The Project Gutenberg eBook of Resumo elementar de archeologia christã

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Title: Resumo elementar de archeologia christã

Author: Joaquim Possidónio Narciso da Silva

Release date: January 29, 2008 [eBook #24455]

Language: Portuguese

Original publication: Lisboa: Lallemant Frères, Imprensa, 1887

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RESUMO ELEMENTAR

de

ARCHEOLOGIA CHRISTÃ

por

POSSIDONIO DA SILVA



1887







Antigo edificio religioso de Santarem

LISBOA―Museu de Archeologia do Carmo






RESUMO ELEMENTAR

de

ARCHEOLOGIA CHRISTÃ

por

Possidonio da Silva




medalha conferida em 1869


LISBOA
LALLEMANT FRÈRES, IMPRENSA
1887






Á

MEMORIA DE MEU PAE


Reinaldo José da Silva


TESTEMUNHO DE RESPEITO E GRATIDÃO


O Auctor





AO LEITOR



Inaugurando-se agora nos seminarios de algumas dioceses de Portugal cadeiras para o ensino de archeologia christã, estudo que ha muito era urgente crear-se no nosso paiz, proponho-me publicar os elementos principaes d'esta sciencia, afim de facilitar os estudos a quem desejar possuir esses conhecimentos indispensaveis para curar da conservação dos objectos do culto e evitar o ignorante modo de se restaurarem os edificios religiosos dos differentes estylos, que pertencem á nação; pois já é tempo de não se continuar a praticar nos edificios concertos mal pensados, que alteram o caracter respectivo da sua architectura, e causam tambem desdouro ao avaliar-se a nossa civilisação.

Ainda que não façamos um compendio completo, comtudo, talvez possa ser de algum auxilio para se divulgarem as instrucções principaes d'esta natureza afim de pôr cobro aos vandalismos que têem destruido tantas antiguidades e objectos preciosos do culto.

Muito embora não se consiga desde já o proficuo resultado d'este ensino, todavia ficará registado, no final do seculo XIX, o empenho que illustres Prelados têem tomado para obstar a serem illudidos os parochos nas substituições das alfaias, e para se opporem ás defeituosas restaurações dos monumentos religiosos do nosso paiz. Darei por bem empregada esta minha modesta publicação, se por ventura conseguir este empenho patriotico e artistico a que tenho constantemente dedicado a maior parte da minha existencia.

Possidonio da Silva.




INTRODUCÇÃO[1]



Os monumentos historicos ou simplesmente artisticos são os marcos que assignalam os passos, mais ou menos firmes, vagarosos ou apressados, que os povos vão dando no caminho da civilisação. Porém não se pense que, relativamente a esses padrões, a cultura de uma nação deva ser avaliada sómente pela significação d'elles, por mais gloriosa que seja, ou por mais que se aprimorasse n'elles a arte, mas sim tambem pelo apreço e respeito com que essa nação vela pela sua conservação.

Sobreleva Portugal a todas as nações na alta significação dos seus monumentos, porque não commemoram unicamente façanhas militares e virtudes christãs e civicas, communs a outros povos. Não recordam só mil acções de valor, de coragem e de abnegação, praticadas na defensa da patria, ou para alargamento das suas fronteiras, ou para honra e lustre do seu nome. Mas fallam tambem os nossos monumentos d'essas arrojadissimas [8] emprezas de navegações e descobrimentos, com que os portuguezes abriram de par em par as portas á moderna civilisação, levando a luz do evangelho, atravez de mares ignotos, ás mais longinquas regiões do globo.

Quasi todas essas glorias, que doiram as paginas da nossa historia, foram memoradas por nossos maiores com a fundação de um templo, acanhado e singelo, ou grandioso e opulento, segundo o permittiam a rudeza dos tempos, ou a florescencia da nação, bem como o animo e posses dos fundadores.

As convulsões do sólo, a pouca illustração dos reedificadores, e modernamente a sanha brutal dos demolidores, têem destruido ou desfigurado muitas d'essas auctorisadas testemunhas dos tempos heroicos de Portugal. Este vandalismo, que nos degrada do gremio das nações cultas, não está, infelizmente, ainda de todo proscripto d'entre nós. Os poderes publicos ainda não prestam aos nossos monumentos toda a attenção e vigilante solicitude que, para a sua conservação, elles demandam, e a honra e bom nome do paiz com tanta justiça reclamam. E não basta que se attenda á conservação dos monumentos commemorativos dos grandes factos historicos, e ao mesmo tempo opulentos d'arte. Merecem o nosso apreço e cuidados todos os padrões que interessam, de qualquer maneira, aos annaes da nação e á historia da arte.

Não obstante os differentes elementos de destruição, que tem actuado entre nós, ainda existem de pé n'este reino não poucas egrejas anteriores á [9] fundação da monarchia, ou contemporaneas do nosso primeiro rei, ou construidas sob o sceptro dos seus immediatos successores. São pequenos e de construcção mesquinha todos esses templos, tendo por feição principal a mesma simplicidade e pobreza, que distinguiam n'essa epocha o viver da nação. Todavia, embora o acanhamento das proporções, e a simplicidade da architectura corram parelhas com a pobreza das memorias historicas, todas essas egrejas são exemplares de subido valor para a historia da arte em Portugal, tanto mais quanto é tristemente certo, que os grandes templos, levantados nos principios da monarchia, têem sido mascarados e desfigurados, por occasião das reedificações, como aconteceu ao de Alcobaça, á Sé de Lisboa, e a outros, ou desappareceram, como o de Santa Cruz de Coimbra e o de S. Vicente de Fóra, em Lisboa, para em seu logar se edificarem outros mais vastos e mais sumptuosos.

Pois essas preciosas reliquias de tão remota antiguidade que têem resistido ao duro embate das tempestades no correr de tantos seculos, zombando até agora dos cataclysmos da natureza e dos furores do camartello, acham-se presentemente ameaçadas, pelo menos algumas d'ellas, de perderem, em reconstrucções dirigidas sem amor da arte, e sem respeito aos monumentos de remotas éras, as suas primitivas e venerandas feições.

E ao mesmo passo vão desapparecendo das velhas parochias sertanêjas as suas antigas alfaias, vendidas por uma bagatella, a titulo de alcançar [10] meios para reparação do edificio, e os seus vasos sagrados dos seculos anteriores ao XVIII, de muita belleza e primôr artistico, a troco de outros de fabrica moderna, mais luzentes e vistosos, porém destituidos da formosura e elegancia das fórmas, e da delicadeza e perfeição do trabalho esculptural, que dão fóros universaes de preeminencia á ourivesaria, principalmente dos seculos XV e XVI.

Os compradores d'objectos d'arte e de industria, antigos, que vem a Lisboa todos os annos do estrangeiro, sobretudo de França e da Allemanha, percorrem as nossas provincias em todas as direcções; apparecem em todas as cidades, nas villas e nas proprias aldeias, tentando com dinheiro á vista os possuidores d'essas preciosidades, que não sabem aprecial-as, desconhecendo-lhes o valor.

É mister por honra do paiz, e por exigencia imperiosa dos interesses publicos, que se trate de pôr algum côbro, quando não possa obstar-se inteiramente, á assolação ou deformação d'aquelles monumentos da antiguidade, e a esta continua expropriação das nossas riquezas artisticas, documentos irrecusaveis do alto grau de florescencia nas artes, e por conseguinte de civilisação, que Portugal attingiu n'esse glorioso passado.

Um dos meios inquestionavelmente mais adequado, seria oppôr a essa torrente devastadora a illustração e o zelo dos parochos, illustração e zelo provenientes de conhecimentos especiaes para saberem apreciar aquelles objectos, ricos d'arte e de memorias [11]piedosas, que os estranhos nos cobiçam, e que os nacionaes malbaratam por ignorancia.

Se os parochos tivessem algumas noções de archeologia religiosa, não consentiriam, certamente, que as suas egrejas perdessem, com feições bastardas, o typo primitivo que as ennobrecia, nem haviam de tolerar, que fossem despojadas, por compra ou troca, dos seus vasos sagrados e alfaias antigas, que são nos templos verdadeiros brazões da sua nobreza, e testemunhas authenticas, eloquentes na sua propria mudez, do amor da religião dos nossos antepassados, que n'elles se casava com o amôr da patria. E não limitariam esses parochos a sua acção benefica, sem duvida, a salvaguardar as preciosidades artisticas das suas egrejas; mas não deixariam tambem, em casos identicos, de dispensarem aos parochianos os conselhos do seu saber e da sua experiencia.

Foram estas considerações retemperadas pelo affecto que todos devemos á terra, que nos serviu de berço, e ás Santas Crenças, que recebemos dos maiores, que moveram a Real Associação dos Architectos e Archeologos a elevar ao esclarecido juizo dos Prelados Portuguezes o pedido de instituirem nos seus respectivos seminarios uma cadeira de archeologia religiosa.

É uma sciencia muito complexa a archeologia, não ha duvida, pois que cada uma das partes, que a compõem, e que se subdividem, a seu turno, em outras partes de materia amplissima para o estudo, constitue um ramo importante dos conhecimentos [12]humanos, que demanda muita applicação para ser bem sabido.

Porém, no que diz respeito á archeologia religiosa é um estudo muito limitado, facil e agradavel, e que póde restringir-se, querendo abrevial-o, estabelecendo o ponto de partida da invasão dos povos septemtrionaes e destruição do imperio romano; ou dos tempos mais proximos da fundação da monarchia portugueza. O que é mister é que se dê nos seminarios aos futuros parochos a instrucção precisa para que conheçam os differentes estylos architectonicos, empregados nos templos do christianismo; a epocha da sua introducção em Portugal, e as modificações, que tiveram aqui, determinadas pelo estado da nossa civilisação e pelos habitos e costumes da sociedade. É indispensavel, tambem ministrar-lhes eguaes conhecimentos em relação á ourivesaria religiosa, e ás mais artes liberaes e mechanicas, que, no correr da éra christã, têem concorrido com os seus productos para o serviço dos altares, e para a ornamentação das egrejas.

Os parochos assim instruidos não deixarão de apreciar devidamente, e de velar com verdadeiro zelo pela conservação dos edificios e dos objectos concernentes ao culto, venerandos pelas tradições religiosas e pela consagração dos seculos, e dignos de grande estima pelo seu valor artistico ou archeologico.


Ignacio de Vilhena Barbosa.

[13]


Resumo elementar de archeologia christã


CAPITULO I

Principios da arte christã no Occidente

PRIMEIRO PERIODO



CAPITULO II


Summario.―Descripcão das catacumbas de Roma―Principios artisticos e classificações das pinturas das catacumbas―Symbolos ou allegorias dos primitivos christãos―Representação de Jesus Christo e de Nossa Senhora―Imagens dos Santos―Monogramma de Christo―Lampadas―Sarcophagos christãos―Vasos de sangue―Monumentos christãos fóra das catacumbas―Edificios religiosos construidos nos tres primeiros seculos―Cemiterios á superficie  do solo―Alfaias e instrumentos do culto.



Os mais numerosos monumentos christãos que se offerecem para o estudo da archeologia christã são os cemiterios subterraneos da cidade de Roma. Os christãos continuaram a escavar nas antigas pedreiras da cidade novas catacumbas depois do reinado de Constantino, e durante os quatro ou cinco seculos seguintes, transformaram as catacumbas em logares de peregrinação. Fizeram-se restaurações e embellezamentos n'estes sanctuarios até ao fim do seculo VIII.

As catacumbas eram destinadas a tres fins: o primeiro e principal era servirem de cemiterio aos christãos. Os tumulos ficavam dispostos nas paredes uns por cima dos outros formando fileiras de tres a doze. Os corpos eram collocados em nichos oblongos, fechados por tampas de marmore, ou por tijolos ordinariamente em numero de tres, ajustados perfeitamente com cal.

[14] N'estas galerias veem terminar em muitos sitios camaras sepulchraes. São especies de covas funerarias, no fundo das quaes se encontra muitas vezes, debaixo de uma abobada, um tumulo encerrando os restos mortaes de algum martyr illustre. Estes tumulos serviam de altar no dia anniversario do martyr, em que os christãos vinham fazer as suas orações.

A fórma dos sepulchros era variadissima: ha-os circulares, semi-circulares, octogonaes, hexagonaes e pentagonaes; comtudo a maior parte são quadrados.

O segundo fim a que destinavam as catacumbas era servirem de logar de reunião para ahi celebrar as ceremonias do culto. Foi para fazerem as suas assembléas religiosas que os primitivos christãos construiram, nos seus cemiterios subterraneos, oratorios, compostos a maior parte das vezes de dois ou tres sepulchros contiguos, e que se designam pelo nome de basilicas das catacumbas.

O terceiro fim das catacumbas era tambem servirem de retiro ao Pontifice, ao clero e aos fieis no tempo da perseguição.

A historia das catacumbas póde dividir-se em tres periodos principaes: o periodo da formação, o periodo da restauração e de visitas piedosas, e o periodo de explorações scientificas.

O primeiro periodo abraça os quatro primeiros seculos. No decurso do seculo IV viu-se diminuirem as sepulturas subterraneas pelo augmento dos tumulos á superficie do solo. Depois do anno 410 não se encontram sepulturas nas catacumbas.

[15] O segundo periodo estende-se desde os primitivos annos do seculo V até ao principio do seculo IX.

Chamam-se cryptas historicas as camaras sepulchraes em que repousavam os restos de martyres illustres.

O ultimo periodo, de explorações scientificas, data do anno de 1578.

No mez de maio de 1578, uns trabalhadores que se occupavam em extrahir pozzolana n'uma vinha, a duas milhas da cidade de Roma, descobriram uma abertura que dava para um cemiterio christão decorado de pinturas, de sarcophagos e de inscripcões.

Estas pinturas pertencem a epochas differentes, e algumas ao primeiro seculo da nossa éra. As do seculo II são mais numerosas, porém as do seculo III são ainda em muito maior numero.

A maior parte das decorações das paredes das catacumbas foram executadas a fresco, sendo feitas algumas com mosaicos em limitado numero.

Os antigos artistas contentavam-se em traçar a silhuêta dos personagens e dos objectos, enchiam em seguida o espaço comprehendido entre os contornos por côres lisas ou illuminuras, e indicavam convencionalmente as rugas dos fatos com traços cheios e as saliencias com traços finos. Faziam o contrario do que se praticava desde o seculo VI, desprezando, na representação dos assumptos, os accessorios.

As pinturas dos tumulos, em fórma d'arco, apparecem [16] sobre um fundo ornado,―um assumpto com muitas figuras traçadas dentro de molduras de fórma quadrada ou semicircular.

Os ornatos são na maior parte imitações de objectos usuaes, açafates com fructos ou grinaldas de flores, sendo imitado este genero de decoração de pintura da arte pagã.

Nas catacumbas representava-se ordinariamente Jesus Christo debaixo da fórma do Bom Pastor.

As imagens do Redemptor não se encontravam isoladas, apresentando todos os caracteres das pinturas posteriores a muitos seculos á conversão de Constantino.

A Santa Virgem é figurada nas pinturas das catacumbas sobre os vidros dourados e os sarcophagos dos seculos primitivos, estando sentada, com o Menino Jesus ao collo.

A adoração dos Magos recordava aos fieis tres dogmas: a vocação dos infieis, a Divindade de Nosso Senhor, e a Maternidade Divina.

Os primitivos christãos representavam tambem a Virgem com ou sem o Filho, debaixo da forma d'uma orante, isto é, em pé e levantando os braços n'uma attitude de supplica. Muitas imagens são anteriores ao seculo IV.

Jesus Christo multiplicando os pães: figura a Santa Eucharistia, como sendo alimento das almas.

O Salvador é representado em geral debaixo da figura d'um mancebo imberbe vestido com manto e tunica ornada com duas bandas de purpura.

