os contrafortes dos edificios de abobadas
foram demasiadamente engrossados e tiveram bases bastante salientes;
á proporção
que se elevavam assim, iam diminuindo consideravelmente por grandes
resaltos successivos sobre cada uma das faces.
[240]
No meiado do XIII seculo, os contrafortes ficam mais regulares,
erguem-se quasi verticalmente da base á extremidade
superior, e não apresentam já por cima do
envasamento um ou dois resaltos bastante pequenos e sómente
sobre a face principal.
Estes contrafortes terminavam por uma face chanfrada que ia ter
até á cornija, e muitas
vezes era de fórma abahulada, quando ficavam isolados ou
excediam a base do madeiramento. Nos monumentos principaes limitavam-se
algumas vezes a pôr pinaculos, e ornavam as suas faces lisas
de arcaduras e estatuas postas sobre misula, tendo docel.
No XIV seculo a fórma dos contrafortes ficou quasi a mesma
que durante a ultima metade do seculo precedente. Tinham a sua
extremidade, como d'antes, quer em pinaculos e fórma
abahulada, quer ficando os pinaculos assentes sobre base quadrada ou
octogona, terminando por agulhas pyramidaes, cujas arestas
estão ornadas de
cróchets.
Os contrafortes do XV seculo semelham-se ainda muitas vezes aos dos
dois seculos precedentes. Como estes, apresentam, de distancia em
distancia, diminuição de grossura pouco apparente
sobre a sua face anterior, e são ornados de arcaduras,
nichos e doceis, ornamentação no gosto da
época. Todavia, desde o fim do XIV seculo, principiaram a
modificar algumas vezes a sua
disposição; regularmente deixaram subsistir a
base
[241]
quadrada ou rectangular,
tendo a face anterior parallela e as duas faces lateraes
perpendiculares com o liso da parede; porém, a certa
distancia acima do solo (ao primeiro ou segundo resalto), a face
anterior, parallela á parede, passa a ser angular; mesmo
ás vezes se vêem contrafortes cuja face anterior
fica angular á parede desde a base do edificio. Estes
contrafortes, com lados chanfrados, acabam como todos os outros, por um
plano inclinado, platafórma ou espigão de
feitio abahulado, ou por um pinaculo bastante ornado.
No XIII e no XIV seculo, os contrafortes collocados no ponto de
intersecção de paredes que se
encontram em angulo recto, são sempre em numero de dois. No
XV seculo, julgavam ás vezes ser sufficiente um unico
contraforte collocado de maneira a fazer face ao angulo; sendo estes
contrafortes angulares muito communs nos edificios d'esta
época.
Por causa do excessivo esforço lateral que produzem sobre os
seus pontos de apoio, as abobadas ogivaes necessitavam o emprego de
contrafortes com base de bastante largura. Nos monumentos dos primeiros
annos do periodo ogival, esses contrafortes, que teem tres de suas
faces inteiramente livres, apresentam saliencias grandes sobre as
paredes exteriores dos edificios. Estas sacadas desagradaram em pouco
tempo aos constructores, que cogitaram em as diminuir ou fazel-as
desapparecer inteiramente disfarçando os contrafortes.
[242]
Para esse fim recuáram
até á parede
mestra a divisoria que havia antes na nave lateral, aproveitando na
parte interna do monumento o espaço de um rectangulo que
communicava com a extremidade da nave lateral e servia ás
vezes de capella.
Nos edificios do periodo ogival, cobertos por simples fôrro
do tecto, de madeira, os contrafortes tinham pequena sacada sobre o
liso das paredes.
Gargulas. Dá-se o nome de
gargulas aos canaes salientes pelos quaes as aguas
da chuva sáem dos telhados e são
lançadas longe da base das
paredes dos edificios. Teem quasi sempre a
configuração de animaes monstruosos e
phantasticos, e raramente a figura humana. Admira-se, n'estas
esculpturas, uma variedade prodigiosa, e seria difficil de achar duas
do mesmo feitio, todavia a maior parte dos edificios ogivaes apresentam
um grande numero. N'este genero ha duas no nosso paiz bastante
exquisitas, uma no angulo da cimalha da egreja de Caminha, na capella
mór, voltada para o norte da fronteira do paiz, estando a
figura humana revirada, isto é, em
posição
dobrada, com a cabeça para o lado do telhado e a parte
trazeira do corpo para fóra do edificio, e é pelo
anus que sáem as aguas da chuva: no castello de Pombal ha
outra com a figura de mulher na mesma attitude, saindo aos canaes
salientes pelos quaes as aguas
da chuva sáem dos telhados e são
lançadas longe da base das
paredes dos edificios. Teem quasi sempre a
configuração de animaes monstruosos e
phantasticos, e raramente a figura humana. Admira-se, n'estas
esculpturas, uma variedade prodigiosa, e seria difficil de achar duas
do mesmo feitio, todavia a maior parte dos edificios ogivaes apresentam
um grande numero. N'este genero ha duas no nosso paiz bastante
exquisitas, uma no angulo da cimalha da egreja de Caminha, na capella
mór, voltada para o norte da fronteira do paiz, estando a
figura humana revirada, isto é, em
posição
dobrada, com a cabeça para o lado do telhado e a parte
trazeira do corpo para fóra do edificio, e é pelo
anus que sáem as aguas da chuva: no castello de Pombal ha
outra com a figura de mulher na mesma attitude, saindo a agua da chuva
pelo que distingue o seu sexo. Eram de proporções
curtas e solidas no principio da sua applicação;
vieram a
[243]
ser mais compridas e com
melhores fórmas desde o final do XIII seculo.
Nichos e doceis. Dá-se o
nome de
nicho a qualquer espaço
aberto, mais ou menos profundo, feito na grossura de uma parede, pilar
ou contraforte, para n'elle se collocar uma estatua, um grupo, um vaso,
ou qualquer objecto de decoração. Os nichos
apparecem poucas vezes nos monumentos do XIII e XIV seculos; n'essa
época as estatuas, com as quaes ornavam ás vezes
certas partes dos monumentos, eram postas sobre misulas salientes,
tendo doceis egualmente salientes sobre a face das paredes.
No XV seculo, o uso dos nichos vem a ser mais geral; vêem-se
bastantes vezes no exterior dos monumentos, sobre as fachadas, nos
contrafortes e nos tympanos dos portaes.
Os doceis, isto é, os remates salientes, mais ou menos
ornamentados de esculpturas, ficando collocados por cima da
cabeça das estatuas, são muito geraes desde o
final do periodo roman. No XII e no XIII seculos, esses doceis
primitivos representam quasi sempre edificios, fortalezas, e mesmo
algumas vezes cidades inteiras cercadas de muralhas. Não
havia ainda n'esta época, por cima, pinaculos
ou pyramides delgadas, posto que em certas partes do centro da
França, as tiveram desde o meiado do XIII seculo, sendo
terminadas por
clochetons. As fórmas
architectonicas dos edificios representadas pelos doceis são
muitas vezes anteriores á época em que foram
esculpidos;
[244]
é por
isso que no XIII
seculo apparecem n'elles zimborios, arcos de volta inteira, etc., que
todavia não se vêem já nos monumentos
contemporaneos.
No XIV seculo, os doceis mudam totalmente de aspecto, cobrem-se de
arcaduras com ornamentação e com outros detalhes
imitados da architectura; teem geralmente por cima vistosos pinaculos,
muitas vezes vasados.
No XV seculo, apresentam quasi as mesmas fórmas que no
seculo precedente, porém exaggeradas; sendo os doceis
contornados demasiadamente, e a sua ornamentação
feita com muita delicadeza.
Madeiramentos. Distinguem-se, nos
edificios do periodo ogival, duas especies principaes de madeiramentos:
os que não ficavam apparentes, porque não
revestiam as construcções
abobadadas, e os apparentes que se empregavam nos edificios que
não tivessem abobadas, sendo estes que interessam sobretudo
os archeologos.
Quando os madeiramentos ficam apparentes, isto é, visiveis
no interior do edificio, apresentam sempre o aspecto de uma abobada de
fórma de berço. Este berço
é algumas vezes semi-cylindrico,
semelhante aos que se encontram em algumas egrejas romans; as mais das
vezes, todavia, são traçados por tres centros.
Ripas
de carvalho,
ou de qualquer outra especie de madeira, tendo as juntas sobrepostas,
são pregadas sobre as
cambotas, circulares ou ogivaes, formadas pelas
asnas e
varedo. Tendo
[245]
pinturas por
decoração, e algumas vezes as
extremidades das peças de madeira ficam visiveis, tendo
esculpturas, que representam anjos com escudos ou phylacterias,
cabeças de gente, figuras de cocoras com carranca, ou
animaes phantasticos. Muitas vezes as nervuras ou as
franquias
ficam parallelas ás nervuras das
asnas,
porém sendo mais estreitas, estão pregadas sobre
o varedo e sustentam no seu logar as ripas. Estas nervuras
são cobertas com vivas côres ou com elegantes
entrelaçados.
Algumas vezes tambem são assentes sobre as ripas, as
nervuras que se encruzam do mesmo modo que os arcos diagonaes ou as
ogivas das abobadas de cantaria.
As abobadas cobertas de gesso, taes como as constroem os architectos
modernos na maior parte das novas egrejas ruraes, eram inteiramente
desconhecidas durante o periodo ogival. Quando a verba de que dispunham
não lhes permittia o estabelecer abobada de alvenaria,
serviam-se do madeiramento apparente, que se ornava tão
artisticamente quanto fosse possivel. Nunca se empregavam pueris
dissimulações, fingimentos architecturaes,
onde as
ripas appareciam a imitar a
cantaria com a capa desprezivel de gesso ou de argamassa!
Não se esquecia n'esta época, que a verdade
é a condição essencial da existencia
da arte; esta deve engrandecer o espirito, encantar a vista, e
não enganal-a.
Telhados. No meiado do XII seculo,
os telhados
[246]
teem grandes
inclinações nos edificios da Europa Central e
Septentrional; emquanto nos paizes meridionaes conservam pequena
correnteza, como se praticava nos telhados da antiguidade e no periodo
roman.
Cobriam-se os madeiramentos com chumbo, cobre, ardozia e telhas.
Ás grandes cathedraes e aos edificios mais importantes
punham chapas de chumbo ou de cobre, por tal maneira, que podiam, sem
alterar a sua superficie, dilatar-se ou encolher-se, conforme fosse a
temperatura.
Cumieira e cimeira. Dá-se
o nome de
cumieira ao remate do
espigão de um edificio. Durante o periodo ogival este remate
era de metal (quasi sempre de chumbo), de barro cozido ou de cantaria.
As
cimeiras são telhas
que formam uma cumieira; eram de barro de cozedura.
O maior numero dos grandes monumentos da edade média tinham
d'antes por remate cumieiras nos madeiramentos, egualmente recortadas,
imitando quasi sempre folhagens. Infelizmente são poucos os
edificios do XIII e XIV seculos que conservam esse ornato primitivo. De
todas as cumieiras de chumbo anteriores ao XV seculo (e eram as mais em
uso n'essa época) não ha já
vestigios: a oxydação do metal e muitas outras
causas de destruição as teem feito desapparecer.
Nos paizes onde a telha foi empregada para cobrir os edificios, como,
por exemplo, na Borgonha, as cumieiras dos madeiramentos compunham-se
de uma continuação de cimeiras de barro
[247]
de cozedura, mais ou menos
ornado. Uma capa esmaltada e envernizada ao fogo tinham sempre estas
cumieiras para se tornarem menos permeaveis á humidade.
Desde o XI seculo, o emprego das cumieiras de pedra veiu a ser geral no
meio dia de França. Encontra-se ainda hoje n'este paiz um
grande numero de cumieiras dos periodos roman e ogival, as quaes
escaparam á sua destruição. As mais
antigas apresentam enlaçamentos e figuras geometricas; as
que pertencem ao XIV e XV seculos são compostas de
ornamentação com remate de folhagens, como ha na
egreja de Belem.
Torres e campanarios. Do mesmo modo
que no periodo roman os campanarios da época ogival
são compostos de dois ou mais andares sobrepostos. A
separação dos differentes andares é
indicada, no exterior, quer por um resalto saliente, quer por uma
pequena diminuição de grossura do andar
superior sobre o inferior. Estes andares não teem
já, como precedentemente, a mesma altura: são
baixos ou altos, conforme as disposições internas
dos campanarios. O rez-do-chão das torres é
geralmente construido sobre plano quadrado; mas no primeiro ou no
segundo andar, e as mais das vezes sómente no principio da
flecha o plano vem a ser octogono. Os espaços triangulares,
que ficam livres nos angulos do quadrado, pela passagem da
fórma de quadrado para octogono, apresentam quasi sempre
quatro pinaculos ou clochetões.
As frentes das torres teem aberturas nos differentes
[248]
andares, janellas estreitas
ogivaes, muitas vezes geminadas, sendo raro estarem separadas ou
reunidas em tres vãos.
Desde o principio do periodo ogival, os campanarios acabavam por
flechas construidas de madeira ou de cantaria, com muita
elevação, tendo a fórma de uma
pyramide com oito lados eguaes. Já no XIII seculo, as
arestas das flechas de pedra e os pinaculos collocados na base do
octogono estão por vezes ornados, de distancia em distancia,
por crochets vegetaes; no XIV seculo, principia-se a vasar os lados das
flechas fazendo-se pequenas aberturas do feitio de flor de trevo, ou
quatro folhas e com florão. No XV seculo, essas
ornamentações são substituidas por
feitios de chammas e por outras figuras geometricas vasadas. No final
do XV seculo e no principio do seculo seguinte, construiram-se, em
muita parte, os campanarios com flechas rendilhadas.
Muitos campanarios mais importantes, de grandes
proporções, ficaram por concluir desde a base da
flecha projectada, e ás vezes ainda mais abaixo. Algumas
vezes tambem, as flechas da primitiva
construcção, depois de terem sido destruidas por
uma tempestade ou incendio causado pelo raio, foram substituidas por
corpos simples ou remates hybridos, que não teem nada de
commum com as lindas pyramides da época ogival.
No XIV e no XV seculos, muitos campanarios teem na base da flecha uma
platibanda vasada, composta de arcaduras ou com feitios chammejantes.
[249]
A maior parte das egrejas ogivaes de segunda e terceira ordem tinham
campanarios de uma extraordinaria simplicidade, cujo effeito
é agradavel e mesmo admiravel, se reflectirmos na pouca
resistencia dos meios empregados para a execução.
Estes campanarios, sem nenhum ornato, compunham-se de dois andares
quadrados, dos quaes o superior só tinha as quatro frentes
com janellas geminadas ou com tres aberturas, servindo para sair o som
do sino. Uma flecha octogona limita a sua extremidade.
Os constructores da edade média comprehendiam que, sobretudo
nos edificios de menor importancia, as
combinações geraes mais simples eram as unicas
mais acertadas para produzirem um aspecto monumental.
Em Flandres maritima tem-se conservado até ao presente um
grande numero de campanarios ogivaes de segunda e terceira ordem,
dignos de chamar a attenção dos archeologos e dos
architectos;
encontram-se alguns muito bellos até nas modestas freguezias
do campo. Estes campanarios, construidos com tijolos, como todas as
outras partes dos edificios d'este paiz, são geralmente
terminados por uma flecha octogona tambem de tijolos, muitas vezes
tendo quatro pinaculos nos angulos da sua base; as arestas da flecha e
dos pinaculos são quasi sempre decoradas de crochets
egualmente com tijolos. As platibandas que ligam entre si os pinaculos
são cheias, pouco altas e ornadas com arcaduras fingidas.
Uma outra particularidade que
[250]
apresentam alguns campanarios de Flandres maritima, é
inclinarem-se um pouco para o lado oeste, que se suppõe ser
um facto intencional do architecto para fazer resistir melhor contra os
ventos d'este quadrante que sopram com extrema violencia á
beira mar.
Muitas egrejas monasticas, e algumas vezes tambem as parochiaes, teem
um campanario collocado quer na extremidade da capella mór,
quer em um dos dois angulos formados pela
intersecção da capella mór e o
cruzeiro. Esta
disposição é bastante geral nas
egrejas ruraes na Baviera e na Austria. As abbadias preferiam esta
collocação afim de que os frades incumbidos de
darem signal pelos sinos para as ceremonias religiosas não
fossem obrigados a afastar-se da egreja.
Os constructores romans construíam muitas vezes um
campanario no logar da intersecção da nave e do
cruzeiro. Na Inglaterra e na Normandia, estes campanarios centraes
conservam-se durante o periodo ogival; por toda parte, fóra
d'isso, são raros desde o XIII seculo, e muitas vezes foram
substituidos por simples campanariosinhos de madeira. Na Belgica,
encontram-se por vezes campanarios centraes de cantaria,
porém de resumida dimensão, nos edificios do
periodo de
transição.
As
escadas dos campanarios e tambem
as que servem em outras partes dos monumentos para subirem aos
madeiramentos, são geralmente de caracol com centro
cylindrico ou octogono. Estas caixas das escadas, collocadas no
exterior do edificio
[251]
nos
angulos formados pela saliencia dos contrafortes, nunca são
dissimuladas, mas visiveis, facilitando as seteiras que
estão abertas darem luz á escada.
Durante o periodo ogival, collocavam quasi sempre
cruzes de
ferro batido no cimo das
flechas dos campanarios, na extremidade do espigão do
côro por cima da abside, e algumas vezes tambem sobre os
espigões do cruzeiro. Estas cruzes distinguem-se geralmente
por uma composição de bastante trabalho. As
cruzes dos campanarios são quasi sempre encimadas por um
gallo servindo de catavento. Primitivamente este adorno encontrava-se
sobre as torres das egrejas parochiaes ou dos capitulos apenas. O gallo
collocado no cimo da egreja symbolisa a imagem dos
prégadores; pois o gallo vela durante a noite escura e
assignala as horas pelo seu canto, faz despertar aquelles que dormem, e
annuncia a aurora que se approxima; mas antes d'isso, elle se excita a
si mesmo a cantar, dando ás azas.
Pavimentos. Os pavimentos romans
eram compostos com mosaicos. Nos paizes meridionaes esses mosaicos
foram formados de marmores differentes. Tanto em França como
na Belgica, Allemanha, Inglaterra e Portugal, eram compostos de
ladrilhos esmaltados ou de lagedo gravado e com embutido egualmente de
côres diversas. Os ladrilhos e os lagedos gravados
continuaram a ser empregados nos pavimentos dos edificios ogivaes na
Europa Occidental e Septentrional.
[252]
Esses pavimentos eram ora de uma grande simplicidade, ora esplendidos.
Poucas vezes o chão todo das egrejas estava coberto por
bellos mosaicos; em geral, não se adoptou este genero de
decoração senão para a capella
mór e para as capellas do corpo da egreja, porque nas naves,
onde todas as pessoas são admittidas indistinctamente, o
roçar do calçado em pouco tempo teria destruido o
verniz do ladrilho ou o lagedo com gravuras.
Como já explicámos, o amarello e o verde-escuro
são as côres preferidas no final do periodo roman,
nos pavimentos de ladrilho do Norte e Oeste da Europa. No XIII seculo,
substituiu-se muitas vezes a côr verde-escura, o encarnado e
o avermelhado escuro, empregando-se o amarello para os embutidos. As
côres carregadas e escuras deixaram de ser usadas nos
pavimentos.
Os ladrilhos esmaltados são geralmente de pequenas
dimensões, como havia no cruzeiro da egreja monumental do
convento de Alcobaça, cujos ladrilhos estão agora
escondidos por baixo
de simples lagedo, na profundidade de
0m,34
centimetros!
Quando os desenhos dos ladrilhos ficam completos sobre um só
ladrilho, ou se completam em quatro e mesmo em maior numero de
ladrilhos reunidos, formam regularmente figuras geometricas,
brazões, florões, animaes existentes ou
phantasticos. Circulos, flores de liz, veados, aguias com duas
cabeças, é o que mais frequentemente se
vê.
[253]
No XIII e no XIV seculos, figuras de homens em pé foram
algumas vezes representadas pela reunião
de um certo numero de ladrilhos pintados. Estas effigies de personagens
eram muitas vezes acompanhadas de letreiros, empregados nas campas de
cantaria.
Durante o XIV e o XV seculos, os desenhos dos ladrilhos conservam quasi
o mesmo caracter precedente, mas são menos vistosos e
não teem o vigor das côres e o desenvolvimento que
apresentavam os do XIII seculo. No XIV seculo, as
ornamentações são muitas vezes
substituidas por firmas, letras, inscripções,
escudos, e mesmo pequenas vistas. Pelo mesmo tempo apparecem os tons
verdes e azues-claros.
Nos edificios de segunda e terceira ordem, e tambem em algumas egrejas
abbaciaes, principalmente da Ordem de Cister, fazia-se uso, durante o
periodo ogival, de pavimentos compostos de ladrilhos de differentes
côres, sem nenhum ornato.
Em alguns sitios fabricavam-se tambem ladrilhos sem ser esmaltados,
apresentando figuras em relevo. Estes ladrilhos são muito
raros, porque
não se podiam fazer senão com barro muito rijo,
para que os relevos não ficassem em pouco tempo gastos.
Lages gravadas e com embutidos. Desde o XII
seculo, empregaram-se algumas vezes, para cobrir o
chão das egrejas, lages de pedra e de marmore gravadas e com
embutidos. Os desenhos dos ornatos eram indicados em parte pelos
espaços conservados
[254]
da propria lage, ou por um betume colorido que enchia as
cavidades deixadas pela gravura. As lages d'este genero não
foram muito communs, e um limitado numero escapou da sua
destruição! Um dos mais bellos e mais completos
é o que ornava a capella mór da cathedral de
Saint-Omer
(França), e
do qual bastantes fragmentos se têem conservado
até ao presente. Os fundos dos arabescos são de
côr castanho-escuro, assim como a
inscripção; os traços do
contorno das personagens e do cavallo são a encarnado, assim
como está representado em gravura o nobre cavalheiro, no
meio d'essa composição, que
é do meiado do XIII seculo.
Labyrinthos. Na antiguidade
pagã designavam-se com o nome de
labyrinthos,
as
galerias subterraneas ou os edificios construidos em cima do solo, com
ramificações em grande numero e complicadas.
Todos sabem da existencia do labyrintho de Creta, onde, conforme a
mythologia, o Minotauro foi morto por Theseo. Durante a edade
média o nome de labyrintho foi dado a uma
disposição
particular que se vê no pavimento de algumas egrejas dos
periodos Latino, Roman e Ogival. A
disposição, divisão e côr
das lages, formam, pelas suas
combinações, linhas sinuosas com bastantes
voltas, todas para um ponto central. Os Romanos e os Gregos
representavam já, por vezes, labyrinthos nos pavimentos em
mosaico ou sobre as paredes de seus templos e de suas
habitações. Os labyrinthos que existem desde os
primeiros seculos nas egrejas
[255]
christãs, por exemplo, na de S. João Vidal de
Ravana (Italia), que é do VI seculo, acharam, sem nenhuma
duvida, a sua origem nos labyrinthos dos edificios pagãos. A
presença da figura de
Theseo combatendo o Minotauro, que se vê no centro dos
labyrinthos de alguns monumentos christãos, como em Pavia e
em Luca, dão uma prova evidente d'esta
affirmação. Os christãos
introduzindo os labyrinthos nas egrejas, deram-lhes uma
significação symbolica. Seria comtudo difficil,
por não dizer impossivel, determinar de uma maneira
irrefutavel o symbolismo dos labyrinthos nas antigas egrejas
christãs.
Na edade média, parece ter-se reputado os labyrinthos como
emblema da viagem á terra Santa, ou, segundo outras
opiniões, o transito doloroso de Jesus Christo desde a casa
de Pilatos até ao Calvario. Indulgencias eram concedidas
ás pessoas que os percorressem de joelhos, recitando as
orações prescriptas. Os labyrinthos n'esta epoca
eram tambem designados com o nome de
dedalo,
meandro,
caminhos de Jerusalem.
A fórma dos labyrinthos não é sempre a
mesma, O de
Chartres é circular;
o de
Saint-Quentin, octogono; taes eram tambem os
de
Arrhas,
Amiens e
Reims. Na egreja de
Saint-Bertin em
Saint-Omer, tinha a fórma quadrada.
Muitas vezes havia, ao centro e aos angulos do labyrintho, pedras com
inscripção lembrando algum facto relativo
á construcção do edificio. Em
Amiens, por exemplo, a pedra central representava
os architectos
[256]
da egreja
e
o bispo
Évrard, seu fundador, com os nomes dos
personagens e a época da
construcção, gravados sobre laminas de cobre
embebidas na parede.
Pinturas das paredes. Já
descrevemos os caracteres da pintura mural na época roman.
Esses caracteres e o systema do colorido modificam-se de uma maneira
evidente seguindo o desenvolvimento da architectura ogival.
Se o leitor tiver presente na memoria o que fizemos notar a respeito do
estylo ogival, da sua decoração esculpida e do
seu systema de
construcção, comprehenderá facilmente
que uma
modificação notavel motivou tambem o colorido da
decoração. Com effeito, nas
construcções ogivaes os membros das paredes
desapparecem, por assim dizer, e cedem o espaço para
aberturas de janellas; os membros da architectura multiplicam-se e
apresentam-se com grande evidencia; a vista examina sem custo a sua
fórma e os seus fins, desde a base da columna até
ao fecho da abobada que reune as nervuras da abobada. Além
d'isso, as superficies das paredes, que não foi possivel
supprimir, ficavam com esses espaços divididos. Como
acontece nas paredes divisorias sobre os peitorís das
janellas inferiores, as paredes são todas cheias de series
de arcaduras estreitas, muitas vezes cheias parcialmente de
esculpturas. Finalmente a multiplicidade dos detalhes e a vista de
ornamentações esculpidas, diminuindo a escala dos
elementos embellezadores para augmentar o
[257]
espaço de união,
modificaram a seu modo as
condições da pintura, dando-lhe caracteres novos.
O augmento extraordinario dos vãos das janellas e o aspecto
grandioso que lhes deram nos edificios motivou que nas
vidraças pintadas eram quasi todas as
preoccupações do constructor do periodo ogival.
Era ali, em certo modo, que devia apparecer o effeito da
decoração. Os progressos da arte da pintura sobre
o vidro corresponderam então ás exigencias que
esta arte tinha a satisfazer, e a palheta abundante, vigorosa e variada
do pintor vidraceiro impôz á
coloração adoptada
pelo pintor ornatista uma harmonia e combinações
novas. Por outras palavras, a pintura historica e legendaria,
não tendo mais do que um espaço limitado e
parcimonioso medido sobre a superficie das paredes foi servir-se das
vidraças para os seus trabalhos, e por este motivo as
figuras mostram, onde apparecem, ainda umas
proporções
acanhadissimas. A intensidade da coloração das
vidraças pede, pela logica dos preceitos da harmonia, maior
energia na pintura ornamental das paredes. Todavia, não foi
essa a unica consequencia do emprego das vidraças
excessivamente coloridas: a luz não entrando já
no interior da massa vitrea a qual atravessava como peneirada atravez
d'um tecido multicolor, dava á pintura mural um aspecto
differente d'aquelle que teria a luz natural do dia; havia pois a
attender simultaneamente ao reflexo das côres translucidas
com as da pintura mural que se devia harmonisar com a luz colorida e
sombria
[258]
que as
vidraças pintadas projectam sobre as paredes e partes
architecturaes. D'aqui veiu o emprego, principalmente no XIII seculo,
de côres vivas sem ficarem separadas: encarnado, purpura,
verde, azul carregado, realçado, ás vezes, por
tons claros e ouro com bastante profusão quando os meios o
permittiam. D'aqui ainda uma outra grande divisão dos
elementos decorativos e desenho dos detalhes.
Não é pois para estranhar que as
pinturas historicas e legendarias tivessem tido
muita voga durante o periodo roman, vindo a ser bastante raras nos
edificios do estylo ogival. As arcaduras decorativas debaixo dos
peitorís das janellas inferiores, são muitas
vezes as unicas
superficies convenientes para terem pinturas com assumptos, e mesmo
esse espaço é muito limitado e regularmente
dividido em pequenos compartimentos por columnadas ou nervuras, sobre
as quaes assentam as archivoltas das arcaduras. As pinturas das
arcaduras decorativas representam muitas vezes personagens isolados.
A influencia das tradições byzantinas sobre a
arte occidental é manifesta durante todo o tempo do periodo
roman. Todavia, se desde o XII seculo se observa no
desenho
uma tendencia a
abandonar os typos byzantinos, não foi senão nos
seculos
seguintes que o caracter das pinturas mudou completamente no Occidente.
Nas figuras das pinturas muraes, como nas outras que ornam as
miniaturas dos manuscriptos, se observa uma
transformação
[259]
cada vez mais
visivel no que respeita ao estylo do desenho. Este se desprende
insensivelmente das formas tradicionaes afim de adquirir maior
liberdade. As attitudes veem a ser mais variadas, o gesto mais natural,
o caracter das cabeças mais individual, a
expressão dos rostos mais viva ou mais serena conforme as
situações. Uma tendencia ao naturalismo principia
a apparecer desde o começo do XIII seculo, e torna-se mais
notavel nos seculos seguintes.
Na
colorisação
succederam, tanto como no desenho, transformações
successivas durante o periodo ogival. Nas pinturas muraes do periodo
roman, os tons claros são frequentes, e seu aspecto
é geralmente suave.
No XIII seculo, a colorisação teve, na
pintura decorativa, as mesmas
transformações que na pintura historica e
legendaria. Nos edificios romans, em que as janellas eram relativamente
pequenas e envidraçadas as mais das vezes com vidros brancos
ou muito claros, a luz diffusa e pouco dilatada dos fundos podia-se
usar para a pintura decorativa, de tons brilhantes e brandos ao mesmo
tempo; porém, quando, no XIII seculo, os vãos das
janellas se alargaram e tiveram vidraças extremamente
coloridas, esses tons suaves ficaram inteiramente sumidos pela
intensidade da colorisação das novas
vidraças. O azul e o encarnado, entrando com maior emprego
na composição das
vidraças pintadas, davam um aspecto turvo aos tons claros e
terreos ás pinturas: os verdes, por exemplo,
[260]
ficavam pardos e baços; os
brancos, e em geral todos os tons claros, ficavam estriados. Com os
vidros coloridos, foi preciso necessariamente mudar a gamma de
colorisação das pinturas muraes, fazendo uso de
tons brilhantes e fortes. Além d'isso, os tons, para terem
toda a sua apparencia, devem ser acompanhados e contornados com
traços pretos. É assim que se veem n'esta epocha
as nervuras, os fechos das abobadas, e muitas vezes mesmo os tympanos
das abobadas pintados com vivas côres. O uso de destacar o
vertice das nervuras das abobadas servindo-se de côres vivas
e com desenho chaveiroado continuou durante todo o tempo do periodo
ogival.
No XIV seculo e durante a primeira metade do XV seculo, as pinturas de
decoração por baixo dos
peitorís das janellas inferiores, muitas vezes representavam
pannos de armações. No XV seculo, viam-se
bastantes vezes sobre as paredes das capellas dedicadas a um santo, os
attributos caracteristicos d'esse santo, dispostos symetricamente sobre
um fundo colorido. Descobriram-se, ha pouco tempo, pinturas d'este
genero n'uma egreja de Bruxellas.
Motivos de economia e, nas egrejas dos monges de Cister,
prescripções da regra monastica fizeram que por
vezes tambem se empregasse um modo de pintura de
decoração muito simples, consistindo na
imitação das pedras de
construcção: traçavam-se sobre fundo
mais ou menos claro
traços de côres differentes, pardos, encarnados ou
amarellos,
[261]
sobrepostos,
representando as juntas dos apparelhos, e algumas vezes com
ornamentação.
Da mesma maneira que a pintura historica e legendaria, a pintura de
decoração da idade media não se servia
da perspectiva; nem conservava nos monumentos as paredes lisas e
opacas, não procurando affastal-as, por assim dizer, do
espectador pela illusão da perspectiva linear e aerea.
São principalmente as pinturas representando as formas
architectonicas, por exemplo as arcaduras e columnas, que mostram
não ter o artista nenhuma intenção de
disfarçar a
ornamentação em relevo; o que elle pretende
é sómente um effeito de
decoração, não pensa por nenhum modo
em produzir exactamente as dimensões relativas, o modelo,
apparencia real com relevos, molduras, columnas, capiteis; contenta-se
de apresentar essas formas para servirem a dar mais attractivo aos
monumentos.
Muito poucos monumentos do periodo ogival têem conservado as
suas pinturas bastante completas para se poder formar uma
idéa cabal do systema empregado e do resultado obtido. A
mais notavel de todas pela esplendida decoração,
e além d'isso pela sua restauração
tão habil quanto perfeita, é a da Capella Santa
de Paris.
