The Project Gutenberg eBook of Memoria sobre o melhoramento da cultura da Beira e da navegação do Mondego

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Title: Memoria sobre o melhoramento da cultura da Beira e da navegação do Mondego

Author: António de Almeida

Release date: November 17, 2012 [eBook #41389]
Most recently updated: October 23, 2024

Language: Portuguese

Credits: Produced by Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões
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*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIA SOBRE O MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA E DA NAVEGAÇÃO DO MONDEGO ***
Nota de editor: Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Novembro 2012)





MEMORIA

SOBRE O

MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA

E DA

NAVEGAÇÃO DO MONDEGO


POR

D. Antonio d'Almeida


ALFERES DO EXERCITO
COM O CURSO COMPLETO DE ENGENHARIA
EM COMMISSÃO HYDROGRAPHICA
NO CONCELHO DE MONTEMÓR O VELHO.



Dezembro de 1857.




COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1858.






MEMORIA

SOBRE O

MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA

E DA

NAVEGAÇÃO DO MONDEGO





MEMORIA

SOBRE O

MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA

E DA

NAVEGAÇÃO DO MONDEGO


POR

D. Antonio d'Almeida


ALFERES DO EXERCITO
COM O CURSO COMPLETO DE ENGENHARIA
EM COMMISSÃO HYDROGRAPHICA
NO CONCELHO DE MONTEMÓR O VELHO.



Dezembro de 1857.




COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1858.




Um grande numero de rios da Europa, que antigamente corriam placidos entre as suas margens, appresentam hoje um curso extremamente irregular; as suas inundações formidaveis causam nos valles, que deveriam fertilisar, desastres, cuja repetição deu o alarme ás povoações marginaes.

O Sena, o Loire, o Saone, o Isère, o Rhodano o Durance têm assolado a França 'nestes ultimos annos com inundações cada vez maiores. Na Italia o Tibre e diversos outros rios, pelas suas frequentes enchentes, flagellam os valles. Em Portugal o Tejo e o Mondego offerecem phenomenos similhantes; se entre nós não foram estes tão desastrosos como em outros paizes, a perda das sementeiras, das colheitas, dos gados e dos instrumentos de lavoura, têm sido por vezes o resultado funesto para a importante classe dos lavradores.

Cabe pois ao Governo, sentinella avançada dos interesses do Paiz, mandar estudar e executar os trabalhos indispensaveis para remediar o mal, aos [6] homens da arte indagar qual deva ser o remedio applicavel com mais vantagem e menos dispendio.

Conheço as minhas fracas forças para arrostar com tão ardua tarefa, porém desejo ser util em alguma cousa: se errar, sirva ao menos esta memoria de lembrar a penas mais habeis a importancia da questão, para, com a emenda, fazer surgir a verdade.

A causa das inundações é, como todos sabem, a concurrencia rapida e quasi simultanea em o leito dos rios das massas aquosas parciaes, trazidas pelos seus affluentes quando as chuvas são copiosas ou são reforçadas pelo derretimento das neves nas montanhas; mas sendo a bacia dos rios a mesma que outr'ora, não tendo variado as circumstancias climatericas, por que motivo os mesmos phenomenos naturaes produzem hoje na Europa effeitos que antigamente se não davam e não têm lugar ainda hoje na America, onde a civilisação está menos adiantada? A razão é obvia: é porque na America as montanhas ainda estão cubertas de mattas virgens que demoram as aguas, em quanto que na Europa a população mais densa roteou os montes para se alimentar.

Quasi todos os autores estão concordes em attribuir a esta causa os estragos produzidos pelas aguas nos valles.

[7] Juliano narra que no seu tempo o Sena corria sempre limpido com um nivel quasi constante; hoje as suas aguas são turvas, e o seu nivel eleva-se ás vezes de 6 até 8 metros[1]. Esta mudança, diz M. Marry, é evidentemente devida á cultura dos terrenos inclinados, antigamente cobertos de mattas. Mais adiante, lê-se no mesmo tractado: «O que tem occorrido durante alguns annos successivos na bacia do Rhodano, prova que a roteação do Jura e principalmente dos Alpes teve para as bacias que recebem as suas aguas as consequencias as mais funestas.»

Voltando ao nosso Mondego, parece que antes de 1400 os senhorios obrigavam os rendeiros do campo a fazerem ahi pousadas e moradas, e a morar nas terras corporalmente por si e suas pessoas.

No cartorio de S. Pedro em Coimbra existe uma sentença proferida na éra de 1392 pelo Vigario da dicta cidade contra um inquilino: no pleito foi allegado pela senhoria que era costume antigo pagarem os lavradores que morassem nas terras que as Egrejas de Coimbra tinham no campo o dizimo dos fructos e crianças[2] á Egreja, cujas forem as dictas terras[3].