[17] O paralytico curado é representado no momento em que, deixando a piscina, leva a sua cama ás costas. Está vestido com uma tunica e cinta e uma especie de ceroulas.

Jesus resuscitando Lazaro: é representado Lazaro debaixo da fórma d'uma pequena mumia envolvida em pequenas fitas e collocada na posição vertical á entrada do tumulo, que tem a fórma de um edificio ou pequeno templo.

As representações de refeição dividem-se em duas classes conforme symbolisam a Eucharistia, ou a felicidade dos predestinados á bemaventurança.

A felicidade dos predestinados é symbolisada por um banquete ao qual servem o Amor e a Paz, porque estes dois gosos eram tidos como os principaes do Paraiso.

Jesus Christo rodeado dos seus discipulos: representa o ensino dado aos apostolos e a celebração da ultima ceia do Senhor.

As imagens dos Santos encontram-se nas cryptas historicas, e todas em geral são posteriores á conversão de Constantino. Muitas são ornadas de resplendor, que só foi dado aos Santos no principio do seculo VI.

A scena do Orpheu tocando lyra, tirada da mythologia, é muito commum nas pinturas das catacumbas e sobre os monumentos christãos dos primeiros seculos.

Entre os primeiros christãos, Orpheu deleitando os animaes ferozes com os sons da sua lyra, era [18] um symbolo de Jesus Christo domando as paixões dos homens e attrahindo-os com os encantos da sua doutrina.

Os primeiros christãos reproduziam de differentes maneiras as quatro estações sobre as paredes das catacumbas e sobre os sarcophagos, porque as estações symbolisavam aos olhos dos christãos a futura resurreição.

Os primitivos christãos serviam-se dos symbolos, em primeiro logar, para subtrahir á irrisão dos infieis as mais augustas verdades da religião, e em segundo logar, para se conhecerem entre si. Os mais antigos d'estes symbolos eram a pomba, o peixe, a barca, a lyra e a ancora.

Durante os primeiros tres seculos da Egreja, o peixe era um dos symbolos mais divulgados entre os christãos para significarem Jesus Christo. Empregava-se de dois modos, como nome e como figura. A palavra ichtus, que significa peixe, fornece as iniciaes das palavras Jesus Christo Filho de Deus.

O peixe representado sobre os monumentos pintados ou esculpidos tinha a mesma significação, era um signal hyerogliphico lembrando aos christãos a palavra grega e todas as verdades que ella symbolisava. Tanto o acrostico como o peixe symbolico, era principalmente gravado sobre as pedras e sobre os objectos portateis para o uso da piedade dos primeiros christãos.

A Cruz que se encontra nos monumentos christãos dos quatro primeiros seculos apresenta-se com [19] fórmas dissimuladas, de ancora, que era ao mesmo tempo o symbolo da esperança, e serve desde o primeiro seculo para recordar aos fieis o signal da Redempção.

Empregou-se desde os primeiros seculos o cordeiro para representar Jesus Christo.

Os primitivos christãos tinham por costume orar em pé, com os braços estendidos e levantados para o ceu. Na maior parte dos monumentos christãos primitivos vêem-se fieis dos dois sexos, e principalmente mulheres em attitude de orantes.

A orante symbolisa a alma christã admittida no ceu e considerada esposa de Jesus Christo. As duas arvores que em alguns monumentos se encontram aos lados, designam o paraiso ou a felicidade eterna.

Encontra-se frequentemente nos primitivos monumentos christãos de toda a especie a pomba, e principalmente nos epitaphios dos seis primeiros seculos da nossa éra. Nos tumulos symbolisa ordinariamente a alma pura e innocente dos fieis. A oliveira que está ao seu lado ou o ramo d'esta arvore, que muitas vezes tem no bico, são o symbolo da paz que gosa a alma, e equivale á formula in pace, tantas vezes empregada nos epitaphios.

A palma tem sido em todos os tempos o symbolo do triumpho; os christãos primitivos collocaram-n'a nos seus tumulos para recordar a victoria ganha pelo defuncto aos inimigos da fé.

O monogramma de Constantino ou simplesmente monogramma são as duas letras gregas X P ligadas da seguinte maneira:

[20]

Outro monogramma cruciforme parece ter existido no Oriente e tem a letra X com a fórma d'uma cruz † onde está ligada na perpendicular superior a barriga da letra P:



As duas fórmas tambem se empregaram no Occidente.

A partir do meado do seculo IV, o monogramma é muitas vezes acrescentado com mais duas letras gregas A e Ω, a primeira e a ultima do seu alphabeto.

O monogramma data da conversão de Constantino que mandou fazer o lábaro, que era encimado pelo monogramma.

Durante os primeiros seculos da Egreja, o altar era apenas uma taboa de madeira, servindo de mesa aos apostolos para celebrar os divinos mysterios.

As catacumbas forneceram-nos mais tarde o typo dos altares em fórma de tumulo. As tumbas em arco tinham uma prateleira horisontal cobrindo os restos do santo martyr; sobre esta prateleira é que se dizia a missa.

As lampadas que se encontraram nas catacumbas tinham a fórma das lucerncae dos antigos. Assemelham-se a uma barquinha, que era um dos symbolos mais usados na Egreja primitiva. A maior parte são de argila; tambem se encontram algumas de bronze. Estas ultimas pertencendo a uma epocha [21] menos remota, são quasi todas munidas de cadeias que serviam para as suspender nos tectos das capellas.

Chama-se sarcophago (palavra derivada de sarcos carne e phagos eu como) um tumulo de marmore ou de porphyro mais ou menos ornado de esculpturas.

Podemos classifical-os em simples, mixtos e ricos.

Os sarcophagos simples apresentavam a fórma de um cofre rectangular sem ornamentação.

Na maior parte os sarcophagos eram adornados de um ornato que se chamava strigiles.

Os strigiles são canneluras de fórma sinuosa, imitando o raspador, instrumento de que os antigos se serviam para tirar, na occasião de se banharem, a humidade e os corpos estranhos espalhados na superficie da pelle.

Os sarcophagos ricos têem as quatro faces, ou pelo menos tres, ornadas de esculpturas em baixo, ou em alto relevo. Quando se reproduzem sobre uma mesma face muitas scenas ou figuras, são justapostas simplesmente, ou separadas por columnas ornadas de pampanos e de pequenos genios colhendo fructos.

Muitos sarcophagos têem, no centro da face principal, um medalhão circular, onde se vê em busto a figura do defuncto. Os tumulos que serviam de sepultura a dois esposos, têem dois bustos, e algumas vezes uma arcada central apresentando, com a mesma significação, dois personagens em pé dando a mão e chorando.

[22] Os sarcophagos mixtos são ornados parte com strigiles e parte com figuras gravadas a traço ou esculpidas em relevo.

Os sarcophagos dos tres primeiros seculos foram escolhidos nas officinas pagãs, ou esculpidos por artistas christãos, segundo modelos profanos.

As scenas da Paixão propriamente dita, taes como a flagellação, o coroamento de espinhos e a crucificação, não se encontram representados em monumento algum do primitivo christianismo.

Os christãos dos primeiros seculos punham muitas vezes nas sepulturas objectos que tinham pertencido ao defuncto.

Encontram-se nos tumulos dos fieis: tecidos d'ouro, anneis, bracelêtes e bijoterias, brinquedos de creança, relicarios portateis, vasos de vidro ou d'argila collocados ordinariamente perto das cabeças dos cadaveres, instrumentos de supplicio.

Vasos de sangue. Entre os signaes certos do martyr o principal é o vaso de vidro ou d'argila, que serviu para recolher o sangue do martyr, collocado dentro do tumulo, ou no exterior do nicho sepulchral.

Objectos collocados no exterior do tumulo. Entre estes objectos, uns são executados pela mão do homem, outros não o são. Podem classificar-se, na primeira cathegoria, os baixos relêvos, as estatuetas, os pequenos bustos, e os fragmentos de esculpturas em pedra e em marmore, os cacos de louça, os fragmentos de vasos de crystal e de vidro esmaltado e dourado, os prismas e as pequenas placas [23] de mosaico, os anneis, os collares, os bracelêtes, e um grande numero d'outros objectos de toilette feminino, d'ambar, ouro, marfim e nacar, os brinquedos de creança, as folhas de taboa de escrever, as placas de bronze, as guarnições e os ornamentos para portas e cadeiras, d'ouro, marfim, bronze e ferro, os camapheus, as moedas e as medalhas, os utensilios de cosinha; n'uma palavra, tudo desde o objecto mais ordinario até ás joias mais preciosas.

Encontram-se tambem fragmentos brutos de toda a especie de substancias, os mais diversos objectos naturaes e os mais extravagantes; pedaços de tufo, estilhaços de pedra ou de tijôlo, caróços de fructos, folhas d'arvore ou de planta, dentes e ossos d'animaes, caracoes, cascas de mexilhão e d'ôstra, conchas, etc.

Estes objectos fixos ao cimento, eram dispostos de maneira que podessem desenhar figuras de que facilmente se podesse fazer idéa.


Outros monumentos christãos dos tres primeiros seculos além das catacumbas. Occupar-nos-hemos dos edificios religiosos construidos sobre a terra, dos cemiterios construidos ao ar livre, dos paramentos sagrados e dos instrumentos do culto, anteriores á abjuração de Constantino.

Sabemos por documentos historicos que muitas pessoas abastadas tinham em seus palacios oratorios onde os soberanos Pontifices vinham celebrar os Santos Mysterios na presença da multidão dos [24] fieis. Muitos d'estes oratorios foram substituidos, depois da abjuração de Constantino, por basilicas, ás quaes deram o nome das pessoas piedosas que haviam cedido á egreja o direito de propriedade; e se mais tarde estas pessoas ficavam consideradas no numero dos Santos, estas basilicas eram-lhes dedicadas.

A mais remota menção d'um templo christão data do tempo de Alexandre Severo, que foi imperador desde 222 até 235.

Não é conhecida a fórma nem a distribuição interior d'estas primitivas egrejas.

Os unicos monumentos notaveis dos tres primeiros seculos, até hoje conhecidos, são as cellas dos cemiterios, ás quaes se deu tambem o nome de basilicas, desde o principio do IV seculo.

Estes pequenos edificios, construidos nos cemiterios, serviam para ponto de reunião dos fieis.

Cemiterios ao ar livre. As sepulturas christãs foram estabelecidas, desde o principio, ao ar livre.

Estes cemiterios, designados em geral pelo nome de d'areae[2] eram, do mesmo modo que as catacumbas, situados fóra das portas das cidades; porque as leis romanas prohibiam severamente as inhumações dentro dos muros.

Depositavam-se os cadaveres, quer em simples fóssas, algumas vezes revestidas interiormente de tijólos e de lages, quer em pias de pedra, ou caixões de madeira mettidos debaixo da terra. As paredes dos tumulos mais ricos eram, dadas certas [25] circumstancias, rebocadas de argamassa, ou estucadas e decoradas com pinturas a frêsco, semelhantes ás das galerias e capellas sepulchraes das catacumbas.

Paramentos e objectos do culto. Parece certo que, durante os primeiros seculos, os paramentos sagrados não se differençavam dos fatos ordinarios, nem pela fórma nem pelo talhe.

Do mesmo modo que aproveitavam para os sagrados paramentos as fórmas e os pannos dos fatos ordinarios, assim tambem aproveitavam para o serviço dos altares os vasos ricos e preciosos que haviam servido aos usos profanos.



CAPITULO III


Summario.―Estylo Latino―Estylo Bysantino―Fórmas das Basilicas―Origem da Basilica Christã―O Narthex―Orientação das Basilicas e Egrejas Christãs―Egrejas cruciformes, circulares e polygonaes―Cryptas―Baptisterios―Oratorios domesticos―Templos pagãos e edificios profanos apropriados em Egrejas Christãs―Systema e regras de construcção―Decoração monumental―Narthex, fachadas e portaes das Basilicas―Janellas e a maneira de as vedar.―Madeiramento do cume dos edificios―Torres―Pinturas representadas em mosaico―Pavimento nos edificios―Altares―Ciborium―Ambon, Tribuna para as leituras da Biblia―Poltrona para os bispos e bancos para os sacerdotes―Cemiterios―Monumentos funerarios―Sarcophagos―Tumulos subterraneos―Objectos com symbolos christãos achados nas sepulturas―Alfaias religiosas―Calices e Patenas―Custodias―Relicarios―Pombas e torres―Accessorios do altar―Corôas de metal precioso suspensas sobre o altar―Dipticos―Encadernação dos livros dos Evangelhos―Estofos religiosos―Paramentos sacerdotaes―Jesus Christo sob fórmas symbolicas―Os Apostolos S. Pedro e S. Paulo.



Periodo Latino e Bysantino. A architectura christã póde considerar-se dividida em dois ramos [26] perfeitamente distinctos. O primeiro, que se poderá chamar o Estylo Latino, foi adoptado pela egreja Latina, isto é, na Italia, na Illyria, na Dalmacia e em toda a Europa Occidental. É caracterisado pela imitação mais ou menos correcta da architectura classica, greco-romana. O outro estylo, formado por elementos orientaes e romanos, nasceu em Constantinopla, e ahi se desenvolveu, formada sob a influencia Oriental, uma configuração inteiramente nova: deram-lhe o nome de Bysantino.

O Estylo Latino predominou no Occidente até ao principio do seculo VIII; e o Estylo Bysantino no Oriente, até á tomada de Constantinopla pelos Musulmanos, em 1453.

Chamou se Latino o estylo do imperio do Occidente, em primeiro logar porque, derivando do Estylo Romano ou Classico, foi empregado nos paizes em que a lingua latina era a lingua ecclesiastica e vulgar; em segundo logar, porque existiu tanto tempo como aquella lingua, approximadamente.

O Estylo Bysantino tem o nome derivado de Bysancio ou Constantinopla, capital do imperio do Oriente.

Estylo Latino. A architectura greco-romana chegou ao seu apogêo durante os dois primeiros seculos da era christã. A sua decadencia começou no seculo III, afastando-se da nobre simplicidade do Estylo Classico.

No seculo IV, ainda mais se pronunciou a sua degeneração.

Começaram então a desmanchar os antigos monumentos [27] para em seu logar construir e decorar mais facilmente os novos. Tal era o estado da architectura no Occidente, quando foram construidos os primeiros monumentos christãos do periodo Latino.

Fórma das basilicas. As basilicas profanas eram vastos edificios construidos no Forum, ou nos arredores das praças publicas. Serviam para ponto de reunião dos vendedores, assim como de outros individuos que se occupassem de negocios. Era n'ellas que os magistrados administravam Justiça.

As basilicas christãs foram construidas segundo o modêlo das basilicas profanas; sómente, em vez de se construirem ao longo das praças publicas, eram precedidas de um pateo quadrado, com o fim de as afastar do ruido e do tumulto da rua. Tinham, como as basilicas profanas, a fórma d'um rectangulo mais ou menos alongado e compunham-se de tres partes principaes―o pateo ou o atrium; a nave e o Sanctuario.

O narthex abria-se ao fundo do atrium. Era uma especie de vestibulo, propriamente dito, formado pelo portico transversal contiguo á fachada da basilica.

Esta primeira parte da basilica era occupada, durante o officio, por aquelles a quem as leis ecclesiasticas prohibiam tomar parte nas assembléas dos fieis.

Do narthex, entrava-se por uma, tres ou cinco portas para a basilica, que era ordinariamente [28] dividida em tres naves por duas ordens de columnas.

A da direita, reservada para os homens, e a da esquerda para as mulheres.

Avançando pela nave dentro, encontravam-se os ambons, pulpitos destinados á leitura dos Santos Evangelhos para as prédicas, e á promulgação das leis ecclesiasticas.

Entrava-se emfim na terceira parte da basilica, a parte mais Santa e mais veneranda, aquella onde os seculares não podiam penetrar, e que se chamava o Sanctuario.

O altar occupava a parte central do Sanctuario, e tinha frente para uns poucos de lados.