A estatuaria e a esculptura ornamental seguem o systema geral da
decoração pictorica; tanto assim, que muitas
estatuas e baixos relevos têem conservado até ao
presente bastantes vestigios de
[262]
dourados e polychromia, concorrendo para se harmonisarem com as
vidraças pintadas e as pinturas a fresco das paredes.
A decadencia da pintura monumental, decoração
historica e legendaria, data da ultima metade do XV seculo; vindo a ser
completa desde o principio do seculo seguinte. As pinturas das abobadas
das egrejas não vão além do XVI
seculo.
Cruz de
consagração. O Pontifical
romano prescreve que, para a dedicação de uma
egreja, doze cruzes serão pintadas ou esculpidas sobre as
columnas ou paredes internas do edificio. Estas cruzes, que o Prelado
consagrante unge com os Santos oleos, devem ficar apparentes. Desde o
periodo roman, estabeleceu-se o uso de ornar essas cruzes, que
geralmente eram pintadas. As cruzes de
consagração datam do periodo roman e vieram a ser
bastante raras; conservam-se muito singulares no oratorio carlovingiano
de Nimégue. Encontraram-se em grande numero da epocha ogival
debaixo de grossas
camadas de cal na
parte interna das egrejas antigas, que ficaram escondidas na
occasião do renascimento. Todas são executadas
com grande esmero e esplendidamente coloridas.
Acontece ás vezes que as doze cruzes de
consagração do XIII e XIV seculos são
sustentadas pelas figuras dos Apostolos pintados ou em esculptura.
[263]
Altares, tabernaculos, piscinas
cadeiras do
côro, bancos para os celebrantes,
tribunas e
separações da
capella-mór
Altares. Como já
explicámos, o altar verdadeiramente designado é
uma mesa de pedra sobre a qual o padre diz a missa. Sem esta mesa o
altar não existe; ella e só ella, forma, todo o
altar.
Esta mesa é de pedra, porque o altar é a imagem e
o symbolo de Jesus Christo em pessoa. Portanto, durante os oito
primeiros seculos da nossa era, a egreja quiz, pela
veneração por este famoso
symbolismo, que o altar ficasse inteiramente independente; prohibiu
severamente que n'elle se pozesse o mais simples objecto, salvo o livro
dos Evangelhos, a custodia eucharistica com as divinas hostias. No
correr do IX, o Papa Leão IV permittiu que se collocassem
reliquarios contendo reliquias de santos. Quando o altar é
formado de um corpo macisso cubico, o que tinha logar muitas vezes
durante o periodo Latino e Roman, os seus lados eram cobertos com
laminas de ouro, prata e de cobre dourado e esmaltado, ou ornados de
esculpturas e de pinturas, ou ainda revestidos de estofos preciosos.
Algumas vezes, principalmente nas grandes egrejas, o altar estava
collocado debaixo de um baldaquino sustentado por quatro columnas,
entre as quaes se suspendia, sobre varões, pannos cortinas,
que se corriam durante certas partes da missa afim de occultar os
sacerdotes da vista dos fieis. No final do XI seculo, introduziu-se
tambem o uso dos
retabulos.
[264]
Devemos notar, que todos estes accessorios eram ideiados e dispostos de
maneira a não obstar por nenhum modo ao symbolismo sublime
do altar.
Explicaremos successivamente, o
altar com
a sua verdadeira
fórma, os
frontaes dos altares,
baldaquino, os
cortinados e
os
retabulos do periodo ogival.
O altar assim designado. Como os do
periodo roman, os altares da epoca ogival compunham-se as mais das
vezes de um simples macisso de alvenaria, apresentando regularmente uma
especie de ornamentação pintada ou esculpida.
Estes macissos estavam rodeados de tapeçarias cujas
côres mudavam nos diversos dias de festa. Algumas vezes,
porém poucas, se decoravam os lados nús d'estes
altares com arcaduras fingidas, cujos arcos assentavam sobre
columnasinhas ou pilares embebidos na parede; as arcaduras tinham
pinturas historiadas e decorativas, ou estatuas e baixos relevos.
Nos altares cheios ou macissos, decorados de arcaduras, estas eram
formadas no XIII e no XIV seculos por ogivas equilateraes ou arcos
traçados por tres centros; no XV seculo por ogivas inflexas
ou postas a pár, e no XVI por arcos abatidos ou de volta
inteira.
Na idade media os altares eram sempre de pedra, nunca de madeira.
Consagravam-se ao mesmo tempo que a egreja ou a capella: não
havia então as
pedras aras, bentas,
que se
podiam assentar
[265]
depois na meza de
um altar sem estar benzido, e como presentemente se usa muitas vezes.
O altar mór das egrejas cathedraes, conservou durante quasi
todo o periodo ogival, uma fórma simples e positivamente
symbolica. Em geral ou era sem retabulo, ou ficava-lhe por cima um
retabulo de pouca altura. Tinha um crucifixo, o livro dos Evangelhos,
dois castiçaes, e ás vezes um
tabernaculo para a conservação da Eucharistia.
Outra maneira de reservar o Santissimo Sacramento usada em certos
paizes pelo menos desde o XIII seculo, foi aquella cuja
recordação se conservou n'um curioso quadro do
XIII seculo, representando o altar mór da antiga cathedral
d'Arras com todos os seus accessorios. Uma hastea quadrada, collocada
por detraz do altar, que se eleva em dois andares, a uma grande altura,
tem por remate um pinaculo sobre o qual ha um crucifixo. Em meia altura
da hastea ha um bello baculo ficando a sua voluta suspensa no meio de
uma corrente, e a custodia eucharistica é formada com o
feitio de torrinha.
Nas egrejas, cathedraes e abbadias, havia, como em muitas egrejas
romans, um altar para reliquias, ao fundo da capella mór,
por detraz do altar proximo do abside oriental da egreja.
Os grandes reliquarios costumavam a ficar expostos detraz do altar, de
modo a deixar passar as pessoas por baixo; ás vezes tinham
um docel.
Frontaes. São cortinados
de seda que cobrem
[266]
tambem os
lados verticaes de um altar, e algumas vezes o retabulo; como se usa
ainda hoje em muitos paizes. Designam-se vulgarmente com o nome de
antependium.
Na idade media
quasi todos os altares tinham frontaes. Esses frontaes eram cobertos
com fazenda de custo; algumas vezes apresentavam laminas de ouro, prata
e cobre dourado e esmaltado, ou almofadas de madeira cobertas de
pinturas.
Os frontaes metallicos, assaz communs durante os periodos Latino e
Roman, vieram a ser mais raros a começar do final do XII
seculo, e pouco a pouco o seu uso foi completamente abandonado. Durante
a epocha ogival, os frontaes com estofo fôram, por assim
dizer, os unicos empregados. A sua côr condizia com as
vestimentas lithurgicas e mudava, por conseguinte, conforme os dias
festivos. Havia de linho, seda e mesmo de veludo; os mais sumptuosos
eram todos bordados e ornados de pedras preciosas. Representavam
figuras de Santos e assumptos historicos e legendarios.
Baldaquino. O uso do baldaquino
cobrindo o altar em signal de veneração, foi
bastante geral
até ao XII seculo; mas ficou quasi abandonado na Belgica e
França durante o periodo ogival; na Europa Occidental e
Septentrional não se serviram mais do baldaquino n'esta
epocha, como summidade dos reliquarios.
Na Italia, em Roma, n'este paiz onde o estylo ogival nunca teve
principio, vê-se ainda um grande numero de baldaquinos da
epocha ogival.
[267]
Os mais
notaveis são os de S. Paulo fóra
dos muros, os de S. João, de Santa Maria no Trastever, Santa
Maria em Cosmedin e de Santa Cecilia.
Na França e na Belgica suppriam algumas vezes a falta do
baldaquino, suspendendo por cima do altar um docel esculpido ou forrado
com estofo de custo.
O baldaquino parece-nos apresentar a maneira mais adequada para
inspirar aos fieis o respeito e a veneração
devida ao altar, symbolo do
Salvador. Muito melhor que todos os outros accessorios, sem exceptuar o
retabulo, preenchia este fim resguardando o altar, sem todavia se
confundir com elle, e conservando-lhe assim toda a sua
significação symbolica. O retabulo, pelo
contrario, liga de certo modo o altar fazendo parte d'elle, desvia a
attenção das pessoas para o accessorio com grande
perda do objecto principal, que é o altar apropriadamente
assim chamado.
Cortinas. Chamam-se cortinas a
armação suspensa nos dois lados do altar, e por
detraz do retabulo quando fôr pouco alto. Essas cortinas, da
mesma maneira que os frontaes, eram geralmente muito simples; algumas
vezes, todavia, representavam figuras, quer no tecido, quer nos
bordados, ornamentação, figuras e objectos
religiosos.
Ficavam estas cortinas prezas por varões apoiados muitas
vezes em quatro ou seis columnasinhas de cobre ou de madeira, encimadas
de figuras de anjos, tendo na mão luzes ou differentes
[268]
instrumentos da
paixão. A côr das cortinas
mudava conforme os dias de festa e as differentes occasiões
do anno lithurgico.
Além das cortinas do altar, serviam-se tambem, durante a
idade media, de duas outras especies de armação
lithurgica. Eram: 1.º a grande
cortina que se suspendia durante a quaresma na entrada da
capella-mór ou do presbyterio, e que se designava
o
véo do templo; 2.º os
véos que serviam na mesma occasião nos
crucifixos, retabulos e imagens, eram designados pelo nome
véos
de quaresma.
Retabulos. Como já
indicámos, o uso dos retabulos foi introduzido no final do
XI seculo. No começo collocavam-os sobre os altares das
reliquias e os altares de segunda classe; ficavam encostados
á tribuna ou postos no cruzeiro e nas capellas ornando a
capella-mór. Nas egrejas matrizes, collegiaes e monasticas
de primeira ordem, o altar-mór ficava quasi sempre sem ter
retabulo, pelo menos durante todo o seculo XIII. Em França,
Belgica, Allemanha, Inglaterra e nos outros paizes septentrionaes da
Europa, adoptou-se no XIV seculo, depois que a cadeira do bispo ou do
abbade e as cadeiras do côro dos conegos ou dos frades, que
até então ficavam por detraz do
altar-mór ao correr
da parede do hemicyclo obsial, foram mudados, para diante do sanctuario
sobre os dois lados do côro, isto é, para o logar
onde se vê presentemente nas egrejas do Norte.
Durante o periodo ogival serviram-se de diversa
[269]
qualidade de materiaes para os retabulos.
O mais antigo era o metal; como n'aquelles do periodo roman a cantaria
(excepcionalmente a madeira), substituiu o metal. Desde a ultima metade
do XIII seculo, os retabulos de cantaria parece terem sido preferidos.
No meiado do seculo seguinte, os retabulos de madeira com obra de talha
foram mais adoptados, e no XV seculo, substituiram quasi completamenle
os retabulos de cantaria. Principiaram, todavia, já n'essa
epocha, a introduzir as almofadas pintadas, em fórma de
trypticos, que, no meiado do XVI seculo
supplantaram, para assim dizer, totalmente, os retabulos com obra de
talha.
As portas que os retabulos haviam tido muitas vezes desde o XIV seculo,
tiveram no principio
ornamentação de esculptura na face interior, e
pinturas na exterior. Porém o peso das portas com ornatos
compostos de estatuas ou baixo-relevos tornavam esse appendice muito
difficil, e mesmo por vezes como perigoso, quando era preciso abrir ou
fechar o retabulo; preferiram pois d'ali a pouco as pinturas para
decoração d'essas duas frentes
das portas.
Os retabulos não apresentavam a mesma
fórma durante todo o periodo ogival.
Quasi sempre com pouca altura no começo, tendo tambem pouca
grossura. Os mais antigos eram muitas vezes rectangulares: algumas
vezes comtudo a sua parte central tinha mais altura. Esta ultima
fórma,
principiaram-n'a a usar no meiado do XIII seculo; conservou-se
[270]
em alguns paizes,
até o meiado do XV seculo.
O uso dos retabulos de madeira com obra de talha introduziu-se pouco a
pouco no XIV seculo, principalmente na Belgica. Desde o principio,
tiveram muitas vezes portas. Esta circumstancia lhe fez dar, como aos
retabulos pintados tendo portas, o nome de
tryptycos
ou
polyptycos, conforme tinham tres ou maior numero
d'esses appendices.
Na Belgica, França, Inglaterra no XV seculo, e na Europa
central e meridional já durante o seculo precedente, os
retabulos perderam a bella e elegante simplicidade que os distinguiam
antes. Os seus contornos e subdivisões se complicam cada vez
mais, á proporção que se aproximam
do final do periodo ogival. Tinham por remate, no XIII seculo e no XIV
seculo, linhas horisontaes e sem nenhum adorno no cimo; os caixilhos
dos retabulos do XV seculo passam depois por
transições com mistura de linhas rectas e curvas
para chegar por fim ás ogivas de requebro, arcos unidos de
volta abatida e volta de sarapanel com curvas de todo o genero que
ornavam muitas vezes no XVI seculo de crochetes e florões;
chegando mesmo a rematar o retabulo com torrinhas e pinaculos, estatuas
e enlaçamentos do feitio de firmas.
Devemos todavia notar que as formas dos moldurados do XIII e XIV seculo
se encontram ainda no XV e mesmo no XVI seculo, principalmente nos
triptycos pintados. Os moldurados d'este u
Devemos todavia notar que as formas dos moldurados do XIII e XIV seculo
se encontram ainda no XV e mesmo no XVI seculo, principalmente nos
triptycos pintados. Os moldurados d'este ultimo
[271]
seculo apresentam sempre maior simplicidade
que os dos retabulos com obra de talha.
Os assumptos representados sobre os
retabulos, eram tirados da historia do antigo e novo
testamento ou das lendas dos santos. No XII seculo e no XIII,
ornavam-se os retabulos quer de baixos relevos, quer de estatuasinhas
collocadas em arcaduras; um medalhão central de forma
quadrilobada ou de aureola se via as mais das vezes no centro do
retabulo, tendo a imagem de Jesus Christo na cruz ou assentado sobre o
arco-iris. No XV seculo, as arcaduras não apparecem
senão poucas vezes; quasi sempre, n'esta epoca, o retabulo
esta dividido em muitas series verticaes e horizontaes com as
divisões cheias de baixos relevos sobrepostos uns aos
outros. A representação da
cruxificação com a Virgem Nossa Senhora e S.
José, com os dois ladrões e grupos de
personagens, occupa bastantes vezes o compartimento central,
commummente mais alto e por vezes tambem mais largo que os
compartimentos inferiores.
Os retabulos estavam cobertos, em certas occasiões, por
frontaes similhantes aos dos altares. Muitos
retabulos
pintados do periodo
ogival se têem conservado até ao presente.
Arrancados quasi todos ao logar que occupavam primitivamente detraz dos
altares, apparecem agora como paineis nos museus de pinturas ou
estão dependurados nas paredes internas das egrejas.
As obras primas dos pintores do XIV, do XV e do
[272]
principio do XVI seculo, não
são como os antigos
retabulos em forma de triptyco.
Os retabulos esculpidos foram usados
simultaneamente com os retabulos pintados. Os que se fizeram na Belgica
durante o XV seculo e os primeiros annos do XVI seculo compunham-se
quasi sempre de um certo numero de grupos com mais ou menos alto
relevo, em caixilhos ou collocados debaixo de docel delicadamente
recortado; os dos outros paizes, pelo contrario, e particularmente os
da Europa Oriental, compõem-se de estatuas perfiladas no
compartimento central, e muitas vezes tambem sobre as portas. Ainda que
entre os retabulos belgas do ultimo seculo do periodo ogival apparecem
alguns de execução grosseira e sem nenhum merito,
quasi todos, todavia apresentam bastante apreço artistico e
testemunham o estado florescente da esculptura n'esse periodo.
Os retabulos de madeira com talha eram muitas vezes dourados e pintados
de côres. Convém
advertir que as letras que, n'esses retabulos, se veem frequentemente
sobre os bordados das vestimentas dos personagens, não
apresentam commummente nenhuma significação,
tendo sido ahi collocadas unicamente com o fim decorativo.
No final do periodo ogival, o retabulo firma-se quasi sempre sobre um
sóco de 20 a 30 centimetros de altura, e por este modo se
liga ao altar.
Esta base se designa
predella, nome
que se dá egualmente aos degrausinhos para os
castiçaes do
[273]
throno
dos altares modernos. O lado superior, que corresponde á
base do retabulo, é muitas vezes mais comprido que o lado
interior; n'este caso a differença de tamanho é
disfarçada
por um arco de circulo saliente.
A
predella (banqueta) é
muitas vezes ornada do busto do Redemptor e dos doze apostolos.
Das observações precedentes resulta que,
não obstante as dimensões por vezes exageradas, o
retabulo parte inteiramente accessoria, conservou até aos
fins do periodo ogival, o seu caracter essencial. A maior parte dos
artistas modernos que se encarregam de compor os altares no estylo
ogival não se preoccupam de forma alguma com o primitivo
destino do retabulo, a que dão impropriamente o nome de
altar. Desconhecendo a verdadeira significação do
retabulo, substituem-lhe tablados
ridiculos, muitas vezes de
madeira,
com côr de
pedra!!! compostos de socos,
arcaduras e pinaculos, onde os symbolos religiosos, as imagens, e os
baixos relevos são inteiramente supprimidos ou
estão mesquinhamente representados. Muitas vezes estes
symbolos, estas imagens, e estes assumptos são executados
apesar das regras da iconographia christã, regras das quaes
os architectos, esculptores e pintores
não teem
geralmente o incommodo
de adquirir as noções as mais
elementares! É tambem para lastimar, que nas
restaurações das antigas egrejas, não
encarreguem os retabulos
triptycos ao talento dos pinto ao talento dos
pintores que se occupam
de trabalhos religiosos.
[274]
Sacrarios. Durante quasi todo o
periodo ogival não se reservava, depois da
celebração
da missa, senão a quantidade de hostias consagradas e
necessarias para levar o viatico aos enfermos em perigo de vida, e para
expor o Santissimo Sacramento á
veneração dos fieis.
Quando as pessoas que assistiam aos officios divinos queriam commungar,
approximavam-se da mesa da communhão durante a missa, e
recebiam
uma parte das sacramentaes que o
padre acabava de consagrar. Não se deve, pois, estranhar que
os vasos sagrados destinados á
veneração
da Santa Eucharistia e o logar onde os depositavam tivessem pequenas
dimensões durante o XIII e o XIV seculos.
Conservavam a Santa Eucharistia de muitas maneiras:
1.º Nas egrejas dos paizes meridionaes, onde a pyxide se
manteve em
uso durante o periodo ogival, continuaram a ficar suspensos, como se
fazia precedentemente, o calix e a pyxide com as hostias.
2.º Em França e na Belgica e nos paizes
septentrionaes da
Europa serviram-se muitas vezes durante o XIII e o XIV seculos, da
maneira indicada na
pag. 272.
As hostias encerradas
em uma pyxide ou dentro de uma pomba dourada e esmaltada, ficavam
collocadas n'uma pequena torre ou pequena tenda (
tabernaculum)
em estofos custozos,
que se suspendiam, por cima do altar, n'um baculo de bronze ou de
prata.
3.º Algumas vezes conservam-se as hostias em
[275]
cofres de forma de arca, relicario ou torre.
Estes cofres eram transportados e depositados no sacrario, ou
sacristia, ora collocados de vez sobre o altar.
4.º No maior numero de casos, principalmente nas egrejas de
segunda e
terceira ordem, a Santa Eucharistia ficava em armarios construidos
detraz ou ao lado do altar. O uso de collocar as hostias nos
tabernaculos em forma de armario, parece ter sido muito geral na
Belgica, pelo menos depois do XIV seculo.
5.º No XIV e XV seculos, construiram tambem, para a reserva
Eucharistica, tabernaculos de fórma de torre, inteiramente
isolados e ao lado do Evangelho. Os tabernaculos d'este genero vieram a
ser communs na Belgica e na Allemanha desde o XV seculo. Encontram-se
muitos n'este ultimo paiz que são do XIV seculo.
O maior numero dos tabernaculos com a fórma de torre
são de pedra; encontram-se não obstante,
mas excepcionalmente, de madeira ou mesmo de metal.
Do lado da Epistola, defronte do tabernaculo, se faz muitas vezes na
parede um armario imitando a fórma de tabernaculo,
porém mais pequeno e muito menos ornado.
Os armarios feitos na grossura da parede tinham a frente para o altar
sendo destinados a guardar as alfayas e vestuario dos ecclesiasticos
que deviam celebrar a missa; encontram-se algumas vezes, nas capellas
que guarnecem os lados da capella-mór ou da nave.
[276]
Piscinas. O uso das piscinas ou pias
abertas na parede do lado da Epistola, que havia durante o periodo
roman, foi conservado tambem na epocha ogival.
No XIII seculo, a maior parte das piscinas eram
geminadas,
isto é
compostas de duas pias ou orificios para passarem as aguas por uma
bica, quer por baixo do pavimento da egreja, quer por fóra
do pavimento do edificio. Uma d'essas pias era destinada a receber as
aguas de uso, a outra, as oblações das
mãos do sacerdote e mesmo as do calix; porque, ainda n'esta
epocha, as oblações do calix
eram lançadas nas piscinas, e não bebidas pelo
padre. Encontram-se todavia ainda agora piscinas
simples, isto é tendo um unico orificio
para sahir a agua.
As piscinas gemeas fingem geralmente a fórma de um duplo
nicho, separado por uma columnasinha. Muitas vezes, nas egrejas ornadas
de arcaduras fingidas debaixo do peitoril das janellas, a piscina
occupa duas arcaduras proximas, e une-se a ellas; n'este caso, a
columnasinha posta entre as duas arcaduras forma a divisão
dos dois nichos da piscina.
As piscinas do XIV seculo não differem muito das outras do
seculo precedente senão pelo genero da
ornamentação architectonica e esculptura, que
harmonisa com o estylo da epocha. As mais das vezes são
gemeas, posto que o ecclesiastico beba, desde então, a agua
de que se serve para fazer a
oblação do calix.
[277]
No XV, e mesmo já no final do XIV seculo, as piscinas
tornaram-se raras e acabaram proximo do fim do periodo ogival, para
desapparecerem completamente.
Cadeiras de côro. Estas
cadeiras collocadas no côro das egrejas eram destinadas
ás dignidades ecclesiasticas assistentes aos officios
religiosos. Durante o periodo roman estas cadeiras eram geralmente de
pedra; porém desde o fim do XV seculo, sempre se fizeram de
madeira.
As cadeiras de madeira compõem-se de differentes partes,
tendo cada uma um nome para a designar.
As separações de duas cadeiras são
formadas por curvas elegantes com ornamentação de
obra de talha na sua parte superior, que lhes dão
graça e belleza. Os
arrimos
são
apoios horisontaes que limitam as cadeiras na parte superior;
geralmente esta parte tem bastante largura com fórma
inclinada, podendo as pessoas de pé encostarem-se
facilmente.
Alguns auctores dão impropriamente o nome de encosto
á
rampa curva da
divisão da cadeira, sobre o qual se apoia o cotovello,
quando se está sentado. A taboa movediça servindo
de assento gira sobre gonzos ou eixos, e póde-se abaixar e
levantar como se quizer. Tem, por baixo uma misula que se chama
misericordia
ou
paciencia, sobre a qual se póde sentar,
fingindo estar a
pessoa de pé, quando a taboa que pertence ao
assento
está levantada.
[278]
No côro das cathedraes, egrejas collegiaes e abbaciaes, estas
cadeiras ficam collocadas á direita ou esquerda do fundo do
côro em duplo renque e altura: cadeiras altas para os conegos
e religiosos, cadeiras mais baixas para os ecclesiasticos de cathegoria
inferior ou de congregação. O piso das cadeiras
superiores fica alto com dois ou mais degraus acima do chão;
em quanto as cadeiras inferiores assentam sobre o solo ou sobre um
unico degrau. As pessoas sentadas em cima podem mais facilmente que as
debaixo vêr o altar. As costas das cadeiras do primeiro
renque ficam muito baixas e servem de genuflexorio aos conegos que
estiverem nas cadeiras superiores; as costas d'estas são
muitas vezes inteiramente semilhantes das cadeiras baixas, outras teem
por cima obra de madeira bastante alta e limitada por um remate em
sacada com a fórma de um docel. As pessoas que occupam as
cadeiras baixas se ajoelham sobre o chão com o rosto virado
para as costas de suas cadeiras. De distancia em distancia a fila das
cadeiras baixas fica interrompida pela suppressão de uma
cadeira para dar passagem aos que vão assentar-se nas
cadeiras mais altas; estas aberturas chamam-se
entradas.
Encontram-se tambem cadeiras com genuflexorios.
As cadeiras do côro do XIII seculo são notaveis
tanto pela sua singeleza como pela sua elegancia. Duas columnasinhas,
uma na parte inferior e outra na parte superior, ornam quasi sempre os
lados de cada divisão d'estas cadeiras. As mais sumptuosas
[279]
têem
além d'isso, esculpturas sobre as
misericordias e nos remates, que no quarto de
circulo. E reunem ás columnasinhas servindo de apoio aos
braços das cadeiras. Estas
ornamentações constam de folhagens, fructos e
algumas vezes de figuras de animaes reaes ou phantasticos.
As cadeiras do côro do XIV seculo apresentam o mesmo feitio
que as do XIII seculo; só com a
differença de maior ostentação na obra
de talha.
Muitas vezes no XIII seculo, e mesmo ainda no princípio do
XIV seculo,
estas cadeiras não tinham costas. Quando as apresentavam
eram com uma almofada e arcaduras, tendo regularmente um tecto lavrado
similhante a um docel, um pouco saliente na face interna e com poucas
esculpturas. No XIV seculo, esse tecto lavrado apparece mais
apparatoso; cada vez mais saliente, descança sobre reprezas,
acabando em forma de curvatura. Nos dias de grandes festas,
suspendiam-se em frente, no cimo do encosto, sedas de côres,
bordados e pannos de raz.
Na mesma epocha, os lados superiores das cadeiras do côro,
mesmo quando não tenham alto encosto, cobrem-se de diversas
esculpturas, representando estatuasinhas, animaes reaes ou
phantasticos, e uma decoração vegetal muito
vistosa.
As cadeiras do côro do XV seculo distinguem-se geralmente das
precedentes por uma abundancia extraordinaria no ornato esculptural.
São cheias de bastante decoração e
executadas com mais primor e delicadeza que nos seculos XIII e XIV. Os
[280]
seus altos encostos
compõem-se quasi sempre de baixo relevos dentro de arcaduras
com redentes feitos delicadamente, e cada cadeira tem um docel em que
um pinaculo vasado muito alto forma a extremidade. Os baixos relevos
das costas representam assumptos tirados da Biblia, da historia
ecclesiastica ou da legenda; successos da vida de Jesus Christo ou de
Nossa Senhora são representados quasi sempre. As esculpturas
dos lados internos das cadeiras e das misericordias apresentam muitas
vezes figuras com carantonhas, animaes reaes ou phantasticos,
symbolisando os vicios. Poucas vezes as esculpturas das cadeiras
representam santos ou assumptos religiosos.
Na Belgica ha um limitado numero de cadeiras do côro do XV e
XVI seculos.
Em França, as mais notaveis são as da cathedral
d'Amiens (XV seculo), e d'Auch (principio do XVI seculo), e na
Allemanha, as da cathedral d'Ulm, com esculpturas de Jorge Syrlino de
1474 a 1476; em Portugal as da Sé Velha de Coimbra.
Bancos e docéis dos
celebrantes. O banco dos officiantes era destinado para o
celebrante, diacono e subdiacono se assentarem emquanto se canta o
Gloria,
Credo, e
Dies
irae; servia ao mesmo fim as poltronas que é
costume collocar presentemente no côro proximo dos degraus do
altar. Estes bancos, que havia na idade media em todas as egrejas de
primeira e segunda ordem, estavam regularmente no
presbyterium,
do lado da Epistola
defronte do tabernaculo, e apresentavam uma certa
[281]
analogia com as cadeiras do côro.
Conforme as prescripções lithurgicas,
distinguia-se por uma grande simplicidade; eram lisos e sem
subdivisões. Algumas vezes, todavia, se compunha de tres
cadeiras mais ou menos similhantes ás do côro.
Este banco, liso ou subdividido, tinha muitas vezes um docel cheio de
esculpturas, formado por um nicho aberto na grossura da parede do
côro, quando este não tinha naves lateraes ou
sustentado por columnas e de paredes mestras quando o côro
estava rodeado de naves lateraes.
Jubes, Screens[4]
e Cruzes
triumphales. Antigamente chamava-se
Jube
á tribuna
(em latim
doxale) especie de barreira com tres e
mais arcadas esplendidamente ornadas que nas egrejas separava o
côro das naves; tinha por cima uma especie de galeria ou
tribuna com
guarda-peito,
havendo na extremidade uma ou duas escadas em espiral, em cuja tribuna
um abbade vinha lêr o Evangelho, depois de ter pronunciado a
formula:
Jube, Domine, benedicere.
D'ahi vem o nome
Jube.
As escadas ficavam algumas vezes escondidas detraz dos pilares dentro
de caixas rendilhadas com linda decoração.
Durante a primeira parte do periodo ogival, a arcada do meio estava
tapada por uma parede, as duas outras arcadas ficavam abertas, tendo
portas
[282]
ou grades. Mais tarde mudou-se em alguns
paizes esta disposição primitiva; na Belgica, por
exemplo, na França e em certas partes da Allemanha, a arcada
central só ficou aberta com uma grade de pau ou de ferro
servindo de porta; taparam com parede as duas outras lateraes
encostando-lhe altares.
Na primeira metade do XIII seculo, os
Jubes eram raros. Foi sómente no final
d'este seculo, e principalmente durante os seculos seguintes que se
fizeram geralmente nas cathedraes, collegiadas, e nas abbaciaes. No XV
e no XVI seculo tambem, os collocaram nas egrejas parochiaes, mais
importantes. Alguns se teem conservado na Belgica até ao
presente: o mais antigo é da era 1490.
O mais magestoso é o da cathedral de Milão.
Os
jubes teem sempre proxima a
cruz triumphal. Esta cruz, de grande
dimensão, é geralmente de madeira e ornada de
pinturas e dourados. Os seus quatro ramos com florões teem
muitas vezes quadrilobos, nos quaes estavam do lado da nave os symbolos
dos quatro evangelistas, e do lado do côro, os quatro
doutores da egreja latina; S. Gregorio, S. Ambrosio, S. Agostinho e S.
Jeronymo. Ao pé da cruz estão as imagens de Nossa
Senhora, e do apostolo S. João; a primeira á
direita, e a segunda á esquerda.
Antes da introducção dos
jubes a cruz triumphal estava igualmente suspensa
por tres correntes no meio do arco chamado
triumphal,
que occupa a entrada da capella-mór.
Havia tambem antigamente nas egrejas do periodo
[283]
Latino e Roman uma
haste
(Tress). Era costume collocar nas basilicas entre o côro e a
parte reservada para o publico uma viga atravez do côro,
sobre o qual se punham luzes e tambem suspendiam lampadas, e tambem
durante a quaresma, servia para pôr o véu chamado
velum templi.
Separações do
côro. A disposição
dos antigos bancos da clerezia ao comprimento da parede absidal do
côro, ja descripto,
não foi conservada durante o periodo ogival, sendo em Italia
e tambem em Portugal, onde continua ainda, assim como em algumas
egrejas da Allemanha, principalmente nas cathedraes de Spire e de
Mayence.
Desde o XI seculo, a maior parte das abbadias da
Europa
central e occidental
tinham, como já referimos, transferido para o cruzeiro, os
bancos, alem das cadeiras dos ecclesiasticos, que occupavam antes a
capella da abside. Mais tarde tambem a mesma mudança se
introduziu pouco a pouco nas cathedraes e nas collegiadas d'essas
mesmas regiões, principalmente depois da reunião
das
naves lateraes e capellas absides á roda da capella
mór. Os bancos de pedra do periodo roman transformados em
cadeiras do côro ou cadeiras de madeira, foram collocados
diante do sanctuario, sobre o lado d'esta parte da egreja. O
côro ficou separado das naves lateraes pelas barreiras, as
mais das vezes de cantaria, bastante alta, vedado por detraz com as
cadeiras do côro collocadas entre as columnas da
capella-mór. A roda do sanctuario
[284]
propriamente chamado, ás vezes,
recortavam aberturas, de maneira que as pessoas que estivessem nas
naves lateraes podessem vêr o altar, e outras vezes tambem
substituiam as barreiras da porta circular da capella-mór
por tumulos ou mausoléos.
Nas grandes cathedraes, numerosas esculpturas em alto relevo ornavam as
partes lizas das
separações tanto no exterior como no interior da
capella-mór. Alguns monumentos, por exemplo as cathedraes de
Paris e de Amiens, teem conservado, por completo ou em parte, as suas
antigas separações da capella-mór.