[8] Ouvimos pela primeira vez fallar nas inundações do Mondego em uma Carta Regia de D. Affonso V, do anno de 1464, que prohibe as queimadas e roteação das alturas vertentes no Mondego. (Lei que se não executou por iniqua.) Mais tarde o Marquez de Pombal renovou esta lei com o mesmo resultado. D'essa épocha em diante os clamores dos lavradores do campo subiram ao throno de todos os nossos Monarchas sem que se achasse o remedio.

Vê-se que já em 1464 se conhecia a causa das cheias, a mesma que hoje apontamos, não só para o Mondego, mas tambem para grande numero de rios da Europa.

O mar é provavel banhasse em épochas anteriores á Monarquia todo aquelle valle a que chamam campos de Coimbra. Santa Eulalia ou Santa Olaia, pequeno castello situado em um monte isolado ao Oeste de Monte-mór o Velho, na entrada do paul de Fôja, tendo sido tomado aos Mouros pelo Conde D. Henrique, foi doado por elle ao Mosteiro de Sancta Cruz com todas as rendas, portagens e mais direitos dos navios que entravam pela foz do Mondego[4]. Quatro seculos mais tarde, El-rei D. Manuel mandou edificar uma ponte de pedra no paul de Fôja em lugar da de madeira que existia para obviar aos grandes fracassos [9] que occasionavam aos povos as marés que a inundavam.

Em 1790 as marés ainda chegavam á barca de Monte-mór, junto ao monte da Ladroeira[5]; hoje o seu limite é muito mais visinho ao Oceano; sómente as marés grandes do equinocio do outomno fazem-se sentir até alli pelo empate da agua do rio, que então traz pouca.

Não me demorarei em demonstrar que o campo levanta com os nateiros depositados pelas cheias: O convento de Santa Clara, enterrado até ás impostas da abobada da Egreja, edificios que desappareceram completamente juncto a Coimbra, o provam de sobejo; ora, suppondo que os nateiros elevem o campo de um quarto de pollegada por anno, termo medio; de certo não serei taxado de exagerado pelos lavradores, admittindo que o rio começasse a transbordar desde o anno 1400, pois no anno 1464 já ouvimos queixas: serão 457 annos, o que nos dá 19 palmos d'elevação desde o anno 1400 até agora; ora, segundo o nivelamento feito por Estevão Cabral em 1790, a agua na ponte de Coimbra estava 63 palmos a cima do preamar, logo em 1400 achava-se sómente 44 palmos acima d'este plano; se o terreno [10] conservou sempre a mesma inclinação relativa, resulta que a maré em 1400 chegava a uma legoa de Coimbra ou pouco mais, pois elle dá de declive 22 palmos á 1.ª legoa. Infelizmente não é sómente o campo que levanta; o alveo do rio eleva-se mais depressa pelos depositos d'arêa trazidos da Beira no tempo das cheias, a ponto que chega á altura dos campos, e o Mondego abre um novo leito; assim tem ido correndo á revelia por todo o valle nos seculos de que fallámos, apoiando-se, ora nos montes do norte, ora nos do sul, cubrindo as terras com camadas de arêa: haja vista o leito antigo ao nivel do campo, e o novo encanamento feito em 1792, já meio entulhado, deixando apenas um metro d'altura entre seu alveo e o nivel do campo.

Resumindo: «O valle levanta com os nateiros; as marés retrogradam á proporção; o alveo do rio eleva-se mais depressa que o campo; chegando á altura d'este, as aguas procuram um novo leito.» Eis a indole invariavel do Mondego desde seculos, demonstrada tanto pelos documentos historicos como pela observação dos factos que têm lugar á nossa vista. Adiante procuraremos deduzir d'ella as legitimas consequencias. Mas antes d'isso lancemos uma vista d'olhos sobre os inconvenientes trazidos por um regimen tão irregular. São de duas especies: [11] 1.º considerados em relação aos campos; 2.º em referencia á navegação.