Atraz do altar desenvolvia-se o abside de fórma semi-circular e coberto ordinariamente com uma meia cupula.

A cadeira do Bispo era collocada ao fundo do abside, e para ella se subia por uns poucos de degraus. Aos lados da cadeira episcopal, se achavam, contiguos ao hemicyclo do abside, os assentos ou bancos destinados aos padres, que assistiam aos Officios Divinos.

A alteração mais notavel, que a disposição interior das basilicas soffreu com o andar do tempo, foi o accrescentamento do cruzeiro ou nave transversal, entre o abside e a nave propriamente dita.

Orientação das basilicas e das egrejas christãs. Chama-se orientação uma disposição particular, segundo a qual o eixo longitudinal d'um edificio, d'um tumulo, etc., se dirige uma disposição particular, segundo a qual o eixo longitudinal d'um edificio, d'um tumulo, etc., se dirige do Occidente para Oriente.

[29] Desde a primitiva que a egreja christã adoptou o costume de orar voltando o rosto para o Oriente.

O costume de orientar as egrejas foi dos primeiros seculos do Christianismo.

Ha dois modos inteiramente oppostos d'orientar as egrejas. N'um, usado antigamente, a fachada principal forma a parte Oriental do edificio e a capella-mór do lado do Poente. N'outro, que preponderou mais tarde, a posição de todas as partes da egreja é completamente trocada, a fachada está voltada para o Occidente, e a capella-mór para o Oriente.

O primeiro modo d'orientação não durou muito tempo. Nos seculos V e VI, a começar no V, se construiram muitas egrejas com a capella-mór voltada para o Oriente. No Occidente a mudança effectuou-se lentamente, pois só se completou durante o seculo XIII.

Cryptas. A maior parte das basilicas foram edificadas nos mesmos sitios onde tinham sido sepultados os restos mortaes d'um Martyr, ou de qualquer Santo illustre.

Nas primitivas basilicas, o altar era situado mesmo sobre a sepultura.

As galerias e capellas subterraneas, que mais tarde foram substituidas, tiveram o nome de cryptas, da palavra grega que significa, eu escondo.

Estas galerias abobadadas transformaram-se muito tarde em verdadeiras capellas, ou egrejas subterraneas, por debaixo de todo o presbyterium; bastante vastas para necessitarem o emprego de columnas [30] que recebiam os arcos das abobadas, formando assim muitas naves.

Baptisterios. Distinguem-se tres especies de baptismo: o baptismo por immersão, o baptismo por aspersão, e o baptismo por infusão ou affusão.

O primeiro ministra-se mergulhando na agua todo o corpo; no segundo e terceiro, o ministro, de longe ou de perto, lança a agua sobre a cabeça do neophito. O baptismo por immersão foi usado até ao seculo XII; a começar d'esta épocha, principiou a ser substituido, na egreja Latina, pelo baptismo por infusão, do qual até ali se não serviam, a não ser para os doentes em perigo de vida.

Primitivamente era reservada aos Bispos a administração do Solemne Baptismo. O Bispo mergulhava tres vezes o neophito, invocando de cada vez uma das Pessoas da Santissima Trindade.

Depois da abjuração de Constantino, quasi se generalisou por toda a christandade o baptismo ministrado nos edificios particulares situados ao lado das principaes egrejas, e especialmente das cathedraes.

Os baptisterios tinham em geral a fórma circular ou octogona, mas alguns havia quadrados, e outros ainda em fórma de cruz grega. As pias baptismaes eram muito grandes, porque muitas vezes se ministrava a adultos o baptismo por immersão.

Templos pagãos e edificios profanos convertidos em egrejas christãs. Os templos pagãos não se prestavam em geral para o culto christão, em consequencia das suas diminutas proporções.

[31] Entretanto alguns foram convertidos, com ligeiras modificações, em egrejas christãs, e outros foram-lhes encorporados.

A maior parte d'estas transformações datam do reinado do imperador Theodosio (383-385), e dos seus successores immediatos.

Tambem houve monumentos civis que foram transformados em egrejas christãs; taes como as thermas e os banhos, que entre os romanos excediam em magnificencia os proprios templos.

Caracteres do Estylo Latino. As basilicas christãs foram muitas d'ellas construidas, aproveitando para isso monumentos mais antigos. Mas em consequencia das basilicas serem muito mais vastas do que os templos pagãos, tornava-se por isso não raras vezes necessario desmanchar muitos d'esses monumentos para construir uma só basilica.

A architectura estava n'uma tal decadencia, que muitas vezes chegavam a reunir fragmentos de dimensões e estylos differentes, e ajustavam-nos o melhor que podiam.

Se, por exemplo, se tratava de columnas provenientes de diversos monumentos, não pertenciam muitas vezes á mesma Ordem d'architectura; tendo portanto os fûstes e os capiteis de alturas differentes, enterravam os fustes, ou os collocavam sobre soccos. O desvio e a distancia relativa das columnas variavam dentro de limites excessivos.

A unica innovação d'alguma importancia introduzida nas construcções, foi a substituição da arcada pela architrave.

[32] Nas regiões onde escasseavam monumentos antigos, os edificios do periodo Latino eram em geral muito pequenos, baixos e pobremente decorados, muitos até de madeira.

Apezar do que acabâmos de expôr, no seculo V e VI, construiram-se em Ravenna muitos monumentos importantes (dos quaes ainda alguns se conservam), sem que fôsse necessario recorrer á devastação que tiveram os anteriores; o que prova existir n'aquella epocha em Ravenna uma brilhante escola de habeis constructores.

Materiaes de construcção. As basilicas e os monumentos do periodo Latino eram construidos com pedras d'alvenaria regulares, quasi sempre quadradas, de mediano preparo, e tambem com tijolos chatos, ficando separados por uma espessa camada de cimento. Muitas vezes tambem os muros eram formados por cordões de uma, duas ou muitas faxas de pedras d'alvenaria alternadas com outras compostas de uma ou duas fiadas de tijolos.

Decoração dos monumentos. O periodo Latino não foi epocha de esplendor para a architectura ornamental.

O ábaco dos capiteis recebeu, durante o periodo Latino, dimensões e um esvasamento taes que muitas vezes parecia ser um capitel sobrepôsto sobre outro. A frente do ábaco era adornada, do lado da nave principal, com um symbolo, que algumas vezes era o monogramma do fundador, e em geral havia uma Cruz d'ordem Trina isolada, ou inscripta [33] n'um circulo. Chama-se Cruz de Ordem Trina aquella cujos braços são mais largos nas extremidades do que no ponto de intersecção dos ramos. Esta cruz, quer só, ou entre dois cordeiros, ou entre dois passaros, com a frente um para o outro, foi um dos symbolos christãos mais usados durante o periodo Latino.

Narthex, fachadas e portaes das basilicas. O narthex interior occupava o fundo do atrio, e era formado pelo portico contiguo á fachada principal da basilica. Communicava pelos extremos com as galerias que rodeavam o atrio; como se observa na egreja de Villarinho de S. Romão, na provincia do Douro.

Nas basilicas latinas, quando a configuração do terreno não permittia estabelecer o atrio e o narthex, substituiam algumas vezes estes, por galerias altas collocadas no interior do edificio ao longo da nave.

Os portaes das basilicas eram construidos segundo o modelo dos portaes ricos do estylo classico.

As portas dos portaes das basilicas eram de bronze ou de madeira. Algumas das portas de bronze, das primeiras basilicas, provieram de monumentos pagãos. No seculo IX, a egreja de Santa Maria Maior, em Roma, tinha portas de prata.

Janellas e vidraças. As janellas das basilicas eram rasgadas d'alto a baixo, e de volta inteira.

Serviam de vidraças a estas janellas grandes laminas de marmore ou de pedra, atravessadas de [34] buracos para por elles penetrar a luz no interior dos edificios. Mais tarde, estas laminas foram vasadas de maneira que offereciam á vista os mais complicados desenhos. Na Europa Occidental e Septemtrional, em que as laminas de pedra e de marmore escasseiavam, guarneciam as janellas com caixilhos de madeira.

As clara-boias muitas vezes não tinham cobertura, principalmente nos paizes meridionaes; e n'outros eram vedadas com laminas de pedras translucidas ou de placas de alabastro.

Desde o seculo VII que começou a haver vidraças com vidros brancos e esverdeados, e até mesmo com vidros de differentes côres. Não appareciam ainda figuras, nem ornatos alguns, pintados sobre os vidros; as vidraças com vidros de côr eram formadas por um grande numero de vidros coloridos, cortados de differentes modos e que se reuniam de certa maneira, a fim do conjuncto representar figuras de fórmas regulares.

Desde o reinado de Constantino, os grandes edificios apenas se cobriam com madeira.

A maior parte d'esta construcção ficava visivel no interior dos edificios. Em alguns, as naves tinham tectos de madeira com pinturas diversas, representando caixões ricamente adornados e dourados.

Raras eram as basilicas que desde a sua fundação tinham possuido torres. Os campanarios que hoje se vêem proximo das antigas egrejas de Roma, são quasi todos posteriores ao seculo VIII. As [35] torres do periodo Latino são na maior parte de fórma circular ou octogonal.

Nas grandes basilicas as abobadas esphericas do abside e o Arco Triumphal, e algumas vezes tambem as paredes comprehendidas entre as janellas altas da nave e das arcadas que ligam as columnas, ficavam revestidas com vistosos mosaicos.

Os materiaes mais ordinariamente empregados n'este genero de trabalho, eram folhas de marmore e pedaços de vidro.

Em muitas basilicas de Roma, o abside abobadado em forma de esphera tem ao centro a imagem de Jesus Christo em pé ou sentado, com o braço direito erguido, ou lançando a benção, e com um rolo de papel ou um livro collocado á sua esquerda. Aos lados do Salvador estão representados os Apostolos, ou outros Santos. O sólo que pisam é o da Judeia, o que se conhece pela representação do rio Jordão, cujo nome é muitas vezes inscripto debaixo dos pés de Jesus Christo, e pela presença das palmeiras, que foram, desde o primeiro seculo da era christã, o symbolo da Terra promettida. Logo abaixo do abside se estende, em toda a largura, uma zona estreita, no centro da qual se vê o Cordeiro Divino coroado com ou sem a Cruz, collocado sobre um outeiro d'onde brotam os quatro rios do Paraíso: Geham, Phison, o Tigre e o Euphrates, symbolos dos Evangelistas. Doze cordeirinhos, seis de cada lado, se dirigem para o cordeiro symbolico, e parecem sahir das [36] cidades Santas de Jerusalem e Bethlem, que occupam os extremos da composição, e se acham representadas por varias portas e muralhas com ameias. Estes cordeirinhos symbolisam os fieis.

Alguns mosaicos representam o sonho de S. João, isto é, os quatro animaes, symbolos dos Evangelistas; e os vinte e quatro velhos, vestidos de mantos brancos, offerecendo coroas ao Cordeiro.

Para piso das basilicas, os primitivos christãos serviam-se dos differentes processos de empedramento, como os romanos usavam. Mais tarde, estes processos foram substituidos por um trabalho de novo genero, chamado opus alexandrinum, assim designado por ter sido usado primeiramente na Alexandria. Estes empedramentos consistiam em um conjuncto de variados marmores em que predominavam os porphyros verdes e vermelhos; pareciam como um rico tapete estendido no sólo. O empedramento alexandrino foi muito pouco empregado na Europa Occidental e Septemtrional.

Havia tambem empedramentos em que sobresahia a prata e outros metaes preciosos.

Parte do piso do Sanctuario da basilica do Vaticano é de palhetas de prata; mas o da capella de S. Pedro, da mesma basilica, é de palhetas de ouro.

Nas catacumbas era mesmo sobre os tumulos dos martyres que se celebravam os Santos Mysterios; porém, a começar do seculo III, este uso foi approvado tambem pela Egreja.

No Occidente, o altar era quasi sempre erigido [37] sobre o tumulo d'um martyr. Os restos mortaes do Santo collocavam-se immediatamente debaixo do altar n'um sarcophago, e ainda, na maior parte dos casos, ficavam depositados n'uma crypta collocada debaixo do Sanctuario. Tanto na Grecia como no Oriente, nunca em tempo algum, e até mesmo em nossos dias, se fez d'um tumulo um altar, mas sim d'uma mesa, que recordava aquella sobre a qual o Salvador instituiu a Eucharistia. Um altar nunca encerrava reliquias. Desde o tempo de Constantino, que data a maior parte dos altares das egrejas do Occidente. No principio do seculo VI (517) o concilio de Épona prescreveu, que todos os altares fossem de pedra, os quaes foram adoptados pela razão symbolica de ser considerado o Salvador a pedra angular.

Os altares de pedra d'essa épocha eram sempre formados por uma especie de prateleira quadrada ou rectangular, para constituir a mesa do altar propriamente dito. Esta mesa, muitas vezes, cobre um sarcophago ou um tumulo de madeira; outras é sustentada por um pé central em forma de cippo e ainda outras posta em quatro, cinco e mesmo até seis columnellos.

Havia altares formados de tres lages, das quaes duas se collocavam verticalmente, servindo de supporte á terceira, collocada horisontalmente, a fim de formar a mesa do altar. Encontram-se tambem altares formados de cinco placas, tendo, pelo seu conjuncto, a fórma de um cofre de pedra.

A Auréola era formada de folhagens e sustentada [38] por quatro anjos; Nosso Senhor Jesus Christo fica collocado entre dois Cherubins, que facilmente se reconhecem pelas suas asas abertas. Uma mão figurada no remate superior da Auréola, é para indicar a presença de Deus. É tambem adornada de flores, para indicar que o assumpto se passa no Céu.

As esculpturas mostram que esta arte estava muito decahida no seculo VIII. Essas figuras com posições grotescas e forçadas, teem todas o rosto de frente, e os membros desproporcionados, sendo tudo d'uma imperfeição tal, que é difficil imaginar-se nada mais grosseiro e rude.

A inscripção, muito mal escripta, e n'uma linguagem quasi inintelligivel, não é mais esmerada do que as esculpturas.

Quando as faces dos altares das basilicas das grandes egrejas não tinham esculpturas, eram então revestidas de laminas de ouro e de prata, com engastes de pedras preciosas, ficando cobertas de colchas bordadas, representando algumas vezes assumptos sagrados.

Desde o seculo IV até meiado do XII, que as mesas dos altares eram muitas d'ellas escavadas em fórma de bandeja em toda a extensão do plano superior, tendo um rebórdo de alguns centimetros de altura; às vezes tinham ornatos esculpidos. Muitas mesas eram furadas nos angulos, com um ou muitos buracos, cuja serventia ainda não foi possivel descobrir. O altar era encimado por um ciborium, especie de docel ou baldaquim, sustentado [39] por quatro columnas de madeira ou de marmore e de metal.

Entre as columnas do ciborium havia umas cortinas ou reposteiros de corrediça, que se corriam para occultar o officiante e o altar durante a consagração.

O ciborium, que data do seculo XII, tem uma fórma um tanto differente da que foi posta em uso durante o periodo Latino.

As cortinas dos antigos ciboriums eram em geral de preciosissimos damascos de seda e ouro, ou com ricos lavores, guarnecidos de perolas, pedrarias e mesmo laminas de ouro e de prata.

Primitivamente, cada egreja apenas tinha um altar. Comtudo mais tarde houve egrejas no Occidente, que tinham muitos.

Os gregos e os orientaes nunca tiveram senão um altar nas suas egrejas.

Os altares portateis antigos compunham-se, bem como os mais recentes, de uma prancha rectangular de madeira, de pedra ou de metal, algumas vezes munida de uma moldura de ouro ou de prata, e tendo no extremo um appendice para servir de punho. Não se acharam altares portateis do periodo Latino, não obstante parecer indubitavel que deveriam ser communs n'aquelle periodo.