Pulpitos e confessionarios
Pulpitos. Durante os primeiros
seculos da era christã, as tribunas do alto onde se fazia a
leitura do Evangelho e da Epistola, serviam ao mesmo tempo de pulpito.
Ao uso de prégar do alto da tribuna, veiu juntar-se o de um
pulpito saliente que se conservou na Europa central e occidental
até ao final do XV seculo. Por isso, os pulpitos anteriores
ao meiado do XV seculo se encontram mui raras vezes. Foi
sómente no começo d'esta epocha que se principiou
a pôl-os isolados na nave principal das egrejas d'esta parte
da Europa.
Os mais antigos pulpitos são quasi todos de pedra; no XV e
XVI seculos fizeram-se egualmente de madeira.
O espaço dentro do pulpito, para o prégador,
[285]
no periodo ogival é
geralmente hexagono e ornatado no cimo dos lados, ficando o sexto lado
reservado para a entrada n'elle; a decoração
compõe-se de estatuas, baixos relevos, e algumas vezes
tambem, de simples desenhos geometricos ou chammas. Vê-se com
frequencia Jesus Christo e Nossa Senhora entre quatro evangelistas ou
os quatro doutores da egreja do Occidente, S. Gregorio, Santo Ambrosio,
Santo Agostinho e S. Jeronymo.
Ha em Portugal um pulpito de pedra de admiravel
composição, que pertence á egreja de
Santa Cruz de Coimbra, de que tirámos o modelo e figurou na
exposição universal de Paris em 1867; depois o
museu de Londres quiz compral-o, ao que nos oppozemos.
O pulpito apoia-se por vezes sobre uma curva em sacada, sobre um
macisso de alvenaria ou sobre columnatas enfeixadas; as mais das vezes,
todavia, está assente sobre uma columnata ou sobre um
pedunculo. Esta ultima maneira foi mais commum no XV e no XVI seculo.
Estes apoios eram ornados com esculpturas, muitas vezes muito
intrincadas conforme o uso adoptado no final do periodo ogival. Na
Allemanha haviam por vezes representado as figuras de Adão,
Eva ou Moysés em alto relevo nas frentes do pulpito.
O sobreceu dos pulpitos principiou a servir no final do periodo ogival,
e mesmo não era muito imitado n'essa epocha. Veiu a ser de
uso geral no fim do XVI seculo. Os sobreceus do XV seculo
têem geralmente a forma d'uma pyramide, d'um
[286]
coruchéo ou d'um
campanariosinho. Na Inglaterra vêem-se sobreceus
sómente com uma simples
guarnição. Esta ultima forma nos parece a melhor,
pois não causa a desagradavel vista do remate de tanto
vulto, que parece abafar a voz. Ha poucos exemplares de pulpitos do
periodo ogival.
Confessionarios. Os confessionarios
em que o confessor fica separado do penitente por uma rotula, foram
desconhecidos durante o periodo ogival. N'essa epocha, o confessor
collocava-se, para ouvir as confissões, em uma poltrona ou
nas cadeiras do côro, e o penitente ajoelhava deante d'elle.
A recordação d'esta maneira de se confessar foi
conservada nas miniaturas, paineis e gravuras do XV seculo.
Foi proximo do final do XVI seculo que os confessionarios com rotula
foram introduzidos na Belgica.
Capellas funereas, tumulos, campas,
lanternas dos
defunctos e cruz de cemiterio
Capellas funereas. Estas capellas
funereas eram construidas isoladas nos cemiterios durante o periodo
ogival. São raras em quasi todos os paizes. Não
ha nenhuma na Belgica nem em Inglaterra. Em França
vêem-se algumas nos cemiterios
bretões, e existe uma muito notavel, do XV seculo, em Avioth
nas
Ardennes francezas.
É na Austria que são mais communs.
Tumulos apparentes. O uso de
encerrar os cadaveres nos sarcophagos e pôl-os sobre o solo
ficou
[287]
completamente abandonado no
norte da Europa desde o XIII seculo.
Na Inglaterra, Belgica, Allemanha, e nas provincias septentrionaes da
França, os tumulos apparentes do periodo ogival
são cenotaphios, consistindo em socos de cantaria com
massiços de alvenaria postos sobre uma sepultura
subterranea, tendo a effigie do finado. Compõem-se
geralmente, como no XIII seculo, de um sóco ou macisso
coberto de uma grande lousa, sobre a qual está deitada a
estatua do defuncto. Este estendido sobre uma cama ricamente disposta,
apresentando todas as insignias de sua dígnidade: os
bispos e os abbades trazendo mitra e baculo; os reis e principes, a
corôa e o sceptro; os cavalleiros, o seu escudo e a sua
armadura. Os pés dos bispos e dos ecclesiasticos, e em
certos paizes tambem dos seculares, apoiam-se contra um
dragão ou um monstro phantastico; os dos clericaes,
principes e nobres, contra um leão, symbolo de coragem, e
mesmo, ás vezes, como para as damas tendo os pés
sobre um rafeiro, emblema da fidelidade conjugal. Pequenas figuras de
anjos agitam thuribulos, sustentando tochas ou almofadas em que
descança a cabeça do personagem. Depois do XIII
seculo, os anjos com thuribulos tornaram-se raros. Durante muito tempo,
a effigie do finado não apresenta nenhum dos caracteres da
morte.
No XIII seculo e ainda no principio do XIV seculo, as estatuas deitadas
têem os olhos abertos e reproduzem os gestos e as attitudes
dos personagens
[288]
vivos.
Sómente depois do XIV seculo o defuncto principia a ser
representado morto ou adormecido, com os olhos fechados.
Muitas vezes, columnatas reunidas por arcaduras são
dispostas em roda do sóco, no qual
estão assentes; algumas vezes, mas, raramente, as arcaduras
são vasadas, e a estatua
deitada do finado occupa o
logar
do sóco
supprimido.
Os cenotaphios do periodo ogival são geralmente de pedra,
poucas vezes de cobre ou de outro metal. Os tumulos de pedra
têem quasi um metro de altura, em quanto que os sepulchros de
metal, que se conservam até ao presente têem
apenas 50 centimetros acima do solo; todavia o unico de metal que
possue a Sé de Braga tem maior altura.
Para evitar o estorvo nas egrejas, não se permittia, salvo
raras vezes, erguer-se um cenotaphio. Na capella-mór
admittia-se o tumulo do fundador ou de um bemfeitor distincto,
collocando os dos outros personagens de
distincção nas capellas
que cercam os lados do côro e da nave principal. Estes
monumentos apresentavam muitas vezes uma
decoração de pinturas e dourados. Alguns ficavam
encostados á parede e dentro de um grande nicho sob
fórma de arcadura ogival; outros, e era o maior numero,
ficavam separados em todos os seus lados.
As campas com gravuras a
traço tornaram-se vulgares desde o XIV seculo.
Muitas têem sido conservadas até ao presente,
não obstante o grande
[289]
numero de causas de
destruição, ás
quaes têem ficado expostas desde seis seculos. A maior parte
estão ornadas de imagens do finado, debaixo de arcaduras
trilobadas do feitio de docel, muito simples e sustentado por
columnatas. Quasi sempre vê-se uma mão deitando a
benção, symbolo de Deus, sahida do cimo da ogiva;
e anjos agitando thuribulos occupam os
seguintes
da
arcadura. Sobre as campas dos bispos, dos abbades e dos padres,
vê-se tambem, algumas vezes, aos dois lados do personagem,
clerigos, ou anjos de pequeno tamanho, segurando em velas accesas.
Muito antes do XIII seculo, as campas têem, bastantes vezes
ainda, como durante o periodo roman, a forma de um trapezio, isto
é, são mais
estreitas do lado dos pés. A
inscripção que
quasi sempre têem, forma geralmente o contorno exterior da
pedra, menos geral do que o emmoldurado de ogiva; principia por uma
cruz a inscripção e
quasi no fim do XIII seculo, ajuntam já por vezes, aos
quatro angulos, os emblemas dos evangelistas collocados nos
quadrilobos.
As campas dos tumulos do XIII seculo que não têem
um emblema, um symbolo ou um escudo com armarias, são
bastante raras na Belgica.
Sobre as campas do XIV seculo, a effigie do finado continua a ser
collocada debaixo de uma arcadura, poucas vezes trilobada,
porém não durante os primeiros annos.
Sómente esta arcadura é muito mais carregada de
detalhes architectonicos do que precedentemente, taes como ridentes,
crochetes,
[290]
florões, pinaculos e rosaes; além
d'isso, as arcaduras principiam a não ser sustentadas por
columnatas com base e capitel, mas sim por pés-direitos do
feitio de contra-fortes ornados de pinaculos e nichos, nos quaes se
vêem pequenas figuras de homens.
Quando uma unica campa cobre uma sepultura dupla ou tripla, as
arcaduras estão reunidas no numero de duas ou tres, e
contéem, cada uma, sua effigie. O leão, o
cão e os outros symbolos, que acompanham quasi sempre as
estatuas deitadas dos cenotaphos, se vêem tambem sobre as
campas do XIV seculo. Estas são geralmente de
fórma rectangular, e não têem o feitio
de um trapezio. Os anjos incensadores e ceroferários
não se
vêem excepcionalmente a começar do XVI seculo.
As arcaduras e o contorno com curvas em rampa que formam o remate
caracteristico dos moldurados do XIV e XV seculos, são
regularmente substituidos no XV seculo por docéis,
representados em perspectiva e muitas vezes compostos de ogivas
inflexas com desenhos complicados; os pinaculos, os nichos, as rosaceas
flammejantes se multiplicam sobre todo o moldurado; além
d'isso, os arcos-butantes apparecem para ligar os docéis aos
contrafortes.
Será bom notar que os moldurados das campas do XIV e do XV
seculos apresentam a maior similhança com as
decorações do mesmo genero que se vêem
nas vidraças pintadas contemporaneas.
Como no XIII seculo, a inscripção apparece no
[291]
XIV e no XV seculos sobre a
borda da campa e está inscripta entre duas linhas
parallelas. Nos angulos formados pela intersecção
d'essas quatro linhas
se vêem quadrilobos com os emblemas dos evangelistas, ou
tambem algumas vezes, desde o começo do meiado do XIV
seculo, as armarias; acontece mesmo que a
inscripção está, além
d'isso, interrompida pelo escudo da armaria sobre os seus lados mais
compridos.
Já explicámos que, quando são
applicados para ornar os quatro angulos de um quadrado ou de um
rectangulo, os symbolos dos evangelistas põem-se, pelo
menos, até ao XIII seculo, da
maneira seguinte: o homem alado no angulo superior á
esquerda
do espectador;
a aguia á
direita, o leão
no angulo inferior á
esquerda e o novilho á
direita.
No XIV seculo, houve uma
mudança; desde esta epocha, vê-se quasi geralmente
a aguia no
angulo superior esquerdo, e o homem
alado no
angulo superior direito. É
ali tambem o logar que
estes symbolos occupam sobre as campas.
Os caracteres das campas que acabamos de indicar por cada seculo do
periodo ogival, não são de tal maneira proprios
como os que são mais proximos da epocha indicada. Pelo
contrario, acontece muitas vezes, principalmente na Belgica, que as
campas do XV seculo apresentam ainda, por assim dizer, os caracteres
que não se está acostumado a encontrar n'outra
parte nas campas do seculo precedente. Não é raro
tambem achar campas do XIII, XIV e XV seculos, nas quaes
[292]
o ornamento architectural seja moderado de
detalhes, ou inteiramente os supprimiram.
Em França quasi sempre e algumas vezes na Belgica, as
carnes, em vez de serem imitadas a traço, são
represeutadas por embutidos de marmore
ou de metal.
Tumulos chatos de cobre. Durante o
periodo ogival, introduziu-se o uso do cobre ou de laminas de
latão sobre as quaes as linhas do desenho são
feitas a traços gravados bastante fundos, estando cheios com
uma substancia rezinosa de côr preta e de tom mate. Essas
largas linhas pretas se destacam perfeitamente sobre a superficie
brilhante do metal brunido ou adamascado, até mesmo dourado,
cujo reflexo luzidio é muitas vezes realçado pela
armaria colorida em esmalte da composição da
campa, a qual fica solidamente fixa na grossura do cobre. Devido a
estas qualidades, os tumulos lizos em cobre contribuiam admiravelmente,
assim como o pavimento e as vidraças pintadas, para a
decoração das egrejas. É na Inglaterra
e Flandres que têem sido mais communs durante toda a idade
media.
Os tumulos chatos de cobre podem dividir-se em duas classes. A
primeira, de maior numero, comprehende as laminas de cantaria, quer de
marmore ou de gres, nas quaes a figura do finado fica recortada em
silhoeta
na lamina
de metal, assim como differentes ornatos; as armarias, emblemas,
inscripções em feitio de fita, gravadas sobre
tantas peças distinctas, ficam embutidas e arrebitadas
[293]
separadamente nos
entalhes correspondentes da pedra, designados
casements
pelos
auctores inglezes. A segunda classe parece ter sido menos numerosa,
porém contém especimens mais bellos e preciosos.
Acham-se comprehendidos n'ella os monumentos que apparecem debaixo do
aspecto de grandes placas de cobre, d'uma só
peça, mas que, na realidade, são muitas vezes
compostas de muitas laminas ajustadas, das quaes com grande habilidade
ficam disfarçadas as juntas na profundura dos
traços. A figura do finado, geralmente de grandeza do
natural, representa-se de pé ou deitada.
Os tumulos de latão consistem em grandes laminas soltas,
não destinadas a ser embutidas nas laminas de pedra, e que
formam por si um todo completo; foram communs na Belgica durante todo o
periodo ogival; o seu uso continuou, em certos sitios, até o
XVII seculo. Na Allemanha e igualmente no Norte da França
tiveram
acceitação. Sobre as laminas, não
sómente a figura do finado, como tambem os accessorios
symbolicos e de decoração que lhe servem, foram
executadas da mesma maneira que sobre as pedras das campas gravadas.
Todavia, a composição do assumpto é
regularmente mais superior, e a
execução mais esmerada que das outras; os mais
insignificantes detalhes do vestuario, os docéis do remate,
as pequenas figuras dos anjos e dos santos que os ornam muitas vezes
assim como os pés-direitos, todas as partes, em uma palavra,
são feitas com fidelidade,
[294]
com arte e com delicadeza. Além d'isso, o fundo
sobre o qual se destaca a effigie do finado, em logar de ser lizo e sem
ornato, como sobre as pedras das campas gravadas, é
regularmente adamascado, isto é, coberto de ornatos
differentes imitando os desenhos que apresentam certos estofos
orientaes; esses desenhos assemelham-se aos que se vêem
á roda dos personagens nas vidraças pintadas do
XIV seculo. São compostos de
folhas do trevo, de quatro folhas, folhagens, côres
matizadas, figuras de animaes, gritos de guerra, ou com divisas muitas
vezes repetidas. Parece mesmo por vezes no XV e no XVI seculo, que os
detalhes architectonicos desapparecem completamente para dar logar aos
fundos adamascados. Finalmente, uma particularidade que apresentam
ainda as laminas de cobre funereas do XV e do XVI seculo, vem a ser que
as
phylactéres se
veem muito mais frequentemente que sobre as pedras das
campas. Chama-se
phylactéres a
bandeirolas compridas e estreitas, saindo da boca das personagens ou
estão seguras nas suas mãos, e sobre as quaes
está inscripta uma oração, uma divisa
ou uma
sentença.
Pequenos monumentos funereos do XV e do XVI
seculo. Além dos cénotaphos, das
campas e dos tumulos chatos de latão, erigiam-se tambem, nos
XV e XVI seculos, pequenos monumentos funereos de pedra ou
latão, encaixados na face da parede proxima do logar da
sepultara. Estes monumentos curiosos encontram-se, não
só no interior das egrejas, mas
[295]
tambem nos claustros das cathedraes,
collegiaes e mosteiros. Compõe-se regularmente d'um
epitaphio, por cima do qual se vê um assumpto religioso, por
exemplo, a SS. Trindade, a flagellação, a
crucificação ou qualquer scena da
Paixão. Muitas vezes tambem se vê Nossa Senhora
com o Menino Jesus. O finado está regularmente representado
ao lado da scena principal, de joelhos em oração
e por vezes acompanhado do santo da sua devoção,
o qual fica em pé por detraz
d'elle e parece recommendal-o á clemencia Divina; sobre a
bandeirola saindo da boca na direcção da scena
principal, lêem-se frequentemente as palavras que
é natural dirigir a Deus ou aos santos, por exemplo:
Qui
potes, oro, rei, Christe, mementa
mei, e
O mater Dei, memento mei.
A scena religiosa está esculpida em relevo ou gravada a
traço. Quando feita em alto relevo, vê-se quasi
sempre em um nicho ogival, aberto na grossura da parede, e o epitaphio
inscripto na parte inferior do nicho, sobre uma pequena chapa de
latão, de marmore ou de pedra.
Nos baixos relevos e nas pedras gravadas a traço, o assumpto
e o epitaphio são geralmente collocados sobre uma unica
pedra; ora n'uma, ora n'outra occupa a maior parte. A scena
é coberta por um docél servindo de remate;
algumas vezes, comtudo este docel não apparece.
Não obstante as mutilaçõ
Não obstante as mutilações lamentaveis
que lhe causaram os iconoclastas, estes monumentos merecem chamar a
attenção, não
sómente dos archeologos,
[296]
mas tambem dos artistas e sobretudo dos esculptores.
Serviram-se tambem de monumentos similhantes para perpetuar a
fundação praticada por generosos
bemfeitores. Na parte superior d'uma pedra ou de uma placa de
latão, vê-se uma scena
religiosa, diante da qual está de joelhos o fundador muitas
vezes acompanhado do santo da sua devoção.
Uma inscripção commemorativa da
fundação substitue o epitaphio, o qual nos
monumentos funereos se vê por baixo da scena. Algumas vezes
sómente apparece uma simples
inscripção gravada sobre uma pedra ou lamina de
cobre.
Lanternas dos defunctos. Dá-se o nome
de
lanternas dos defunctos
e
pharol de
cemiterio, a columnas ou pyramides ôcas que se
collocavam n'outro tempo nos cemiterios. Este pequeno monumento tinha
no cimo um pavilhão vasado, no qual se suspendia de noite
uma lampada accesa com o fim de lembrar aos caminhantes que orassem
pelos defunctos e para lhes indicar a presença da casa de
Deus.
Cruz de cemiterio. Erguiam tambem,
nos cemiterios, grandes cruzes de pedra durante o periodo Roman,
ajuntavam-lhe, poucas vezes, a imagem de Christo; porém do
começo do XIII seculo, essa imagem vê-se quasi
sempre acompanhada de Nossa Senhora e do Menino Jesus, postos no
revesso da cruz, ou encostados á columna que serve para a
sustentar. Outras vezes, e isso é mais seguido, a cruz fica
entre a imagem de Nossa Senhora sem
[297]
o Menino e a de S. João. As
hastes que forma a columna ou o pilar sobre os quaes está
assente a cruz, são geralmente postas sobre um
sóco mais ou menos alto, tendo na sua base um pequeno altar.
As cruzes de pedra que se erigiam muitas vezes, na idade media, nas
encruzilhadas das vias e no meio das praças publicas,
apresentavam as mesmas fórmas que as cruzes de cemiterios;
sómente não tinham altar na base do seu
sustentaculo. Em Lisboa havia um excellente especimen no cruzeiro de
Arroyos, estando presentemente guardadas as esculpturas na egreja
d'esse bairro.
As cruzes de cemiterio e dos cruzeiros não eram todas de
cantaria; havia-as tambem de bronze, de ferro e madeira. Inutil
é declarar que as cruzes de madeira ficaram destruidas
já ha muito tempo. As de bronze têem desapparecido
egualmente, para fundirem o metal! Mas ha ainda, em alguns paizes, as
que foram feitas com ferro forjado.
As cruzes de cemiterio continuaram a estar em uso durante a epocha do
renascimento, e estão quasi sempre acompanhadas das imagens
de Nossa Senhora e S. João, e algumas vezes d'uma pintura
representando o purgatorio. Quando o cemiterio fica adjacente
á egreja, a cruz colloca-se sobre um alpendre junto do coro,
na parte interna. As cruzes triumphaes, que se viam durante o periodo
ogival por cima do Jubé foram aproveitadas, em muitos
logares, para servirem de cruzes de cemiterios.
[298]
Pias baptismaes
A pia de baptismo no periodo ogival é geralmente menos larga
e profunda do que a em uso no periodo Roman. Esta differença
foi motivada pelo abandono do baptismo por
immersão no XIII seculo. Como
precedentemente, algumas das pias têem o feitio d'uma tina
sem pé, redonda, quadrada
ou com seis ou oito lados; outras assentam sobre um grosso pilar
central acompanhado nos angulos da pia por quatro columnasinhas, mas o
maior numero são monopediculados.
As pias de feitio de tina sem pé encontravam-se ainda
algumas vezes no periodo ogival, porém muito poucas durante
o periodo Roman.
As pias monopediculadas, isto
é, firmadas sobre um só pilar, foram as mais
communs na Belgica durante todo o tempo do periodo ogival. Estas pias
baptismaes, em vez de serem como as Romans, circulares ou quadradas na
parte externa, eram geralmente de seis ou oito lados. A pia continua a
apresentar, como durante o periodo Roman, a fórma
hemispherica ou oval; havendo muitas vezes, na parte mais baixa, um
orificio servindo para vasar a pia.
Na Allemanha e na Belgica desde o final do seculo XIV, e principalmente
no XV seculo, havia pias monopediculadas em latão.
O maior numero de pias Romans estavam cobertas de esculpturas
decorativas, symbolicas ou historicas. Sobre as pias do periodo ogival,
pelo contrario,
[299]
os
assumptos historicos e legendarios, assim como as figuras symbolicas e
phantasticas são raras; por excepção
se vê ainda n'ellas
o baptismo de Jesus Christo e outras scenas biblicas ou tambem
personagens isolados collocados debaixo de arcaduras.
Os ornatos simplesmente decorativos, taes como folhagens e carrancas,
são tambem bastante raros sobre as pias do XIV e XV seculo.
Toda a
decoração das pias ogivaes, principalmente no XV
seculo, consiste as mais das vezes n'um certo numero de molduras que se
vêem sobre a pia e sobre o pilar em que se fórmam.
Pias para agua benta
Ha duas qualidades de pias para agua benta: as
fixas
e as
portateis.
As pias fixas são cylindricas ou polygonaes, com
reservatorio hemispherico, collocadas junto da entrada da egreja, no
interior ou exterior do edificio: umas isoladas e postas sobre um
pé, outras sem terem apoio. Estas ultimas, que
estão sempre unidas com as
construcções, vê-se quer
em nichos, quer em sacada sobre o liso da parede ou d'um pilar, no qual
estão encaixadas.
Posto que as pias para agua benta pediculadas estivessem já
em uso no XIII seculo, e talvez ainda antes, foi todavia no XIV e XV
seculos que vieram a ser mais communs. Em muitos paizes, apresentam
bastante analogia com as pias baptismaes contemporaneas, de maneira que
é muitas vezes difficil
[300]
distinguir de repente, se o
objecto que está presente serviria na primitiva de pia para
agua benta ou de pia baptismal, pela sua grandeza. A capacidade
limitada do reservatorio e a falta do orificio destinado para dar
sahida ás aguas baptismaes, dão algumas vezes um
indicio para designar que o objecto seja uma pia para agua benta e
não uma pia baptismal.
O maior numero das pias para agua benta fixas do periodo ogival que
existem, ainda são de pedra. Havia tambem em outro tempo um
certo numero d'ellas de bronze e de latão. A memoria de
algumas d'estas pias de metal nos foi conservada, quer por desenhos e
gravuras, quer por testemunhos de escriptores antigos. Encontram-se
mesmo raros especimens que escaparam á
destruição vandalica.
As pias para agua benta
portateis
são vasos com azas, destinados a conter a agua benta. Como
já referimos, serviam durante o periodo Roman, para
apresentar a agua benta aos imperadores, reis e outros distinctos
personagens, na occasião da sua entrada na egreja. Serviam
tambem n'esta epocha, para a agua com que se faziam as
aspersões prescriptas pela liturgia. O costume de principiar
a missa solemne do domingo por uma procissão dentro da
egreja, durante a qual se aspergia o povo com agua benta, remonta aos
primeiros seculos do christianismo. As capitulares de Carlos Magno
confirmam já este costume, e no Concilio reunido em Nantes
em 911 determina aos curas
[301]
que
benzam a agua ao domingo, em um vaso limpo e apropriado, para que o
povo seja aspergido, e o sacerdote possa leval-a aos enfermos,
aspergil-os e á sua
habitação.
As mais antigas pias para agua benta portateis são de
marfim. As pias para agua benta em metal, já conhecidas
durante o periodo Roman, vieram a ser muito communs no XIII e XIV
seculos. Todas as pias para a agua benta portateis são,
comparativamente ás em uso desde o XV seculo, de muito
pequena dimensão: medem apenas 20 centimetros pouco mais ou
menos de altura, com um diametro entre 10 e 13 centimetros.
Quando, no XV seculo, as pias para a agua benta portateis de metal
vieram a tornar-se de uso geral, deram-lhes dimensões
maiores. Todavia encontram-se ainda muitas d'esta epocha, que
são muito pequenas.
Quasi todas as pias para agua benta antigas têem a
fórma d'um balde; algumas apresentam um engrossamento
consideravel sobre a borda superior, diminuindo sensivelmente para a
base. Vêem-se com uma inscripção
mostrando
como as das pias fixas, assim como a allusão ao symbolismo
de agua benta pelo baptismo de Jesus Christo.
Grades e barreiras
Grades de ferro. As grades do XIV
seculo apresentam mais ou menos o aspecto geral que as do periodo
Roman. Como antecedentemente, têem os prumos verticaes com um
caixilho de ferro a
[302]
que ficam
reunidos por ornatos em fórma de
X composto por barrinhas de ferro com
secção
differente; e todavia, quando as grades são destinadas para
as cathedraes ou para os edificios importantes, as barrinhas das
extremidades simplesmente enroscadas não têem por
ornato senão algumas hastes verticaes. A
suppressão das couceiras póde ter logar sem
inconveniente nos vãos de pequena largura, de pouco peso e
fórmas delicadas, mas para grades maiores e expostas aos
encontrões da multidão, o systema de
almofadas com ornato entre as couceiras e as travessas é o
unico modo que dará a solidez precisa sem obstar ao aspecto
de leveza.
Os cenotaphos erguidos nos logares frequentados da egreja, os
reliquarios expostos publicamente á
veneração dos fieis e os armarios
dos thesouros eram muitas vezes resguardados por grades com importante
trabalho de mão d'obra. Estas grades ornadas geralmente por
barrinhas estampadas do lado externo sómente
estão por
vezes armadas com grandes pontas e ganchos de ferro que impossibilitam
o assalto.
Nas grades do XIV e XV seculo, os prumos servindo de couceiras e as
travessas continúam a ser empregadas; porém as
barrinhas torcidas e estampadas das grades do XIII seculo ficaram
substituidas por ornatos obtidos, servindo-se de chapas de ferro
batido, recortadas em florões ou folhagens. Depois, em logar
de ficarem seguros como precedentemente os prumos por bracedeiras,
não soldados,
[303]
esses ornatos estão fixos por cavilhas arrebitadas. Os
caixilhos de ferro são muitas vezes supprimidos, e a esses
prumos depois de lhe assentar na extremidade remates mais ou menos
vistosos, compostos de flôres de liz ou florões de
folha de ferro soldadas.
As grades que se não abrem, que assentam na frente das
janellas, nos thesouros das egrejas, casas de capitulo, depositos do
archivo, casas nobres e mesmo nas casas particulares, estão
muitas vezes guarnecidas de pontas de ferro dispostas em espigas nas
duas extremidades das couceiras. Algumas vezes as grades com espigas
têem, álem d'isso, as suas couceiras e travessas
reunidas de maneira impossivel para fazer mover as couceiras nos olhaes
das travessas ou nos olhaes das couceiras; estes olhaes
estão alternativamente feitos nas travessas e nas couceiras.
Barreiras de madeira. Em logar de
grades de ferro, tambem se serviam de barreiras de madeira, a fim de
separar as capellas. Estas barreiras são geralmente tapadas
até á altura
quasi d'um metro, não ficando interrompida a vista na parte
superior. Quasi todas são feitas com madeira de carvalho,
devendo a sua duração não
sómente ao bem feito da obra, como á excellente
qualidade do material empregado. A começar do XIV seculo, a
parte inferior tapada é formada de duas ou muitas ordens
sobrepostas de almofadas encaixadas entre as couceiras e as travessas.
Estas almofadas teem muitas vezes obra de talha figurando
[304]
pinasios dos caixilhos, ou folhas de
pergaminho dobradas. A parte superior d'estas barreiras
compõe-se quasi sempre de arcaduras rotas, deixando passar a
vista entre os prumos em que se dividem.
Orgãos e caixas para
elles
Os primeiros orgãos de que os chronistas occidentaes fazem
menção, são os que o rei Pepin recebeu
de presente da côrte imperial de Constantinopla no meiado do
VIII seculo, e que fez collocar no seu palacio de
Compiègne. Carlos Magno tambem no
principio do seculo seguinte mandou fabricar orgãos,
conforme o modelo byzantino para ornar a sua egreja de
Aix-la-Chapelle. Depois de Carlos Magno, o uso dos
orgãos para o acompanhamento de certas partes cantadas do
officio divino, introduziu-se pouco a pouco na egreja Latina. Desde o
final do X seculo, a maior parte das egrejas cathedraes e abbaciaes de
primeira ordem tinham-os adquirido, e durante os dois seculos seguintes
continuaram a generalisar-se.
Os orgãos primitivos eram muito defeituosos e d'uma grande
singeleza, como vemos nas miniaturas dos manuscriptos contemporaneos.
Durante o periodo ogival a predilecção pelos
orgãos tomou novos desenvolvimentos, e, no final do XV
seculo, todas as egrejas de alguma importancia e mesmo as capellas
tinham o seu orgão. No XIII seculo, começaram
já, em alguns logares,
[305]
a multiplicar o numero dos
orgãos em uma só e mesma egreja. Ao principio
contentavam-se com dois d'estes instrumentos; porém no XIV e
XV seculos tinham tres, quatro e até cinco. Na egreja do
convento de Mafra, el-rei D. João V mandou collocar quatro
grandiosos orgãos nos angulos do cruzeiro, no XVII seculo.
Até ao XV seculo, diz o
insigne architecto Violet-le-Duc,
não parece que
os grandes orgãos
estivessem em uso. Serviam-se apenas de instrumentos de mediocres
dimensões e que podiam ficar dentro d'um movel assentes na
capella-mór, nos jubés ou sobre tribunas mais ou
menos espaçosas, destinadas não
sómente aos orgãos, mas
ainda aos cantores e musicos. Foi no final do XV e principio do XVI
seculo que houve a ideia de dar aos orgãos,
dimensões
extraordinarias desconhecidas até
então, tendo uma
grande
força de som e exigindo, caixas collossaes.
Todavia esses orgãos
não são nada em comparação
com os
instrumentos que se fizeram depois no XVII seculo.
No fim do periodo ogival, a fórma das caixas dos
orgãos era determinada pela
disposição que tinha esse instrumento. A obra de
entalhador para as caixas dos orgãos do XV e XVI seculos, e
mesmo de alguns orgãos do XVII seculo era independente do
instrumento e servia para o resguardar, cobrindo-o. O mechanismo e os
folles ficam inteiramente mettidos entre as almofadas macissas dos
sócos; as almofadas recortadas enchem os espaços
rotos existentes entre a extremidade superior
[306]
dos canudos e os tectos, afim de
facilitar a emissão do som. A marceneria ornada de
esculpturas e de polychromia e os canudos eram muitas vezes estampados
e dourados. Tudo ficava encerrado por portas que o organista abria
quando tocava; estas portas eram, as mais das vezes, ornadas, pelo
menos na parte interna, com pinturas historicas que se viam quando
servia o instrumento. Os orgãos e as caixas, anteriores ao
XVI seculo, são muitissimo raros.
Alfaias religiosas
Ourivesaria e esmaltadores. No XIII
seculo, a arte de ourives transformou-se completamente sob a influencia
do novo estylo architectural. Durante o primeiro quartel e mesmo
durante a primeira metade d'esse seculo, os vasos sagrados e os
objectos do culto apresentavam ainda, é verdade, as mesmas
fórmas geraes que durante o periodo Roman; porém
o systema da decoração teve
modificações importantes. O artista, fosse quem
fosse, esculptor, pintor ou ourives, ia procurar as suas
inspirações, jamais como precedentemente aos
objectos byzantinos ou aos estofos orientaes, mas sim na flora do seu
paiz; serviam-lhe de modelos os vegetaes indigenas e applicava-se
interpretal-os artisticamente.