Pelo que diz respeito aos campos, o defeito capital do rio é sem dúvida a sua grande elevação, que, como já vimos, tende sempre a augmentar. No estado actual, um metro d'agua no rio, os campos já estão alagados: quando essas inundações vêm no inverno depois do recolhimento ou antes das sementeiras, as aguas não causam mal aos campos, antes pelo contrario os fertilizam, é o seu estrume, nem se emprega outro; sem ellas o campo era improductivo, pois o seu solo é formado de uma areia fina misturada de humus sem argila quasi nenhuma; mas, quando as cheias se apresentam em maio, fins d'agosto ou setembro, o mal é irreparavel: vão-se as esperanças e o suor dos lavradores; a colheita está perdida. Mesmo quando as inundações vêm em tempo competente, a grande velocidade que traz a agua despenhada das serras, d'onde desce em torrentes, escorregando sobre um terreno de grande declive e nú, composto de areias roladas sem aggregação quasi alguma, leva comsigo enormes massas de arêa, que vai depositando pouco e pouco, á proporção que a sua velocidade diminue, isso é no leito do rio navegavel, de modo que por baixo do rio temos um rio d'arêas, parte das quaes, d'involto [12] com as aguas, penetram pelas quebradas, para invadir o campo, que cobrem de suas camadas e tornam o terreno improductivo por muito tempo; vejam-se os campos de Bolão, onde as arêas esterilizaram duas legoas de comprimento, sobre um quarto de legoa de largura. Se ao menos o Mondego conservasse durante uma grande parte do anno uma estiagem regular, e um volume d'agua maior no intervallo de cada cheia, as areias seriam conduzidas ao mar pela corrente; mas 15 dias depois da chuva, o rio tem mui pouca agua.

Em quanto á navegação, raras vezes no anno essa se faz com commodidade e com a brevidade necessaria: assim no verão, a pouca agua que traz o rio, ainda essa espalhada em diversos caneiros no mesmo leito, não dá profundidade sufficiente para os mais pequenos barcos poderem navegar com facilidade; a navegação faz-se então á vara, os barqueiros vêem-se na obrigação de saltarem muitas vezes ao rio, e mesmo escavar a areia para abrirem passagem; os barcos levam menos de meia carga, e gastam dois e trez dias para ir da Figueira a Coimbra, quando deveriam gastar um, mesmo na ausencia de todo o vento: d'ahi resulta uma grande despeza de transporte para os generos que seguem esta via de communicação principal de toda a Beira.

[13] Para se conhecer a importancia d'essa navegação, direi que a Figueira é hoje o 3.º porto do Reino; 12 barcos cada dia (termo medio) transitam pelo rio com generos, o que dá annualmente 4320 barcos, que, a 5 carradas cada um, transportam 21600 carradas além dos passageiros, que são muitos visto que no inverno, por falta d'estrada, a communicação entre Coimbra e Figueira por terra torna-se de uma difficuldade immensa.

Conhecida a causa do mal, que é, como já dissemos, a velocidade com que as aguas da chuva descem dos montes ao rio, cavando enormes barrocas nos flancos da serra, arrastando comsigo as areias para deposital-as no leito do Mondego e por cima dos campos, ha duas especies de meios a empregar para remover o mal: 1.º os meios preventivos; 2.º os meios repressivos. Ninguem duvída, creio, que os primeiros sejam os mais suaves e os mais valiosos tanto em politica, em administração, na guerra como nas sciencias. A Hygiene é preferivel á medicina, e esta prefere quando póde a prevenção á repressão.

Os elementos são temiveis, não por si, mas pela somma immensa dos seus esforços parciaes: é pois antes do seu grande incremento que devemos combatel-os, o que para os rios significa que devemos atacal-os na sua origem, vêr se é possivel diminuir [14] o volume das aguas que chegam simultaneamente aos valles, demorando-as sobre o declive dos montes, e para o Mondego especialmente evitar a alluvião d'arêas que vêm entulhar o alveo.

Os meios até hoje empregados no Mondego foram todos repressivos,—construir marachões, fazer encanamentos parciaes, ora pelo norte, ora pelo sul; o resultado foi sempre o mesmo; o rio melhora por algum tempo, entulha-se de arêas, é mister um novo encanamento em cada seculo[6]; ora, proseguir em um systema de que a experiencia tem mostrado a insufficiencia, é pertinacia pelo menos, é expôr-se a enterrar novos milhões no rio, que tudo sepulta debaixo do seu leito[7]. Em quanto as aguas descerem das serras em 24 ou 30 horas, em quanto as arêas, despenhadas das barrocas e dos montes pela impetuosidade da torrente, chegarem ao valle onde o declive é quasi nullo e a largura muito maior, em todo o rio e campo se hão de depositar, inutilisando em poucos annos o melhor encanamento possivel. Com effeito, qual será o leito que possa conter uma massa d'aguas que cobre todo o valle [15] do Mondego no comprimento de 6 legoas, com meia legoa de largura e altura de um até 2 metros? Se não é possivel conter entre mottas esta enorme massa d'aguas, que não conhece por margens senão os montes que bordam o campo, se as mesmas causas produzem sempre os mesmos effeitos na ordem dos phenomenos naturaes, devemos procurar destruir a causa, recorrer aos meios preventivos, por elles diminuiremos o volume das enxurradas que sahem de repente ao valle, tornaremos o rio navegavel de verão, conservando-lhe as aguas; evitaremos que uma grande parte das areias desçam ao rio, tornaremos em fim o seu regimen uniforme e estavel; então sómente deveremos tractar de um encanamento regular, tornado muito mais facil, mais durador e menos dispendioso. Estes meios são simples na sua execução, e por uma grande felicidade favorecem a agricultura dos montes, ao passo que evitam a ruina do campo, harmonizando o interesse geral com o bem dos particulares.