Uma tribuna, collocada no meio da nave principal das basilicas, era destinada á leitura dos Santos Evangelhos e aos sermões. Algumas egrejas possuiam tres: uma para o Evangelho, outra para a Epistola e outra para as prophecias.

[40] A tribuna do Evangelho tinha regularmente duas escadas. Perto d'ella havia um enorme candelabro que servia para supportar uma grande tocha chamada o facho do Evangelho.

Nas basilicas christãs, o sanctuario e o côro eram separados da nave por uma divisão, umas vezes occultando o recinto, e outras ficando rendilhado, á altura de metro e meio a dois metros acima do chão. Esta divisão, chamada cancello, era muitas vezes de marmore.

A cadeira episcopal ou cathedra occupava o fundo do abside. Era de pedra de marmore precioso, e elevada tres degraus, pelo menos, acima do presbyterio.

Havia tambem cadeiras de marfim.

Aos lados da cadeira episcopal, e ao longo da parede do hemicyclo, achavam-se os bancos destinados aos padres, chamados algumas vezes exedrae, pelos auctores antigos. Eram muito simples, e durante o officio cobriam-se com almofadas.


A partir do meado do IV seculo caíu a pouco e pouco em desuso o enterramento nas catacumbas; e no principio do seculo seguinte, desappareceu completamente. Os cemiterios estabeleciam-se á roda da capella-mór das egrejas e das basilicas, situadas fóra dos muros das cidades, com os seus tumulos quasi sempre orientados.

N'estes cemiterios depositavam-se a maior parte das vezes os cadaveres em covas de pedra e cal. Entre duas paredes parallelas e distantes entre si [41] 70 centimetros, pouco mais ou menos, abriam-se, por meio de lages ou simples tijolos, nichos de tamanho sufficiente para receber um cadaver. Estes nichos chegavam ás vezes a disporem-se em dez ordens, umas sobre as outras. Este systema foi o adoptado para as sepulturas dos cemiterios do IV, V e VI seculos.

Algumas vezes tambem os cadaveres eram encerrados em sarcophagos, que em seguida se cobriam com terra, ou se collocavam tanto ao ar livre como debaixo de abobadas, no interior das egrejas e das basilicas.

Foi sómente no VII seculo que a Egreja começou a permittir, ou antes a tolerar, as inhumações, não precisamente no interior, mas em redor dos templos situados dentro das cidades. Unicamente os bispos haviam até ali gosado do privilegio de serem enterrados nas suas egrejas Cathedraes.

Durante o periodo Latino foram muito raros os edificios isolados que se construiram para servir de sepultura aos grandes personagens.

As esculpturas dos sarcophagos começaram a modificarem-se no meiado do V seculo. Os assumptos biblicos desapparecem a pouco e pouco, e são substituidos por imagens de Santos. A Cruz da SS. Trindade ou o monogramma de Christo occupa, muitas vezes, o centro da face principal dos sarcophagos, destinada antes para o logar do Salvador, tendo aos lados pombas, pavões, palmeiras, parras e outros symbolos.

As tampas são ornadas de Cruzes da SS. Trindade, [42] formadas pelo entrelaçamento de Cruzes gregas e de Cruzes de Santo André, isto é, em fórma de X.

O meio da face principal d'alguns sarcophagos é occupado pelo monogramma de Christo, que d'este modo preenche o logar do Salvador. Os pavões aos lados do monogramma são os emblemas dos Apostolos, e as pombas, bicando os cachos de uvas, symbolisam os fieis alimentando-se do vinho eucharistico. A maior parte dos sarcophagos eram de pedra ou de marmore; no entanto alguns havia de chumbo e até mesmo de gesso.

Os sarcophagos do IV seculo tinham todos a mesma largura e a mesma altura nas extremidades; do V seculo, apparecem muitos tendo o lado da cabeça mais largo que o dos pés.

As campas sepulchraes são em geral indicio de uma sepultura subterranea. O seu uso é muito remoto. As lages tumulares, assentes sobre os tumulos subterraneos ou nos nichos ao longo das paredes, eram já empregadas no V seculo, sendo muitas vezes esculpidas em relevo, e tambem algumas ornadas com desenhos só a traço. Por vezes ajustavam na parede, onde existia qualquer sepultura, uma placa de marmore ou de pedra, sobre a qual se gravavam symbolos, o nome do defuncto, a sua idade, ou tambem o dia do seu fallecimento.

Os tumulos dos cemiterios primitivos podem-se dividir em tres classes, segundo os objectos que n'elles se encontram. A primeira classe comprehende aquelles em que, além do esqueleto, se não [43] encontra mais objecto algum, a não ser ás vezes uma pequena faca: estes tumulos são os dos servos ou pessoas de condição servil. Nos tumulos da segunda classe, o esqueleto é acompanhado do grande alfange de ferro, chamado scramasaxe: são estes os dos homens livres ou senhores feudaes. O homem livre gosava do privilegio de trazer á cintura este instrumento, que com elle era tambem depositado no tumulo. A terceira classe era constituida ordinariamente por um certo numero de tumulos ricos em coisas de toda a especie, principalmente em armas e objectos de toilette feminina: são esses os tumulos dos chefes militares, dos guerreiros e membros da sua familia.

O homem de guerra era sepultado com todo o seu equipamento, e ao lado depositava-se a sua esposa, adornada com todas as joias que tinha usado durante a vida.

As fivelas (fibules), que se encontram em tão grande numero n'essas sepulturas tinham duas serventias.

As maiores serviam para fechar o boldrié de coiro onde se suspendia o scramasaxe. Quasi todas são de ferro, sendo algumas marchetadas de prata ou revestidas de laminas de prata, com lavores representando folhagens ou figuras. Encontram-se algumas de bronze, e são as mais bellas.

Ha tambem umas fivelas de bronze e de menores dimensões, que serviam para ligar o vestuario á roda dos rins, para individuos dos dois sexos. Estas [44] fivelas eram em geral menos lavradas que as do cinturão. Algumas havia tambem de ferro.

Os alamares, broches ou fibulas, destinadas a unir sobre os hombros ou sobre o peito as duas extremidades do vestuario, são sem duvida os objectos mais interessantes que se encontram nas sepulturas dos cemiterios. Ha-os de ouro, de prata, de bronze, e encontram-se sobretudo nos tumulos de mulher.

Encontram-se tambem frequentemente nos tumulos de mulher, pregos para segurar o cabello, com cabeças de aperfeiçoado trabalho. Ha-os de ouro, de prata e de bronze, com grandes comprimentos.

Os brincos das orelhas são em geral, assim como os pregos para o cabello, pequenas obras primas de ourivesaria. Compõem-se quasi sempre de um annel de grande diametro, ao qual está ligado um pequeno botão de ouro cheio de filigranas e de vidrilhos embutidos. Os collares que frequentemente se encontram nas sepulturas de mulher, compõem-se de contas, de fórmas e dimensões differentes, enfiadas n'um cordel. As contas são de vidro e de loiça de diversas côres, e de coral natural ou arredondado; tem-se tambem encontrado, mas raras vezes, contas de ouro massiço. As de vidro e de loiça são, em geral, pintadas com differentes camadas de côres juxtapostas, que adherem pela cozedura, reprezentando zig-zags, e outras muitas figuras estriadas. As côres que predominam, são o vermelho, o amarello, o verde, o pardo, o azul, o branco e o preto.

[45] As vasilhas de barro constituem o complemento obrigado de todos os tumulos antigos. Encontram-se, quasi sempre, uma ou duas aos pés do esqueleto. Parece que estas vasilhas serviam aos pagãos para conterem agua lustral. Em seguida á sua crença na verdadeira fé, os convertidos ao Christianismo continuaram a encerrar vasilhas nos tumulos, porém mudaram a significação d'esta ceremonia funebre, substituindo a agua lustral pela agua benta.

A maior parte d'estas vasilhas são de barro preto e vermelho. Muitas apresentam a fórma d'uma pequena urna, tendo na parte superior do bojo ornatos de estylo muito rudimentar, feitos em volta e por meio da ponta d'um instrumento cortante.

As vasilhas de vidro, de fórmas elegantes e variadas, que se encontram nas sepulturas junto á cabeça ou aos pés do esqueleto, mostram que a arte de vidraceiro já tinha attingido um elevado gráu de perfeição. O maior numero são de vidro, d'um amarello esverdeado, soprado ou moldado; algumas têem como ornato riscas delgadas, brancas ou de côr, feitas depois da sopragem ou misturadas com a massa vitrea.

A introducção do Christianismo entre os Francos data do fim do seculo V. Não é por isso para admirar o encontrarmos nos seus tumulos objectos ornados com symbolos christãos.

O calice occupa o primeiro logar entre os vasos sagrados. Já os Apostolos se serviam de calices para a celebração dos Santos Mysterios.

[46] Nos primeiros seculos da egreja, os calices eram de madeira, de vidro e até mesmo de chifre.

Depois da conversão de Constantino, é que se começou a generalisar o uso dos calices de ouro e de prata. Muitas vezes eram tambem ornados de pedrarias.

Existem calices de differentes especies. Os calices ordinarios, que se compõem, como os de todas as idades posteriores, de uma taça, um nó e um pé, tinham, em geral, a taça de fórma cylindrica, mais ou menos vasada, muito estreita e profunda. Os calices da segunda especie eram os calices ministeriaes, que serviam para distribuir aos fieis o precioso sangue, quando estava em uso a communhão de duas especies na Egreja. Este uso foi abolido no XIII seculo. Os calices ministeriaes, em geral, de grandes proporções, tinham duas asas.

Havia ainda os calices das offerendas, calices offertorii, nos quaes os diaconos recebiam as oblações de vinho; os calices baptismaes, que serviam para dar aos novos baptisados uma mistura de leite e de mel; e os calices de adorno, que nos dias solemnes eram suspensos na egreja, nas proximidades do altar, ou collocados sobre a credencia.

A patena, assim chamada do verbo latino patere, estar aberto, em consequencia da sua fórma larga e pouco profunda, é um prato de metal, de vidro, ou de qualquer outra substancia, no qual se colloca a Hostia, durante a Santa Missa. O seu uso é tão remoto como o do calice.

[47] As patenas eram redondas, quadradas ou polygonaes e munidas d'um rebórdo.

O uso de reservar a Santa Eucharistia para os doentes e ausentes, provém desde a origem do Christianismo.

Pouco depois, quando os altares foram augmentados com o ciborio, suspendiam a reserva Eucharistica encerrada em vasos com a fórma de torres e pombas. Os vasos para as Sagradas Particulas tinham primitivamente a fórma de uma pomba. Quasi todos eram de ouro, de prata e de cobre dourado. A pomba Eucharistica encerrava-se geralmente em um Tabernaculo com fórma de torre.


Durante o período Latino-bysantino, os corpos dos Santos eram cuidadosamente encerrados em sarcophagos, e depositados em cima d'um altar ou n'uma crypta subterranea.

O Relicario para o Santo Lenho tem quasi sempre a fórma de pequenas Cruzes peitoraes, concavas interiormente, e abrindo-se em toda a sua altura, por meio d'uma dobradiça collocada no vertice superior da Cruz.

As chaves da confissão de S. Pedro são assim chamadas, porque se diz, que serviam para dar ingresso no tumulo do principe dos Apostolos, na crypta da basilica Vaticana. As chaves são grossas, ovaes, ôcas e de lavores rendilhados.

Os Soberanos Pontifices dos primeiros seculos tinham por uso distribuir aos reis, aos principes e [48] aos bispos, parcellas das cadeias de S. Pedro, dentro de anneis, cruzes, e principalmente em preciosas chaves.

Desde o IV seculo que começaram a importar de Jerusalem os oleos provenientes das lampadas que ardiam de noite e de dia no Santo Sepulchro, e em outros logares Santos.

Os Papas e os Bispos enviavam estes oleos ás egrejas, aos soberanos e ás pessoas de distincção. Eram conservados e remettidos em pequenos vasos de vidro ou de metal, circulares, e achatados, com gargallo.

Durante os primeiros seculos, a Mesa do altar estava inteiramente livre e a descoberto, e só se punha em cima o pão, o vinho e os Vasos Sagrados necessarios para o Santo Sacrificio.

Os Crucifixos e os castiçaes eram desconhecidos durante os primeiros seculos. N'essa épocha apenas algumas vezes se via uma cruz ao lado direito do altar.

Corôas de altar, geralmente de metal precioso e ornadas de pedrarias engastadas, constituiram, durante todo o periodo latino, o mais rico accessorio do altar.

As mais notaveis corôas de altar, que foram descobertas em 1858 e 1860, em Toledo (Hespanha), são em numero de onze, todas de ouro e cravejadas de pedras.

Algumas vezes, principalmente a partir do IX seculo, deu-se o nome de regnum ás corôas votivas dos altares, para as distinguir das de illuminar. [49] Tambem ás vezes se penduravam Cruzes proximo dos altares.

As luzes que se empregavam com profusão, durante os Officios Divinos, eram collocadas proximo dos altares, quer sobre uma mesa, quer sobre candelabros, ou ainda mais vezes sobre lustres, em fórma de corôa, suspensos no côro, no Sanctuario e até mesmo no meio da egreja.

Os diptycos são de épocha muito remota. Ao principio eram formados de duas pequenas taboas de madeira ou de marfim, dobrando-se uma sobre a outra, e cuja parte interior continha uma camada de cera, sobre a qual se escrevia. Estas taboas eram rodeadas com uns fios de linho, sobre os quaes se deitava cêra que se imprimia com um sinete. Serviam assim para as missivas secretas.

Desde a sua origem que a Egreja Christã teve diptycos. Eram tabellas ou catalogos, sobre os quaes se inscreviam certos nomes que deviam ser lembrados e lidos, pelo menos em parte, nas reuniões sagradas dos fieis.

Podêmos pois, conforme a origem, distinguir duas especies de diptycos sagrados: os diptycos consulares adaptados á liturgia, e os diptycos puramente ecclesiasticos.

Os diptycos puramente ecclesiasticos eram de marfim ou de metal. Tinham nas faces exteriores esculpidos ou cinzelados a imagem de Christo e a da Santa Virgem, ou assumptos tirados da historia do Velho e Novo Testamentos, e outros symbolos christãos.

[50] Quando a leitura dos diptycos começou a deixar de se usar nos officios sagrados, transformaram-se as taboas esculpidas ou cinzeladas, em capas para livros liturgicos.

Desde o tempo de S. Jeronymo que começaram a ornamentar, o mais ricamente possivel, o livro dos Evangelhos; notava-se esta riqueza tanto no exterior como no interior do volume.

Muitas vezes o texto sagrado era escripto com letras de ouro sobre membranas côr de purpura.

Exteriormente os livros dos Evangelhos eram ornados com todo o esmero; nas capas abundavam o ouro, a prata, os vidrilhos, as pedrarias e as perolas, e durante muito tempo, foi costume encerral-os em estojos ou cofres, capsae, ricamente trabalhados.

As capas dos Evangeliarios podem-se dividir em duas classes: as de laminas metallicas e as de marfim.

Entre as primeiras, umas eram simples, sem figuras e até mesmo desprovidas de toda a ornamentação, outras cravejadas de pedras e esculpidas em relevo, representando assumptos religiosos.

Os assumptos das capas dos Evangeliarios de marfim e de metal não differem dos que têem as dos diptycos. São symbolos ou scenas extrahidas do Novo Testamento e principalmente da vida e da paixão de Nosso Senhor.

Estofos preciosos. Durante os primeiros seculos da era christã, os fatos ordinarios eram de tela, ou, na maior parte das vezes, de lã. Depois da [51] conversão de Constantino, o uso dos tecidos de seda para as vestes liturgicas generalisou-se bastante, a ponto tal, que o Soberano Pontifice S. Silvestre, contemporaneo d'este imperador, foi obrigado a abolil-o nas roupas brancas de altar chamadas corporaes.