As chapas esmaltadas e os engastes das joias, com algumas folhagens de
filigrana, ficam geralmente em uso até ao meiado do XIII
seculo; continuando a dar o principal modelo de
decoração
[307]
para os objectos de grandes
dimensões, taes como os reliquarios e os frontaes dos
altares.
Todavia n'uma parte da Belgica, o uso dos esmaltes de côres
desappareceu mais cedo que nas outras partes. Desde o primeiro quartel
do seculo XIII, encontra-se, sobre as margens do
Lambre, uma escola de ourives tendo em pratica
principios inteiramente novos. Á frente d'esta escola e ao
impulso artistico que produz, apparece o irmão Hugo, frade
Agostinho do priorado de
Oignies. Este humilde religioso executou durante o
primeiro quartel do XIII seculo, (um dos seus trabalhos tem a data de
1220), em alguns annos, uma serie de obras-primas que ainda
não foram imitadas, algumas das quaes teem resistido aos
estragos dos tempos, e guardam-se devotamente no thesouro das freiras
de Nossa Senhora em
Nemours, produzindo a
admiração de todos os entendedores. Desprezando o
emprego dos esmaltes com muitas côres, elle procurou o
principal effeito de decoração n'um trabalho
original, que consiste
em cobrir os objectos, no todo ou em parte, com delicadas folhagens
formadas de cachos, de flôrsinhas e pequenas folhas
estampadas, reunidas pela soldadura a delicados pés. A estas
folhagens ajuntava figuras de veados, cães e
caçadores, tudo produzido da mesma maneira. O tecido muito
unido que resultava d'estes trabalhos era depois arribitado ou soldado
sobre as differentes partes do objecto do qual elle abrangia todos os
contornos.
[308]
Hugo empregou ainda as joias; mas ás vezes, em logar de
dispôl-as sobre chapas rectangulares e ligal-as pela
filigrana, as dispunha artisticamente entre as suas delicadas
folhagens. Além d'isto, seguindo o exemplo dos seus
antecessores, não empregava camafeus e com gravuras concavas
á maneira antiga, todas as vezes que não tinha
joias novas para o seu trabalho.
Quanto ás massas coloridas embutidas no metal, Hugo
não conserva quasi o negro do buril que serve para
traçar as inscripções,
ornamentos e tambem as figuras.
Depois do meiado do XIII seculo, os objectos de ourivesaria
principiaram pouco a pouco por imitar na sua fórma e aspecto
geral os monumentos de architectura: os relicarios, que antes eram
cofres, sarcophagos, remedando o feitio dos edificios religiosos,
vieram a ser pequeninas egrejas em ouro e prata: os relicarios tinham
enfeites, por vezes remates, torrinhas ladeadas de contra-fortes e
bastantes arcos; em uma palavra, as fórmas elegantes e
graciosas da architectura ogival foram copiadas nos objectos do culto.
A cinzelura tambem faz cada vez mais progresso; e vê-se mesmo
a maior parte das vezes pequenos objectos apresentarem as esculpturas e
altos relevos, o que não se fazia antes, excepto nos grandes
objectos de ourivesaria.
Os objectos de ourivesaria propriamente chamados conservam, no XIV
seculo, as fórmas que tinham precedentemente, isto
é, imitam o aspecto
[309]
dos monumentos de architectura, ou,
pelo menos, são decorados com certos detalhes
architectonicos. Todavia na França, e sem excesso na
Belgica, os ourives executaram, para relicarios, estatuas pequenas de
alto relevo, grupos e imitações de membros de
corpo humano, ou outros objectos que se desejava encerrar dentro
d'elles. Desde o XIV seculo, os vasos sagrados e os outros objectos do
culto perdem a nobre simplicidade do estylo grave da época
precedente.
No XV seculo os trabalhos de ourivesaria correctos
differençavam pouco, quanto ao aspecto geral, dos do seculo
anterior. As suas fórmas patenteavam todavia as
modificações successivas que teve a architectura
n'esta época. Os ourives empregavam menos simplicidade nas
suas composições, menos elegancia nas
fórmas, porém o seu trabalho é
geralmente mais apurado e mais delicado; levado por vezes
até á
exaggeração pelo acabamento e
perfeição dos pequenos detalhes.
Quando empregavam ainda algumas esmaltes para realçar o oiro
e a prata, os ourives do XIII seculo, como os seus predecessores do XII
seculo, indicavam sobre o liso do metal o contorno das figuras, e
dispunham depois todas as partes internas do desenho, quer por um
cinzelado produzindo um relevo pouco saliente, quer, mais simplesmente
ainda, por uma delicada gravura, cujos traços refaziam o
desenho dos contornos das figuras; emfim, abaixavam o fundo
á roda das figuras e enchiam-no de um esmalte, geralmente
escuro,
[310]
adequado para fazer
sobresair a composição.
Até ao final do XIII seculo, os traços da gravura
delicada ficavam geralmente vasios; era só excepcionalmente
que os enchiam de preto. Mas, no começo d'esta
época, enchiam-n'os quasi sempre de encarnado ou
pardo-escuro.
Dinanderie. Dá-se o nome
de
dinanderie a um objecto de cobre ou
latão coado e martellado, conforme o modo de fabricar esses
objectos. Esta palavra tira a sua origem da cidade de
Dinant sobre o
Meuse, a qual
tinha adquirido, na
edade média, uma grande fama pela
execução de objectos de
latão. Portanto, em virtude d'esta etymologia, alguns
archeologos continuaram com o uso recebido,
escrevendo―Dinan
terie, em logar de Dinan
derie.
A arte de
dinanderie estava prospera
desde o fim do XI seculo nos Paizes-Baixos, e durante os seculos
seguintes, os bate-folhas de cobre obtiveram de differentes soberanos
muitos privilegios, que facilitaram a exportação
dos productos de sua
industria para Allemanha, França, Inglaterra e todo o norte
da Europa.
As pias baptismaes executadas com este material, as primeiras de 1112,
e as outras de 1149, ainda se conservam na Belgica.
Calices e Patenas. A
communhão sob a especie de vinho tendo sido abolida na
Egreja Latina, proximo do XII seculo, os calices
ministraes com aza cessaram de ser empregados no
Occidente, e a sua fabricação ficou completamente
abandonada. Assim, todos os calices ministraes de origem occidental
[311]
são
anteriores ao periodo ogival. Na Grecia e no Oriente, pelo contrario,
onde a communhão se dava ainda aos seculares sob as especies
de pão e vinho, o uso dos calices ministraes conservou-se
até ao presente.
Os calices vulgares, isto
é, os de uso do sacerdote que celebra a missa, teem
geralmente no XIII seculo, como nos dois seculos precedentes, a
taça muito larga e pouco funda, o pé redondo e de
grande diametro; a tige está ornada de um nó
grosso, composto muitas vezes de arestas salientes, mas raramente de
medalhões circulares.
No XIV seculo, e mesmo no fim do XIII uma mudança notavel se
deu na fórma dos calices. A taça estreitou-se, e
de hemispherica, como era antes, veiu a ser conica ou enfundibuliforme,
isto é, similhando-se a um funil. A fórma
desegual, quasi desconhecida nos calices do XIII seculo, veiu a ser
commum, sem todavia tomar uma grande importancia. A hastea, que durante
a primeira metade do XIII seculo, era regularmente cylindrica,
tornou-se angulosa e prismatica, tendo geralmente seis faces. Os lados
do nó foram mudados para
botões redondos, quadrados ou rhombos, egualmente em numero
de seis, e quasi sempre embutidos de esmalte, gravuras ou joias. Sobre
os seis botões estão algumas vezes inscriptas as
seis letras do nome de Jesus, como ortographavam então:
IHESUS. O pé está dividido em seis lobulos
ornados de esmaltes e de gravuras a traço representando
imagens, e mesmo composição completa; estes
lobulos
[312]
correspondem
ás faces da hastea e aos
botões do nó. O sóco do pé
está
recortado em folhas de trevo, quatro folhas ou arcaduras; seu diametro,
sempre menor que o dos calices romans, conserva não obstante
uma base bastante larga para evitar a quéda. Em resumo, os
calices do XIV seculo, comparados com os dos seculos precedentes, tem
mais altura, mas o diametro da taça e do pé
é muito menor.
A fórma geral dos calices do XV seculo é pouco
mais ou menos a mesma dos calices do XIV seculo. Todavia, em certos
paizes, por exemplo na Belgica, observa-se que os lobulos do
pé, as faces das hasteas e os botões do
nó teem muitas vezes o numero oito em logar de seis. Esta
mudança foi introduzida proximo do meiado do XV seculo.
A
patena do periodo ogival tem como
a do periodo roman, a fórma de uma pequena salva,
apresentando no meio uma cavidade circular. O fundo da salva traz
muitas vezes, gravado a traço, um circulo ou um quadrilobo,
circumdando quer o Cordeiro Divino, quer a Mão com aureola
que symbolisa a Divindade, quer qualquer outro assumpto. Colloca-se
algumas vezes uma pequena cruz sobre a borda da salva.
Galhetas. Existem raros especimens
de galhetas da época ogival. Havia-as de cobre esmaltado e
em crystal de rocha com guarnição de prata
cinzelada
e algumas de prata dourada com guarnições
gravadas.
Durante a edade média serviram-se tambem
[313]
mais frequentemente de galhetas de
vidro, mas por causa da fragilidade da materia, muito poucos objectos
d'esta especie escaparam da destruição.
Custodias Eucharisticas. Em alguns
paizes, particularmente em França, a Eucharistia continuou,
durante o periodo ogival, a estar conservada, como anteriormente, nas
pombas douradas e esmaltadas, collocada, a maior parte das vezes, em
uma torresinha ou pequena tenda forradas de telas custosas, ficando
suspensa por cima do altar, quer sob a pyxide, quer no baculo de metal.
No XIII, no XIV, e mesmo ainda durante uma parte do XV seculo, as
pyxides eram geralmente como as do periodo Roman, de muito pequeno
tamanho, porque, até proximo do meiado do XV seculo, serviam
sómente para conservar o numero necessario de hostias de que
havia precisão para a communhão dos doentes em
perigo de vida. Os fieis que podiam assistir aos officios religiosos,
recebiam a Santa Eucharistia depois da communhão do
sacerdote, com as especies consagradas durante a missa, sendo
distribuidas servindo-se da patena.
Quasi todas as pyxides do periodo ogival eram de metal; as de marfim e
cobre não apparecem senão excepcionalmente.
As pyxides sem pé, de
cobre dourado e esmaltado, compostas de pequenas caixas cylindricas,
tendo uma tampa de fórma de cone, ficaram em uso pelo menos
até o XVI seculo; empregando-se principalmente para levar o
Viatico aos enfermos.
[314]
Encontram-se ainda presentemente muitas d'estas pyxides, mais ou menos
valiosas e ornadas. Não poucas devem a sua
conservação a
esta circumstancia, que depois da introducção das
grandes pyxides aproveitaram-nas para guardar as reliquias destinadas a
ficar chancelladas no altar no momento da
consagração: portanto, não
é raro encontrarem-se nos desmanchos dos altares do XVI e
XVII seculos.
As pyxides
pediculares, isto
é, tendo um pé, que eram raras antes, vieram a
ser as mais communs desde o XVIII seculo. Algumas destinadas a ficarem
suspensas por cima do altar, sob o sacrario, ou na voluta do baculo,
teem o pé muito pequeno, e a taça assim como a
tampa bastante grandes e quasi hemisphericas, de maneira a formar
reunidas uma bola ôca, geralmente um pouco achatada.
No seculo XII, as pyxides, em logar de ficarem suspensas por cima do
altar, foram postas nos sacrarios, deram-lhes regularmente um
pé mais alto, similhante aos dos calices e dos relicarios.
No principio, bastava collocar sobre um pé as pequenas
pyxides de cobre dourado e esmaltado; depois fizeram tambem as pyxides
em metal com cinzelados e rebatidos, vindo a ser unicamente usadas. As
mais antigas da ultima especie teem a taça e o pé
circular.
No XIV seculo, a taça e a tampa tiveram a fórma
hexagonal, isto é, seis faces, e o pé divide-se
em seis lobulos.
[315]
Durante a ultima metade do XIV seculo e todo o XV seculo, as pyxides
pediculadas têem muitas vezes as arestas da tampa decorada de
crochetes; os angulos formados pela intersecção
dos seis
lados da taça, sendo flanqueados de contra-fortes, e os
lados tambem ornados de arcaduras com ou sem estatuasinhas.
Quando no XV seculo, ficou introduzido o costume de conservar o maior
numero de hostias consagradas, afim de poder dar a communhão
aos fieis, mesmo sem ser na occasião da missa, as pyxides
tiveram dimensões muito maiores. Continuou-se geralmente a
dar-lhe fórmas architecturaes, porém essas
fórmas vieram a ser, sobretudo na Allemanha, mais altas e
mais complicadas ajuntando-se arcos-butantes aos contra-fortes e
ás arcaduras com as quaes já as ornavam
precedentemente. Em França e na Belgica, appareceram proximo
do final do XV seculo as pyxides esphericas, cuja fórma faz
lembrar a dos antigos ciborios suspensos. Não é
raro, além d'isso, achar pyxides
transformadas em relicarios.
Não será inutil aqui repetir, que, salvo raras
excepções, todas as pyxides anteriores ao XVI
seculo teem a tampa presa á taça por um gonzo.
Custodias. A solemnidade do
Corpus Domini, ou festa do Corpo de Deus,
instituida em Liège em 1246, e extensiva á Egreja
Universal, dezoito annos mais tarde pelo pontifice Urbano IV, trouxe o
uso de expôr publicamente o Santissimo Sacramento
á veneração dos fieis. Foi este uso
que
[316]
deu origem ao vaso
chamado
custodia,
ou
apresentação nome derivado
dos verbos latinos
ostendere e
monstrare,
significam, um e outro,
mostrar.
No principio, parece que o
Santissimo
Sacramento, estava exposto publicamente nas pyxides
transparentes com cruzes e torrinhas cheias de
aberturas; mas, dentro em pouco adoptaram-se, geralmente as custodias.
Algumas d'estas custodias primitivas apresentam a maior analogia com os
relicarios expostos contemporaneos. São pequenos edificios
de metal, com recortes, tendo um pé e furados sobre dois ou
muitos dos seus lados, com aberturas, as mais das vezes sob a
fórma de janella ogival.
As custodias mais communs durante todo o periodo ogival, foram as de
cylindro,
assim
designadas porque são formadas d'um cylindro de crystal ou
de vidro posto sobre um pé de metal. No XIV, XV e XVI
seculos, o cylindro tem geralmente por cima um campanariosinho e nos
flancos contra-fortes e arcos-butantes, igualmente de metal. Depois do
XIII seculo, o campanariosinho e o pinaculo não
são usados. A hostia colloca-se no interior do cylindro
n'uma luneta sustentada por um ou mais anjos. O pé e o
nó d'estas custodias
apresentam a maior similhança com os calices e as pyxides
contemporaneas; todavia, o diametro do pé é
geralmente maior nas custodias que nas pyxides e calices.
As custodias em que o cylindro de crystal é substituido por
um
sol radiante
vieram a ser geraes
[317]
desde o
XVI seculo. Antes d'esta epocha, eram extremamente raras, e
sómente se conhecem pela noticia que se encontra nos
inventarios dos thesouros das egrejas pertencentes ao XV seculo.
Relicarios. Os relicarios do periodo
ogival apresentam fórmas tão variadas como os da
epocha Roman. Seria difficil descrevel-os todos; occupar-nos-hemos dos
principaes.
Relicario da vera Cruz. Como
precedentemente dava-se muitas vezes a estes relicarios a
fórma d'uma cruz com travessa dupla; porém
empregavam-se os ornatos proprios da ourivesaria da epocha ogival. A
maior parte d'estas
cruzes-relicarios, sobretudo as mais bellas,
são do XIII seculo.
Depois d'essa epocha abandonou-se o costume de encaixilhar os
relicarios da vera cruz, nas cruzes relicarias com travessa dupla, e
serviram-se geralmente da cruz com uma unica travessa.
Deu-se tambem algumas vezes a fórma de uma cruz aos
relicarios contendo reliquias de santo; mas n'este caso a cruz tem
sempre uma só travessa.
No XIII seculo, os relicarios da vera cruz, collocados n'uma pequena
cruz ou bocota, eram ainda ás vezes, como durante o periodo
Roman, encaixilhados dentro de placas metallicas fixas sobre o meio da
madeira e ornados de esmaltes, gravuras e cinzelados de maneira a
formar uma especie de quadro com portas de metal ou madeira pintada.
Relicario da corôa com
espinhos. Os espinhos
[318]
da corôa trazida pelo
Redemptor durante a sua
paixão, eram collocados regularmente em corôas de
ouro ou de prata enriquecidas de joias. Algumas d'estas
corôas, feitas no Oriente, foram enviadas para a Europa
Occidental pelos imperadores que as conquistas dos cruzados tinham
collocado sobre o throno de Constantinopla.
A Santa Corôa de espinhos que tinha vindo em poder dos
cavalleiros cruzados em seguida ás suas conquistas no
Oriente, ficou conservada religiosamente no throno sagrado do novo
imperio byzantino até 1237, epocha em que o imperador
Bauduino II foi obrigado a dal-a em penhor aos commerciantes
venezianos, os quaes lhe haviam feito um emprestimo da quantia de
quatro mil marcos de prata para occorrer ás necessidades
mais urgentes das finanças imperiaes.
Pouco tempo depois, S. Luiz IX, rei de França, tendo tido a
felicidade de occupar o logar dos emprestadores, ficando responsavel
pela quantia entregue, pôde obter a preciosa reliquia, e a
fez transportar para França por dois frades dominicanos.
O santo rei mandou pôr muitos espinhos nas corôas
do mesmo feitio que tinha a corôa real, e presenteou com
ellas um certo numero de estabelecimentos religiosos.
Os Santos Espinhos foram tambem por vezes encaixilhados em relicarios
mais simples e d'um feitio differente.
Os relicarios do periodo ogival apresentam o mesmo aspecto que os do
XII seculo, isto é, teem
[319]
a fórma d'um cofre oblongo,
fechado por uma tampa imitando um telhado com duas aguas.
Os grandes relicarios do XIII seculo são cofres de madeira
coberta com chapas de metal esmaltado, cinzelado e por vezes
simplesmente gravado. Quasi todos são rectangulares; ha
todavia, por exemplo, a grande caixa das reliquias de Nossa Senhora de
Aix-la-Chapelle,
que se
vê sobre os seus dois compridos lados, saliencias que a faz
parecer com uma egreja tendo um cruzeiro. As suas faces verticaes
são ornadas de estatuasinhas de ouro, prata ou de cobre
dourado, ficando collocados debaixo de docéis ou arcaduras.
Jesus Christo abençoando, sentado ou de pé,
só ou
entre dois santos, se vê, como nos relicarios Romans, sobre
um dos dois pequenos lados formando empena, emquanto o outro lado fica
occupado por Nossa Senhora, ou pelo Santo cujas reliquias se conservam
no relicario, igualmente collocado entre dois santos.
Os dois lados compridos estão divididos n'um certo numero de
compartimentos tendo como remates frontões dentro dos quaes
estão inscriptas ogivas quasi sempre trilobaes. Estes
compartimentos formam docéis ou arcaduras, mostrando
estatuasinhas dos apostolos ou de outros santos assentados.
Sobre as abas da tampa ha figuras em pé ou baixos relevos
representando os mysterios da vida de Jesus Christo e os principaes
factos do corpo que encerra o relicario.
[320]
Finalmente, algumas vezes a aresta superior do cofre, e mesmo os lados
inclinados dos frontões, teem na summidade folhagens de
esmerado lavor, interrompidas de distancia a distancia, por
castões.
As linhas inclinadas dos frontões, os docéis, os
molduramentos e os fustes das columnasinhas que sustentam os
docéis estão bastantes vezes cheios de esmaltes e
filigranas como se fazia precedentemente.
Desde o final do XIV seculo, os relicarios em metal perdem o aspecto de
feretro ou cofre, como haviam tido até então;
transformam-se pouco a pouco e tomam a apparencia de capellas e mesmo
de pequenas egrejas.
Alguns relicarios do XIV seculo fingem, d'uma maneira extremamente
caracterisada as fórmas
architectonicas: representando rosaceas, galerias, campanariosinhos e
contrafortes; os seus docéis e frontões teem as
inclinações dos
contornos decorados de crochetes acabando no feitio d'um
florão.
O maior numero dos relicarios metallicos dos XV e XVI seculos imitam
servilmente a maneira de se construirem os monumentos de cantaria;
vindo a ser reproducções em pequeno das grandes
egrejas
ogivaes. Tendo egualmenle arcos-butantes, na summidade recortes,
parapeitos vasados em trefles ou de quatro folhas, uma nave principal e
as lateraes, etc., e ás vezes tambem uma torre se ergue no
centro do espigão.
Usaram tambem, durante o periodo ogival, de
[321]
relicarios de madeira
cobertos de
pinturas representando assumptos religiosos que recordam geralmente os
principaes factos da vida do santo que contém o relicario.
O relicario de madeira mais notavel como objecto d'arte por causa de
suas pinturas, é o de Santa Ursula, que está no
hospital de S. João em Burges. Tem a data do XV seculo e
constitue uma das obras primas do pintor Hans Memlinc.
Ha tambem poucos exemplares de relicarios de pedraria do periodo
ogival.
Os relicarios não contém sempre os corpos
inteiros dos santos, e são tambem destinados a
conservar reliquias diversas.
Bustos, braços, pés,
estatuasinhas, etc. O uso de conservar as reliquias dos
santos dentro de bustos ou nos relicarios preciosamente ornados
imitando a fórma dos ornatos a que os relicarios pertenciam
já no periodo roman, manteve-se durante toda a epocha
ogival, e encontram-se ainda muitos exemplares do periodo do
renascimento.
O maior
busto-relicario conhecido,
pois mede 1
m,62 centimetros de altura e um dos
mais magnificamente
ornados, é o de S. Lamberto da cathedral de
Liège, obra de 1506 a 1512. É de prata dourada e
está posto sobre um plintho decagono decorado de seis baixos
relevos representando differentes scenas da vida do santo bispo de
Maestricht. O bispo está paramentado com as vestes
pontificaes e todo coberto de joias e perolas.
Os ossos dos braços e dos pés estão
muitas vezes
[322]
introduzidos nos relicarios apresentando a fórma d'esses
membros do corpo humano. Nos relicarios de fórma de
braço, a mão fica sempre
representada
benzendo á maneira
Latina.
No thesouro da egreja de Nossa Senhora de Tongres ha sete relicarios
com a fórma de braços. Dois são do
final do XIII ou principio do XIV seculo, estando compostos de chapas
de prata com faxas de cobre dourado guarnecido de joias e filigranas;
os outros cinco são de madeira pintados e dourados. Os tres
mais admiraveis e preciosos, têem dois a fórma
d'um pé, e no terceiro, com a
fórma de meia lua, guarda-se uma costella do apostolo S.
Pedro.
Ha tambem relicarios apresentando o feitio de estatuasinhas. Geralmente
as reliquias estão contidas em um pequeno cylindro de
crystal, guarnecido de prata ou cobre dourado, fechado nas duas
extremidades e posto ao lado da estatuasinha ou trazendo-o na
mão. Algumas vezes, posto que raramente, estão
fixos n'um medalhão ou pequena cruz, sobre o peito ou sobre
outra qualquer parte da estatuasinha.
Mostrador-relicario. Estes
relicarios compõem-se de vasos de crystal ou de qualquer
outra materia transparente, engastados em obra de ourivesaria, onde se
mettem as reliquias, depois de as ter embrulhado em pellica, seda ou
estofo, tecidos de ouro ou prata. Estes vasos, geralmente de
fórma de cylindro ôco, põem-se muitas
vezes n'uma
posição vertical, e ficam limitados por um remate
tambem conico. O maior numero dos mostradores-relicarios
[323]
são postos sobre
pés similhantes aos
dos calices e das custodias; alguns são sustentados por
anjos ou levitas; finalmente ha os que ficam postos sobre um
sóco; por vezes acontece não
terem essa base.
No XIII seculo, e mesmo ainda ás vezes no seculo seguinte,
os ourives, á imitação das
obras dos esculptores contemporaneos, iam buscar os feitios de
decoração para os mostradores-relicarios
ás reliquias nos engastes das joias, ás
filigranas e as folhagens imitando a flora indigena.
Ao começar do XIV seculo, muitos relicarios fingem
fórmas architecturaes e imitam mais ou menos certas partes
dos edificios do estylo ogival. Os feitios da
decoração tirados até ali
ao reino vegetal, dão logar para formar pinaculos,
contra-fortes, arcosbutantes e docéis, estando delicadamente
lavrados e executados, não pela
imitação servil dos edificios de cantaria, mas
com uma intelligencia apurada que distingue todas as
producções artisticas da idade media e que
attendiam á natureza da materia que se punha em obra. O
ourives, posto que conservasse as fórmas geraes da
architectura, dava-lhes uma leveza que seria impossivel, se fosse
executada na pedra.
Quando o cylindro ficava na posição vertical, a
fórma do mostrador-relicario confundia-se geralmente com a
das custodias, como já referimos.
Vêem-se tambem algumas veze
Vêem-se tambem algumas vezes relicarios com cylindro vertical
e feitio da decoração imitando
a architectura, não tendo peanha.
[324]
Quando, pelo contrario, o cylindro tem a posição
horisontal, é geralmente executado em obra de ourivesaria de
fórma de egreja com uma ou mais naves, encimado d'uma
torresinha elevada e ligada por arcos-butantes sahindo do engaste que
encerra o cylindro.
Phylacteras. Não podemos
deixar de mencionar uma outra fórma de relicarios que foi
commum no XII e no XIII seculos. Estes objectos compõem-se
de pequenos moldes de madeira cobertos de prata e cobre dourado e
esmaltado, sobre os quaes estão traçadas, em
esmalte ou relevo, imagens, scenas historicas e legendarias,
emmolduradas n'uma cercadura de filigrana recamada de joias sem serem
lapidadas. Muitas vezes mesmo as representações
dos assumptos, das figuras e symbolos faltam inteiramente. As costas,
formadas igualmente d'uma chapa de metal, são ornadas de
lavores, gravuras ou pinturas. Têem sempre pequenas
dimensões (o seu diametro não é de
mais que dois a tres decimetros), e fórma redonda, ellyptica
ou, as mais das vezes, com quatro folhas. Alguns archeologos lhes
dão o nome especial de
phylacteras, posto que, conforme a etymologia,
este nome, derivado do grego,
guardar, designa
qualquer
especie de custodia ou recipiente, e deveria por conseguinte
applicar-se indistinctamente a todos os relicarios.
Algumas vezes as phylacteras são, como os relicarios de
cylindro de crystal, postas sobre um pé de metal com figuras
de anjos ou de santos.
[325]
Cofres-relicarios. Continuou-se,
durante o periodo ogival, a encerrar as reliquias dos santos nos cofres
de metal, madeira, marfim e couro com figuras em relevo. É
bastante raro achar, sobre estes cofres, scenas historicas ou symbolos
religiosos.
No XV seculo principiou-se a fazer cofres de ferro, e o seu uso
não se demorou a generalisar. Não devemos pois
admirar-nos, se um grande numero d'estes objectos curiosos
têem sido conservados até ao presente. A maior
parte eram destinados a uso profano: guardavam joias e outros objectos
preciosos. Ha todavia alguns que serviram de relicarios, principalmente
os que têem
inscripções religiosas, como―AVE MARIA GRATIA
PLENA e O MATER DEI MEMENTO MEI.
Ás vezes estes cofres eram inteiramente de ferro; sendo
todavia formados d'uma caixa de carvalho ou de faia forrada de couro
encarnado, sobre o qual assentava uma chapa de ferro recortada e segura
por enfeites de ferro. O ferrolho tinha ás vezes a
fórma d'um lagarto ou de salamandra. A maior parte d'estes
cofres eram cobertos de florões scintillantes, o que faz
vêr que no XV seculo os serralheiros como os ourives iam
buscar á architectura as suas principaes fórmas
de
decoração.
Os cofres de marfim, dos quaes se haviam servido muitas vezes para os
relicarios durante o periodo Roman, ficaram em uso até
á epocha ogival juntamente com os de madeira, de metal e de
couro.
[326]
Trombetas-relicarios. Não
é raro achar, nos thesouros de egrejas, antigas trombetas de
guerra e de caça transformadas em relicarios. Durante a
idade media, os christãos não receiavam empregar
no culto certos objectos profanos emquanto á sua origem e
á sua
ornamentação, mais preciosos como materia ou como
obra d'arte. Já assignalamos esta pratica para os
camafêos e pedras antigas gravadas concavamente, das quaes os
ourives da idade media frequentemente faziam uso para dar mais brilho
ao metal nos differentes objectos para o culto; encontrando-se tambem
nas trombetas dos caçadores de que tratamos agora e dos
esmoleres de que fallaremos depois.
Quasi todas as trombetas-relicarios são de marfim e
apresentam a mesma fórma, imitando a defeza do elephante de
cuja materia eram fabricadas. É do nome d'este animal, que
as trombetas de marfim têem tirado o de
olifante, pelos quaes são geralmente
conhecidos. Na idade media o
olifante era tanto se não fosse mais,
um instrumento de guerra como para a caça; servia
principalmente para dar signal de commando, reunir as tropas e
annunciar a presença do inimigo.
Os elephantes e as trombetas estão guarnecidos de aros de
metal, floreado com florões ou redentados que facilitam
suspendel-os em bandoleira. Estas virolas, algumas mostrando a
cabeça de bezerro, estão fixas nas duas
extremidades, e de distancia em distancia sobre o comprimento do
objecto. Algumas vezes tambem ornam-se os elephantes
[327]
de esculpturas em baixo-relevo, e
então as virolas não têem ornatos.
As principaes officinas para a esculptura dos oliphantes e guarnecel-as
de metal existiam durante a idade media no Norte de França,
principalmente em Abbeville e Paris.
Encontram-se tambem trombetas relicarios em chifre de boi e de bufalo;
posto que guarnecidas pela mesma maneira que os
oliphantes, são todavia faceis de
reconhecer, não sómente pela sua côr,
mas ainda
pela sua curva muito mais fechada, approximando-se geralmente d'um
semi-circulo.
Esmoleres-relicarios. Chama-se
esmoler a uma pequena bolsa com cordões
ou fechos, que se traz suspenso á cintura para guardar o
dinheiro e os objectos de serviço habitual. Estas bolsas,
que formavam na idade media o complemento indispensavel do vestuario
dos dois sexos, eram de couro ou estofos de preço.
Dava-se-lhes tambem o nome de algibeira.
A fórma mais antiga é d'uma pequena bolsinha com
dois cordões de correr para fechar, e d'um outro
cordão para suspender á cintura. Mais tarde
supprimiram-se os cordões e dobraram na frente do bolsinho
uma parte do estofo, que se levantava quando se queria introduzir a
mão no esmoler.
Não se tem conservado até ao presente esmoleres
de estofo, e mesmo os de couro não se encontram
senão casualmente. Entre estes estofos uns são de
seda lavrada, outros têem bordados
sobre linho ou seda com fios de ouro ou seda de differentes
[328]
côres
traçando simples ornamentos,
symbolos e mesmo algumas vezes assumptos.
Na idade media serviam-se, muitas vezes dos esmoleres para embrulhar as
reliquias dos santos e deposital-as nos relicarios. É mesmo
a esta circumstancia que deve ter-se conservado um grande numero
d'esses curiosos objectos, o que serve tambem para se explicar
acharem-se nos thesouros das egrejas. Poucas vezes esses esmoleres
mostram symbolos ou assumptos religiosos; no maior numero
vêem-se simples ornamentos; algumas vezes mesmo
estão decorados com assumptos profanos.
Relicarios diversos. Além
dos relicarios que acabamos de descrever por classes, ha tambem outros
de que seria impossivel formar grupo, havendo infinita variedade, e ao
mesmo tempo um gosto singular, que os artistas de todo o periodo ogival
empregaram no feitio d'esses objectos.
Custodias d'Agnus
Dei. Chama-se
Agnus
Dei a pequenos medalhões de cera branca, de
fórma
circular ou oval, ornados sobre as duas faces com a
impressão d'um cordeiro deitado, uma cruz de
resurreição, estandarte e tendo dois ou tres
guiões fluctuantes. Por baixo do cordeiro ha n'um segmento
de circulo, o nome do Pontifice que benzeu o objecto. N'uma epocha
bastante recente, tem-se muitas vezes completado esta
indicação, ajuntando-se-lhe o anno do
pontificado; havendo-se substituido ao cordeiro collocado no reverso do
medalhão, o brazão d'armas do papa ou uma
[329]
imagem. Em exergo
lê-se quasi sempre: AGNE DEI MISERERE MEI QUI CRIMINA TOLLIS.