O primeiro meio é applicavel a todos os terrenos d'encosta, desaguando no Mondego ou nos affluentes d'este: consiste em cavar barrocas horizontaes de um metro de largura (4-12 palmos) proximamente, com 2-12 palmos de profundidade, e 130 até 140 palmos de comprimento, fechadas nas extremidades, collocadas [16] em degráos por todo o declive dos montes, com intervallo de cerca 300 palmos entre fileira e fileira. Escuso dizer que encontrando-se algum obstaculo como rocha, estrada ou valla, interrompe-se a barroca para continuar do lado opposto.

Este meio tão simples, que todo lavrador póde executar sem auxilio d'arte, traz comsigo vantagens importantissimas: com effeito, sendo 6 legoas a distancia entre Coimbra e Lares, sendo meia legoa a largura media do campo entre estes dous pontos, e sendo um metro a altura das cheias ordinarias, segue-se que o volume d'agoa detido é 'neste caso de 92,557,410mc, se, como diz Estevão Cabral, a superficie da Beira é de 200 legoas quadradas; admittindo que 13 seja planicie, restam 134 legoas quadradas de encostas ou serras, em que se devem abrir barrocas; segundo o systema que apresentamos em 1000m ou 100 hectares devem abrir-se 15 barrocas de 1000m de comprimento cada uma, ou 15000m, que a razão de 0,mc5 por metro corrente, conterão 7500mc d'agua; admittindo que a legoa quadrada tenha 31 hectares, abriremos por legoa quadrada 465,000m de barrocas as quaes darão um producto de 232,500mc, e as 134 legoas quadradas terão em deposito 31,155,000mc d'agua; isto é, o terço do volume detido no campo, o que será sufficiente para evitar [17] as pequenas cheias de septembro ou de maio, que causam damno ás colheitas; além d'isso as aguas da chuva, obrigadas á descer os degráos d'esta grande escada, mesmo depois das barrocas cheias, chegarão mais lentamente ao rio, dando tempo para escoar as primeiras aguas, quebrarão a sua grande velocidade, e por consequencia não levarão tão facilmente a terra vegetal e as areias; as terras levadas depositar-se-hão 'nellas, e facil será ao lavrador pela limpeza das barrocas estrumar as suas proprias terras, em quanto que hoje, ellas vão beneficiar os proprietarios da base da montanha. O deposito d'agua conservar-se-ha nas barrocas até fins d'abril, épocha em que findam as chuvas, e filtrando na terra conservar-lhe-hão humidade até o principio de junho, isto é, até ao tempo em que é necessaria aos cereaes; por este motivo as terras dos montes tornar-se-hão mais productivas, pois todos sabem que os estrumes precisam ser dissolvidos para penetrar na planta em fórma de seiva, e todos lamentam a falta d'agua nos mezes do estio. O augmento de producção compensará em dois ou trez annos a despeza da abertura, que se reduz a 3$000 réis por hectare a razão de 20 réis o metro corrente[8], attendendo a que os mezes [18] d'inverno são os mais proprios para este trabalho. Os pequenos lavradores podem abril-as elles mesmos, visto ser o tempo o genero que menos lhes custa a dar 'naquella estação. Por este meio conseguiremos egualmente augmentar o volume d'agua da estiagem, tornando a navegação mais facil; pois, filtrando por entre as terras, tarde ou cedo a agua lá irá parar. Emfim, evitaremos que uma parte das arêas venha entulhar o alveo do rio, o que é mais para temer que a propria cheia.

Este systema novo de irrigações, já praticado em França em algumas partes em vista do melhoramento da cultura, tem correspondido ao que d'elle se esperava.

J. R. Pelonceau[9], insigne engenheiro francez, que o aconselha, tendo presenciado a sua applicação, assevera ser proprio a todo o genero de cereaes e legumes, e que as proprias mattas se tornam por este meio mais productivas e viçosas.