Além dos tecidos unidos, ha outros ornados com figuras ordinariamente multicolores, obtidas umas pela applicação de variegadas côres depois da tecedura, outras durante a tecedura, por meio de certas combinações dos fios da cadeia e da trama.

Durante o periodo Latino, o fabrico textil da seda era completamente desconhecido na Europa meridional e occidental. Provinham da Asia, do Egypto, da Grecia e de Constantinopla, os tecidos de seda. É por este motivo que muitas vezes se chamavam estofos transmarinos, e mais tarde tambem, estofos dos Sarracenos, porque os arabes mahometanos forneciam para o Occidente uma grande quantidade.

Os estofos mais antigos não raras vezes eram decorados com medalhões circulares ou ovaes, no genero de Maestricht, obtidos ou pela tecedura, ou por bordados applicados posteriormente.

A ornamentação dos tecidos, que vinham do Oriente e sobretudo da Persia, consistia em assumptos em que predominavam o reino animal e o vegetal, e até por vezes na propria mythologia d'este ultimo paiz. Em vão procurariamos o symbolismo christão n'estas representações tão variadas. Apenas ali se encontra o producto da imaginação dos [52] artistas orientaes, que confeccionaram esses tecidos.

Os symbolos e os assumptos christãos só excepcionalmente apparecem sobre alguns productos das fabricas gregas ou bysantinas, e isso mesmo em uma épocha relativamente recente; consistem em pequenas Cruzes Gregas da Trindade, inscriptas em circulos, animaes symbolicos, taes como o leão e o pavão, e raramente um personagem isolado. As scenas historicas do Velho e Novo Testamentos não começaram a representar-se sobre os estofos senão durante o VIII seculo.

Desde o meiado do IV seculo, que a egreja começou a servir-se d'este meio, para representar, sobre os tecidos empregados nas ceremonias sagradas, assumptos religiosos extrahidos do Velho e do Novo Testamentos, ou da historia dos Santos.

O ouro, a seda e as perolas, abundavam em todos estes bordados, que consistiam muitas vezes em medalhões circulares ou ovaes e que applicavam sobre tecidos preciosos, para lhes imprimir um caracter religioso.

Desde o VI seculo que a arte de bordar foi, na Europa occidental, a principal occupação das mulheres nobres, e no seculo seguinte, esta arte elevou-se a um tal gráu de prosperidade, nas Ilhas Britannicas, que durante toda a idade media não deixou de florescer.

Desde os primeiros seculos, que se ornavam com bordados de purpura, ou de qualquer outra côr brilhante, as vestes de lã branca dos padres e [53] dos diaconos. Estes bordados foram mais tarde substituidos por brocados de seda. Serviam-se tambem dos pannos d'essa qualidade, para armação nas basilicas e nas egrejas.

Estes ricos pannos tinham ainda outro uso. Antes de serem collocadas nos ataúdes, as ossadas dos Santos eram rodeadas de pelles de camello e envolvidas em tecidos os mais ricos, de linho, seda e ouro. A maior parte dos estofos antigos que se conservaram até aos nossos dias, foram tirados de sepulturas de Santos.

Paramentos Sacerdotaes. A Egreja manteve escrupulosamente, para os ornamentos sagrados, as fórmas adoptadas pelos primeiros christãos, emquanto que a fórma e o talhe dos fatos profanos se modificaram invencivelmente.

Em geral, os paramentos sagrados dos padres e dos ministros inferiores eram brancos. O uso das côres variadas manifestou-se primeiramente nas casulas e nas capas d'asperges.

As cinco côres liturgicas de que se servem hoje, foram estabelecidas pouco mais ou menos no IX seculo, e definitivamente consagradas dois seculos depois.

Os paramentos dos padres são as casulas, a capa d'asperges, a estóla, o manipulo, o cinto, a ópa e o amicto. As principaes vestimentas, proprias para os ministros inferiores, são a dalmatica e a tunicella.

A casula primitiva era uma vestimenta sem mangas, muito ampla, envolvendo todo o corpo [54] desde o pescoço até aos pés, e formando uma especie de barraca, casula, em torno da pessoa que a vestia. Tinha apenas uma abertura para passar a cabeça.

A estóla deve o seu nome e origem ao vestuario que os romanos chamavam estola.

A Egreja adoptou como paramento a estóla, de que se fazia uso por toda a parte, na occasião em que se estabeleceu o Christianismo.

O manipulo não se usava durante os primeiros seculos da Egreja. Foi S. Gregorio o Grande, (590-604) quem primeiro fallou, em seus escriptos, do manipulo como paramento sagrado.

A capa é um paramento commum ao padre e a alguns dos ministros inferiores. Primitivamente serviam-se da capa para se resguardarem da chuva nas procissões; é tambem por este motivo que ella se chama muitas vezes pluvial.

A alva e o cinto devem a sua origem á tunica talar dos antigos, que era um vestuario de linho, munido de mangas e apertado á roda do corpo com um cinto.

A alva era vestida nas funcções sagradas pelos bispos, padres e todos os ministros inferiores.

O amicto é uma espécie de téla de que os padres e os ministros se servem para cobrir o pescoço. A origem d'este vestuario não vae além do VIII seculo.

Durante os tres primeiros seculos, os diaconos trajavam o colobio, que era uma especie de tunica longa e estreita, ordinariamente sem mangas. Foi [55] no principio do IV seculo, que o Papa S. Silvestre substituiu o colobio pela dalmatica.

A dalmatica era uma bluse comprida, feita de lã da Dalmacia.

Até ao VII seculo, os sub-diaconos da Egreja do Occidente não eram vestidos senão com a alva, com o cinto e com o amicto.

Mosteiros Latinos


Foi no principio do VI seculo, que começaram a maior parte dos religiosos a reunir-se em communidade, e a viver juntos, debaixo do mesmo tecto. Vivia então S. Benedicto.

Iconographia do periodo Latino


Muitos monumentos do periodo Latino, sobre tudo os mais antigos mosaicos, conteem personagens em pé e attitude respeitosa, tendo nas mãos, envoltas nas rugas do manto, uma corôa em fórma de circulo, que offerecem ao Salvador. Este é representado sob a fórma symbolica do Cordeiro, do monogramma, da Cruz, e até mesmo d'um simples espaço vazio.

Christo, debaixo da fórma symbolica do Cordeiro ou do monogramma, no meio de doze cordeirinhos ou de doze pombas, que os monumentos do periodo Latino nos offerecem frequentemente, symbolisa o Salvador rodeado dos seus discipulos, isto é, a Egreja triumphante no Céu, recebendo na terra o ensino do seu Divino Fundador.

Tambem muitas vezes se encontra um cordeiro, [56] uma Cruz Trina, ou o monogramma de Christo entre dois cordeiros, duas pombas, dois pavões ou dois veados; isto symbolisa o Salvador sob a fórma humana no meio dos Apostolos e d'outros Santos, ou sob a fórma symbolica do Cordeiro e do monogramma no meio de doze cordeirinhos ou doze pombas.

Vê-se tambem uma taça ou um cacho de uvas no meio de dois pavões ou de duas pombas, o que nos parece uma allusão mais directa ao regosijo dos que vão para o Céu.

Alguns monumentos do periodo Latino, principalmente os mosaicos do V e VI seculos, teem um throno, com ou sem docél, e em que ha uma almofada, um cortinado cahindo diante da cadeira e algumas vezes o livro dos Evangelhos. Um monogramma ou uma Cruz, geralmente da Trindade, occupa o meio do throno e domina toda a composição. Muitas vezes vê-se, ao lado do throno, os doze Apostolos em pé, ou sómente S. Pedro e S. Paulo. Em todos estes assumptos o throno representa o Salvador.

Mais tarde, principalmente no Oriente, acrescentaram a esta representação novos signaes iconographicos: nas extremidades da almofada collocavam á direita da Cruz a lança, e á esquerda a esponja na extremidade d'uma lança; algumas vezes tambem se entrelaça a corôa de espinhos em torno da Cruz. A partir d'este momento, a cathedra da doutrina torna-se o throno do julgamento final e a Cruz o signal do Filho do Homem.

S. Pedro, collocado ao lado do Salvador, sustenta [57] ordinariamente sobre o hombro esquerdo uma cruz de haste comprida; outras vezes recebe com a mão direita um volume desenrolado, que Nosso Senhor lhe apresenta. Desde a primeira metade do V seculo, que elle conserva as chaves na ponta do seu manto.

S. Paulo é quasi sempre representado recebendo um ou dois rolos, symbolos da Lei Evangelica.

Muitas vezes tambem collocavam uma phenix sobre uma palmeira. A Phenix é a figura da resurreição futura.

Caracteres do estylo Bysantino


O plano e a disposição das egrejas bysantinas apresenta-se com tres typos distinctos: 1.º, com a basilica coberta de madeira, similhante á basilica Latina do Occidente; 2.º, com a rotunda ou egreja circular; 3.º, com a basilica bysantina propriamente dita, abobadada e sobreposta d'uma ou de muitas cupulas. A basilica bysantina abobadada distingue-se perfeitamente de todos os monumentos dos tempos anteriores, pela cupula sobre abobadas pendentes, e construida ao meio d'uma nave, mais ou menos alongada.

As fachadas das egrejas bysantinas differem das que têem as basilicas Latinas. Estas terminam em geral por um frontespicio triangular; as fachadas das egrejas orientaes, pelo contrario, terminam ou por uma fachada horisontal á maneira d'uma cornija, ou por uma serie de corôamentos semicirculares.

[58] O systema de construcção das egrejas bysantinas distingue-se pelos seguintes traços. O tijolo é geralmente empregado para todas as edificações. Mesmo nos paizes em que a pedra é abundante, os architectos bysantinos preferiam, a maior parte das vezes, o tijolo aos materiaes de grandes dimensões. O caracter distinctivo das egrejas bysantinas, sob o ponto de vista da construcção, consiste na presença de uma ou de muitas cupulas elevadas, sobre abobadas pendentes.

Chamam-se abobadas pendentes umas certas saliencias nas abobadas do cruzeiro, que pela sua fórma se approximam do sector espherico e que serve para fazer passar uma construcção de quadrado a octogono ou a plano circular.

A decoração exterior das egrejas bysantinas, sobretudo no IV e V seculos, era pobre e simples. Do VII seculo ou do VIII seculo em diante, os ornamentos exteriores das paredes e archivoltas das janellas são bastantes vezes como os dos edificios Latinos, formados por fiadas de pedras alternadas com uma ou muitas fiadas de tijolos. As archivoltas ornadas de molduras ficam em resaltos umas sobre as outras, e representadas nas paredes por cordões feitos de tijolos de fórma e côr variaveis.

A decoração interna consiste em revestimentos de diversas naturezas, marchetados de marmores ou mosaicos, applicados sobre os pilares, paredes e abobadas. O caracter essencialmente superficial da esculptura bysantina consiste regularmente em folhagens lisas e angulares.

[59] Os ornatos que os bysantinos gostavam de esculpir nas almofadas de marmore com que decoravam o interior das egrejas, eram entrelaçamentos de linhas rectas e curvas, ás quaes juntavam cruzes da Trindade, florões e algumas vezes figuras de animaes tanto reaes como chimericos.

A começar no VIII seculo, as pinturas a fresco das egrejas bysantinas foram muitas vezes substituidas por mosaicos e por embutidos em estuque; acabaram por ser completamente substituidas.

A influencia bysantina fez-se sentir primeiramente no começo do IX seculo e mais tarde, no fim do X. Foram construidas muitas egrejas sob a influencia bysantina dos monumentos typos.

No reinado de Justiniano (527-565) o estylo bysantino ficou definitivamente constituido com os caracteres acima definidos. Santa Sophia em Constantinopla constitue o seu typo por excellencia.

Leão, o Isauriano, prohibiu, em 726, a reproducção de qualquer figura, quer pela esculptura, quer pela pintura nas paredes das egrejas, quer nos objectos do culto. Esta prohibição, confirmada em 754, por um conciliabulo heretico, subsistiu até 842. N'este ultimo anno, depois da morte de Theophilo, ultimo imperador iconoclasta, a imperatriz Theodora substituiu os editos de Leão o Isauriano e restabeleceu o culto das imagens.

A épocha mais florescente da arte bysantina foi no X seculo e mais particularmente no reinado de Constantino Porphyrogeneta.

No XI seculo, uma serie de graves acontecimentos [60] precipitou a decadencia do imperio bysantino e trouxeram por consequencia o enfraquecimento das artes. No XIII, XIV e XV seculos, as artes continuaram a desfallecer, até que, em 1453, os turcos, apoderando-se de Constantinopla, causaram a decadencia da arte bysantina.



CAPITULO IV


Summario.―Oestylo Roman desde o VIII até ao seculo X―Caracteres do estylo Lombardo―Planos das Egrejas―Cryptas―Baptisterios―Systemas de construcção―Abobadas―Pilares e columnas―Bases―Capiteis―Fachadas―Cornijas―Decoração monumental―Architectura, antes do seculo XI, nos outros estados sem ser na Lombardia: Italia central e meridional, Belgica e França―O estylo Roman durante o XI e o XII seculos―Caracter da Architectura Roman―Plano e distribuição das Egrejas―Cryptas―Baptisterios n'este seculo―Materiaes e modo de construir―Sepultura monumental―Fachadas―Portico das egrejas―Portaes―Portas e suas ferragens―Janellas e rosaceas―Maneira de resguardar da chuva as janellas e as vidraças pintadas―Absides―Pilares, columnas―Bases e capiteis―Arcadas e arcarias menores―Triforium―Cornijas e modilhões―Abobadas―Contrafortes―Madeiramentos―Torres―Modo de se lagearem os edificios―Pinturas muraes―Inscripcões lapidares―Altares―Piscinas―Tribunas―Cadeiras do côro e a separação da capella mór do corpo da egreja―Capellas funereas―Tumulos visiveis e occultos―Campas―Pias Baptismaes―Gradamentos―Alfaias religiosas―Calices e patenas―Custodias―Relicarios―Corôas suspensas nos altares―Lustres de forma de corôas―Cruzes para os altares e procissões―Castiçaes e tocheiros―Evangeliarios―Capas dos livros do Evangelho―Thuribulos―Pias para agua benta―Pentes liturgicos―Cadeiras para os sacerdotes―Baculos―Calçado liturgico―Mitras―Tecidos bordados―Vestuarios sacerdotaes.

Periodo Roman


O periodo roman estende-se desde o VIII seculo até ao fim do XII. O estylo roman formou-se e desenvolveu-se debaixo da influencia combinada de tres elementos: 1.º, o estylo classico e latino, [61] cujos monumentos existiam espalhados pela Europa meridional; 2.º, o estylo bysantino, cujos principios foram importados do Oriente; 3.º, o genio particular dos povos barbaros que invadiram a Europa desde o V seculo.

O estylo proveniente da influencia combinada d'estes tres elementos, chamou-se roman, porque a sua origem e duração coincidem pouco mais ou menos com a da lingua romanica. Por conseguinte a palavra roman indica, do mesmo modo que na lingua romanica, o elemento barbaro que contribuiu para a formação d'este estylo.

O estylo Roman desde o VIII até ao X seculo


A decadencia completa das bellas artes foi o effeito necessario dos movimentos politicos que a Europa soffreu durante tres seculos. Só os padres e os religiosos luctavam no meio d'este chaos, contra a barbarie e a força brutal dos invasores. O renascimento das artes foi lento, e do mesmo modo o das lettras, porque o solo da Europa occidental estava juncado de destroços amontoados, dos monumentos antigos; as tradições artisticas tinham-se perdido, e os principios haviam cahido em esquecimento.

Para a architectura e para as artes, a Lombardia foi, desde o VII até ao fim do X seculo, o principal centro d'este renascimento. O estylo formou-se n'esta épocha, ao norte da Italia, e recebeu o nome de Lombardo.