Desde o IV seculo é provavel se estabelecesse o uso de
aproveitar, no domingo depois da Paschoa, os restos do cirio paschal do
anno precedente para o dividir em pequenos fragmentos e distribuil-os
depois aos fieis, os quaes os levavam comsigo para suas casas e serviam
como objecto bento de devoção. É
n'esta pratica ao
presente conservado em algumas dioceses com as
modificações accessorias, que se acha a origem da
devoção dos
Agnus Dei. Em
Roma, principiaram
cedo a ajuntar cera pura e oleo aos fragmentos do cirio paschal e com
esta mistura, se moldavam medalhões em forma de distico,
tendo a effigie do cordeiro Divino. Estes medalhões eram
já conhecidos em Roma perto do fim do VI seculo. Mais tarde,
e ainda presentemente, os restos do cirio paschal foram completamente
excluidos da materia dos
Agnus Dei, e serviram-se
unicamente da cêra sem nenhuma addição
de
substancias estranhas, que o soberano Pontifice mergulha durante algum
tempo em agua benta misturada dos Santos Oleos e de balsamo puro.
Em todos os tempos os
Agnus Dei
têem sido recebidos pelos fieis com grande
veneração, e muitas vezes encerrados em pequenas
bocetas de metal mais ou menos precioso, cuja forma e
ornamentação
apresentam a maior analogia com os dos relicarios. Estas bocetas
têem geralmente uma argola para se suspender; são
circulares
[330]
como os antigos
Agnus
Dei, trazendo
em exergo a legenda como está: AGNE, (ou mais vezes ainda
AGNUS) DEI MISERERE MEI QUI CRIMINA TOLLIS, ou uma outra
oração. São
muitas vezes recortadas de maneira a mostrarem uma maior ou menor parte
da cêra. Os espaços que occupam o metal
são ora dispostos em simples cruz grega tendo na
intersecção dos ramos, um
medalhão cinzelado, gravado ou esmaltado, ora em relevo sob
a fórma de cordeiro, imagens, ou simples florão.
Os mais antigos
Agnus Dei
conservados até ao presente não vão
além do principio do
XIV seculo; porém os d'uma epocha posterior encontram-se com
bastante frequencia.
Armarios para reliquias. Os
relicarios, os vasos sagrados, os livros do Evangelho e outros objectos
preciosos conservam-se regularmente em armarios ou tendo simples nichos
feitos na grossura da parede; outras vezes formavam
construcções de pedra encostadas a uma parede;
todavia as mais das vezes eram moveis de madeira com mais ou menos obra
de apurado trabalho.
No XIII seculo, e mesmo ainda muitas vezes no XIV seculo, estes moveis,
d'uma fórma sempre simples e adequada ao seu destino eram
principalmente ornados com ferragens de feitio esmerado e com pinturas
sobre as suas portas. As portas sem molduras compunham-se d'uma serie
de taboas simplesmente juntas, duplas, consolidadas na parte interna,
por travessas e no lado exterior ornadas com bellas pinturas.
[331]
Desde o fim do XIII seculo e durante a primeira parte do XIV seculo, a
pintura e a esculptura foram, em certas occasiões,
empregadas simultaneamente na decoração dos
armarios das reliquias; algumas vezes mesmo, as portas com esculpturas
tinham dourados, e o lavor de estojo com ornamentos coloridos. Depois,
a esculptura augmenta e pouco a pouco acaba, no fim do XIV seculo, para
substituir completamente a polychromia. As portas dos armarios
não apresentam já, a
contar d'esta epocha, as superficies inteiramente lisas e cheias de
pinturas. Compõe-se então de
almofadas encaixilhadas e preparadas do mesmo modo que as partes lisas
das portas. Entre estas almofadas, algumas têem em relevo
molduras com desenhos imitando as travessas das almofadas das janellas,
as outras estão cheias de folhagens ou ornatos de talha
imitando folhas de pergaminho, como já
explicámos. Uma cimeira recortada e
vasada e na qual os prumos dos aros veem terminar em florão
rematam muitas vezes o movel em todo o seu comprimento.
Vasos para os santos oleos. Na
quinta feira de cada anno, o bispo benze solemnemente, durante a missa
que elle celebra na sua cathedral, tres especies de oleos, os quaes
são depois distribuidos pelas egrejas da diocese.
São: 1.º oleos para os cathecumenos; 2.º,
oleo para os
enfermos; e 3.º, oleo para a chrisma.
Acham-se ainda hoje em algumas cathedraes, grandes vasos do periodo
ogival que serviram antigamente
[332]
para benzer os santos oleos na ceremonia de Quinta Feira
Santa.
Além d'estes vasos de grandes dimensões, nos
quaes o bispo benzia os oleos para toda uma diocese, ás
vezes mesmo para muitas, havia recipientes mais pequenos, que continham
sómente os santos oleos para o deão de uma grande
cidade. Alguns eram cofresinhos rectangulares ou ovaes, de madeira
forrada de couro, dividido interiormente em tres
separações, podendo em cada uma caber um frasco.
Outros em metal mais ou menos precioso, compõe-se de tres
vasos, geralmente cylindricos reunidos estando soldados ou simplesmente
unidos.
Os vasos contendo os santos oleos para a occasião mesmo em
que dar os sacramentos e nas differentes uncções
de
bençãos, são regularmente muito mais
pequenos do que aquelles que fallamos, e podem ser divididos em duas
classes. Os da primeira classe, destinados a conter ao mesmo tempo as
tres especies de oleos, são triplicados como os dos
deões, os quaes se differençam unicamente pela
sua menor dimensão. Compõem-se quasi sempre de
tres cylindros ôcos, com uma tampa conica, collocados em roda
d'um nucleo, porém raras vezes postos em linha. Alguns
não têem pés, outros mostram esse
appendice.
Para distinguir os differentes oleos, marcam-se os vasos com lettras
differentes: I, designa o oleo para os enfermos,
oleum
Infirmorum;
C, o santo oleo,
chrisma. Para o oleo dos
cathecumenos servem-se
[333]
ora da
lettra S,
oleum
Sacrum, ora da lettra O,
oleum, ou
mesmo da lettra
E, do grego
Ελχιον,
oleo. Como cada um d'estes oleos
não serve sempre nas mesmas ceremonias, e se precisa levar
longe o oleo para os doentes, cada um dos pequenos vasos pode-se
separar do nó central que os reune.
A segunda classe dos vasos para uso immediato de ungir comprehende
aquelles que encerram uma unica especie, geralmente o oleo para os
enfermos. Teem quasi sempre a forma
cylindrica e estão tapados com uma tampa de fórma
conica. Alguns teem pés, outros não.
Corôas suspensas sobre o
altar. Estas corôas chamadas
votivas,
estiveram em uso pelo menos
durante uma parte do periodo ogival, e conservavam a fórma
que tinham antes: a de um circulo de metal, cujo brilho era muitas
vezes augmentado com joias e esmaltes. Algumas eram feitas de proposito
para o serviço do altar; outras pertencentes aos soberanos
como insignia de realeza, foram dadas ás egrejas pela
generosidade dos principes.
Corôas com luzes. As
coroas de luzes do periodo
ogival são ou
suspensas
ou sustidas em um
pedicello.
As corôas
suspensas, que
estiveram em uso desde os primeiros seculos do christianismo, chegaram
ao seu maior desenvolvimento no XI e XII seculos. Durante o periodo
ogival, perderam muito da sua importancia, e as maiores d'esta epoca,
encontram-se muito raro presentemente.
No XV seculo apparecem os lustres, que quaes
[334]
vieram a ser communs em pouco tempo, e
ficaram a substituir as corôas desde o principio do periodo
do renascimento.
As corôas de luzes
pediculadas são
geralmente de ferro forjado e compõe-se quasi sempre de uma
tampa da qual se ergue uma hastea vertical ornada de um ou muitos
nós. No alto d'esta haste estão postos em
diversas alturas, dois ou mais numeros de circulos em fórma
de polygonos de diametros differentes, compostas de espigas e
dirandellas para terem vellas. Os circulos são
movediços e
podem girar em roda da hastea que os sustenta; esta
disposição permitte aos devotos puxar para si as
dirandellas sem vellas pôr-lhes outras vellas offerecidas por
promessa. Estas corôas estavam em uso nas egrejas onde
numerosos peregrinos vinham venerar as reliquias ou a imagem de algum
santo. As mais remotas corôas tendo pé
não
vão além do XV seculo.
Cruz de altar e de
procissão. Já dissemos, que
até o fim do XV seculo não houve
distincção entre as cruzes do altar e as cruzes
processionaes ou estacionarias. A mesma cruz servia para o mesmo uso:
punham-a sobre o altar ficando firmada sobre uma base ou levavam-a em
procissão no cimo de uma comprida hastea.
No XIII seculo, as cruzes processionaes eram de uma grande
simplicidade. Tinham geralmente a imagem de Jesus Christo, e nas
extremidades dos braços havia os symbolos dos evangelistas
collocados em um quadrilobo.
[335]
No XIV e no XV seculo, ornam muitas vezes com as fórmas
architecturaes, e mesmo tendo estatuasinhas debaixo de docel, o cabo
era ôco servindo para fixar a cruz sobre a hastea ou sobre um
pé.
Quando no XIV, e principalmente no XV seculo, multiplicaram-se as
capellas e os altares em uma mesma egreja por causa do augmento
extraordinario da fundação de missas,
introduziu-se o uso das cruzes do altar, isto é, assentes
permanentemente sobre elle. A cruz do altar principal era a unica que
ficava portatil, podendo servir no altar e nas procissões.
Castiçaes. Havia, durante
o periodo ogival, quatro especies principaes de castiçaes:
os castiçaes do
altar, os
castiçaes de
elevação, e os
castiçaes
paschoaes aos quaes se podem
ajuntar
os
tocheiros collocados aos lados dos catafalcos.
Castiçaes de altar. O uso
de collocar
dois castiçaes sobre o altar
foi introduzido, em certas partes, no fim do periodo roman, e veiu a
ser geral no XIII seculo.
Os castiçaes de altar do XIII seculo apresentam uma grande
similhança com os do periodo roman. Do mesmo modo eram de
metal e compunham-se regularmente de um pé
descançando sobre tres garras, d'um nó e d'um
prato com uma espiga; sendo todavia menos ornados. É por
isso, que apparecem excepcionalmente animaes phantasticos de forma de
lagarto ou dragão de azas que sustentam o prato de quasi
todos os castiçaes romans.
[336]
No XIII seculo, como precedentemente, os castiçaes teem
pouca altura, sendo as mais das vezes de 15 a 25 centimetros. Algumas
vezes todavia, porém muito raro, proximo do fim do XIII
seculo, tinham a hastea com dois ou tres nós quasi 50
centimetros de alto.
O uso de não pôr sobre o altar mais de dois
castiçaes pequenos durou até ao XVII seculo.
Nos XIV e XV seculos, os nós da hastea foram substituidos
por virólas, sendo o numero de duas ou tres; ha todavia
exemplos, principalmente no XIV seculo, onde a hastea tem uma unica
viróla.
No fim do XV seculo e no principio do XVI seculo, os
castiçaes têem muitas vezes os nós,
o pé e o prato com relevos do feitio de meias perolas e a
hastea torcida em espiral.
Castiçaes de
elevação. Este nome foi dado
aos castiçaes destinados para terem as vellas accesas antes
da elevação da Hostia, e que se apagam
depois da communhão do padre. Estes castiçaes,
regularmente em numero de dois e collocados aos lados do altar, eram
muito mais altos que os castiçaes do altar, tendo de altura
muitas vezes um a dois metros de alto.
Castiçaes paschoaes. Assenta-se
geralmente a hastea do
castiçal
paschoal n'uma estante vasada, onde se põe o
livro para o canto do
Exultet. Muitas vezes se collocam dois ou mais
braços destinados a ter pequenas vellas; ha-os de
latão e de ferro forjado.
No XIII seculo, o
No XIII seculo, os castiçaes paschoaes são
ornados
[337]
muito simplesmente imitando
na ornamentação o reino vegetal.
No XIV seculo, os candelabros para a tocha paschoal estão
ornados muito modestamente.
Os castiçaes paschoaes do XV seculo são ainda
muito mais simples.
Os castiçaes postos aos lados do
catafalco. Estes castiçaes geralmente muito
simples são as mais das vezes de ferro forjado e ornados com
polychromia. A sua altura varia entre um a dois metros. Um grande
numero se têem conservado. Algumas vezes estes
castiçaes eram tambem de madeira.
Aos lados dos catafalcos, os tocheiros isolados eram muitas vezes
substituidos por um
candieiro-triangular de pau ou metal composto de
um certo numero de bicos ou de pratos e assente sobre um ou dois
pés. Esta alfaia é tambem designada,
principalmente nos antigos inventarios,
cabide,
rastrum e
rastrellum.
Vestigios de apparato com luzes para os defuntos, se vêem
ainda hoje em muitos monumentos funerarios do XIII seculo, nas egrejas
de S. Diniz, proximo de Paris, mandados erigir por S. Luiz Rei de
França, em memoria dos reis seus predecessores.
Braços com vellas e
dirandellas. Os candieiros com braços e as
dirandellas vieram a ser de um uso geral no principio do XV seculo.
Têem geralmente o mesmo feitio que os braços do
candieiro paschoal com o prato adentado. São postos sobre
[338]
as paredes, e mais vezes ficam
defronte de uma imagem. O maior numero são de
latão; os de ferro forjado encontram-se raras vezes.
Estantes para o côro.
Chama-se
estante do côro a uma estante
de madeira ou de metal sobre a qual se põe os livros para
facilitar as leituras
lithurgicas.
As estantes do côro fazem parte das alfaias religiosas;
são de duas especies: estantes
fixas, collocadas geralmente no meio da
capella-mór e chumbadas no pavimento, ou com um
pé tão pesado que se não poderia
facilmente mudar para outra parte, e estantes
portateis.
As
primeiras serviam para os chantres recitarem os officios; as outras
para o diacono e subdiaconos cantarem o Evangelho, a Epistola ou as
lições sagradas.
Observações
preliminares. Desde o VII e VIII seculos, e durante todo o
periodo roman, fizeram algumas vezes as
estantes fixas
independentes da tribuna. Estas estantes isoladas, estando destruidas
presentemente, eram quasi sempre de metal, e compunham-se, como tambem
as do principio do periodo ogival, d'uma aguia com as azas abertas,
pousada sobre um sóco. Muitas vezes a aguia, attributo do
evangelista S. João, era acompanhada de symbolos dos tres
outros evangelistas.
Estantes fixas collocadas no meio do
côro. As estantes do côro destinadas aos
chantres, são
ordinariamente de latão e compõem-se d'uma aguia
assente sobre um pé em fórma de pilar ou de
columna. Este pé algumas vezes é consolidado por
[339]
arcos-butantes, os quaes
estão ornados de arcaduras vasadas com rosaceas e ornatos
variados, similhantes aos que ornam as grinaldas dos tympanos das
janellas ogivaes.
Nos antigos documentos a estante do côro é
designada
aguia, em latim
aquila, porque a maior parte das estantes, tanto
do periodo ogival como da renascença, têem a forma
d'uma aguia. Muitas
estantes-aguias do XV seculo
escaparam de serem destruidas, talvez pelo seu peso. Algumas vezes a
aguia é substituida por outros animaes, ou por homens e
anjos. As estantes de pelicanos, cujo uso foi introduzido no tempo do
periodo ogival, veiu a ser bastante commum na epocha do renascimento.
As estantes moveis. Estas estantes
facilmente transportaveis, foram empregadas durante o periodo ogival,
quer para a leitura do Evangelho e da Epistola, quer para as outras
ceremonias do culto; eram geralmente de ferro e poucas vezes de
madeira. Estas estantes eram regularmente formadas d'uma dupla
dobradiça com o feitio d'um
X, cujas
extremidades superiores
ficam ligadas entre si por uma cobertura de couro sobre a qual se
põem os livros lithurgicos. Acontece todavia, principalmente
nas estantes moveis de madeira, que elle não é
formado d'uma cobertura de couro, mas sim de taboinhas postas no
prolongamento de duas das quatro extremidades superiores da
dobradiça da estante.
Livros do Evangelho e manuscriptos
lithurgicos.
[340]
Continuou-se, durante o periodo ogival, a
illuminar os textos dos livros santos.
No fim do XII seculo, isto é, no momento em que a ogiva
tomou o logar da
volta
inteira, fez-se uma revolução completa
na arte de pintura. Os
miniaturistas da Europa Occidental do mesmo modo que os pintores das
vidraças e esculptores libertaram-se das
tradicções byzantinas e romans, para se
applicarem principalmente á
imitação da natureza. Este novo genero nascido em
França, como o estylo ogival, generalisou-se por todos os
paizes proximos.
A escola dos
miniaturistas do XIII
seculo dilatou a carreira de suas obras. Até esta epocha, as
Biblias, os livros dos Evangelhos e os dos psalterios tinham sido as
unicas obras ornadas de estampas illuminadas; depois as obras profanas
da antiguidade classica, as dos padres, os romances dos cavalleiros e
as chronicas tiveram tambem illustrações
calligraphicas.
Proximo do meiado do XIV seculo, uma nova mudança teve a
pintura em geral, estendendo a sua influencia sobre todos os ramos
d'esta arte. Ao primor do desenho que traça os principaes
contornos, esforçou-se o pintor por ajuntar o modelado dos
objectos no afrouxamento gradual dos tons e na
opposição das sombras e da luz. A
começar d'esta epocha, o colorido deu á figura,
não
sómente a côr, mas ainda a fórma e o
relevo.
No XV seculo, a arte da pintura e do miniaturista, subiu em Flandres ao
mais alto grau de prosperidade,
[341]
sob a influencia dos irmãos Hubert e
João Van Dyck, Thierry, Streerbout, Roger von der Weyden e
Haus Memling; em Portugal, Antonio e Francisco de Hollanda. Todos estes
eximios mestres não desprezavam empregar o seu tempo na
illuminura dos manuscriptos. O rei Filippe―o Bom―1419-1467―, tinha
uma predilecção notavel pela
ornamentação dos manuscriptos, como tambem em
Portugal el-rei D. João II e D. Manuel
[5], contribuiram
singularmente para o desenvolvimento d'este genero de trabalho.
Os pintores d'esta epocha applicam-se a reproduzir a belleza real que
se colhe da natureza, mais agradavel que uma belleza ideal; substituem
de alguma maneira, o realismo ao symbolismo dos seculos findos
passados; diligenciando representar com toda a verdade os minimos
detalhes da natureza, cogitam o modo de apresentar a mais exacta
reproducção do feitio e côr dos
objectos.
Capas dos livros dos Evangelhos. Até ao
IX seculo serviram-se bastantes vezes de capas de
marfim; do IX seculo ao XII, o marfim estava misturado ao metal e
ás pedras preciosas. Durante o periodo
[342]
ogival, abandonaram geralmente o uso do
marfim, e o metal só ornado com riqueza, sobretudo no XIII
seculo, de esmaltes e joias, foi empregado nas capas das Biblias, nos
livros dos Evangelhos e nos lithurgicos. Salvo raras
excepções, eram cobertos de estofos, de couro, e
algumas vezes de madeira com esculpturas ou de chapas de prata em
relevo
[6].
Thuribulos e naveta para incenso. Os
thuribulos do XIII seculo compõem-se geralmente, como os dos
seculos antecedentes, de duas semi-espheras ôcas, as quaes
juntas formam uma bola. A semi-esphera inferior tem um pé
que lhe serve de apoio, no qual se põe as brazas e o
incenso; vem a ser o verdadeiro perfumador. A semi-esphera superior,
que serve de tampa, está crivada de muitos
orificíos para
sahir o fumo do incenso. Esta tampa que tem como remate muitas vezes
uma torrinha com a figura de homem ou de animal, é
movediça: sóbe e desce ao correr de tres ou
quatro correntes prezas por uma extremidade do thuribulo e por outra
parte da mesma tampa atravez da qual passa uma cadeia que fixa o
remate, e facilita levantal-a ou abaixal-a como se quizer.
A fórma geral dos thuribulos do XIII seculo é
conhecida, não sómente pelos raros
especimens em metal conservados até ao presente, mas tambem
[343]
pelas esculpturas e miniaturas contemporaneas, nas quaes se
vêem anjos ou clerigos thuriferarios.
Nos seculos XIV e XV, os thuribulos mudam de aspecto, apresentam poucas
vezes a fórma espherica e têem geralmente o feitio
de diversas curvas; tomando a fórma de torrinhas com
telhado, janellas recortadas, etc. O metal de que geralmente se
serviam, era o latão; para os de melhor qualidade empregavam
a prata.
Gomís ou
aquamaniles. Os gomís
designados tambem
aquamaniles (de
aqua, agua, e
manile, vaso para deitar agua nas mãos)
faziam parte das alfaias ecclesiasticas e continham agua para as
abluções das mãos, durante as
ceremonias religiosas. Empregavam-se tambem no uso civil para a lavagem
das mãos antes e depois das
refeições. No fim do periodo roman e durante todo
o período ogival tinham as mais caprichosas e mais varias
fórmas. A maior parte apresentam a d'um animal real ou
phantastico; a agua é geralmente introduzida no
gomíl pelo cimo, na cabeça do animal, servindo de
gargalo; a bocca ou o bico finalmente a aza é formada, quer
pela cauda do animal revirada sobre o lombo, quer por um lagarto ou um
dragão alado; algumas vezes mesmo a torneira está
posta diante da figura. Os animaes representados mais vezes
são o leão, o cavallo, o veado, o gallo, o
dragão, a sereia e differentes passaros. Quasi todos os
aquamaniles
são de latão ou de cobre.
[344]
Alguns gomís de metal têem a fórma do
busto de homem, de mulher e de creança. Devemos tambem
mencionar os gomis do XIII seculo apresentando a fórma d'um
prato côvo, não sendo
diverso da bacia que servia senão para pela existencia,
sobre a borda d'um bico para sahir a agua sobre as mãos.
No XI seculo principiou o uso de lavatorios collocados no meio das
sacristias. Havia-os de fórmas architectonicas, imitando
mais ou menos uma fortaleza ou uma torre; outros (e eram os mais
communs), compunham-se de vasos de bronze ou latão, de
pequenas dimensões, tendo uma grande aza e dois gargalos
oppostos; para se lavar as mãos, abaixava-se, empurrando de
cima para baixo, um dos gargalos. O seu uso durou até ao XV
seculo.
Pratos para offerendas. Encontram-se
em muitas egrejas grandes pratos ou bacias de latão
estampado, cinzelado e gravado, ornados de assumptos, symbolos,
brasões, folhagens e figuras geometricas. Estes pratos
designados
bacias de
offerenda, porque serviam e servem ainda para receber as
offertas dos fieis, principalmente as que se fazem durante as missas
para os defuntos, eram feitos no XV e XVI seculo nas officinas dos
fundidores de cobre em Augsbourg, Nuremberg e Brunswick. É
preciso advertir, que as bacias do XV seculo e do principio do XVI
seculo, apresentam os caracteres da decoração
ogival, e que as do XVI e XVII
seculos apresentam ornatos do estylo da renascença.
[345]
Os assumptos e os symbolos, representados geralmente no centro do
prato, mais raramente sobre a borda do prato, são quasi
sempre religiosos: todavia vê-se tambem algumas vezes com o
busto de
Cicero, de sereias, veados,
cães, escudos com brazões, etc.
Inscripções ou legendas estão gravadas
dentro d'um ou dois circulos concentricos proximo da borda do prato, e
repetem-se geralmente cinco vezes. Entre essas legendas ha um grande
numero que apresentam um sentido facil de interpretar, por exemplo:
Got
sei met vus, hiff Got aves not, hiff Th
(esu)
vnd Maria, van allen
schriftvren het slodt myt sonder Gost, eh wart
(ou
gich wart)
der in fridt, ch
(ou
ich)
bart et zeit
gelvek, gi seal recorden, gustate et benedicite Deus; outros
pelo contrario (e estes são os que se encontram mais vezes)
compõem-se de lettras, as quaes reunidas não
apresentam nenhum sentido; taes são as
seguintes:
rahe wishnbi et vrmtlife, vrmtielf
ou
lifevrmto.
Parece bastante provavel que estas legendas, até ao presente
indecifraveis, foram os signaes ou as primeiras lettras de muitas
palavras formando uma divisa conhecida geralmente na epocha em que se
executavam estas bacias para offerendas.
Representação da
patena. Em vez de se beijar a patena, recommendava o
apostolo S. Paulo aos primeiros christãos, um
abraço fraternal. No XIII
seculo, por motivo de decencia e de respeito foi substituido em muitas
partes, pelo uso d'um
osculatorium
[346]
o abraço
porque julgaram
então não se poder praticar sem detrimento para a
moral e distincção das dignidades.
As regras lithurgicas fallam da patena, mas não determinam
nem a fórma nem a
representação. Serviram-se pois para este fim
indifferentemente da cruz, relicarios, capas dos evangelhos, etc.
Todavia a fórma que prevaleceu, foi a d'um pequeno painel,
feito com materias de estimação, taes
como ouro, prata, madeira rija ou marfim cinzelado, gravado, esmaltado
ou pintado, representando um assumpto religioso ou santo. Este pequeno
painel tem geralmente um cabo no lado posterior.
Moldes ou ferros para hostias. Serviam-se desde
muito tempo, e servem-se ainda hoje de ferros para
coser o pão que symbolisa a Eucharistia, imprimindo-se-lhe
figuras e lettras. Estas hostias teem regularmente a fórma
circular. Muitas vezes os moldes representam
crucificação, o Cordeiro Divino, a simples cruz,
o signal I H S, imagens de santos e symbolos.
Insignias e medalhas dos peregrinos.
As insignias de
romaria compõem-se,
durante toda a idade média, de pequenas chapas
rectangulares, quadradas ou circulares, muitas vezes de chumbo fundido
e de obra vasada, outras de cobre ou prata impressa e
aperfeiçoada ao buril. Apresentam geralmente em relevo a
imagem do santo para quem ella foi feita. Distinguem-se de duas sortes:
umas (e eram em maior numero), cosiam-se sobre o ornato pertencente
á cabeça e sobre o
vestuario;
[347]
as outras, bastante
raras, fixavam-se na extremidade do bordão ou arrimo do
peregrino.
Havia-as egualmente apresentando a fórma de medalhas
ornadas, nas duas faces, com imagem de santos e
inscripções; muitas vezes
são acompanhadas de um carneiro ou argola servindo para se
trazer ao collo, ou pegadas quer no vestuario, quer nos objectos de
devoção, como são
os rosarios, etc.
Pequenos altares domesticos. Encontram-se muitas
vezes, nos museus publicos e nas
collecções particulares, pequenos
triptycos
e
polyptycos de marfim, metal ou madeira,
esculpidos, pintados ou esmaltados. Estes objectos, os fieis se serviam
antigamente nas suas habitações para satisfazer a
sua devoção, teem muitas vezes a fórma
de
um retabulo com portas, porém, de grandes
proporções; sendo como os outros retabulos,
ornados de baixo-relevos, estatuas e pinturas.
Baculos. Como já
explicamos, a voluta do maior numero dos baculos romans era terminado
por uma cabeça de serpente ou de dragão;
completava-os uma cruz com o Cordeiro Divino. Esta scena, symbolo do
triumpho de Redemptor alcançado sobre o demonio pelo
sacrificio do Calvario, veiu a ser raro desde o XIII seculo. Algumas
volutas, sem duvida, trazem ainda n'esse tempo na extremidade, uma
cabeça de dragão ou serpente, mas essa
cabeça fica inteiramente separada ou invez já
não ao Cordeiro nem sobre uma personagem ou sobre uma scena
religiosa. Em um grande
[348]
numero
de baculos a cabeça da serpente é
substituida por um ramo de folhagens ou por uma flôr aberta.
Quando, proximo ao fim do XIII seculo, os detalhes de architectura
substituiram-se as peças de ourivesaria, e a
decoração foi buscar aos reinos animal e vegetal,
real ou phantastico, os baculos mudaram egualmente de aspecto.
Ornaram-se então de nichos, estatuasinhas, flechas e
pinaculos. O nó principalmente, e tambem a hostia, ficaram
sobrecarregados com estes ornatos.
Estofos preciosos. Durante o periodo
ogival, serviram-se muitas vezes, para os vestuarios sagrados, de
estofos preciosos, nos quaes os desenhos da
decoração eram feitos,
juntamente com o tecido mesmo, por meio de uma
trama de differentes côres, sendo depois urdido pela
applicação de bordados feitos com agulha. O uso
dos pannos de raz para a decoração das egrejas
generalisou-se cada vez mais durante o periodo.
Tecidos. A arte de fabricar os
tecidos de seda foi trazida da Italia no XIII seculo. Os desenhos
embellezadores que ornam bastantes vezes os tecidos no XIII seculo e
durante uma parte do XIV são geralmente copiados sobre os
estofos orientaes. As figuras symbolicas e os assumptos pertencentes
á historia do antigo e novo Testamento, que se acham
excepcionalmente nos tecidos sicilianos ou italianos antes do meado do
XIV seculo, apparecem frequentemente depois d'esta epocha, com
cercadura, ou não tendo este enfeite.
[349]
No XV seculo, a industria do tecido da seda desenvolveu-se cada vez
mais a Oeste e Norte da Europa. A Suissa, França e a
Belgica, que possuíam, depois do XIII seculo, alguns teares
isolados
para a fabricação da seda, do veludo, e do setim,
viram então os seus teares a multiplicar-se e tomar
consideravel incremento.
Em Flandres tambem se tinha alcançado, desde o XIII seculo,
bastante fama pelos tecidos preciosos, para os quaes os primeiros
aprestos foram fornecidos pela Inglaterra. De todos os estofos o mais
estimado e de preço fabricado em Flandres era o setim de
Bruges.
Bordados. Nas
bordaduras do XIII
seculo, como nas pinturas e esculpturas contemporaneas, o desenhador
abandonou pouco a pouco as tradicções byzantinas.
Os gestos dos personagens perdem a sua expressão archaica,
as cabeças
não são delineadas conforme typos convencionaes,
as pregas dos vestidos, em logar de serem comprimidas e paralellas,
são executadas com fidelidade; finalmente, as figuras teem
muitas vezes a presença curvada.
Desde o fim do XIII seculo, a arte de bordar, designada muito
distinctamente na idade média
pintura com a agulha, acupictura, attingiu a um
subido gráo de prosperidade; desenvolvendo-se cada vez mais
durante o XIV seculo, e chegou ao seu apogeu no principio do XV seculo.
N'esta ultima epocha, tres paizes se distinguiram sobretudo pelo
talento e habilidade no acabamento dos bordados:
[350]
foram a
Belgica, a
Prussia rhenal e a
Bourgogne. Os dois principaes centros de
manufactura para os estofos bordados encontravam-se em Arrhas, em
Flandres
e em
Cologne; a estas duas cidades se póde
ajuntar em segundo logar
Malines,
Liége,
Tournai e
Reims.
Pannos de Raz. Chama-se panno de raz
a
um tecido no qual os fios de côr, enrolados
sobre uma urdidura fixa vertical ou horisontalmente, faz corpo
juntamente, e produz combinações de linhas e tons
similhantes aos de pintura que se obtem com o pincel, e o mosaista com
os cubos de marmore ou de esmalte. O panno de raz
distingue-se do bordado em que as figuras fazem parte integrante do
tecido, em quanto os bordados são simplesmente sobrepostos
sobre um tecido já feito. Distingue-se por outro modo, dos
estofos tecidos de ouro e seda, porque constitue sempre um trabalho
manual, e não é obtido por um mechanismo
representando sem fim o mesmo
padrão.
Cada uma das producções do
panno de
raz é uma obra original.
Os fios com que o tecelão delinea as sua
composições, seus symbolos e ornatos,
são o ouro, prata, seda e lã.
A arte dos pannos de raz era já conhecida no XI seculo.
Antes do anno 1025, havia, em
Potiers, uma fabrica de pannos de raz, cujos
trabalhos tinham sido muito apreciados, mesmo fóra de
França. Os productos d'estas officinas eram ornados de
retratos dos reis, de imperadores, de figuras de animaes, assim como de
assumptos da biblia.
[351]
No XII seculo a Allemanha toma egualmente uma parte activa no
desenvolvimento do fabrico dos pannos de raz.
No XIV seculo, a arte do tapisseiro, posto que continuando a empregar o
mesmo fabrico technico do seculo precedente, progride como todas as
outras artes.
Desde o principio do XIV seculo a manufactura dos pannos de raz de
alto-liço prosperou em Paris, Bruxellas e Arrhas; depois foi
introduzida em muitas outras cidades de Flandres e do Brabante. No fim
do XIV seculo os pannos de raz de Arrhas principiaram a ter a primazia;
devendo a sua reputação á
perfeição dos seus tecidos e á sua
tintura. Desde esta epocha, os pannos de raz de alto-liço
foram designados, principalmente pelos Italianos e Inglezes, sendo da
fabrica de Arrhas, pelo nome de
finos pontos de Arrhaz, e
arazzi.