O segundo meio, que propomos á meditação do [19] público, é a plantação d'arvoredos em todas as encostas que vertem no Mondego ou nos seus affluentes: a medida não é nova, já o Marquez de Pombal a decretou; se tivesse sido executada, não teriamos que lamentar os desastres que procuramos remediar. Com effeito, uma montanha plantada de arvores, e por consequencia cuberta de terra vegetal e musgos, actua como uma esponja, que absorve a agua de repente e não a restitue senão pingo a pingo; uma montanha calva perde rapidamente a sua terra vegetal, de sorte que as chuvas escorregam sobre os seus flancos, dando origem ás torrentes nos logares elevados, e ás inundações nos valles. Certamente esta plantação geral das encostas não poderá ser feita por meio de uma Lei violenta, nem tão pouco de repente; mas não posso deixar de notar que as mattas vão desapparecendo da Beira, que a madeira já falta, que ella tornar-se-ha tanto mais necessaria quanto maior fôr o desinvolvimento da nossa civilisação. Os caminhos de ferro, as minas de Leiria e outras, que por ventura existam na Provincia, serão um dia exploradas, augmentando consideravelmente o consumo d'este genero. A exportação vai crescendo d'anno para anno, e os estaleiros da Figueira tomarão importancia logo que a barra seja de mais facil accesso: tudo convida pois o lavrador previdente a [20] semear pinhaes nos terrenos arenosos, pouco proprios para outra cultura.

O Governo possue, assim como as Camaras municipaes, muitos terrenos na Beira: cuide em mandar plantar mattas, abrir 'nellas barrocas horizontaes; o seu desinvolvimento será mais rapido, a agricultura conhecerá os seus verdadeiros interesses, e não será tão difficil, como se poderia suppôr, alcançar esta reforma: ella poderá exigir dez ou vinte annos para completar-se; mas o proveito para a navegação do rio e para o campo de Coimbra será proporcional ao seu adiantamento. Em um paiz como o nosso, em que os particulares não têm iniciativa, é mistér que o Governo dê o exemplo com experiencias bem dirigidas.

Como terceiro meio para evitar o entulhamento do rio, proporia collocar em todas as barrocas, vallas ou affluentes e no proprio alveo, nas suas partes não navegaveis, tapagens, feitas de estacas com ramos de salgueiros entrelaçados; estas tapagens repetidas de 500 em 500 metros perpendicularmente á corrente, deixariam filtrar as aguas, detendo as arêas; e o seu custo é tão pequeno, que não duvído se venham a fazer com grande vantagem.

Taes são as medidas, que julgo proprias para evitar o flagello das inundações e tornar as aguas [21] uma fonte de riqueza para os habitantes da serra. Oxalá que a opinião pública favoreça este meu empenho. Se se applicarem, como entendo deva ser, os tres meios conjunctamente, os desastres irão diminuindo em proporção do adiantamento do novo systema d'agricultura, e desapparecerão quando completo na bacia do Mondego; tendo então o rio maior volume medio, arrojará para o mar grande parte das arêas que o entulham. O encanamento será não só possivel, mas facil, observando as regras de que ninguem discrepa; a saber: 1.º As mottas devem ser eguaes nas duas margens, pois fortificar uma d'ellas sem a outra, é attacar a propriedade do visinho[10]. 2.º Um encanamento é um trabalho que se deve fazer simultaneamente em todo o valle, sob pena de ver destruidos os trabalhos feitos. 3.º Os rios vão crescendo para a foz; por consequencia a resistencia das mottas deve crescer em proporção conveniente á jusante.

FIM.





Notas:

[1] Marry, Cours de navegation, pag. 6.

[2] Criação.

[3] O Instituto, Jornal scientifico e litterario, impresso em Coimbra.

[4] Memorias Montemorienses.

[5] Estevão Cabral, Memoria sobre os melhoramentos do Mondego.

[6] Encanamento feito pela margem norte em 1794. Encanamento novo feito em 1792, já entulhado.

[7] Diz Estevão Cabral que ao pé da Gería ha pedra enterrada, sufficiente para construir uma cidade.

[8] Um vallador a razão de 240 réis por dia, faz em terreno do monte 60 palmos correntes, com a largura e profundidade que indicâmos, o que dá 4 réis por palmo corrente ou 18 réis por metro, e nós calculâmos 20 réis por metro corrente.

[9] J. R. Pelonceau, Note sur les débordements des fleuves et rivières.

[10] A este respeito precisamos de uma boa legislação, pois no Mondego cada um fortifica-se como quer, roubando o terreno do proprietario da margem opposta, e tornando o rio cada vez mais sinuoso.


Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 15 profundidode ... profundidade
#nota 10 raspeito ... respeito