[62]

Caracteres do estylo Lombardo


O estylo Lombardo, ou o estylo Roman do norte da Italia, reinou n'este paiz desde o VIII seculo até ao fim do XII.

O plano da basilica Latina foi geralmente adoptado nas egrejas lombardas.

Na maior parte das grandes egrejas lombardas, as paredes internas são construidas com galerias.

As cryptas das egrejas lombardas estendem-se por baixo de todo o presbyterio, e formam verdadeiras capellas subterraneas, com muitas naves abobadadas.

Os baptisterios isolados, geralmente octogonaes ou circulares, usaram-se durante o periodo lombardo.

A maior parte dos edificios lombardos são construidos de tijolo.

Abobadas. A abobada em fórma de berço consiste n'um semi-cylindro concavo e sem penetração alguma.

A abobada de aresta, assim chamada porque apresenta quatro arestas no intradoz, é formada pela intersecção ou penetração de duas abobadas de berço, com a mesma abertura e reunindo-se em angulo recto.

Os architectos lombardos fizeram grandes progressos na construcção das abobadas. Antes do seu tempo não se conhecia além da cupula senão duas especies de abobadas: a abobada de berço, e a abobada de aresta romana.

[63] As abobadas lombardas apresentam todas uma elevação em fórma de zimborio, particularidade que pertence ao systema de construcção seguido pelos architectos lombardos. Esta elevação dá ás abobadas das egrejas lombardas um aspecto particular.

Nas egrejas lombardas de tres naves, a principal tem sempre dobrada largura.

Como dissémos, as abobadas da nave principal exercem sobre os seus pontos de apoio não sómente uma pressão vertical, mas tambem uma obliqua e lateral, que tende a fazer inclinar para fóra os pilares e as muralhas superiores. Nos edificios lombardos, esta pressão acha-se equilibrada pelo encontro opposto das abobadas altas e baixas das naves lateraes e em parte apoiada sobre os contrafortes exteriores, pelos arcos-butantes das naves lateraes e pelas porções de parede que supportam estes arcos.

Nos edificios antigos e nas basilicas latinas serviam-se de columnas cylindricas, pouco espaçadas e recebendo directamente as pressões verticaes de entablamentos d'um peso relativamente pouco consideravel. Os constructores lombardos substituiram o pilar composto de columnas pelo simples supporte cylindrico da basilica coberta de madeira.

Os caracteres dos pilares lombardos pódem resumir-se da seguinte maneira: 1.º Os pilares apresentam uma secção rectangular ou quadrada e são ornados de pilastras ou de columnas envolvidas, recebendo as bases das nervuras e dos arcos-butantes. [64] 2.º Não têem todas a mesma grossura, umas são menos, outras mais fortes, segundo recebem ao mesmo tempo as bases de todas as abobadas, ou das naves lateraes sómente. Foi desde a primeira metade do seculo VIII que appareceram os pilares ornados de columna, desconhecidos na arte classica e empregados com profusão no Occidente pela arte na edade media. As columnas e as columnatas são ordinariamente construidas por fiadas de desigual altura de medio e pequeno apparelho; raramente são monolithas.

Essas columnatas dos pilares, quasi sempre delgados e muito elevados, chegam muitas vezes sem interrupção até á origem das abobadas, e constituem um facto capital na historia da arte, porque são um dos elementos mais caracteristicos e fundamentaes de quasi toda a architectura da edade media.

As bases lombardas approximam-se sensivelmente, pela sua fórma, da base attica propriamente dita.

Estas bases são muitas vezes munidas d'um ornato destinado a ligar o tóro inferior com os angulos do plintho e a dar d'este modo uma apparencia de maior solidez dos angulos. Este ornato ou appendice recebeu o nome de garra ou pata.

As garras mais antigas são muito simples, as de data posterior representam ordinariamente cabeças d'animaes.

Os capiteis lombardos, assim como os bysantinos, [65] têem ordinariamente a fórma de açafate esvasado ou cubico.

Uma transformação se opéra insensivelmente e a arte lombarda adquire uma certa originalidade. Os seus typos são variadissimos; o cinzel do esculptor dá ali provas de fecundidade. Mais tarde esta transformação continúa lentamente, e durante o X seculo, as esculpturas tornam-se mais salientes, as folhagens são augmentadas e as extremidades arredondadas.

Em relação á esculptura d'ornato que cobre o açafate, podem distinguir-se duas especies de capiteis: os capiteis ornados de folhagens e os capiteis historicos ou legendarios. Os capiteis historicos são muito communs nas egrejas lombardas que datam do VIII seculo.

Chamam-se historicos e legendarios os capiteis que são ornados com esculpturas que representam scenas tiradas da historia ou da lenda e até mesmo algumas vezes têem animaes symbolicos ou phantasticos.

O abaco enorme em fórma de capitel, que se encontra nos edificios Latinos, só raramente se vê nas egrejas Lombardas; é substituido por grosso abaco, mas pouco elevado, de profil muito acentuado e muitas vezes talhado em pedra differente do corpo do capitel.

Em opposição ao principio geralmente admittido pela antiguidade e pela edade media, as fachadas das egrejas Lombardas não indicam exteriormente a fórma das naves lateraes.

[66] Compõem-se d'uma grande parede que chega até aos dois lados obliquos que a terminam, e na qual não apparece o resalto na nave principal por cima das naves lateraes.

Os campanarios das egrejas Lombardas ficam ordinariamente separados do edificio da egreja, e compõem-se de uma serie d'andares quadrados, todos da mesma largura e pouco mais ou menos da mesma altura, separados uns dos outros por cornijas. Estes andares são ornados com faixas muraes e pequenas arcadas fingidas, cujos arcos se apoiam sobre modilhões.

As cornijas dos edificios lombardos apenas apresentam uma pequena saliencia das faces das paredes. São quasi sempre collocadas sobre arcaduras fingidas, de volta inteira, assentando em modilhões de fórma muito simples.

As arcaduras constituem uma das fórmas caracteristicas da architectura Lombarda; encontram-se, não só debaixo das cornijas dos telhados, mas tambem debaixo das outras cornijas das fachadas; e até mesmo nas platibandas horisontaes dos edificios.

Decoração monumental


Os bysantinos cobriam com marmores e mosaicos as paredes interiores das suas egrejas. Os lombardos, pelo contrario, mostram no seu systema decorativo uma certa preferencia quasi exclusiva pelas esculpturas, a qual derivando da bysantina, foi por algum tempo sua imitação; porém, mais [67] tarde, a começar no IX seculo, principiou-se a abandonar esse modo de decorar.

Nos primitivos edificios lombardos nota-se uma grande incorrecção nas esculpturas das figuras, quer verdadeiras, quer phantasticas. Mais tarde, encontram-se, em todo o periodo do estylo Lombardo, nos seus edificios, animaes chimericos, ora isolados ora em frente uns dos outros, e acompanhados, e tambem entrelaçados de folhagens.

As esculpturas não cobrem só os capiteis, mas tambem as archivoltas e os tympanos, assim como as faces dos altares, dos doceis, etc.

Os embutidos e os revestimentos de marmore são raros no interior dos edificios lombardos.

Desde o IX seculo que se substituiram os embutidos em marmore pelas pinturas a fresco e por mosaicos de pequenos cubos.

Em quanto o estylo Lombardo se desenvolvia no Norte da Italia, o Latino continuava a ser seguido na Italia central e meridional.

A maior parte das egrejas do VII e do VIII seculos eram construidas de madeira, o que explica os frequentes incendios d'essas egrejas.

No principio do seculo IX, o imperador Carlos-Magno tentou fazer reviver as bellas artes na Europa Occidental; quiz restabelecer o renascimento da arte romana.

O estylo Roman durante os seculos XI e XII


O estylo Lombardo, inteiramente constituido no Norte da Italia desde o seguinte seculo, exerceu [68] uma grande influencia sobre a architectura roman dos paizes cisalpinos no XI e XII seculos. No fim do X seculo, e no principio do seguinte, os monges introduziram o estylo Lombardo na Allemanha, na Suissa, e nas provincias da França visinhas da Italia, d'onde irradiou para o Norte e Oeste.

O estylo roman da Europa Central não é outra coisa mais que o estylo Lombardo transportado áquem dos Alpes e modificado occidentalmente pelo proprio genio dos differentes povos que occupavam esta região. O elemento Gaulo-romano tomou tambem grande parte na formação do estylo roman.

O roman inglez recebeu o elemento Lombardo por intermedio dos Normandos, que, depois de terem conquistado a Inglaterra, para ali levaram o estylo do Occidente da França.

A rapida propagação das ordens religiosas durante o seculo XI, contribuiu poderosamente para a diffusão e desenvolvimento da architectura Roman. Foi n'este seculo, que as ordens religiosas, graças a abundantes recursos, cobriram em pouco tempo a Europa Central e Occidental com um grande numero de egrejas e mosteiros. Estes monumentos, não obstante apresentarem todos os mesmos caracteres geraes, taes como o emprego das abobadas de volta inteira e d'um mesmo systema de construcção, differem comtudo entre si, em certos caracteres especiaes, proprios de cada região.

O estylo roman do seculo XI differe do estylo [69] do XII por uma ornamentação mais simples, contornos menos correctos e execução geralmente inferior.

No seculo XII, abundam os ornatos tanto no interior como no exterior dos edificios. No final do seculo XI, estabeleceram-se, na Europa Occidental, duas escolas de architectura, animadas de diversas tendencias. Uma na ordem de S. Bento, que tinha o seu centro principal na abbadia de Cluny, desenvolvia uma magnificencia e um luxo quasi extraordinario na decoração dos edificios religiosos, cuja construcção lhe era incumbida; a outra, pelo contrario, procedente da Ordem de Cister, quasi que não admittia ornatos alguns e levava a singeleza até á severidade. Em todos os paizes em que existiam edificios romanos por occasião da formação do estylo roman, a sua existencia exerceu grande influencia na decoração dos edificios. Pelo contrario nos paizes em que escasseavam aquelles monumentos, diligenciaram imitar, a maior parte das vezes, na esculptura monumental os variados tecidos importados do Oriente.

Caracteres da architectura Roman


As egrejas romans apresentam ordinariamente em planta a forma d'uma Cruz Latina, cuja frente representada pelo côro é voltada para o Oriente. Têem geralmente tres naves formadas por duas ordens parallelas de pilares, e algumas vezes de cinco. Depo As egrejas romans apresentam ordinariamente em planta a forma d'uma Cruz Latina, cuja frente representada pelo côro é voltada para o Oriente. Têem geralmente tres naves formadas por duas ordens parallelas de pilares, e algumas vezes de cinco. Depois do seculo XI, o côro das egrejas cathedraes, abbaciaes (exceptuando as da Ordem [70] Cistersiense e collegiaes), tem maiores dimensões que nas basilicas Latinas e Lombardas.

Quando o côro não era rodeado de capellas, terminava por um abside semi-circular ou por uma parede recta. Encontram-se, nas margens do Rheno e em outras partes da Allemanha, egrejas Romans com dois absides semi-circulares, um a Leste e o outro a Oeste.

Algumas das grandes egrejas Romans têem os lados do corpo da egreja divididos por galerias.

Todas as egrejas Romans, sem excepção, são orientadas.

Muitas das mesmas egrejas têem cryptas quasi sempre situadas debaixo do côro, e formando capellas subterraneas, com tres a cinco naves, cujas abobadas de barrete veem assentar sobre duas ou quatro ordens de pilares pouco elevados.

Desce-se para a maior parte das cryptas por duas escadas collocadas aos lados da que do transepte conduz ao côro. Nas que não têem senão uma entrada, acha-se ordinariamente diante do côro mesmo no eixo da egreja.

O uso de construir cryptas só deixou de existir desde o seculo XIII.

Durante o periodo Roman, ainda se construiram, ao pé das cathedraes e das grandes Egrejas abbaciaes e parochiaes, baptisterios isolados, de fórma polygonal e circular.

Todavia, logo que a solemne ministração do baptismo caiu em desuso, não se construiram mais [71] baptisterios proximo das novas Egrejas parochiaes que se edificaram. A pia baptismal foi então transportada para a nave principal, proximo á porta de entrada da egreja nas naves lateraes, ou então em uma capella do lado occidental, proximo da porta principal.

A natureza dos materiaes influe poderosamente sobre o modo de construcção adoptada; assim nos paizes em que a cantaria é resistente, construe-se com grandes dimensões, o apparelho é mais grandioso, as fiadas são altas; emquanto que, nas localidades em que os materiaes são menos resistentes, e em que o trabalho de preparar a cantaria é portanto mais facil, o apparelho tem menor dimensão.

No seculo XI, a esculptura monumental toma repentinamente um desenvolvimento extraordinario pela influencia combinada do estylo Lombardo, dos monumentos Gaulo-Romanos; dos tecidos e outros objectos d'arte importados do Oriente pelos cruzados.

Em cada paiz ou quasi que em cada provincia, a decoração Roman offerece caracteres particulares, devidos á aptidão dos habitantes, á variada natureza dos materiaes e a outras influencias locaes. Em geral, em todos os paizes onde se encontravam documentos romanos ricamente decorados, a influencia Lombarda se liga e se combina com a d'estes monumentos.

No Noroeste da França, principalmente na Normandia, e até mesmo na Inglaterra, a decoração [72] consiste principalmente em estrellas e outras figuras geometricas. A ornamentação Roman da Allemanha compõe-se sobretudo de galões entrelaçados, cujas extremidades acabam em folhas com tres a cinco lobulos. Estes galões, algumas vezes ornados de perolas, parecem ordinariamente ligados com fitas ou reunidos por anneis.

Na Belgica, onde principalmente se manifestou a influencia da escola Cistersiense, os monumentos do periodo Roman não têem as decorações de trabalhos custosos e variados, que se encontram n'outros paizes.

Assim como nas basilicas Latinas, as fachadas das egrejas Romans indicam em geral a forma transversal das naves; só no seculo XI, começaram a ornal-as com mais cuidado e esmero. A sua decoração architectural consiste nos portaes, ordinariamente tres, construidos em profundas arcadas de volta inteira mais ou menos carregadas de molduras de architectura; as galerias, verdadeiras ou fingidas, eram formadas por uma ou muitas ordens de arcadas fingidas ou rendilhadas; e emfim em grandes rosaceas vasadas, por cima da porta principal.

Raras vezes se encontram fachadas romans decoradas com estatuas.

Antes do seculo XI, os atrios que succederam aos narthex das basilicas, apresentavam-se d'ordinario sob a fórma d'um portico, geralmente pouco profundo e occupando toda a largura da Antes do seculo XI, os atrios que succederam aos narthex das basilicas, apresentavam-se d'ordinario sob a fórma d'um portico, geralmente pouco profundo e occupando toda a largura da fachada da egreja; havia alguns tambem, ainda que pouco [73] numerosos, que eram construidos na fachada Occidental.

Os atrios Romans dos seculos XI e XII dividem-se em fechados e abertos; os primeiros tomaram, em varios paizes, um desenvolvimento de tal modo importante, que formavam de alguma maneira uma nova egreja construida em frente das naves propriamente ditas, como havia na egreja de S. Francisco de Santarem.

Nos grandes monumentos do seculo XI, e especialmente do XII, os portaes mais notaveis, e até mesmo algumas vezes os secundarios, são ornados profusamente de esculpturas de todo o genero.

Quando as archivoltas dos portaes são cobertas com muitas esculpturas, o tympano é quasi sempre ornado d'um baixo relevo, representando Jesus Christo sentado e sob uma aureola. Em alguns casos o Redemptor offerece as mãos a dois Santos coroados e ajoelhados cada um do seu lado; em outros, lança a benção com a mão direita e segura um livro com a esquerda; n'este caso a aureola é muitas vezes cercada de animaes symbolicos representando os Evangelistas.

Nos mais importantes monumentos, os batentes dos portaes eram ordinariamente de bronze ou de qualquer outro metal.