O XV seculo foi a idade de ouro para os pannos de raz. Realisaram-se
então notaveis progressos na execução
material. Os fios vieram a ser cada vez mais finos, a
proporção da seda e do ouro augmentaram
consideravelmente, os tintureiros inventaram
graduação de côres novas,
emfim os tecelões aprenderam a combinar as côres
com tal habilidade que não podia ser nunca excedida. N'esta
epocha os pannos de Arrhas eram os mais estimados e por isso muito
procurados.
Vestimentas sagradas. Durante toda a
idade média, as vestimentas sagradas, das quaes se serviam
nos dias ordinarios, eram feitas de tecido de
[352]lã,
ou algumas vezes tambem de
linho. Os estofos de seda empregavam-se nas vestimentas ricas e
preciosas.
A
casula conserva, até ao
meado do XV seculo, a fórma que tinha durante o periodo
Roman, isto é, de um vestuario largo, comprimido
á roda do collo, cobrindo inteiramente os braços
e caindo negligentemente de todos os lados á roda do corpo.
Da mesma maneira que precedentemente, quasi sempre as estolas com
bordaduras são comprimidas e estreitas, representando
assumptos religiosos. Na Italia, nos paizes meridionaes e no meio dia
de França, estas estolas são geralmente em numero
de duas postas verticalmente, uma por diante e a outra por detraz do
peito; a de diante fica com o feitio de um
tau T.
Na Belgica, na Hollanda, na Allemanha, e em Inglaterra,
duas outras pequenas faxas saindo do peito passam sobre os hombros e
vão ter ao meio das costas, formando assim, pela sua
combinação com as
estolas verticaes, duas cruzes cujos braços ficam levantados
com o feitio de Y.
As casulas com dupla cruz entraram em uso no norte da Europa
até ao XV seculo, epocha na qual uma mudança
notavel se operou na fórma e
disposição das estolas. Primeiramente, estas
ficavam com muito mais largura; depois em toda a parte onde a dupla
cruz com braços levantados havia tido uso precedentemente,
pozeram sobre o lado opposto da casula,
uma
cruz latina †, e sobre a
frente uma columna.
[353]
No XIII e XIV seculos, sendo sempre estreitas,
eram regularmente ornadas com figuras geometricas
ou pequenas folhagens simplesmente de decoração.
Quando no XV seculo se fizeram mais
largas, representavam muitas vezes imagens ou
assumptos religiosos.
A estola e o manipulo consistiam, durante o
periodo
ogival, em faxas compridas e estreitas, quasi
sempre ficando as extremidades um pouco mais
largas.
As estolas e os manipulos, geralmente de uma
grande simplicidade, eram feitos de linho, de lã
ou de seda, acabando n'um bordado e franjas.
Os de ornamentos ricos eram por vezes bordados
e apresentavam uma certa analogia com as faxas
de recamo d'ouro das casulas, que lhes pertenciam.
As suas extremidades não tinham ornatos
com bordados symbolicos, que só se usaram depois
da primeira metade do XV seculo.
No principio o
pluvial, em latim
coppa,
isto é,
capote para resguardo da chuva (
pluvia) era usado
sómente pelo clero inferior, principalmente pelos
chantres e mesmo por vezes pelos seculares, tomando
uma parte na celebração do culto. Foi
sómente
no XIII seculo que veiu a ser commum para
todas as ordens da hierarchia ecclesiastica, incluindo
mesmo o pontifice.
Serviam-se do pluvial, como se pratíca ainda
hoje, nas procissões e em todos os outros officios
da missa; por exemplo, no canto solemne
de vesperas. O seu feitio é o mesmo da casula;
[354]
sómente, em logar de ser, como esta, inteiramente
fechada de maneira a esconder todo o
corpo, é aberto na frente desde os pés
até ao collo.
O pluvial da idade media tinha, sobre as costas,
um capuz de ponta muito comprida, com a
qual se podia cobrir a cabeça. Nos pluviaes ricos
as orlas da abertura de diante, e tambem a orla
inferior, estão cobertas de faxas de estofo colorido,
bastante estreitas e ornadas, principalmente
no principio do XIV seculo, sendo os assumptos religiosos
feitos com bordados. No XIV seculo as faxas
veem a ser mais largas, e proximo da mesma
época, o capuz augmenta, ficando a sua extremidade
redonda, e como as faxas, ornada.
Colchete do pluvial. Prendia-se o pluvial sobre
o peito com um grande colchete coberto de medalhões
em metal precioso, ornado de esmaltes ou
delicadamente cinzelado. Estes
medalhões colchetes,
em latim
fibulae,
morsus,
monilia
ou
pectoralia,
teem muitas vezes a fórma de quatro folhas; ha
tambem circulares, ovaes, e mesmo quadrados.
São geralmente ornados com assumptos religiosos
ou com estatuasinhas de santos. Acompanham-os,
principalmente no XV seculo, a figura ajoelhada e
os brazões do doador.
A
alva e o
amicto
conservaram as fórmas primitivas
durante o periodo ogival. Eram geralmente
de linho, algumas vezes tambem de seda
ou brocado. Continuou-se a guarnecel-os de faxas
rectangulares com recamo de oiro, bordados ou
tecidos vistosos. Estas vestimentas prendiam-se no
[355]
meio da orla superior do amicto; e sobre a alva
nas extremidades das mangas á roda do punho,
por diante e detraz sobre a orla inferior proximo
dos pés, e algumas vezes tambem sobre o peito.
A
cintura, da qual o sacerdote se serve para
arregaçar a alva, prende-se á estola em cruz
sobre
o peito; não teve nunca na idade média a
fórma de cordão que apresenta actualmente. N'essa
época geralmente consistia em um comprido cinto,
especie de fita comprida de dois metros e
meio, com a largura de cinco a seis centimetros.
Dá-se-lhe algumas vezes o comprimento symbolico,
por exemplo, do tumulo de Jesus Christo.
A
dalmatica é a vestimenta decima do
diacono,
a
tunicella, a do sub-diacono. Não
existe, ha muito
differença entre estas duas vestimentas, posto que
n'outro tempo a tunicella teve mangas mais curtas
e era mais comprida, porém menos ornada que a
dalmatica.
Durante o periodo Roman e no principio do ogival,
a dalmatica consistia em um comprido vestido
inteiramente fechado, com mangas e uma abertura
para passar a cabeça. Era enfeitada diante
e detraz por duas faxas verticaes com recamo de
ouro ou de côr, descendo até a orla inferior.
Estas
faxas, muito estreitas no XIII seculo, vieram a ser
cada vez mais largas desde o XIV seculo.
No XIII seculo, a dalmatica não era ainda aberta
nos dois lados da orla inferior até quasi á
quarta
parte do seu comprimento. No XIV e XV seculos,
estas aberturas augmentaram até meia altura do
[356]
vestuario; tendo então, do mesmo modo, toda a
parte inferior da dalmatica, bordados de faxas de
côr ou as superiores de recamo de ouro.
Mitras. As mitras com dois bicos, o uso das quaes
se tinha generalisado no XII seculo, foram definitivamente
adoptadas no XIII seculo, como um ornamento
episcopal e abbacial. Comparadas com as
mitras modernas, as primitivas eram muito baixas,
a sua altura variava entre 0,20 a 0,25 centimetros.
As differentes partes de que se compõem as mitras
são: 1.º as peças triangulares formando
pela
sua reunião o barrete; 2.º as duas fitas pendentes
da mitra mais largas nas extremidades inferiores,
ficando prezas por detraz da mitra.
Havia na idade média duas qualidades de mitras:
simples ou lisas, e com bordaduras recamadas
de oiro, designadas na latinidade da idade
media pelo nome
mitrae auriphry giatae. Sobre
estas ultimas as bordaduras recamadas de oiro
dispunham-se por tres maneiras: 1.º verticalmente
ou, como dizem os livros lithurgicos,
en titre in
titulo; 2.º horisontalmente ou
in circulo;
3.º em
titulo e em circulo juntamente.
No meiado do XIV seculo, os bicos da mitra
são maiores. A maior parte das mitras da ultima
metade d'este seculo medem de 32 a 35 centimetros
de altura. Esta altura chega regularmente
a 40 centimetros no seguinte. N'esta ultima época
tambem as orlas dos bicos são algumas vezes guarnecidas
com bordaduras recamadas de oiro, ou
tendo uma especie de renda de prata dourada similhando-se
[357]
a folhas de repolho ou de crochetes
vegetaes.
Abbadias e Mosteiros
Observações preliminares. As
partes principaes
de que se compõem as abbadias e os mosteiros
da idade media são a egreja, o claustro, o refeitorio,
a sala do capitulo, o dormitorio, o aposento para o
abbade e para os hospedes, o celleiro, o palheiro, a
prisão e as casas de arrecadações.
Estas differentes
partes ficavam geralmente da mesma maneira,
principalmente nos conventos que observavam a
mesma regra.
A egreja era sempre
orientada, isto é,
ficando
a capella mór voltada para o Oriente. No lado meridional
da nave fica encostado o claustro, do qual
se entra para a egreja por duas portas collocadas
nas extremidades da galeria encostada á parede
lateral da egreja: uma junto do alpendre, outra na
proximidade do cruzeiro. A galeria opposta, que
fórma o lado meridional do claustro, dá entrada
para
o refeitorio. A sala do capitulo e o parlatorio occupam
o rez-do-chão ao longo da galeria oriental,
que se liga por uma extremidade com o cruzeiro;
no andar por cima está o dormitorio, o qual communica
com a egreja por uma escada conduzindo
do dormitorio ao transepte. As construcções do
occidente do claustro serviram primitivamente aos
irmãos conversos, os quaes eram em grande numero
nas grandes abbadias do XII e XIII seculos.
Porém, quando mais tarde se supprimiu esta
instituição,
[358]
e se limitaram os irmãos
conversos ao
numero estrictamente necessario para o serviço
dos religiosos, ellas foram destinadas para outros
usos. Muitas vezes serviram para aposentos
dos hospedes, e uma parte foi transformada em
celleiros e armazens.
As differentes Ordens religiosas distinguem-se
na escolha do local; quando pretendiam fundar
uma nova abbadia, cada uma dava preferencia aos
sitios de mais predilecção. Os Benedictinos
escolhiam
geralmente os sitios altos e as montanhas;
os Bernardos, pelo contrario, gostavam de se estabelecer
nos valles sobre as margens dos ribeiros,
como exprimem estes dois versos:
Bernardus valles, montes
Benedictus amabat,
Oppida Franciscus, magnas Ignatius urbes.
A similhança que apresentam a maior parte das
abbadias cistercienses na disposição das suas
differentes
fórmas é bastante notavel; quasi todas,
quando o accidentado do terreno o permittia, reproduziam,
por assim dizer, servilmente o plano
das abbadias primitivas da Ordem de Cister; plano
typo adoptado para a construcção d'estas abbadias
na Europa occidental do XII e XIII seculos.
A egreja era muito vasta; a sua nave meridional
ficava encostada ao claustro, com as suas galerias
para passeiar; a Leste do claustro está a
casa do capitulo; o parlatorio era o grande recinto
onde se reuniam os monges; no andar sobre este
lado ficava o dormitorio e o refeitorio, e a cozinha
[359]
do lado da galeria meridional do claustro. O rez-do-chão
era destinado para reuniões durante o
dia, e o andar superior para as de noite; como
se dizia na idade média,
domus conversorum.
O
rio ou ribeiro passava por baixo do refeitorio ou
cozinha para levar o lixo de toda a qualidade.
Defronte dos aposentos dos irmãos conversos, havia
um grande pateo murado, no qual estava, na
direcção de sudoeste, a porta da entrada
principal
da abbadia. Temos em Portugal um famoso modelo
na antiga abbadia de Alcobaça.
As outras grandes ordens religiosas adoptaram
muitas vezes, para os seus mosteiros, disposições
analogas.
As ordens de S. Domingos e S. Francisco, fundadas
ambas no principio do XIII seculo, estabeleciam-se
regularmente nos grandes centros da povoação,
onde não achavam sempre espaço bastante
vasto para se poderem desenvolver á vontade e
dispôr as differentes partes dos seus mosteiros
seguindo dados uniformes. É por esta razão que,
em muitos casos, o plano dos seus conventos differe
sensivelmente da disposição tradicional observada
escrupulosamente pelos monges de Cister,
mesmo, porém, com mais liberdade pelos Benedictinos.
Egrejas. A planta das egrejas monasticas apresenta
geralmente, como a das cathedraes e das
collegiadas, a fórma de uma cruz Latina. Muitas
vezes a capella-mór não é muito
comprida. Foi
então no XIII seculo que na Europa occidental e
[360]
central se pozeram as cadeiras no côro para os
frades, não sómente na capella-mór,
mas tambem
no cruzeiro, e mesmo em uma parte da nave principal,
como existia na egreja de Alcobaça.
As egrejas dos frades Dominicanos e dos Franciscanos
não tinham ordinariamente nem cruzeiro
nem torre. No XIII seculo, os Dominicanos, construiram
em Paris, Augsbourg, Dresde e outras
muitas cidades, egrejas com esta disposição
excepcional,
ficando divididas por duas naves com um
unico renque de columnas. Encontra-se tambem
esta disposição, porém, raramente, nas
egrejas das
outras Ordens religiosas.
Claustros. Durante o periodo ogival, os claustros
eram geralmente construidos de abobada de
barrete com nervuras, e communicando com o
pateo do convento por arcadas ogivaes, vasadas e
separadas umas das outras por contrafortes. Nas
arcadas collocavam nos XIII, XIV e XV seculos, trabalhos
rendilhados em cantaria, similhantes aos
feitios que se viam nas janellas contemporaneas; e
de que temos exemplos nos edificios religiosos da
Batalha e de Belem. Muitas vezes esses caixilhos
de pedra não tinham vidros; todavia, principalmente
no Norte e Oeste da Europa, vedavam os tympanos
com vidros brancos ou de côres, a fim de
dar abrigo contra os rigores da temperatura a
quem passeasse pelas galerias do claustro.
Desde o XIV seculo algumas vezes, e bastantes
no XV seculo, substituiram nos claustros, as arcadas
ogivaes pelo feitio de janellas com pinasios de
[361]
pedra similhantes aos das arcaduras ornadas, que
se veem nos peitoris das janellas inferiores nas
egrejas do ultimo periodo ogival.
Fizemos notar, que as egrejas cathedraes e collegiaes
tinham antigamente um claustro, porque, do
mesmo modo que os frades, os conegos viviam a
principio em communidade. Este uso, que principiou
a não se seguir desde o XIII seculo, persistiu
não obstante
em muitas partes até ao fim do periodo ogival.
Quasi todos os claustros, grandes e pequenos,
construidos na idade média, possuiam um
lavabo,
lavadouro, tendo uma pia com uma fonte. A fonte
occupava, no principio, o centro do pateo do convento.
Mais tarde approximaram-a da galeria do
refeitorio; ficando então collocada em frente da
entrada do refeitorio, ou em um dos angulos da
galeria ao longo d'elle. Os frades voltando do trabalho
da lavoura, lavavam ahi as mãos antes de
se pôrem á mesa ou ir ás rezas.
Refeitorio. O refeitorio estava geralmente situado
ao correr da galeria meridional do claustro. Como
já referimos, compunha-se d'uma vasta sala
traçada
sobre um plano rectangular, abobadada em
geral ou por vãos descançando sobre um fuste de
columnas. Por cima do claustro, havia muitas vezes
um andar pouco alto, servindo de celleiro para
abastecimento no inverno, com alimentos e fructas
passadas.
Nos conventos dos Cistercienses, o refeitorio era
sempre dividido em duas naves por um renque de
columnas, collocadas ao meio longitudinal; além
[362]
d'isto, ficava este renque perpendicular á galeria
proxima do claustro. No refeitorio dos frades de
S. Bento, e em geral, em todas as outras abbadias,
o grande eixo corria parallelo á galeria do
claustro, e o renque das columnas muitas vezes
não é representado.
Ao lado do grande refeitorio, quasi sempre a
oeste d'elle, ficava a cosinha, geralmente com
uma grande chaminé quadrada.
Casa do Capitulo. No rez-do-chão ao
correr da
galeria oriental do claustro era a casa do Capitulo,
a casa para as visitas e a sala dos frades. O
dormitorio occupava o andar d'este lado uma escada
conduzindo directamente do andar superior ao
cruzeiro do lado do sul, facilitava aos frades descerem
á egreja para os officios nocturnos sem se
expôrem ao ar exterior.
A casa do Capitulo, isto é, o logar onde os frades
se reuniam sob a presidencia do abbade, afim
de tratarem dos negocios espirituaes e temporaes
do mosteiro, era edificado sobre um plano quadrado
ou rectangular com um ou muitos renques de pilares
sustentando as abobadas e as suas nervuras,
dividindo-se em duas ou mais naves. Bancos de pedra
guarneciam as paredes em roda. Na Inglaterra
dá-se frequentemente ao plano das casas de capitulo
a fórma circular ou polygona; e n'este caso,
uma unica columna central sustenta a abobada e
as suas nervuras, como ha em Westminster e em
Lincoln.
Parlatorio. O parlatorio,
collocutorium,
era uma
[363]
pequena casa entre a do capitulo e a escada conduzindo
ao dormitorio. Ali os frades tinham licença
de conversarem em voz baixa, quando relações
indispensaveis da vida commum o exigissem. Em
todas as outras partes do mosteiro se devia guardar
o maior silencio.
Ao lado da escada proxima do parlatorio, havia
um corredor pelo qual se podia passar para o
grande claustro e annexos da abbadia perto do
côro da egreja.
Casa e dormitório dos frades. A casa
onde os
frades passavam o dia, que os
antigos designavam
domus fratrum e que os inglezes designam ainda
sob o nome de
fratres, isto é, logar
onde vivem
os frades, consistia n'um vasto espaço abobadado
e occupava sempre o rez-do-chão, na extremidade
Sul do lado Oriental do mosteiro.
No andar da casa de que acabamos de fallar,
encontrava-se o dormitorio commum dos frades,
pois a regra de S. Bento determinava que os frades
dormissem n'uma só casa, mas em camas separadas:
Monachi singuli, per singula lecta dormiant;
si potest fieri, omnes in uno loco dormiant.
O uso das cellas, que havia em alguns raros mosteiros
desde o XII seculo, não veiu a ser commum
senão na epocha do renascimento.
Aposento dos irmãos leigos. Todas as
grandes
abbadias benedictinas e cistercienses tinham, no
XII e no XIII seculos, um numero consideravel,
chegando a ter 300 a 400 leigos, designados
nos necrologios com o nome de
conversi ou
fratres
[364]
ad succurrendum. Estes irmãos, que
não entravam
nas ordens sagradas, mas faziam profissão
de religiosos, destinavam-se, sob a direcção dos
frades, aos trabalhos da agricultura e ao exercicio
de diversos officios. Habitavam o lado occidental
dos edificios monasticos, designados por esta razão
casa dos leigos,
domus conversorum, e
prolongava-se
muitas vezes desde o portico da egreja
até muito álem do grande refeitorio.
Nos edificios cistercienses, a habitação dos
leigos
compunha-se regularmente, no rez-do-chão,
d'uma só e vasta casa abobadada, dividida em duas
naves por um renque de columnas; e no andar
por cima, de uma casa do mesmo tamanho da inferior,
coberta as mais das vezes por um telhado
tendo o madeiramento visivel na parte interna.
Casa abbacial. Originariamente o aposento do
padre abbade consistia n'uma simples cella. D'ahi
a pouco, todavia, o aposento do chefe do mosteiro
veiu a ser uma construcção importante; e viam-se
muito raramente, na idade média, os abbades contentarem-se
com o dormitorio commum ou uma
simples cella. A começar do XIV seculo, e principalmente
na epocha do renascimento, as casas
abbaciaes vieram a ser muitas vezes verdadeiros
palacios, constando d'uma capella particular, grandes
salas, pateos, cavallariças, jardins com
terraços,
etc.
Aposentos para hospedes. Todas as abbadias tinham
uma habitação reservada ou uma parte do
proprio edificio para hospedar as pessoas que visitavam
[365]
os frades. No principio, esta habitação
estava
sempre a pouca distancia da porta principal
afim de evitar distracção para os frades do
convento:
como ha um bello exemplo no extincto
mosteiro de Alcobaça.
As abbadias, que foram em todos os tempos casas
de caridade, possuiam tambem suas esmolerias
destinadas a dar habitação e sustento aos pobres
e peregrinos. Eram situadas na visinhança
da entrada do convento.
Celleiros. Nos seculos XI e XII, as abbadias
applicaram-se
activamente ao surribamento dos terrenos
incultos; os trabalhos campestres eram de
certo modo, a sua occupação principal. Foram as
Ordens de Cister e de S. Bernardo que prestaram
assignalados serviços á agricultura.
As abbadias não faziam colheita sómente do
producto
das suas proprias explorações agricolas;
cobravam tambem o dizimo em muitos sitios e
recebiam em genero o pagamento dos rendeiros.
Precisavam portanto vastos celleiros e armazens
muito grandes para recolher, no tempo da ceifa,
os cereaes que recebiam por esses differentes titulos.
Nos conventos cistercienses o celleiro formava,
no principio do periodo ogival, um edificio muito
vasto, edificado sob um plano rectangular. Era algumas
vezes abobadado e dividia-se em duas naves
por um renque de columnas para maior solidez,
servindo o andar para os cereaes. Outras vezes
compunha-se de tres naves separadas por dois
[366]
renques de pilares ou prumos de madeira para
sustentar o madeiramento sem precisão de abobadas.
Officinas. Nos XII e XIII seculos havia em cada
abbadia, alguns leigos ajudados muitas vezes por
seculares exercendo os officios necessarios para a
conservação do edificio e para o
fabríco dos pannos,
couros e instrumentos aratorios. Empregavam
um certo numero de alveneos, ferreiros, carpinteiros,
fabricantes de pannos, tanoeiros, etc.; as
officinas estavam geralmente collocadas aos dois
lados do pateo situado entre a porta da entrada
principal do convento e a habitação dos leigos.
A maior parte das abbadias possuiam tambem
seu moinho e fabrica de cerveja.
O desenvolvimento extraordinario dos estabelecimentos
religiosos durante as suas culturas e
explorações ruraes motivou a
construcção de curraes
espaçosos. Encontravam-se tambem em todas
as abbadias pateos para aves.
Em propriedades importantes situadas a alguma
distancia da abbadia, estabeleciam-se muitas vezes
grandes herdades, sendo a sua exploração confiada
a alguns leigos sob a direcção d'um frade.
Compunham-se d'um corpo de casas situadas em
roda d'um pateo quadrado, as quaes tinham
communicação
só do lado d'elle. Além d'esta
habitação,
curraes, celleiro e outros edificios necessarios
para o serviço da exploração, havia
n'estas
herdades, uma capella onde os leigos assistiam aos
officios religiosos.
[367]
Celleiros. Dá-se o nome de celleiro aos
armazens
onde se conservam os mantimentos de todo o
genero. O frade encarregado de vigiar o abastecimento
tinha o nome de
celleiro,
cellerarius
e
collarius,
mudado mais tarde, por algumas ordens religiosas,
no de
procurador,
procurator.
Este logar
passava por um dos mais importantes nas abbadias.
Prisões. Na idade média, as
abbadias, universidades
e algumas vezes os cabidos possuiam prisões
para encarcerar os membros da communidade
que se tivessem tornado criminosos de delictos
ou insubordinação para com os superiores.
Na qualidade de soberania, as abbadias, universidades
e cabidos gosavam, nos territorios que
lhe pertenciam, o poder superior de justiça, e
tinham prisões para encarcerar os seus subditos
seculares criminosos. As prisões das abbadias
ficavam a uma certa distancia dos edificios da
habitação
dos religiosos.
Cartuchas. As cartuchas, cuja origem vem dos
ultimos annos do XI seculo, apresentam
disposições
notavelmente differentes das cellas das abbadias.
As principaes differenças que se observam,
são: grandissimo comprimento dos claustros; numerosas
habitações inteiramente separadas, para
uso dos religiosos, as quaes se compunham sempre
de dois ou tres quartos e d'um pequeno jardim,
com uma porta dando entrada para a galeria
do claustro.
Quasí todas as cartuchas tinham dois claustros
unidos.
[368]
Mosteiros para mulheres. As
disposições das
differentes partes dos mosteiros para mulheres
apresentam a maior analogia com os das abbadias
para homens. Á roda do claustro ergue-se a
egreja, a casa do capitulo com dormitorio no andar
superior, o refeitorio e os outros aposentos.
As escolas exteriores, que havia ás vezes nos
conventos de homens, como por exemplo dos frades
Agostinhos, as casas para hospedes, peregrinos
e viajantes, faltavam nos conventos das mulheres,
porque toda a relação com o exterior lhe era
prohibida.
Os conventos de recolhidas consistiam em casas
particulares e communs, situadas em um recinto
inteiramente fechado, á roda de uma egreja isolada
de todos os lados. Sectarias de
Bégard,
partidistas
de uma perfeição extrema que permittia todos os
excessos de devoção e que fôra adoptada
no III
seculo. As recolhidas tinham o nome de Beatas.
Hospitaes. Os hospitaes da idade média
differem
absolutamente dos hospitaes modernos. Os do XII
e do XIII seculos compunham-se sempre, de uma
extensa casa onde estavam as camas para os doentes,
de uma egreja ou capella contigua a esta
casa e communicando com ella, de um aposento
para os enfermeiros, e de algumas casas para serviço.
Por causa da hygiene ficavam geralmente
situados nas proximidades da porta da cidade ou
sobre a margem de um rio.
[369]Iconographia
do periodo ogival
Observações preliminares. As
representações iconographicas
tão variadas e tão abundantes de
symbolismo, que se encontram em grande numero
sobre os monumentos e alfaias religiosas das epochas
Roman e Ogival, eram geralmente projectadas
e imaginadas, não pelo obreiro ou artista que
executava o objecto, porém, por um padre, frade
ou secular litterato.
A aureola. A aureola ficou em uso como signal
iconographico durante todo o periodo ogival.
Crucifera
pertence exclusivamente ás pessoas da Santissima
Trindade; simplesmente
circular é
attributo
caracteristico dos Santos. A sua fórma manteve-se
geralmente a mesma que era antes, salvas
algumas modificações em certos paizes, mas apenas
no termo do periodo ogival.
No fim do XIV seculo, não sómente os Santos,
os Apostolos e Nossa Senhora, mas tambem os
anjos, assim como o Padre Eterno e Jesus Christo
ficaram privados d'este attributo caracteristico.
Se a aureola por acaso apparece ainda resplandecendo
alguma imagem, foi porque o artista, luctando
contra a moda, commetteu archaismo. Um
sem numero de monumentos que datam d'esta
epocha e chegaram até á nossa, apresentam
sem
aureola as imagens divinas, as imagens divinas, angelicas ou
sanctificadas.
[370]
Representação da Santissima Trindade
Na epocha ogival, serviam-se ainda algumas
vezes do baptismo de Jesus Christo para representar
a Santissima Trindade. Como no periodo
Roman, dava-se ainda, durante o periodo ogival,
a fórma humana ás tres pessoas Divinas, ou pelo
menos ás duas primeiras, pois o Espirito Santo
continuou a ser frequentemente symbolisado por
uma pomba. As tres pessoas Divinas continúam a
ser representadas da mesma fórma até ao fim do
XIV seculo. Mais tarde o Padre Eterno teve a figura
de um ancião, o Filho de Deus a de um homem de
trinta a trinta e cinco annos, e o Espirito Santo a
de um adolescente de doze a dezoito annos. Ao
Padre Eterno dá-se então o distinctivo de um
globo,
uma Cruz de resurreição ao Filho, e um livro ao
Espirito Santo. Finalmente, ainda perto da mesma
epocha, representa-se o Padre Eterno, e mesmo
algumas vezes o seu Filho, de papa ou de imperador,
com a pretensão de expressar, por assim
dizer materialmente, o seu supremo poder, achando-os
revestidos das insignias das duas maiores
auctoridades conhecidas sobre a terra.
Encontram-se tambem, no fim do periodo ogival,
dois symbolos da Santissima Trindade, consistindo
em figuras geometricas, o triangulo e tres circulos
entrelaçados. Na epocha do renascimento, costumavam
muito a inscrever n'um triangulo algumas vezes
um olho, outras o nome de Jehovah.
[371]
O crucifixo e a crucificação
No XIII seculo, epocha designada
do soffrimento,
ou da
realidade, principia-se a representar Jesus
Christo na Cruz. O corpo do Redemptor curva-se
ou mais depressa retorce-se de uma maneira bastante
desagradavel; os braços não ficam na sua
posição
horisontal, pois as espaduas descem sensivelmente
abaixo do ponto de união das mãos, de modo
a figurar os esforços naturaes produzidos por um
corpo humano suspenso por meio de cravos; os
pés sobrepostos afastam-se de pessima
posição,
muitas vezes mesmo fazem encruzar as pernas;
finalmente a cabeça de Christo, moribundo ou sem
vida, está quasi sempre inclinada sobre o hombro
direito, isto é, para o logar onde se vê a
Mãe de
Jesus e tambem algumas vezes a personificação
da Egreja.
Nas crucificações pintadas e esculpidas do XV e
XVI seculo, a cruz do Redemptor e as dos ladrões,
muitas vezes bastante altas e de diminuta grossura;
assim como a travessa horisontal da cruz do
Christo tem um grande comprimento, em quanto
que a extremidade que tem o titulo, sobe apenas
ao ponto de intersecção das duas travessas.
Desde os primeiros annos do XIII seculo, principiou-se
com timidez primeiramente a supprimir
o
suppedaneum e a pregar á cruz, por
meio de
um unico cravo, os dois pés sobrepostos do Redemptor;
porém, depois de algum tempo, o empreg e a pregar
á cruz, por
meio de
um unico cravo, os dois pés sobrepostos do Redemptor;
porém, depois de algum tempo, o emprego
de tres cravos veiu a ser quasi tão commum
[372]
como o de quatro; e nos seculos XIV XV foi o unico
empregado.
O Christo crucificado traz ainda a aureola no XIII
seculo. A corôa de espinhos, quasí desconhecida
antes, apparece de tempos a tempos no XIV seculo.
No seculo seguinte encontra-se frequentemente.
No XIII seculo, a representação da
crucificação
foi ainda algumas vezes reproduzida com todas as
personagens e accessorios historicos e allegoricos
que acompanhavam precedentemente e que já temos
descripto; o mais das vezes, todavia, não se
conservam senão alguns. Os que se vêem geralmente
são Nossa Senhora e S. João, o sol e a lua.
Os dois ladrões, a egreja e a synagoga raro apparecem.
Nossa Senhora e S. João. Durante o
periodo
roman, Nossa Senhora e o discipulo mais amado
são representados com uma attitude de paz, erguendo
geralmente os braços para o Redemptor
ou occultam o rosto em signal de pezar. No XIII
seculo, e mesmo durante uma parte do XIV seculo,
conservam esta attitude estavel e digna. Mais tarde,
o gesto que se lhe attribue exprime já uma dôr
vulgar e natural.
No XV seculo, e algumas vezes já no XIV seculo,
os artistas christãos procuram produzir, na alma do
espectador, sentimentos de ternura e de compaixão.
Para este effeito representam Nossa Senhora
desmaiada nos braços das duas santas mulheres
que a amparam. Os exemplos d'este
deliquio,
encontram-se
na Italia desde o XIII seculo.
[373]
O Sol e a Lua. Durante o periodo ogival, o Sol
é figurado geralmente por um disco radiante, e a
Lua por um simples quarto crescente.
A Egreja e a Synagoga. Como já
explicámos,
a Egreja e a Synagoga eram personificadas, durante
o periodo roman, por simples mulheres trazendo
os respectivos attributos. Depois do meiado do XII
seculo, essas mulheres representavam rainhas. A
que symbolisava a Egreja, sempre collocada á direita
de Jesus Christo, traz uma corôa, e levanta
a cabeça com uma expressão de orgulho; as mais
das vezes, tem n'uma das mãos o calix, e na outra
uma cruz de haste comprida ou um pequeno modelo
de uma egreja.
A Synagoga, pelo contrario, tem uma corôa que
lhe pende da cabeça e um estandarte cuja haste
se quebrou entre as suas mãos; deixando escapar
as taboas da Lei, e tendo os olhos vendados por
uma faxa ou por um dragão que se lhe enrosca á
roda da testa.
Os dois ladrões. Os ladrões
nas mais antigas crucificações,
apparecem de tempos a tempos durante
o periodo ogival; teem os musculos encolhidos até
a contorsão, e as mãos, não pregadas
sobre a cruz,
mas ligadas ás costas de maneira a deixar passar,
pelo centro, a travessa horisontal do instrumento
do seu supplicio. No fim do periodo ogival, encontram-se
de novo representados os ladrões, principalmente
nos retabulos de madeira de obra de talha
da escola hollandeza.
Imagem de Nossa Senhora.
Nossa Senhora
com
[374]
o Menino Jesus. Durante o periodo ogival, o
grupo
historico de adoração dos reis magos,
que se vê
sobre alguns pequenos
diptycos ou
triptycos,
de
marfim, onde se vê, ao mesmo tempo, a
crucificação
e outras scenas tiradas da vida de Jesus
Christo. N'esta representação os reis magos
trazem
sempre na cabeça a coroa real.
No XIII seculo, encontra-se ainda frequentemente
Nossa Senhora
assentada em uma cadeira ou throno,
tendo sobre os joelhos o Menino Jesus, o qual deita
a benção com a mão direita e na
esquerda tem um
livro ou o globo terraqueo.
Já muitas vezes no XIII seculo, e mais tarde
quasi sempre, Nossa Senhora está de pé e com
o Menino Jesus no braço esquerdo. Durante a primeira
parte do periodo ogival, a sua posição
é mais
ou menos curvada.
Em quanto aos caracteres que apresentam as
imagens de Nossa Senhora assentada ou de pé
nos differentes monumentos do periodo ogival, pódem-se
resumir nos termos seguintes. Nunca o
grupo de Nossa Senhora com o Menino Jesus foi
mais ideal que no XIII seculo; mal se approxima
o XIV seculo, descuida a sua bella composição
poetica
para adoptar a realidade primeiramente e depois
descahir na vulgaridade até á rudeza.
No fim do XII e no principio do XIII seculo, póde-se
dizer que Nossa Senhora não apparece já com
o Menino Jesus: esta representação seria muito
vulgar e Nossa Senhora assemelhar-se-hia a qualquer
mãe que tivesse o seu filho ao collo; mas então
[375]
a Santa imagem o tem
junto de si.
O Menino
Jesus traz o globo do mundo na mão esquerda e
deita a benção com a mão direita;
além d'isso está
completamente vestido, é já crescido, posto que
ainda menino; é o Deus-Homem, mais depressa
que Homem-Deus. No fim do XIII seculo, Nossa
Senhora principia a ser mais do que a guarda de
seu Filho como fazem todas as mães mortaes! Jesus
está ainda vestido, abençôa trazendo um
livro ou
um globo; porém o vestuario é menos largo e mais
curto, o livro menos volumoso, o globo mais pequeno.
Scenas tiradas da vida de Nossa Senhora.
Mencionaremos
as tres principaes:
A
Annunciação é
quasi sempre representada da
mesma maneira. Nossa Senhora está de joelhos sobre
um genuflexorio no momento em que apparece
o Anjo. Entre a imagem e o Anjo está um vaso
com a flôr de liz aberta. Muitas vezes S. Gabriel
tem n'uma haste esta flôr ou um sceptro; por vezes
traz na mão uma bandeirola com a
inscripção:
Ave Maria. Um raio luminoso cae sobre a
cabeça
de Nossa Senhora, ou então, o Espirito Santo, sob
a fórma d'uma pomba, descança sobre a imagem
da Virgem Maria.
A morte de Nossa Senhora é quasi sempre
representada
da maneira seguinte: Nossa Senhora
está deitada sobre um leito rodeada pelo seu Divino
Filho e pelos apostolos. Jesus traz no braço
a alma de Nossa Senhora, representada por uma
creancinha. Os apostolos trazem muitas vezes um
livro com figura iconographica.
[376]
A coroação de Nossa Senhora
faz-se umas vezes
por Jesus só, outras por tres pessoas da Santissima
Trindade; outras ainda vê-se Nossa Senhora
com a corôa na cabeça, sentada sobre o mesmo
throno em que está o seu Divino Filho, o qual se
lhe abraça ao peito.
Deixariamos incompleta a historia iconographica
de Nossa Senhora, não mencionando aqui a
Arvore
de Jessé, que se vê tantas vezes desde
o XII seculo.
Jessé adormecido serve de alguma maneira de raiz
ao tronco mysterioso, o qual sáe quer do seu peito,
quer de sua bocca, quer do seu cerebro. Os ramos
d'este tronco separando-se, trazem na extremidade
um dos antepassados do Redemptor; no
cimo, uma flôr desabrocha e serve de apoio a Nossa
Senhora, algumas vezes só, outras tendo nos
braços
o seu Divino Filho. As mais das vezes a arvore
de Jessé complica-se, entre cada ramo está
collocado
um propheta com um phylateria mostrando
a prophecia de que é auctor, e que se refere á
vínda de Jesus Christo. Olhando para a extremidade
d'esta arvore, mostra com o dedo onde deve
repousar o Espirito Santo. No Oriente, não se limitam
unicamente a intercalar os prophetas no
meio dos ramos, ajuntam-lhe o divino
Balaam,
e os sabios da Grecia com as suas maximas. O XV
e XVI seculos produziram um grande numero de
arvores de Jessé.
Os Apostolos e os Evangelistas.―
Apostolos.
Jesus
Christo escolheu doze apostolos á frente dos
quaes collocou S. Pedro. Depois da morte do Redemptor,
[377]
o traidor Judas ficou substituido por S.
Mathias. Além d'estes doze apostolos, que constituem
a congregação apostolica assim chamada,
deu-se tambem o nome de apostolos a alguns outros
santos que haviam tomado uma parte activa
e vasta na fundação da Egreja christã.
Tal foi
S. Paulo, convertido milagrosamente no caminho
de Damasco, elle o grande promotor da conversão
dos pagãos e appellidado, por esta razão, o
apostolo dos gentios; taes foram ainda S. Barnabé,
S. Lucas e S. Marcos, unicos discipulos, os quaes
pelas suas prédicas, e, os dois ultimos tambem,
pelos Evangelhos que compozeram, poderosamente
contribuiram para a propagação da doutrina de
Christo.
Como S. Paulo figura quasi sempre entre os
apostolos quando se representam reunidos em
numero de onze, resulta que se supprime geralmente
um; as mais das vezes é S. Mathias, o
successor do traidor Judas, algumas vezes tambem
S. Judas ou qualquer outro apostolo.
Até ao XIII seculo, os apostolos, á
excepção de
S. Pedro e S. Paulo, não tinham nenhum attributo
caracteristico pelo qual se podessem distinguir uns
dos outros. Representavam-se todos de uma maneira
uniforme, com um livro ou um rolo de papel
na mão. Depois do XIII seculo, ficam geralmente
caracterisados pelos instrumentos presumidos do
seu martyrio; porém, como o genero do supplicio
que soffreram não é muito bem determinado para
todos, torna-se por vezes difficil designar com
[378]
certeza o nome de alguns d'elles: todavia o que
os caracterisa ordinariamente é o seguinte:
S. Pedro traz as chaves ou por vezes a Cruz
abatida, instrumento do seu supplicio; S. Paulo,
a espada com que lhe cortaram a cabeça; S.
João, o calix envenenado do qual saiu a morte
sob a fórma de um dragão; Santo André,
com a
Cruz em fórma de X, e que tem o seu nome; S.
Jeronymo, a espada, ou as mais vezes, o bordão e o
vestido de peregrino guarnecido de conchas; S.
Filippe, a cruz com haste comprida; S. Bartholomeu,
um grande cutello do qual se serviram para
o esfollar, e algumas vezes tambem uma cruz;
S. Matheus, um machado, uma espada ou uma
lança; S. Simão, uma serra; S. Judas, uma cruz
ou um livro; S. Thiago, um bordão; S. Thomaz,
uma grande pedra e por vezes ao mesmo tempo
uma lança; finalmente S. Marçal, uma picareta
ou um alfange.
Evangelistas. Os Evangelistas continuaram a ser
representados da mesma maneira que precedentemente,
quer seja com a fórma humana, quer seja
pelos symbolos dos quatro rios do Paraizo, quer
seja por quatro figuras aladas.
Já indicámos o logar respectivo que devem
sempre occupar os animaes symbolicos nos quatro
angulos de um quadrado ou nas extremidades
dos quatro braços da Cruz. Esta regra ficou em
vigor durante o periodo ogival.
Scenas diversas. Seria impossivel indicar, mesmo
resumidamente, todas as scenas representadas pelos
[379]
pintores e esculptores christãos da idade
média.
Mencionaremos sómente as quatro principaes, e
que se veem mais vezes.
O Dia de Juizo. Esta scena encontra-se
principalmente:
1.º
no principio do periodo ogival,
esculpida
nos tympanos dos portaes principaes das
abbadias, cathedraes, egrejas das parochias e
mesmo nas capellas; 2.º
no fim do mesmo periodo,
pintada na nave principal das egrejas por cima do
arco triumphal.
Para dar uma ideia exacta da maneira como esta
scena é representada nas principaes cathedraes
francezas, faremos a descripção do Dia de Juizo,
que
se vê no portal central da Sé de Paris. Este
assumpto
é um dos mais bem compostos. A verga da
porta está inteiramente occupada por figuras representando
diversos misteres saindo dos seus
tumulos, despertadas por dois anjos, os quaes, de
cada lado, tangem trombeta. Todas estas personagens
estão vestidas; ahi está um papa, um rei,
guerreiros, mulheres e um preto. Na zona superior,
está ao centro um anjo que peza as almas;
dois demonios tentam fazer pender um dos pratos
para o seu lado. Á direita de Jesus Christo estão
os escolhidos, todos vestidos de compridas vestimentas
e coroados. Estes escolhidos são representados
sem barba, jovens e risonhos, olhando
para Jesus. Á esquerda o demonio empurra uma
multidão d'almas agrilhoadas vestidas com os fatos
do seu mister. As expressões d'estas figuras
são indicadas com superior talento: o terror,
[380]
o desespero assignalam-se nas suas feições. Na
parte superior está, ao centro Jesus Christo, representado
semi nu, que mostra as suas chagas;
dois anjos em pé, á direita e á
esquerda, têem
os instrumentos da Paixão; depois, estão de
joelhos, implorando o Redemptor, Nossa Senhora
e S. João. As curvaturas do portal do lado dos
condemnados estão occupadas, na parte inferior,
por vistas do inferno, e do lado dos escolhidos,
por anjos e patriarchas, entre os quaes se vê
Abrahão colhendo as almas no seu regaço; depois
os escolhidos em grupos. Esta esculptura tão notavel
é da era de 1210 a 1215, e estava inteiramente
pintada e dourada. Ha a mesma representação
nas cathedraes de Chartres, Amiens, Reims
e Bordeus.
O inferno é quasi sempre figurado por uma
bocca enorme de monstro lançando chammas, no
meio das quaes os démos, armados de grandissimos
harpeos, abysmam os condemnados. Por vezes
tambem é representado o inferno por uma grande
caldeira na qual os démos precipitam as almas
dos perversos; e, n'este caso, um demonio armado
de um folle activa o fogo da caldeira.
A scena
de se pezar as almas faz geralmente
parte do Juizo final, e é quasi sempre representada
da mesma maneira. O archanjo S. Miguel segura
a balança: em um dos pratos está uma alma humana
figurada por uma creança nua; emquanto
ao outro, com o pezo que deve ter a alma do innocente,
afim de ser admittido no paraizo, Satanaz
[381]
procura que elle se incline para o seu lado.
Esta scena, cujo fim era evidentemente inculcar aos
ignorantes a ideia de dar conta a Deus depois da
nossa morte, está representada nas miniaturas dos
manuscriptos, e mesmo nas gravuras em madeira
que ornam alguns livros impressos no fim do XV
e no principio do XVI seculo.
Missa designada de S. Gregorio. Este assumpto
encontra-se muitas vezes nos paineis e nas miniaturas
do XV seculo. O Santo papa diz a missa, e
Jesus Christo apparece-lhe em vida, em pé sobre
o altar, e á roda estão os instrumentos da
Paixão.
Traz os estigmates nos pés e nas mãos, e
deixa saír do lado o sangue da chaga.
Alma humana. Quando os artistas da idade
média representam uma pessoa moribunda, indicam
sempre a alma do justo que acaba de saír
do corpo, por uma creancinha nua trazida nos
braços de Nosso Senhor.
Sibyllas. A representação
dos prophetas tem-se
ás vezes ajuntado ás sibyllas, que se reputa
haverem
predito o nascimento, a vida, a morte, e a
resurreição de Jesus Christo. No XIII seculo,
começou-se
a fazer figurar em alguns monumentos,
principalmente a sibylla do
Dies irae.
As doze sibyllas são: 1.ª A Sibylla da Persia,
percicae, que tem na mão uma lanterna,
porque
ella annunciou a vinda do Messias; bastantes vezes
o sol brilha por cima da sua cabeça. 2.ª A de
Libya,
libicae, que tem um brandão acceso e
prediz
o Redemptor como a luz do mundo. 3.ª A de Delphos,
[382]
delphicae, que tem na mão uma
corôa de espinhos,
porque prophetisou as mortificações de Jesus
Christo. 4.ª A do Mar Vermelho ou de Erythrea,
erythracae, uma das mais celebres, que havia
predito
a ruina de Troyes; era a prophetisa das vinganças
divinas; traz uma espada nua. 5.ª A de Cumas,
cumana, egualmente muito citada, tem um presepio,
porque annunciou o nascimento de Christo em
uma manjadoura. 6.ª A de Samos,
samia,
traz uma
corôa de espinhos como a de Delphos, e um caniço,
porque prophetisou a Paixão. 7.ª A Cimmerianna,
cimmeria, prophetisou a
crucificação, e por
esta razão traz uma cruz da paixão. 8.ª
A de
Tivoli,
tiburtina, tem na mão uma vara, por
haver
annunciado a flagellação do Redemptor.
9.ª A de
Phrygia,
phrygia, traz uma cruz de
resurreição,
no cimo da qual fluctuam tres bandeirolas encarnadas.
10.ª A de Hellesponto,
hellespontica,
tem
por attributo uma rozeira florida, ou então uma
cruz, porque annunciou algumas circumstancias da
Paixão. 11.ª A Europa,
europaea,
tem u, tem um alfange,
porque predisse a degolação dos innocentes.
12.ª
Finalmente, a Sibylla Agrippa tem a vara como a
de Tivoli.
[383]
CAPITULO VI
Periodo da Renascença
NOÇÕES PRELIMINARES
Não nos demoramos muito sobre as differentes
phases da arte na epoca da renascença, mais apropriadamente
moderna do que antiga; e que, por
conseguinte, não pertence ao dominio da archeologia.
Chama-se
renascença das artes e das lettras
ao
retrocesso para a arte classica antiga e para as
litteraturas grega e latina. A renascença das artes
estendeu-se não sómente á
architectura, mas a
todas as artes de desenho. A reacção favoravel
para a architectura grega, romana ou classica,
produziu-se primeiramente na Italia, onde nunca
o estylo ogival tinha vigorado summamente, nem
dominado só com poder absoluto.
Proximo ao principio do XVI seculo, a architectura
néo-classica transpoz os Alpes, e passou
successivamente á França, Hespanha, Portugal,
Belgica, Allemanha e Inglaterra. Os paizes mais
afastados do renascimento, foram tambem os ultimos
a adoptarem os seus principios architectonicos.
Na França como na Belgica o progresso do novo
estylo foi rapido, tendo apparecido quasi ao mesmo
tempo.
O retrocesso tão rapido e tão universal para as
[384]
fórmas da arte classica, foi motivado em grande
parte por um desejo de novidade, e por uma
reacção
contra a architectura ogival. Nota-se, realmente,
que em architectura, mais que em qualquer outra
arte, o gosto é sempre movido para a variedade;
e é isto que explica como se póde dizer
com verdade, que a historia da architectura offerece
uma continuação de
transições sem repouso.
A esta causa principal vieram ajuntar-se muitissimas
causas secundarias, taes como a reacção
que se operou nos XV e XVI seculos, a protecção
aos estudos gregos e latinos, e a invenção da
imprensa,
que concorreu tão admiravelmente para a
diffusão das obras primas da litteratura e da arte
antiga, pelas quaes se tinham apaixonado.
Até ao meiado do XVIII seculo, a
renovação das
fórmas antigas fez-se exclusivamente conforme
os modelos antigos de Roma e de Italia, modelos
quasi todos não satisfazendo a respeito da conformidade
artistica. Foi sómente n'esta epocha que
se principiou a estudar os monumentos da melhor
epocha ainda conservados em Athenas e na Grecia.
Houve, entre o estylo ogival e o do renascimento,
um periodo de transição, durante o qual se notou
muitas vezes, no mesmo monumento, uma
mistura, uma fusão de fórmas particulares a cada
estylo. Portanto encontram-se edificios, os quaes,
entre os detalhes melhor caracterisados do estylo
ogival do XVI seculo, apresentam ornatos, taes
como medalhões, folhagens e arabescos, copiados
dos monumentos da Roma antiga. Outras vezes,
[385]
janellas em ogiva são compostas de pinasios com
os perfis no gosto da renascença. Finalmente, ás
vezes as abobadas pendentes, os pinaculos e os
campanariosinhos estão cheios de ornatos imitados
dos edificios da antiguidade.
Caracteres da architectura da Renascença
Comêço. A architectura da
renascença seguiu
os mesmos principios fundamentaes que a architectura
classica, isto é, as cinco ordens greco-romanas.
Os primeiros architectos da renascença inspiram-se
unicamente dos monumentos de Roma e da
Italia. Ora, n'um grande numero d'estes monumentos,
o
entablamento, isto é, a parte
superior
da Ordem, composto do
friso, da
architrava
e da
cornija, membros que, nas Ordens Gregas, servem
sempre para ligar duas columnas proximas, tinha
sido supprimido e substituido por arcos, os quaes
vinham firmar-se nos capiteis d'essas columnas.
Quando procuram empregar materiaes de pequena
dimensão, a substituição do arco pelo
entablamento
é perfeitamente logica; porém esta não
é
a pratica seguida na epocha da
decadencia romana,
de interpôr ao fecho inferior do arco e ao açafate
do capitel, um simulacro de entablamento da
Ordem, entablamento que ficava completamente
inutil, visto que o seu emprego está preenchido
pelo
arco. Na época da
renascença, esta prática
pouco racional e pouco reflectida foi geralmente
[386]
adoptada, principalmente d'áquem dos Alpes. Além
de que, foram buscar aos mesmos edificios da decadencia
romana outros defeitos tambem notaveis
no que diz respeito ás cornijas: em primeiro logar,
quando muitas Ordens estão sobrepostas na
altura de um monumento, como acontece frequentemente
nas fachadas, põem-se
tantas cornijas
quantas
são as
Ordens; depois, coisa mais
singular
ainda, a Ordem collocada
no interior de um
monumento
conserva a sua cornija, isto é, o
remate
do
edificio destinado a ter
um telhado e
um algeroz
para dar saída ás aguas da chuva!
A architectura do renascimento, todavia, não é
uma simples mescla, uma copia servil da architectura
greco-romana. Serve-se ella, na verdade,
das cinco Ordens, mas ajustou-as para outros usos
e para outros climas, aproveitando os progressos
obtidos pela arte de edificar durante o estylo ogival.
Os edificios que executou conforme os principios
de construcção d'este ultimo estylo, foram
enfeitados á maneira antiga, ornamentado superficialmente,
ou desfigurados, como em S. Paulo
de Londres, por paredes isoladas que encobrem a
configuração architectonica do monumento;
emquanto
na Belgica, nas egrejas do renascimento, o
systema do apparelho das abobadas ogivaes foi em
toda a parte conservado, porém dissimulado com
arte. As paredes exteriores das naves lateraes,
muito grossas, preenchem o fim dos contrafortes,
e muitas vezes esses arcos-butantes ficam revirados
(isto é, collocados de maneira que a sua curva
[387]
convexa fica posta na direcção do telhado d'essas
naves), e apoiados nos arcos duplos d'elles.
Decoração. Sob o ponto de
vista da decoração
pintada e esculpida, muito mais que sob o ponto
de vista architectonico, o periodo da renascença,
no sentido mais lato, póde-se dividir em muitos
estylos, apresentando cada um caracteres distinctos.
Estas sub-divisões se applicam particularmente
ás producções da arte Franceza.
1.º o estylo
da renascença propriamente chamado, o qual comprehende
o XVI seculo e a primeira metade proximo
do XVII seculo; todavia sepára-se algumas
vezes d'esta época nos annos 1610 a 1642, para
lhe constituir o estylo Luiz XIII; 2.º o estylo
Luiz XIV (1643 a 1715); 3.º o estylo Luiz XV
(1715 a 1774); 4.º o estylo Luiz XVI (1774 a 1796);
5.º finalmente o estylo, designado do imperio (primeiros
annos do XIX seculo).
Na origem da
renascença, os ornamentos
foram,
como na architectura imitados quasi servilmente
dos monumentos da antiguidade. As almofadas,
frizos, pilastras e um grande numero de outros
trabalhos architectonicos se revestiram, nos edificios
os mais sumptuosos, de assumptos de decoração
proveniente da arte greco-romana. As palmetas,
folhas de acantho e triglyphos tornaram a
apparecer em todo o logar. Viam-se tambem, genios
alados, figuras naturaes e phantasticas de toda
a especie enlaçadas nas grinaldas e em espiraes
formando desenhos os mais caprichosos. Estes
ultimos ornamentos, compostos principalmente conforme
[388]
os modelos antigos achados em Roma nas
grutas ou ruinas do palacio de Titus, tiveram no
principio o nome de
grotescos,
denominação mais
propria do que a de
arabescos, a qual lhe foi
dada
depois, porque os Arabes proscreviam severamente
da sua decoração qualquer
representação da natureza
animada.
O estylo da renascença não se conservou intacto
senão até o principio do XVI seculo.
Os ornamentos do estylo Luiz XIV consistem principalmente
em grandes espiraes, palmas muito
desenvolvidas, separadas ou envolvidas com os elementos
de ordem architectural, medalhões, trophéus,
etc.
O estylo Luiz XV, que prima antes de tudo pela
elegancia exaggerada nos pequenos detalhes, desce
á affectação na lindeza. A esculptura
decorativa
abunda nas espiraes com folhagens myrrhadas e
subtilmente contornadas; faz com frequencia uso
de conchas ou embrechado, misturando-as em todas
as suas composições. A linha recta cede o logar
á
linha curva, e sobretudo a symetria não é
observada.
No principio do XVIII seculo, o gosto se corrompeu
de novo; volta-se no traçado do plano e
nas fachadas dos edificios ás fórmas torcidas e
ás
linhas quebradas. Nos ornamentos dos maiores e
soberbos contornos, as plantas vistosas do estylo
Luiz XIV transformam-se em definhados filetes, torcendo-se
e entrelaçando-se uns nos outros da maneira
a mais singular, e acompanhados de abundantes
obras de conchas e de grande numero de
[389]
cupidos; o que fez dar a este
estylo exquisito e
todo affectado o appellido de estylo
embrechado
e
estylo
Pompadour.
A affectação e o grande exaggero que caracterisam
o estylo de Luiz XV motivaram cedo uma
reacção. No reinado de Luiz XVI voltaram a
empregar
menos entrelaçados e menos entalhaduras.
A descoberta de Herculanum e a publicação das
Antiguidades de Athenas contribuiram a levar o
entendimento
para o gosto mais serio, uma decoração
menos contrafeita; fizeram vigorar as fórmas
classicas da arte grega e romana, cujas
investigações
recentes vieram a descobrir os especimens
importantes e notaveis.
A época da revolução franceza e do
directorio
causou um extraordinario prejuizo á industria artistica.
Quando, no principio do actual seculo, um
novo estado politico ficou definitivamente constituido,
o seu novo soberano, vencedor na Italia e
no Egypto, cuidou em conservar junto de si as coisas
que lhe recordassem as suas victorias gloriosas.
No
estylo do imperio viu-se apparecer os gryphos,
as sphinges, os feixes consulares, victorias
com palmas e corôas de carvalho. Pouco tempo
depois, esses assumptos foram quasi os unicos
empregados na decoração tanto de architectura,
como na mobilia.
Plano das egrejas. A maior parte das egrejas da
renascença têem a fórma da cruz Latina.
As capellas
que havia ao correr das naves lateraes e na
nave principal das egrejas ogivaes, ficaram supprimidas
[390]
em França, na Belgica e na Allemanha,
porém conservaram-se na Italia. A capella mór e o
cruzeiro terminavam geralmente por uma abside
semicircular ou polygonal, apresentando no interior
uma disposição de pilastras corinthias ou
compositas,
entre as quaes ha janellas e nichos. Arcadas
de volta inteira, descançando sobre columnas ou
pilares põem a nave principal em
communicação
com as naves lateraes. As portas, as janellas e todas
as aberturas estão tapadas na sua parte superior
por um arco de volta inteira.
Os
triforiuns das egrejas ogivaes não
se construiram
na renascença. Primeiramente substituiu-os,
durante algum tempo, uma galeria em
sacada, tendo parapeito de cantaria vasado ou de
obra de ferro; todavia pouco depois esse logar
foi occupado por uma simples cornija com sacada
bastante solida para servir como galeria, podendo-se
andar á roda da nave principal, ficando na
altura das janellas superiores.
O monumento mais gigantesco e grandioso que
tem produzido a architectura do renascimento é,
sem duvida, a basilica de S. Pedro do Vaticano
em Roma, cuja construcção foi dirigida pelos mais
celebres architectos, Bramante, Raphael, os dois
S. Gallo, Peruzzi, Miguel Anjo, Vignola, Maderno
e finalmente Bernini, este artista de quem infelizmente
o seu mau gosto em bellas-artes veiu a
ser proverbial, sendo originado pela inveja dos
seus emulos, que pretendiam tirar a fama ao seu
superior talento: imaginando dar formas novas e as
[391]
mais extravagantes ás suas composições
architectonicas
afim de supplantar os seus rivaes, morreu
desesperado por nada ter conseguido; posto que
fosse dotado de talento, o seu desmarcado amor proprio
veiu a causar-lhe o descredito do seu nome.
N'esta colossal construcção da Basilica de S.
Pedro
consumiu-se mais de seculo e meio.
Fachadas das egrejas. As fachadas
compõem-se
regularmente de duas, e algumas vezes de
tres
Ordens de columnas sobrepostas. A ordem inferior
abrangendo ao mesmo tempo a nave principal e as
lateraes, é mais larga que a ordem superior; essa
corresponde á unica nave central, pois que o madeiramento
das naves lateraes não sóbe nunca até
o entablamento da primeira ordem. A ordem mais
superior sempre terminada por uma attica ou um
frontão triangular, tendo no vertice uma cruz ornatada
nos angulos, acrotéros com vasos, fogaréos
e tocheiros. Duas misulas deitadas de cada lado da
ordem superior, preenchem os espaços dos angulos
rectos produzidos pela superposição das duas
ordens tendo desigual largura. As columnas da fachada
estão geralmente embebidas um terço ou
metade do seu diametro. Um ou tres portaes, conforme
a importancia do edificio, dão ingresso nas
naves.
Os jesuitas, cuja Ordem se fundou no XVI seculo,
vindo a ser muito rica e poderosa no XVII seculo,
adoptaram em toda a parte esta composição para
as fachadas de suas egrejas; por isso dá-se o
nome do
estylo dos Jesuitas á
architectura religiosa
[392]
d'esta época. A maior parte das egrejas que estes
religiosos construiram distinguem-se pela abundancia
dos seus ornamentos, principalmente as edificadas
na Belgica.
Abobadas. As abobadas têem, como as da
época
antecedente, nervuras encruzadas, as quaes, em
logar da fórma da ogiva, descrevem uma curva de
volta inteira ou um arco de volta abatida. Os arcos
duplos são largos e muitas vezes formados por almofadas
pouco fundas. No XVI seculo, as abobadas
tinham ás vezes decorações pintadas, e
os seus fechos
sustentam abobadas pendentes com muitas sacadas
de bastante peso. Depois abandonou-se, além
dos Alpes, a decoração pintada, substituindo-lhe
os
ornatos em relevo.
Torres. As torres, geralmente construidas sobre
plano quadrado, e compostas de dois, tres ou quatro
andares sobrepostos e ornados de pilastras ou
de columnas embebidas, têem muitas d'ellas uma
balaustrada á bôca da flecha, com as
fórmas mais
variadas; campanulada, piriforme, pyramidal ou
uma fórma mais complicada ainda.
Mobilia religiosa
Altares. Durante algum tempo continuou o uso
dos retabulos com divisões multiplices, no genero
d'aquelles dos ultimos annos do periodo ogival, porém
tendo as molduras das almofadas em detalhes
no gosto do renascimento.
Foi proximo do XVI seculo que uma mudança
radical appareceu na fórma e
disposição dos altares.
[393]
Os retabulos foram então substituidos pelos
porticos copiados dos arcos de triumpho da antiguidade,
encimados com frontões de fórmas muito
variadas. Serviram-se quasi sempre de marmores
raros e preciosos, sobretudo para as columnas,
adquirindo-os com grande despeza, dos paizes os
mais distantes. A arcada imitando o
arco de triumpho
foi ornada, no principio, de estatuas e de altos e
baixo-relevos, depois por retabulos de grandes dimensões;
e estes mesmos acabaram em pouco
tempo para serem substituidos geralmente por esculpturas.
Quando no XVII e no XVIII seculos, as fórmas
extravagantes (
rocôcó)
prevaleceram no systema
da decoração, os altares tambem ficaram
sobrecarregados
de ornamentos de pessimo gosto, e appareceram
as columnas
torcidas, em
espiral
e em
saca-rolhas!
Tabernaculos. O uso de collocar tabernaculos
para conservar a eucharistia sobre os altares principaes
e secundarios, generalisou-se no fim do XVI
seculo. Até essa época as particulas se
conservaram,
como durante o periodo ogival, nos tabernaculos
isolados em fórma de torre ou em armarios
abertos na parede, por detraz ou á ilharga do altar.
Houve mesmo paizes onde o antigo costume
não ficou abandonado inteiramente só muito depois
do XVII seculo.
Os tabernaculos de marmore e de madeira que
se collocavam sobre o altar desde a época do renascimento,
compõem-se geralmente de um cylindro
[394]
ôco ornado com riqueza e reunido a
predella
ou throno, no qual se põem castiçaes sobre
misulas
reviradas. O cylindro fechado no seu cume por uma
tampa de fórma hemispherica tem por remate
um crucifixo, dividido por um, dois ou tres compartimentos
com separação, e girando sobre um
eixo vertical.
Cadeiras do côro, obra de talha e confissionarios.
As obras de entalhador que ornam muitas egrejas
do XVII seculo, são as principaes obras deixadas
pela época da renascença.
As costas das cadeiras do côro compõem-se sempre
de almofadas de marcenaria ornadas de baixos-relevos
ou de pinturas, separadas umas das
outras por columnasinhas da Ordem Corinthia ou
Composita, sustentadas em sacadas por misulas com
bella obra de talha. Os fustes d'essas columnasinhas,
rectos ou torcidos, estão cheios de lindos arabescos
e delicadas folhagens. A obra de talha e dos
confissionarios apresentam na sua decoração de
esculptura bastante similhança com as das cadeiras
do côro.
Jubéos e balaustradas. Os
jubéos
da renascença
compõem-se geralmente de tres arcadas de volta
inteira, que descançam sobre columnas ou pilastras
imitadas das Ordens classicas.
Collocam-se os jubéos á entrada da capella
mór
nas grandes egrejas até proximo do meiado do
XVII seculo.
No meiado do XV seculo, uma grande reacção
se fez contra os jubéos, porque, dizia-se então,
[395]
destruiam o aspecto architectonico e impediam os
fieis de vêr o sacerdote no altar. Muitos foram
desmanchados n'esta época, outros transportados
proximo da fachada Occidental da egreja, a fim
de servirem de tribunas para collocar os orgãos.
As
balaustradas destinadas a vedar a capella
mór e a separar das naves lateraes as capellas, ou
resguardar certas partes da mobilia religiosa, foram
poucas vezes feitas de ferro ou de madeira,
faziam-se de preferencia de marmore ou latão. A
sua composição era de repetidas columnasinhas de
fórma classica, quer com balaustres em pé ou
revirados,
o que lhe fez dar o nome de
balaustrada.
Muitas vezes assentavam extraordinarios monumentos
funerarios entre essas separações da capella
mór e as naves nas cathedraes e nas egrejas
importantes.
Caixas de orgão. Na época do
renascimento,
deu-se ás caixas dos orgãos as maiores
dimensões.
Collocaram-se, primeiramente, nas egrejas ogivaes,
do lado do Evangelho, na parte inferior do
triforium,
no primeiro ou segundo vão da nave principal.