As ferragens das portas, que a principio não serviam senão para consolidar todas as travessas da porta, forneceram desde As ferragens das portas, que a principio não serviam senão para consolidar todas as travessas da porta, forneceram desde o seculo XI, no estylo Roman, um dos mais bellos modelos de ornamentação.

[74] Encontram-se tambem, nos edificios de architectura Roman, portaes com batentes de madeira esculpidos em baixo relevo. As janellas d'estes edificios mais antigos são pequenas e quasi sem ornamentação alguma.

No meado do seculo XI, augmentaram os vãos das janellas á proporção que mais se generalisava o uso do vidro. No final d'este seculo e durante todo o XII, as archivoltas exteriores das janellas dos grandes monumentos são executadas com o maior cuidado, e compostas de arcos com muitas ordens de pedras lavradas symetricas, varias vezes com o feitio de tóros, ficando assentes sobre grupos de pequenas columnas ou sobre pés direitos ornados de uma imposta com esculptura. Estes tóros têem tambem muitas vezes ornatos.

No seculo XII, apparecem as janellas geminadas de dois vãos, separados por uma humbreira em fórma de columna, e servindo-lhe de moldura um arco commum de resalva. Vêem-se tambem janellas mesmo de tres vãos reunidos debaixo d'um unico arco. N'estas ultimas ou o vão do meio é mais alto que os dos lados, ou então é o tympano formado pelo grande arco, no qual ha um oculo, inteiramente aberto ou em fórma de trêvo, de quatro folhas e ás vezes com seis e mais lóbulos.

Tambem se encontram nos edificios romans do seculo XIII, olhos-de-boi e que não servem de ornamento aos vãos de janellas. Chamam-se rosaes e são compostos de differentes maneiras.

[75] Nos paizes meridionaes continuaram a vedar os vãos das janellas com caixilhos rendilhados, de madeira ou de marmore. Os desenhos produzidos pelos recortes das travessas apresentam fórmas mais variadas e em harmonia com a ornamentação Roman; compõem-se quasi sempre de figuras geometricas. Os caixilhos recortados foram empregados até ao seculo XVI, na Grecia, Italia e Hespanha e ainda hoje no Oriente.

Na Europa Occidental e Septentrional preferiam tapar as janellas com vidros pequenos assentes em caixilhos de madeira, mas, desde o seculo X, reunidos por meio de filetes de chumbo. Algumas vezes estes vidros, differentemente coloridos, formavam um mosaico transparente, no qual ainda não havia figuras nem ornatos pintados sobre o vidro.

O emprego de vidraças com varios assumptos e personagens pintados, começou provavelmente no final do seculo X.

Em muitas egrejas, o côro e mesmo algumas vezes os braços do transepto terminam por um abside semi-circular ou polygonal.

O abside está ordinariamente ligado por um abside circular coberto d'um tecto quasi sempre mais baixo que o do côro.

As paredes exteriores dos absides são a maior parte das vezes ornadas d'uma ou de muitas ordens de arcadas separadas por faixas de pequena saliencia; columnas ou pilastras envolvidas, ligadas entre si por arcos de volta inteira. As janellas, ordinariamente [76] em numero impar, são abertas debaixo das arcadas.

Os absides de quasi todas as egrejas Romans das margens do Rheno apresentam junto ao tecto uma galeria aberta, formada por uma serie de pequenas arcadas de volta inteira e sustentadas por pequenas columnas. Estes absides receberam o nome de absides rhenanos. Serviam outr'ora, e servem ainda hoje, em alguns sitios, para a exposição das reliquias.

Os edificios construidos na Europa Central, no fim do seculo X e principio do XI, não apresentam, muitas vezes, mais do que pilares muito simples, de secção circular, quadrada ou rectangular. No seculo XI, tambem se introduziu, áquem dos Alpes, o uso dos pilares com angulos reintrantes para collocar duas ou quatro columnas envolvidas, de que os constructores Lombardos se serviam já no seculo VIII.

As egrejas, parochias ruraes, de menor importancia teem muitissimas vezes pilares quadrados, curtos, sem base nem capitel, ou tendo por ornamento unicamente uma ou duas molduras pouco salientes que fazem parte do capitel.

Durante o periodo Roman, principalmente no seculo XII, muitos dos fustes das columnas foram cobertos de esculpturas variadas, consistindo em figuras geometricas, espiraes, torç Durante o periodo Roman, principalmente no seculo XII, muitos dos fustes das columnas foram cobertos de esculpturas variadas, consistindo em figuras geometricas, espiraes, torçaes, galões, botões, folhagens, cordões, animaes e mesmo representações de assumptos historicos ou legendarios. Estes ornatos são communs principalmente no Sul da Europa.

[77] No fim do periodo Roman e no principio da época Ogival, as columnas são anneladas, isto é, formadas d'uma especie de tóro á roda do fuste.

As columnas anneladas constituem um dos caracteres dos monumentos da transição do estylo Roman para o estylo Ogival. Tambem se encontram d'estes anneis nas nervuras das abobadas. No seculo XII, as columnas são tambem ás vezes duplas ou enfeixadas.

As bases das columnas são variadissimas.

Muitas das que se encontram nos edificios mais antigos assimilham-se ás bases Lombardas, mas sem ter garras.

As bases ornadas com esculpturas, muito communs no Sul da Europa, são raras nos paizes do Norte.

Foi no meado do seculo XI que começou a apparecer, áquem dos Alpes, o ornato chamado garra, que os lombardos já tinham usado muito tempo antes.

A garra Romã tem em geral a fórma d'uma folha applicada sobre o tóro inferior da base no angulo do plintho, e tambem ás vezes, a d'uma carranca ou d'um animal phantastico.

Desde o principio do seculo XII, os constructores romans achatam a forma do tóro inferior, quando a base se approxima da forma Attica; um pouco mais tarde apparece entre os tóros das bases, a moldura concava, bastante profunda, que fórma um dos caracteres distinctivos dos monumentos [78] do fim do seculo XII e da primeira metade do XIII.

Os capiteis de architectura Roman são variadissimos. Ha uns que apenas se compõem de duas ou tres molduras curvas ou chanfradas, imitando o capitel toscano ou dorico.

A cornija dos capiteis é umas vezes elevada e coroada com um ábaco saliente, e outras baixa, tendo um ábaco que não resalta o fuste da columna.

Encontram-se, em muitos monumentos Romans, capiteis chamados cubicos, porque têem a configuração d'um cubo. Estes capiteis são algumas vezes chanfrados nos angulos inferiores e em geral arredondados na parte inferior.

A parte inferior do capitel cubico Rhenano, do seculo XII, era muitas vezes dividida em quatro porções de esphera, formando assim um grupo de quatro capiteis reunidos debaixo de um mesmo ábaco, mas foi ainda augmentado o numero das subdivisões, produzindo d'este modo os capiteis cubicos canellados ou com resaltos redondos, que se encontram principalmente na Inglaterra e no Noroeste da França.

No tempo da formação do estylo Roman, a arte da esculptura estava quasi totalmente perdida áquem dos Alpes. Os que primeiro tentaram manejar o cinzel esforçaram-se em reproduzir, melhor ou peior, os antigos ornatos que tinham á vista; as producções d'estes artistas improvisados são imperfeitas e grosseiras.

[79] Encontram-se em muitos monumentos Belgas do seculo XII, capiteis cuja ornamentação, simples e rudimentar, consiste unicamente em folhas applicadas sobre o açafate, e algumas vezes contornadas em voluta debaixo dos angulos do ábaco.

Os capiteis de quasi todos os grandes monumentos dos seculos XI e XII, são decorados de esculpturas ou de pinturas de côres carregadas. Os ornatos consistem em galões imitando perolas, folhagens encrespadas, florões artisticamente executados, animaes symbolicos, animaes phantasticos isolados ou em grupos, assumptos tirados da lenda ou da historia, principalmente do Velho e Novo Testamentos.

O capitel de crochets usou-se na Belgica e em algumas partes da Allemanha desde o fim do periodo Roman. Dá-se o nome de crochets e algumas vezes tambem o de baculo vegetal, ás folhas mais ou menos compridas, recurvadas em voluta na sua extremidade.

Chama-se arcada toda a abertura, real ou simulada, contornada por uma archi-volta; e arcadura, uma arcada de pequenas dimensões.

Até ao seculo XI serviam-se geralmente do arco de volta inteira ou formado por um semi-circulo para ligar duas columnas ou os dois pontos extremos d'uma arcada. Nos seculos XI e XII, começam a apparecer novas formas d'arcos: 1.º, o arco elevado, cujos dois ramos descendentes se prolongam verticalmente abaixo do centro gerador; 2.º, o arco em fórma de ferradura produzido por [80] uma parte da circumferencia que excede o semi-circulo; 3.º o arco de volta abatida ou em aza de cesto, formado por uma semi-ellypse cortada segundo a direcção do eixo maior; 4.º, o arco de tres lóbulos cujo intradoz é composto de tres lóbulos.

As paredes interiores lateraes das egrejas, as capellas, as casas capitulares são em geral ornadas, na sua parte inferior, com arcaduras sustentadas por pequenas columnas mais ou menos embebidas no pé-direito e firmadas sobre um sócco de pedra collocado em roda de todo o edificio.

As arcaduras tambem são muitas vezes empregadas, no exterior dos edificios, para a decoração das fachadas. Encontram-se egualmente sobre as outras partes dos monumentos arcadas pouco salientes, cujas extremidades assentam sobre modilhões muitas vezes executados apenas de feitio chanfrado, e ainda ás vezes ornadas de esculpturas. Em alguns casos foram os modilhões substituidos por grupos de columnas embebidas.

As arcaduras servem principalmente para ornamentar as partes lisas das paredes debaixo das cornijas, os parapeitos das janellas e as platibandas de que se servem para as ligar entre si pelas faixas muraes.

Estas arcaduras foram imitadas do estylo Lombardo. Tambem se encontram principalmente nos edificios romans da Allemanha, da Inglaterra e d'algumas partes da França.

Chamam-se Triforiums as galerias mais ou menos [81] largas, que ficam por cima das arcadas das naves lateraes das egrejas, ou simplesmente por cima das archivoltas das grandes arcadas que ligam dois pilares contiguos.

Encontram-se Triforiums, que abrangem todo o comprimento do corpo da egreja, nos edificios Lombardos.

Os Triforiums estreitos são posteriores ao seculo XII, e só durante o periodo Ogival é que se generalisou o seu emprego.

A cornija compõe-se d'uma pedra mais ou menos saliente sobre a face das paredes de maior ou menor grandeza, segundo a maior ou menor dureza dos materiaes de que dispomos.

A cornija é sustentada por consólas ou modilhões collocados regularmente por baixo das juntas das pedras que formam as cornijas. Os modilhões têem a fórma d'um curvo ou d'um florão. Chama-se curvo um modilhão simples, que fica saliente sobre a face d'uma parede ou d'um pilar e que tem as duas faces lateraes parallelas e perpendiculares á mesma parede; e com feitio de florão, é uma consóla que não tem as faces nem parallelas, nem perpendiculares á parede. Ás vezes são os curvos e esses florões ornados de esculpturas representando cabeças humanas, figuras grotêscas, carrancas, monstros, volutas, etc.

A maior parte dos edificios do periodo roman não tinham abobadas senão no abside do côro, no pavimento inferior dos campanarios e algumas vezes ao de cima das naves lateraes. A nave central [82] era ordinariamente coberta com um simples tecto de madeira. As abobadas que hoje se vêem em muitas egrejas do estylo roman foram construidas em epoca bem mais recente.

Nos edificios religiosos que tinham a nave principal coberta d'abobadas, eram estas d'aresta geralmente em nervuras; e como succede nas egrejas lombardas, a cada arco da nave central correspondiam nas paredes lateraes dois arcos de menores dimensões. Para supportar a pressão obliqua, exercida sobre os pilares e sobre as altas paredes da nave pela abobada da nave central, os architectos romans seguiram dois systemas.

Uns, imitando os constructores lombardos, construem as paredes lateraes quasi da altura da nave e dispõem as abobadas de maneira que supportem a curva da abobada central. Outros construem nas paredes lateraes abobadas semi-circulares ou de quarto de cylindro, cuja parte inferior assenta sobre as paredes mestras do edificio, e a parte superior vem apoiar-se contra a principal parede da nave central no logar onde começa a sua abobada.

Até ao principio do seculo XII, os arcos duplos compõem-se de uma ou de duas ordens de cunhas de cantaria geralmente sem molduras nem ornatos, e apresentam uma secção quadrada ou rectangular. No fim do periodo roman, e mais tarde ainda, os angulos do intradoz do arco dobrado têem regularmente o feitio de tóros.

As nervuras das abobadas d'aresta consistem em um simples tóro, algumas vezes acompanhado de [83] dois ou quatro tóros de menor espessura. No fim da época Roman, e durante o periodo da transição, o tóro principal foi em certos paizes achatado e composto de uma aresta viva no intradoz. As nervuras das abobadas do estylo Roman são muito mais toscas que as das Ogivaes.

Os architectos dos seculos XII, XIII e XIV decoravam algumas vezes o nascimento das nervuras das abobadas superiores ao capitel com molduras geometricas.

Chamam-se contrafortes aos pilares embebidos nas paredes exteriores dos edificios, e que servem para sustentar e diminuir a pressão das abobadas, ou supportar o peso do madeiramento do telhado. Estes apoios correspondem sempre exactamente (nos monumentos que não têem abobadas) aos pontos onde assentam as asnas do madeiramento, e nos edificios abobadados, aos pontos onde vem exercer-se a pressão combinada dos arcos duplos e das nervuras das abobadas.

Nas construcções de architectura Roman, especialmente nas mais antigas, os contrafortes apresentam-se algumas vezes com a apparencia de uma pilastra semi-cylindrica.

No XI, e principalmente no seculo XII, apresentam os contrafortes variadissimas fórmas. Uns são muito largos na base, e diminuem successivamente em cada um dos seus tres lados isolados; outros, mais delgados, têem sempre a mesma largura entre as duas faces lateraes e parallelas, e não diminuem senão na face exterior, em que essa diminuição [84] se faz successivamente em diversas partes na sua total elevação. Alguns ha que têem sempre as mesmas dimensões em todas as faces, sem saliencia nem resalto algum, desde a base do edificio até á cornija.

Os madeiramentos nos telhados dos edificios do estylo Roman são raros.

Na Europa Occidental os telhados conservaram até ao seculo XII uma pequenissima inclinação.

É só no meiado d'este seculo, e até mesmo mais tarde, que se encontram declives com excessiva correnteza nos telhados dos edificios da edade média.

As Torres, tanto na Europa Central como na Occidental, anteriores ao seculo XI, são em geral quadradas, e sem nenhum ornamento, ou apenas ornadas com simples arcadas, e ordinariamente cobertas por um telhado de quatro abas de fórma concava, formando uma pyramide obtusa.

Os campanarios do seculo XI, e sobretudo do XII, são mais elevados e ornamentados que os dos seculos precedentes. Compõem-se de dois e mais pavimentos, que se sobrepõem, e cujas dimensões vão muitas vezes diminuindo successivamente. A sua fórma e aspecto geral variam de um paiz para outro.

Os campanarios isolados, que são quasi exclusivamente proprios da Italia, distinguem-se por mais duas especies.

Ha uns construidos no ponto de intersecção do [85] transepte com a nave principal, e ainda outros edificados ora sobre a fachada, ora sobre as extremidades do côro ou do transepte. Os primeiros assentam sobre quatro grossos pilares: os segundos erguem-se perpendiculares sobre os seus quatro lados; ou são sustentados por arcadas abertas sobre uma, duas e até mesmo tres das suas faces.

Os campanarios centraes têem em geral differentes fórmas. Ha-os quadrados, octogonaes, e ainda com muito maior numero de lados; existem tambem alguns em fórma de cúpula.