Depois, isto é, perto do meiado do XVI seculo,
foram assentes proximo do cruzeiro, á entrada
dos lados lateraes da capella mór. Finalmente,
quando as dimensões dos orgãos se foram
desenvolvendo desmedidamente, estabeleceram-se
tribunas especiaes na nave central, proximo da
frente Occidental da egreja. As mais antigas caixas
dos orgãos estão cobertas de obra de talha.
Pulpitos. Durante o periodo da
renascença, o
[396]
pulpito teve dimensões muito maiores que precedentemente.
No XVI e XVII seculos foram construidos
geralmente de madeira; porém desde o meiado
do seculo seguinte, ajunta-se algumas vezes o marmore
á madeira. Os pulpitos das egrejas de primeira
ordem compõem-se muitas vezes de grupos
de estatuas acompanhadas de arvores, rochedos e
outros detalhes pittorescos representando factos da
historia sagrada ou ecclesiastica.
Tumulos e campas. No XVI seculo os cenotaphios
eram compostos ainda como durante o periodo
ogival, d'um sóco ou macisso de alvenaria, coberto
por uma grande lousa, sobre a qual se vê a estatua
do finado. Á roda do sóco acham-se por vezes
estatuasinhas debaixo de arcaduras de volta inteira
descançando sobre columnelos jonicos, corinthios e
compositos, outras vezes, as arcaduras e as estatuasinhas
estão substituidas por uma ordem de
brazões. A figura do finado vê-se umas vezes
deitada,
outras de joelhos sobre uma almofada ou genuflexorio.
Esta ultima attitude foi a mais commum
no fim do periodo: todavia no XVII seculo, os monumentos
sepulchraes veem a ter uma composição
muito mais complicada; os sarcophagos tiveram as
mais variadas fórmas, e as estatuas dos finados
foram acompanhadas de outras estatuas allegoricas,
como a morte tendo uma foice, figuras de anjos,
a Fé, Esperança, Caridade, etc.
No XVII seculo, os mausoleus encontram-se muitas
vezes collocados por baixo de uma arcada muito
ornada no estylo do renascimento. Esta decoração
[397]
architectonica applicada sobre as paredes de uma
capella ou das naves lateraes, da nave principal e
capella mór conservou-se nos
XVII
e XVIII seculos,
mas disposta com acerto, com as modificações
introduzidas
successivamente na architectura. Na segunda
metade do XVII seculo, e muito mais frequentemente
no seculo seguinte, rematavam os tumulos
com pyramides e obeliscos em meio relevo,
ornados de bustos, em medalhão, do finado. Os cyprestes,
as columnas quebradas, as urnas funereas,
genios com fachos derribados, todas as reminiscencias
pagãs vieram a ser tambem uma
decoração
mais seguida n'esta ultima época.
O uso das
campas continuou durante o
periodo do renascimento, e o seu numero augmentou muito relativamente
á época precedente. No XVI e no
XVII seculos eram postas no pavimento das egrejas e dos claustros;
tambem ás vezes se assentavam na grossura da parede, junto
do logar em que fôra sepultado o finado. As mais antigas,
especialmente as da segunda classe, estão cobertas em parte
por figuras em alto e baixo relevo, em parte com
inscripções. Mais tarde limitaram-se a uma
simples inscripção acompanhada de um symbolo ou
de um brazão.
A maior parte das campas são de calcareo azul ou de marmore
preto, e muitas vezes têem as
inscripções embutidas com marmore branco.
Acham-se tambem algumas lousas funerarias de latão, cujos
traços gravados estão cheios de um esmalte
encarnado ou preto, posto a frio.
[398]
Desde o começo do XVII seculo, as
inscripções funereas principiam frequentemente
pela fórma pagã D (
eo) O
(
ptimo) M
(
aximo), ou com as letras P. M. interpretadas PIAE
MEMORIAE, mas isso tem o inconveniente de fazer directamente
allusão ao P (
iis) M
(
anibus) dos antigos romanos.
Pias baptismaes. As pias baptismaes
apresentam pouca importancia; a iconographia tão esplendida
e tão abundante de symbolismo que se notava sobre as pias
romãs, e algumas vezes ainda sobre as do periodo ogival,
desapparece de todo. Ellas foram então formadas de simples
pias de marmore, circulares ou polygonaes, tendo a fórma de
uma semi-esphera ôca e achatada, ás vezes ornadas
com molduras de fórma de perolas e assentes sobre um
pedunculo com molduras. As tampas são de latão ou
de madeira.
Obras de ourivesaria e de
esmaltador. Durante o periodo da renascença, os
ourives serviram-se princípalmente do trabalho de estampar
em relevo, da cinzelura e da gravura para ornar os objectos de
ourivesaria. Os esmaltes de côres, cujo uso havia sido
introduzido no fim do XV seculo, concorreram egualmente ás
officinas de Limoges, Augsbourg e de Nuremberg. Os
Limousinos
cobriam quasi sempre com pintura esmaltada as peças
metallicas, grandes e pequenas, transformando-as assim em paineis ou
medalhões: os
Allemães empregaram os esmaltes,
não sómente como faziam os Limousinos, para
pintar pequenos modilhões, muitas vezes camafeus
côr de rosa, e os applicavam sobre os pés
[399]
dos calices, das custodias e
sobre outros logares das suas obras, mas serviam-se tambem para fazer
realçar, pelo emprego do colorido superficial, certos
detalhes das suas peças de ourivesaria, por exemplo, as
figuras, folhagens, flôres e grinaldas.
O gosto pelos assumptos mythologicos, que dominava nas artes como na
litteratura, exerceu a sua influencia na ourivesaria religiosa. Os
deuses, os semi-deuses e os monstros da antiguidade pagã
foram resuscitados. Ainda mais, apparecendo nos assumptos da historia
da Biblia ou das legendas dos Santos, os artistas curavam muitas vezes
na
reproducção dos heroes do paganismo:
representavam o Padre Eterno com as feições de
Jupiter antigo; suppunham exaltar Nossa Senhora assemelhando-a
ás deusas mythologicas; os anjos vieram a ser genios
nús, e as tres Graças serviram para
personificarem as virtudes theologaes. Entre os arabescos via-se
reproduzir os Centauros, Pans, Sylvanos, Tritões, Nereidas;
representações onde a natureza humana e a
natureza animal se reunem da maneira a mais singular. Os objectos do
culto revestem-se com todas as excentricidades, e teem muitas vezes
dimensões fóra de toda a
proporção.
Calices. Os ourives do XVI seculo
abandonam pouco a pouco as tradições da edade
média, e, posto que a fórma antiga da
taça se conserve
ainda algum tempo mais ou menos primitiva, o calix vem a ser cada vez
maior. A principiar do meiado do XVII seculo, os artistas deixam-se
levar pela sua imaginação, esquecendo
completamente as boas
[400]
tradições dos tempos anteriores. O calix chega, e
mesmo vae além muitas vezes, á altura desmedida
de 35 centimetros; a taça estreita-se muitas vezes de
maneira que na communhão o padre é obrigado a
curvar a cabeça para traz; o nó não
se distingue já da hastea, e o diametro do pé do
calix diminue a tal ponto que ao menor choque o calix está
arriscado a cair.
A patena é uma simples chapa redonda, não tendo
nenhuma cavidade.
Pyxide. As pyxides distinguem-se das
que havia nas épocas precedentes pelas suas muito grandes
taças; sendo raramente ornadas de lavor representando
assumptos religiosos. A começar do XVII seculo, a sua tampa
não fica ligada á taça por
um gonzo.
Custodia. As custodias de
fórma radiante, foram, póde-se dizer, as unicas
conhecidas da época do renascimento; teem geralmente as
dimensões muito exaggeradas. As custodias com cylindro de
crystal apparecem apenas no XVI seculo. Muitas vezes mesmo mudaram mais
tarde estes ultimos, substituindo o cylindro de crystal por um sol
radiante. Nas custodias ricas, o oculo com sol radiante é
algumas vezes ornado de grupos, scenas em alto relevo e estatuasinhas,
que não convém, por fórma alguma,
junto ao Santissimo Sacramento. Essas extravagancias notam-se mais
vezes ainda nas custodias modernas.
Relicarios. Os grandes relicarios do
renascimento eram as mais das vezes de madeira pintada
[401]
e dourada. Faziam-se ainda algumas
vezes os relicarios de madeira, apresentando a
imitação de egrejas contemporaneas, com columnas,
entablamento, frontão, etc. Muitas vezes tambem serviam-se
de bustos de Santos de madeira pintada e dourada, que se collocavam
sobre uma base ornada com molduras com ovanos. Encaixilhavam-se as
reliquias no meio da face anterior d'essa base, mettendo-as debaixo de
vidro, ou em um pequeno. relicario de metal.
Estofos preciosos.
Tecidos.
No XVI
seculo, os estofos de que se serviam para as vestimentas, os mais ricos
eram tecidos com oiro ou prata, brocado e velludos de Genova e de
Utrecht.
O estofo com oiro ou prata
é um tecido feito com fios cobertos de qualquer d'estes
metaes. Quando os desenhos são tecidos servindo-se dos
mesmos fios ou fios de seda, designam-se
brocado. Finalmente, se em logar de fios de seda
se servem de velludo, chama-se
velludo de
Genova.
Antes do XVII seculo não se conhecia o
velludo lavrado: da sua superficie tiravam-se
servindo-se da thesoura, certas partes do pello para formar desenhos de
flôres e grinaldas. Mais tarde conseguiram obter um resultado
analogo comprimindo os velludos com uma poderosa machina movida a
braços ou pela agua; foi este o processo que forneceu,
durante muitos seculos, o
velludo
batido. O
velludo dito de
Utrecht tem geralmente o pello mais comprido que
as outras qualidades de velludos, e distingue-se por uma consistencia
mais forte.
[402]
Bordados. Os
bordados da época do
renascimento podem-se dividir em duas grandes classes. A primeira
comprehende os estofos bordados, tendo conservado a sua flexibilidade,
e consistindo o seu apreço na
disposição artistica
dos fios de oiro, prata, seda ou lã de differentes
côres,
empregadas pelo bordador. Os bordados de segunda classe apresentam em
estofo um aspecto esculptural, devidos aos effeitos das grinaldas,
flôres, fructos e figuras com as quaes estão
ornados; podia-se suppôr que o bordador, esquecendo o seu
proprio officio, foi pedir auxilio a uma arte estranha, que
não é nem póde ser a que lhe
pertence! Inutil seria accrescentar, suppomos, que a logica pedia que o
bordador empregasse os processos de execução dos
quaes legitimamente elle
dispõe pela natureza mesmo do seu officio,
áquelle que empregou da arte da esculptura, arte da qual os
effeitos nos parecem incompativeis com os do bordado inconvenientemente
produzido.
Pannos de raz. Os pannos de raz
continuaram em uso, e obtiveram mesmo maior
acceitação
durante o periodo do renascimento. Nunca os teáres de alta e
baixa trama foram nem mais numerosos, nem tiveram maior uso que no XVI
seculo. O centro de fabrico de mais importancia n'esta época
foi Bruxellas, cujos productos alcançaram primazia
não sómente pela habilidade dos operarios, mas
tambem pelos cuidados constantes que se empregavam na
preparação e applicação
do tabalho das materias de que se serviam na sua
execução.
[403]
O magistrado communal da cidade
não desprezava nenhum meio para conservar a merecida
reputação das officinas de Bruxellas, que
contribuiam com uma tão grande parte para a prosperidade
nacional. Finalmente, para conseguir pannos de raz perfeitos, elle
prohibiu, por um edital, de 24 de abril de 1425, que se pintassem ou
retocassem com pincel as encarnações dos tecidos
de uma
certa dimensão; pelo mesmo edital promettia, além
d'isso, aos fabricantes a propriedade artistica de seus grandes modelos
de desenhos, estabelecendo punições muito severas
contra os falsificadores.
Tres annos depois, isto é, em maio de 1528, promulgou um
outro edital mais notavel ainda, ordenando que toda a peça
fabricada na cidade e medindo mais de seis varas devia trazer d'alli em
diante na ourela inferior: de um lado uma das tres marcas dos
fabricantes, Bruxellas, Antuerpia e Tournay, e do outro um pequeno
escudo entre dois BB, iniciaes da palavra Bruxellas.
Em 1544, a obrigação de ter a marca foi extensiva
pelo governo a todas as cidades dos Paizes-Baixos.
Na marca de Bruxellas algumas vezes o B está voltado,
ficando os dois anneis do B virados para o escudo. A marca de Antuerpia
é formada por uma mão acompanhada de uma flor de
liz; a de Tournay mostra uma torre.
Durante o periodo ogival os pannos de raz reproduziram assumptos
religiosos e, algumas vezes tambem, figuras allegoricas ou contos de
cavallaria.
[404]
Á
proporção do adiantamento no
XVI seculo, os assumptos religiosos tornam-se mais raros; ficando
preferidas as representações que se referissem
á mythologia pagã ou á historia antiga
da Grecia e dos Romanos.
A fabricação dos pannos de raz de Bruxellas
declinou sensivelmente durante a ultima metade do seculo XVI, por causa
das perturbações religiosas
que assolaram a Belgica.
A Antuerpia era mais um deposito commercial que um centro de
producção. Desde o XV seculo, os commerciantes
expediam os pannos de raz para toda parte; tomando no XVI seculo este
commercio uma extensão maior.
No principio do XVII seculo, a concorrencia de muitos paizes
estrangeiros estabeleceu manufacturas officiaes, fazendo declinar a
industria da Belgica. Todavia os novos estabelecimentos foram fundados
com o concurso dos mestres e operarios vindos de Bruxellas.
Durante a segunda metade do XVII seculo o fabrico dos pannos de raz
bruxellezes principiaram a affrouxar, tanto pela sua qualidade, pois
não empregavam as boas tradições
artisticas, como principalmente
pela fundação, em França, da
manufactura real dos Gobelins, estabelecida em 1662 por Luiz XIV. A
direcção d'este estabelecimento foi
entregue ao pintor O'Brun, que tinha um pessoal numeroso, á
frente do qual estava, entre outros, officiaes, João Jans,
habil tapeceiro, oriundo de Oudenarde, que foi residir para Paris,
depois
[405]
de 1650, com grande
numero de operarios flamengos. A concorrencia da fabrica dos Gobelins
causou a ruina das officinas de Bruxellas.
A cidade de Oudenarde, que já tinha officinas de
tapeçaria no seculo XV, produziu nos seculos XVII e XVIII
tapeçarias de um genero especial, designado sob o nome de
Verduras.
Representavam, não assumptos historicos, mas paisagens
animadas por algumas pequenas figuras de homens e animaes, assim como
vistas de castellos ao longe. O seu nome deriva da circumstancia dos
tons de verde-carregado que predominam geralmente n'estas
composições. A industria da tapeçaria
acabou em Oudenarde em 1772.
No XVIII seculo, a illusão da manufactura dos Gobelins foi
tão grande na Allemanha, que a palavra Gobelin veiu a ser
synonimo de tapeçaria de alta e baixa lissa, e tem
conservado até hoje esta significação.
Iconographia
Uma revolução se effectuou na época do
renascimento, na representação da natureza
humana.
Até ao XV seculo, a nudez das figuras não era
admittida, não sómente na architectura religiosa,
como na architectura civil. Dissimulavam-se mesmo de proposito as
fórmas dos corpos debaixo da roupagem do vestuario, com
receio de despertar as paixões sensuaes; os esculptores do
renascimento
fizeram tudo ao contrario: tomaram a
taxa de executar sem disfarce a natureza, e dar ao seio, aos
[406]
hombros, ao corpo um desenvolvimento de
fórmas que na edade média se tinha dissimulado
debaixo da roupagem. O retrocesso do genio para os estudos classicos
levou, por um mesmo estimulo, os artistas ao estudo da anatomia do
corpo humano: vieram a ser pagãos sem comtudo deixarem de
ser christãos, e principiaram a representar, até
no sanctuario das egrejas, a imagem núa da mulher, faunos,
etc., nas attitudes as mais lascivas: foi esta a propensão
da arte desde o XVI seculo. A começar
d'esse momento, foi a sensualidade e a nudez que dominaram na maior
parte das pinturas e esculpturas mesmo as religiosas. Muitas vezes nas
egrejas, os assumptos legendarios ficam substituidos por scenas tiradas
da mythologia. Estas mesmas com figuras núas se
vêem sobre os vasos sagrados. Os anjos, que abundam nos
edificios religiosos, são genios, cupidos com azas,
dispostos para entrarem no banho.
Entre as representações proprias do periodo do
renascimento, mencionaremos uma unica:
A
deposição de Jesus Christo no tumulo,
que se representa em grande numero de egrejas com figuras de grandeza
natural. Além do corpo inanimado de Christo,
vêem-se mais sete personagens. Nicodémos e
José de Arimathéa pegando nas extremidades da
mortalha sobre a qual descança o corpo do Redemptor; Nossa
Senhora, o apostolo S. João e as tres Marias, Maria
Magdalena, Maria Cleóphas e Maria Salomé,
estão em fileira, entre as duas primeiras por detraz de
Christo.
[407]
Concluiremos estas considerações pelas palavras
de um douto archeologo que estygmatisa o sensualismo:
Podemos todavia ponderar que o estylo da architectura da
Renascença, querendo adoptar as formas da architectura
classica, não produziu progresso nenhum na arte
architectural, pelo contrario a fez
retrogradar;
se os artistas
antigos tivessem conhecido essas ousadias engenhosas dos periodos em
que a architectura apresentou as suas novas idéas
artisticas, não teriam espontaneamente
renunciado ao grande numero de fórmas que a
Renascença se lembrou de avivar; em uma palavra,
não se teriam adoptado modos differentes antigos, que
não significavam ser o resultado de symptoma de progresso,
sendo pelo contrario uma retroacção
da arte, pois não tinham progredido nas bellezas essenciaes
no estylo antigo, tendo apenas alterado ao mesmo tempo a
perfeição mechanica e a belleza racional da arte
classica.
FIM
Nomes dos Rev.os
Parochos
QUE FORAM ASSIGNANTES D'ESTA PUBLICAÇAO
Alexandre de Faria e Silva―Beneficiado da Sé
d'Evora―Correio do Collegio.
Alexandre Ramos Cid―Santa Maria da Feira―Beja.
Alfredo Elviro dos Santos―Secretario do Patriarchado―Lisboa.
Antonio d'Almeida Estrella―Rua do Bomjardim, 187―Porto.
Antonio Ferreira da Gama―Alfarellos―Alfarellos.
Antonio Luiz Pinto de Carvalho―Cartaxo―Cartaxo.
Antonio Luiz Thiago Mesquita―S. Miguel―Villa Franca do Campo.
Antonio Narcizo Pereira―Rua da Borragem―Almada.
Antonio Roza de Carvalho―Nossa Senhora da
Conceição―Torres Novas (Alqueidão do
Sena).
Antonio dos Santos Figueiredo―Seminario de Portalegre.
Antonio dos Santos Silva―Santa Catharina da Fonte do Bispo―Tavira.
Caetano Xavier d'Almeida da Camara Manuel―Evora.
Caetano Honorio da Graça e Sousa―Seminario de Portalegre.
Domingos José Alves Almeida―S. João
Baptista―Vieira (Mosteiros).
[410]
Eugenio de Freitas Cavalleiro de Sousa―Rua da Bella Vista,
á Lapa, 7, 2.º―Lisboa.
Faustino Antonio de Moraes―S. Saturnino―Fanhões.
Francisco da Conceição Costa―S. Pedro―Elvas.
Francisco Ferreira Flôres―Nossa Senhora da
Visitação―Ourem.
Francisco José Monteiro―Nossa Senhora da
Encarnação―Mirandella.
Francisco Lourenço Cardoso―Nossa Senhora da
Assumpção―Caminha.
Francisco Maria de Vasconcellos―Nossa Senhora do Milagre―Leiria
(Vieira).
João Baptista de Mendoça―Nossa Senhora da
Graça―Olhão (Moncarapacho).
João David d'Azevedo Barros―Rua do Bonjardim, 158―Porto.
João José de Mattos Ferreira―Santa Maria e S.
Miguel―Cintra.
João Maria de Mendoça Vasques―Nossa Senhora da
Conceição―Silves (Alcantarilha).
João Nepomuceno da Costa―S. Pedro de Penaferrim―Cintra.
Joaquim Antonio dos Reis―S. Domingos de Bemfica.
Joaquim Antonio Teixeira―Algarve―Loulé.
Joaquim Bernardo das Dôres―Cacella―Villa Real de Santo
Antonio.
Joaquim José d'Ánova―Povoa de
Varzim―Povoa
de Varzim.
Joaquim Maria Duarte Dias.
Joaquim Martins de Carvalho―Coimbra.
Joaquim Pereira de Moraes (Abb.)―Santa Maria―Taboaço
(Sendim).
Joaquim Rodrigues Barroso―Nossa Senhora dos Prazeres―Vizeu
(Abravezes).
[411]
Joaquim dos Santos Sequeira―Seminario de Portalegre.
José Alves de Mattos (Dr.)―Reitor do Seminario de Santarem.
José Baptista Pereira―Senhor Jesus―Obidos Sanguinhal.
José Bernardo dos Santos―Borba.
José David d'Azevedo Barros.
José Diogo Ribeiro―Vimieiro―Correio de
Alcobaça.
José Farinha Martins―Seminario de Portalegre.
José da Luz Capella―S. Miguel do Pinheiro―Mertola.
José Maria Tavares Portugal―Nossa Senhora
d'Assumpção―Vianna do Castello
(Gaveão).
José Ribeiro da Silva―Seminario de Portalegre.
José Victorino de Carvalho―Reitor de Marcello―Santa Cruz
de Villa Aleã.
Luiz José Nunes (Abb.)―S. Miguel―Bouças
(Leça da Palmeira).
Manuel Branco de Lemos―Salvador―Ilhalvo.
Manuel Francisco dos Santos Peixoto―Val de S.
Sebastião―Ilha Terceira.
Manuel Ferreira Peixoto de Sousa―Vera Cruz―Aveiro.
Manuel Henrique de Sousa Machado―S. Martinho de Bornes.
Manuel José Bernardo Coelho―S. Thiago―Tavira.
Manuel Maria da Costa―S. Matheus da Calheta―Ilha Terceira.
Manuel Marques Monteiro―Nossa Senhora da
Conceição―Nellas.
Manuel Ribeiro de Mello―Valladares―Correio de Gaia.
Manuel dos Santos Lourenço―S. João
Baptista―Feira (S. João de Vêz).
Mathias M. Grave―Seminario de Portalegre.
Miguel Antonio da Fonseca e Sousa―S. Faustino―Pezo da Regoa.
[412]
Paulo da Costa―Rua do Infante D. Augusto―Coimbra.
Prior da Freguezia de Cezimbra.
Prior da Freguezia de S. Miguel―Vagos (Sôza).
Thomaz Joaquim d'Almeida (Dr.)―Santo André―Mafra.
Vice-Reitor do Seminario de Faro.
Victorino da Silva Araujo―Leiria.
Zephyrino José Pinto.
INDICE
|
Pag. |
Ao
leitor. |
5 |
Introducção. |
7 |
Capitulo I―Principios
da arte
christã no Occidente. |
|
Primeiro
periodo. |
13 |
Capitulo
II―Descripção
das catacumbas
de Roma; 1.º
periodo. |
14 |
Symbolos ou
allegorias dos primitivos
christãos. |
16 |
Monogramma de
Christo. |
18 |
Sarcophagos. |
21 |
Edificios
religiosos construidos nos tres primeiros
seculos. |
23 |
Cemiterios. |
24 |
Paramentos e
objectos do
culto. |
25 |
Capitulo III―Estylo
latino. |
25 |
Caracteres d'este
estylo. |
31 |
Decoração
dos monumentos do
periodo
latino. |
32 |
Narthex, fachadas e
portaes das
basilicas. |
33 |
Janellas e
vidraças. |
33 |
Altar nas egrejas
do
Occidente. |
36 |
O ciborium
durante o periodo
latino. |
39 |
Cemiterios―sarcophagos―campas
e
tumulos. |
42 |
Os calices e
patena. |
45 |
Os crucifixos e os
castiçaes. |
48 |
[414]
Diptycos. |
49 |
Estofos
preciosos. |
50 |
Paramentos
sacerdotaes. |
53 |
Mosteiros
latinos. |
55 |
Iconographia
do periodo
latino. |
55 |
Caracteres do
estylo
bysantino. |
57 |
Systema de
construcção. |
58 |
Duração
exterior e interna das
egrejas. |
58 |
Capitulo IV―Periodo
Roman. |
60 |
Caracteres do
estylo
lombardo. |
62 |
Duração
monumental. |
66 |
Estylo roman
durante os seculos XI e
XII. |
67 |
Caracteres da
architectura
roman. |
69 |
Esculptura
monumental no seculo
XI. |
71 |
Atrios e portaes
romans. |
73 |
Caixilhos
rendilhados e vidraças
pintadas. |
75 |
Columnas
anneladas―ornato
designado―garra. |
77 |
Capiteis da
architectura
roman. |
78 |
Arcadas e arcaduras
nos seculos XI e
XII. |
79 |
Triforiums
e
cornijas. |
81 |
Contrafortes e
telhados. |
83 |
Torres e
campanarios. |
84 |
Pintura das paredes
e pintura
historica. |
86 |
Altares fixos,
retabulos e
relicarios. |
89 |
Piscinas. |
93 |
Doceis―Cadeiras
episcopaes. |
95 |
Capellas
funerarias―tumulos―pedras
tumulares. |
96 |
Pias
baptismaes. |
98 |
Esmaltes. |
99 |
Ourives de
Limoges. |
101 |
Calices e
patênas. |
102 |
Grades. |
103 |
Alfaias
religiosas. |
104 |
Restauração
artistica. |
105 |
[415]
Custodias―pyxides
e
ciborios. |
106 |
Relicarios
e
urnas. |
108 |
Corôas
suspensas
nos
altares. |
112 |
Cruzes
d'altar e para
procissões e
candelabros. |
113 |
Evangeliarios
e suas
capas. |
116 |
Baculos
pastoraes e
sapatos
lithurgicos. |
120 |
Mitras. |
122 |
Alfaias
preciosas e
paramentos sacerdotaes e suas
côres. |
123 |
Abbadias―Mosteiros―Claustros
dos
capitulos. |
129 |
Iconographia,
a
sciencia das
imagens. |
132 |
A
cruz e a
crucificação. |
137 |
Personagens
e accessorios
historicos e
allegoricos. |
143 |
Evangelistas e seus
symbolos. |
152 |
Assumptos
religiosos representados sobre os monumentos
dos seculos XI e
XII. |
155 |
Capitulo V―Periodo
ogival. |
159 |
Diversas
fórmas de
ogiva. |
160 |
Origem da ogiva e
do estylo
ogival. |
162 |
Periodo de
transição do estylo
roman para o
ogival. |
164 |
Caracteres da
architectura
ogival. |
165 |
Plano das egrejas
do XIV e do XV seculos e aspecto
exterior das
egrejas. |
169 |
Systema de
construcção. |
172 |
Esculptura
monumental. |
175 |
Fachadas―Alpendres―Postaes. |
179 |
Janellas no periodo
de
transição. |
185 |
Rosaceas―Vidraças
incolores. |
192 |
Vidraças
pintadas. |
195 |
Idem do XIII
seculo. |
200 |
Idem pintadas do
XIV
seculo. |
204 |
Amarello de
prata. |
206 |
Vidraças
pintadas do XV
seculo. |
207 |
Idem
pintadas do XVI
seculo. |
211 |
[416]
Idem
do XVII
seculo. |
214 |
Idem
do XVIII
seculo. |
216 |
Pilares―Columnas. |
216 |
Bases
e
columnas. |
219 |
Capiteis. |
221 |
Modilhões―misulas. |
223 |
Arcadas―arcaduras. |
224 |
Cornijas―platibandas. |
228 |
Estabilidade e
plano das
abobadas. |
231 |
Egrejas que teem a
sua nave central muito mais elevada
que as outras
naves lateraes e aquellas tendo igual
altura. |
232 |
Perfis das
nervuras―fecho da
abobada. |
234 |
Arcos
butantes―contrafortes. |
236 |
Gargulas. |
242 |
Nichos
e
doceis. |
243 |
Torres―campanarios. |
247 |
Pavimentos. |
251 |
Lages gravadas com
embutidos. |
253 |
Labyrinthos. |
254 |
Pinturas das
paredes. |
256 |
Cruz da
consagração. |
262 |
Altares―tabernaculos―piscinas. |
263 |
Frontaes―baldaquinos. |
265 |
Retabulos―banqueta. |
268 |
Sacrarios. |
274 |
Cadeiras de
côro. |
277 |
Jubes―cruzes
triumphaes. |
281 |
Pulpitos―confessionarios. |
284 |
Capellas
funereas―tumulos―campas. |
286 |
Pequenos monumentos
funereos do XV e do XVI
seculo. |
294 |
Pias
baptismaes―pias para agua
benta. |
298 |
Grades―barreiras
de metal e de
madeira. |
301 |
Orgãos e
caixas para
elles. |
304 |
[417]
Alfaias
religiosas―esmaltes. |
306 |
Calices―patenas. |
310 |
Custodias―pyxides
sem
pé. |
313 |
Relicarios―braços―pés. |
317 |
Esmoleres―relicarios―diversos. |
327 |
Vasos
para os Santos
Oleos. |
331 |
Corôas
com
luzes―castiçaes. |
333 |
Estantes
para o
côro. |
338 |
Livros
do
Evangelho―manuscriptos
lithurgicos―miniaturistas. |
339 |
Thuribulos―gomis―pratas
para
offerendas. |
342 |
Insignias―medalhas
dos
peregrinos. |
346 |
Estofos
preciosos. |
348 |
Pannos
de
raz. |
350 |
Vestimentas
sagradas. |
351 |
Mitras. |
356 |
Abbadias―mosteiros. |
357 |
Egrejas―claustros―casa
do
capitulo. |
359 |
Aposento
dos
irmãos leigos―aposentos para
hospedes. |
363 |
Celleiros―officinas―prisões. |
365 |
Cartuchas. |
367 |
Mosteiros
para
mulheres―conventos do
recolhidas. |
368 |
Hospitaes. |
368 |
Iconographia do
periodo
ogival. |
369 |
Representação
da Santissima
Trindade. |
370 |
O crucifixo―a
crucificação. |
371 |
O sol―a
lua. |
373 |
Imagem de Nossa
Senhora―o Menino
Jesus. |
374 |
A
Annunciação―a morte de Nossa
Senhora. |
376 |
Os apostolos―os
evangelistas. |
377 |
Scenas
diversas. |
379 |
Sibyllas. |
382 |
Capitulo
VI―Periodo
da
renascença. |
383 |
[418]
Caracteres
da architectura
da
renascença. |
385 |
Começo. |
385 |
Decoração. |
387 |
Plano
das
egrejas. |
389 |
Fachadas
das
egrejas. |
391 |
Abobadas. |
392 |
Torres. |
392 |
Altares. |
392 |
Tabernaculos. |
393 |
Cadeiras
do
côro, obra de talha e
confessionario. |
394 |
Jubéos
e
balaustradas. |
394 |
Caixas
de
orgão. |
395 |
Pulpitos. |
396 |
Tumulos e
campas. |
396 |
Pias
baptismaes. |
398 |
Obras de
ourivesaria e de
esmalte. |
398 |
Calices. |
399 |
Custodias. |
400 |
Relicarios. |
400 |
Estofos preciosos.
Tecidos. |
401 |
Bordados. |
402 |
Pannos de
Raz. |
402 |
Iconographia. |
403 |
Lista
dos
assignantes. |
409 |
Notas:
[1]
Extraido
do
Boletim de Architectura e
Archeologia, n.º 2, Tomo V, pag. 20 a 22, anno
1886.
[2] Tinha a
mesma designação que
coemeteria e criptae.
[3] Era um
calix mystico que continha o vinho que bebeu Jesus
Christo na sua ultima ceia. Este calix tinha sido conservado por
José de Arimathêa e transportado por elle para a
Bretanha. (Inglaterra).
[4] Termo em
inglez admittido pelos archeologos.
[5] Havia
no paiz dois magnificos livros do côro, um
do convento de Christo, em Thomar, e outro do convento de Belem. Este
foi retalhado pelos orphãos da casa pia de Lisboa, que
fizeram d'elle
barretinas e
talabartes. Ao outro livro foram cortadas as
folhas de pergaminho, tendo vistosos arabescos e lettras floreteadas,
coloridas e douradas, cujos preciosos fragmentos comprámos
avulso aos poucos no anno de 1835.
[6] Ha
um muito curioso no cabido da Sé de Vizeu,
do qual tirámos o molde em 1869. Está exposto no
museu do Carmo em Lisboa.
Lista de erros corrigidos
Aqui
encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
*
correcções feitas com base na errata do
próprio livro.
Foi adicionada a indicação do capítulo
II (
pág. 14) e
corrigida a entrada do capítulo III (
pág.
25).