Os campanarios da fachada, e os construidos proximo do côro ou dos transeptes das egrejas, apresentam ainda fórmas mais variadas que os centraes. Os mais simples são quadrados e divididos tanto interior como exteriormente em dois ou mais pavimentos. Outros, elevando-se sobre uma base quadrada, tornam-se em polygonos de maior numero de lados logo no primeiro ou segundo andar, tendo em geral a fórma octogonal.

No XI e no XII seculo eram os campanarios cobertos de madeira com feitio de flecha ou de pyramides construidas de pedra; quadrados ou octogonaes, eram pouco elevados e acachapados. Os angulos das pyramides de base quadrada eram ás vezes ornados com pequenos campanarios. Muitos remates de cantaria foram destruidos pelas chuvas e pelos gêlos, e depois substituidos nos seculos XIII e XIV pelas flechas esguias.

Algumas torres tinham por cobertura um telhado [86] apenas com duas abas, terminando por uma empêna em cada um dos lados. As torres cobertas por este modo só se usaram durante uma parte do periodo Ogival.

Os pavimentos em opus alexandrinum continuaram a usar-se na Italia e em todos os paizes aonde havia marmore. Na Allemanha, na França e na Belgica, por exemplo, serviam-se de tijolos de terra, cota esmaltada, ou de pedras gravadas e com embutidos de massa colorida. Até ao fim do seculo XII cada tijolo tinha a sua côr propria. As côres que se encontram nos pavimentos do fim do periodo Roman, são a preta, cinzenta, vermelha, e principalmente amarella e verde-escuro. As duas ultimas predominam em quasi todos os trabalhos d'este genero do seculo XII.

No Oriente e no Sul da Europa, os edificios historicos, legendarios e symbolicos eram bastante communs no seculo XII; tambem se viam alguns na Europa Occidental.

Se, na sua origem, a pintura das paredes imitou as mesmas fórmas que tinha o mosaico, e se inspirou dos principios d'esta arte, não podia tardar muito que ella tomasse mais livre desenvolvimento e adquirisse certos principios que lhe fossem especiaes em consequencia da propria natureza dos seus processos e da maneira por que estes satisfazem a vontade do artista.

Com effeito, a pintura liga-se ás fórmas da architectura até nas mais delicadas molduras; e por conseguinte de um modo mais intimo que o mosaico. [87] Desde os primeiros seculos até á época da Renascença, a pintura das paredes pôde, sem duvida, modificar o estylo do desenho, e variar o tom e a harmonia das côres empregadas, seguindo o progressivo desenvolvimento da arte de construir, mas ficou sempre subordinada á architectura.

A pintura monumental differe muito da que se emprega ordinariamente n'um painel.

Um painel, no sentido moderno da palavra, não é mais do que uma scena mostrada nos limites de um quadro, atravez de uma janella aberta. A pintura monumental, pelo contrario, é uma arte convencional na qual a imitação da natureza, a reproducção das suas fórmas e dos phenomenos atmosphericos que ella apresenta, quasi que por assim dizer não existem.

A figura humana e as composições em que esta apparece em grupos são geralmente reservadas para as grandes superficies planas das paredes; só muito raramente se encontram nas pilastras e nas columnas. Por toda a parte o symbolismo ou a allegoria constitue um dos grandes caracteres tanto da pintura das paredes como de todas as artes em geral durante o periodo de que nos occupamos.

As pinturas historicas eram tratadas da maneira mais simples. O artista apenas faz figurar o numero de figuras estrictamente necessario para a composição do assumpto de que trata. As côres são applicadas com tintas eguaes, sem indicar sombras [88] nem os differentes accidentes da luz, de fórma que é muitas vezes impossivel determinar qual o lado por onde o artista teve em vista que a scena fosse illuminada. As partes salientes dos corpos são regularmente indicadas por traços finos, e os contornos são representados com linhas cheias.

A pintura a fresco, que tem a vantagem de produzir tons agradaveis, foi a preferida para as pinturas historicas e legendarias. A encaustica foi tambem escolhida para certos trabalhos. A intensidade e a harmonia dos tons que resultam do emprego da cêra, a possibilidade de nos occuparmos indefinidamente do trabalho já começado fizeram com que muitas vezes fosse adoptado este processo. Com effeito até mesmo a pintura a oleo é tambem muito antiga. Durante toda a edade média eram preferidos os outros processos, por meio dos quaes, obtendo-se tons baços, evitavam o reflexo tão desagradavel na pintura das paredes.

Durante a edade média a primeira pedra do alicerce dos edificios religiosos era regularmente ornada com uma cruz e uma inscripção. A sua collocação era feita com grandes solemnidades: um prelado ou um dignitario ecclesiastico a benzia publicamente, e elle proprio a collocava na base de um dos principaes pontos de apoio da construcção.

Tambem muitas vezes se serviam de inscripções lapidares para conservar a memoria da fundação do edificio e o nome do architecto ou do mestre da obra. Em algumas egrejas encontram-se pedras com dedicatorias indicando a data da consagração, [89] os nomes dos santos cujas reliquias se acham depositadas no altar, e até mesmo o nome do orago da egreja.

Os altares eram uns fixos e outros portateis.

Altares fixos.―As mesas dos altares fixos, ordinariamente de marmore ou de pedra, e de fórma quadrada ou rectangular, continuaram até meiado do seculo XII a ser vasadas em fórma de bandeja, como já se usára no periodo Latino.

O supporte da mesa do altar consiste, muitas vezes, em uma simples base cubica de alvenaria sem ornamentação alguma, e algumas vezes tendo em roda uma inscripção e um simples rebordo. Nos dias solemnes cobriam-se estes altares com alfaias de lã e seda ou de outros tecidos preciosos.

Outras vezes o altar é sustentado por uma ou muitas pequenas columnas.

Os altares de fórma cubica eram muitas vezes revestidos de oiro e de prata e esmaltados, tendo tambem pedrarias, ou ornados com esculpturas e pinturas.

A face dos altares, com esculpturas, ou pintados, era em geral dividida em tres compartimentos com a fórma de arcadas mais ou menos ricamente decoradas. Jesus Christo lançando a benção, de pé ou sentado, occupa ordinariamente a parte central, que é muitas vezes a mais elevada, ou com a fórma de uma auréola oval ou de quatro lóbulos. Nas arcadas lateraes vêem-se figuras de santos e os symbolos dos evangelistas, que se acham dispostos [90] ou em torno do compartimento do meio, ou nos fundos das arcadas.

O altar principal das grandes egrejas era muitas vezes, como succedia no periodo Latino, encimado por um ciborium, e o mesmo acontecia com alguns dos altares lateraes.

No final do XI seculo começou o uso dos retabulos, isto é, dos paineis ou quadros assentes verticalmente ao fundo dos altares propriamente ditos. O retabulo não constitue por si só uma parte essencial do altar, mas sim um accessorio. O seu primitivo e principal fim é promover a devoção entre o padre que offerece o santo sacrificio e os fieis que a elle assistem, fazendo-lhes ver assumptos religiosos produzidos pelo cinzel, esculptura, pintura, etc.

A principio era pouco elevado, attingiu uma excessiva altura no fim do periodo ogival e na época da Renascença.

Representavam-se nos retabulos os mesmos assumptos que nas alfaias: Christo, sentado ou em pé, occupava em geral o painel do centro, tendo imagens de Santos e assumptos tirados da Historia Sagrada, ou da lenda, em arcadas lateraes, ou em medalhões de diversas fórmas, collocados em redor da imagem do Salvador.

A maior parte dos primitivos retabulos eram de oiro, prata ou cobre doirado e esmaltado: todavia alguns se encontravam, ainda que em menor numero, construidos de pedra e de madeira pintada ou esculpida. Estes ultimos só se generalisaram [91] no fim do periodo roman e no principio da época ogival.

A principio os retabulos serviam tambem para encerrar os relicarios quando elles não tinham mais ornamentos, ou para os emmoldurar quando os seus frontaes eram ricamente adornados. Parece ter sido nos mosteiros que este uso teve principio. Durante o XI seculo, a maior parte das abbadias da Europa Central e Occidental mudaram a disposição interior das egrejas no que diz respeito ao logar reservado aos religiosos durante a celebração do Santo Officio: as cadeiras ou bancos dos padres, que d'antes occupavam o proprio côro do abside, foram transportadas para o transepte, e desciam ordinariamente até á segunda ou terceira arcada da nave principal, como na egreja d'Alcobaça.

Ao fundo do Sanctuario, proximo á curvatura do abside, elevava-se o altar das reliquias, atraz ou debaixo do qual eram expostos os restos mortaes dos Santos, que até ali se tinbam conservado religiosamente nas cryptas das egrejas.

Algumas vezes as reliquias eram encerradas em caixas ou cofres e collocadas no interior do altar.

Tambem se expunham mesmo sobre os altares, como succedia no IX seculo; mas não é facil actualmente determinar se esta exposição era permanente ou temporaria, isto é, durante certas solemnidades religiosas extraordinarias.

Comtudo, está provado que existia em muitos paizes o costume de se conservarem os relicarios [92] sobre os altares. Este costume pouco a pouco se foi generalisando, pelo menos em alguns d'elles. Quando esta exposição se realisava por detraz dos altares, o cofre era collocado pouco mais ou menos dois metros acima do piso e sustentava um dos lados triangulares sobre o proprio altar, ou então sobre um retabulo de pedra, collocado em cima d'aquelle, mas pouco elevado, e o outro sobre uma consola ou um grupo de columnas junto á parede absidal ou interior da egreja.

Os fieis podiam circular em torno do altar e vir collocar-se directamente debaixo das reliquias. O uso de passar debaixo dos relicarios, quer de pé, quer de joelhos, ainda hoje existe em muitos paizes catholicos. Quando a parte superior da urna, que vinha assentar sobre o altar, era desprovida de qualquer ornato, cobria-se então com um retabulo de metal ou de pedra; se pelo contrario, como succedia com as urnas de oiro, de prata ou de cobre doirado e esmaltado, tinha figuras primorosamente executadas, ficava inteiramente livre e visivel por detraz do altar. Construia-se então por cima da urna uma especie de tabernaculo ou de baldaquino. Algumas vezes ornamentavam a parte central do lado triangular, com um retabulo de metal precioso.

O altar-mór das cathedraes assim como das collegiaes que não possuiam grandes reliquias, só veiu a ter retabulo no XIV seculo. Tanto no XII como no XIII seculo, se collocavam n'estes edificios retabulos sobre os altares secundarios do [93] transepte e das Capellas absidaes. Estes retabulos eram de pouca espessura, não se lhes podendo collocar em cima nem crucifixos, nem candeeiros.

Altares portateis.―Apresentam ordinariamente, bem como os do periodo Latino, a fórma de um parallelogrammo rectangular, e são compostos de uma lagea de marmore ou de pedra mettida n'um caixilho de carvalho e guarnecida com bordados de oiro ou de prata, de modo a não tornar visivel senão a parte superior da placa.

A lagea que constituia o altar propriamente dito era de porphyro, de jaspe, de onyx, de crystal de rocha, de pedra preta e até mesmo de ardosia. Tambem algumas vezes constava de uma pedra preciosa unicamente como recordação historica que a ella estava ligada, por exemplo, um fragmento das lageas tintas com o sangue de S. Thomaz de Cantorbery.

As reliquias, cuja presença é de rigor em todo o altar, encontram-se entre a lagea de marmore ou de pedra e o caixilho de madeira: algumas vezes era este concavo em fórma de recipiente. Em geral os altares portateis são de pequena altura, apenas alguns têem a fórma de um pequeno cofre sustentado por pés pouco elevados. As laminas de metal que constituem os adornos são muitas vezes cobertas com filigranas, de pedrarias, de folhagens gravadas, ou de figuras esmaltadas.

Usaram-se estes altares até ao final do seculo XIII.

Piscinas.―A ablução das mãos, tanto antes como depois do sacrificio da missa, foi sempre um dos [94] preceitos dos padres. Deitava-se nas piscinas não sò a agua de que o padre se servia para a ablução das mãos, mas até mesmo aquella de que os ministros se serviam para lavar tanto os calices ordinarios como os ministeriaes em seguida á communhão do padre e dos fieis.

N'esta época o padre não tomava as abluções do mesmo modo que actualmente.

Algumas piscinas, que são as mais antigas, têem apenas uma abertura ou concavidade para dar passagem á agua; ha porém outras que têem duas, uma para escoadouro das aguas ordinarias, e outra para receber as abluções das mãos.

As primeiras chamam-se piscinas simples, e as segundas duplas. As mais antigas são de uma grande simplicidade, pois muitas vezes apenas constavam de uma bacia, ou escavada no proprio banco de pedra que havia junto á parte inferior das paredes, ou sustentada por uma pequena columna isolada, ou por muitas formando grupo. As piscinas que são sustentadas por columnas chamam-se pediculadas.

No XII seculo começou-se a collocar piscinas em nichos abertos nas paredes exteriores da egreja. As piscinas duplas só no fim do XII seculo appareceram.

Doceis.―Foi durante o periodo roman que maior uso tiveram os doceis. Em geral consistem n'uma especie de cúpula quadrada ou polygonal, de marmore, de estuque, ou de pedra. Muitas vezes têem um leão sentado entre a base e o fuste [95] das columnas. A face anterior da cúpula é quasi sempre munida de uma estante, sobre a qual o diácono ou o leitor collocava o livro sagrado.

Esta estante assentava ordinariamente na cabeça de uma aguia, symbolo do Evangelista S. João; e algumas vezes na de um homem munido de azas, emblema de S. Matheus. Quando a estante assentava sobre a cabeça de aguia ou de homem com azas, os symbolos dos outros evangelistas estavam tambem, ás vezes, representados nos angulos da base da cúpula.

Nas egrejas mais ricas havia mesmo doceis cuja cúpula era revestida de oiro, de prata, e de laminas esmaltadas, ou decorada com esculpturas sobre marfim.

Cadeiras episcopaes ou do clero.―A cadeira episcopal nas cathedraes, ou do celebrante nas egrejas inferiores, achava-se regularmente, como no periodo Latino, no fundo do abside do côro, contiguo á muralha; e aos lados estendiam-se os bancos ou cadeiras destinadas ao clero. Esta disposição, que foi conservada até nossos dias em algumas egrejas romans, era a que havia em todas as egrejas seculares, tanto cathedraes, como collegiaes e parochiaes.

Havia, já o dissemos, algumas excepções a esta regra, como succedia com certas collegiaes que possuiam um altar das reliquias no fundo do côro, e com as egrejas monasticas. N'estas ultimas cedo foram mudadas as cadeiras para o transepte, e mesmo para o corpo da nave; sem duvida por [96] causa do grande numero de religiosos, que era impossivel collocar convenientemente na curvatura do côro.

Durante a maior parte do periodo roman os bancos dos padres foram de marmore ou de pedra como anteriormente. As cadeiras ou fórmas, formulae, de madeira, foram raras até ao fim do XII seculo; apenas se encontram algumas que escaparam á destruição. Vê-se perfeitamente que estas cadeiras, apezar de bem feitas em madeira, imitam todavia exactamente as antigas de pedra.

Capellas funerarias, tumulos e pedras tumulares


Capellas funerarias.―Construiram-se algumas vezes, nos cemiterios e na proximidade das egrejas, capellas funebres, de fórma circular ou polygonal, á similhança da rotunda construida pelo imperador Constantino sobre o Santo Sepulchro, ou o mausoléu de Theodorico em Ravenna (Italia).

Tumulos.―O costume de encerrar em sarcophagos os restos mortaes das pessoas ricas e poderosas existiu no Norte da Europa até ao XII seculo, e nos paizes meridionaes, isto é, no Sul da França, na Italia e na Hespanha existiu pelo menos até ao XIV. Estes sarcophagos constavam, como no periodo antecedente, de cofres oblongos, de pedra ou de marmore, muitas vezes mais estreitos para o lado dos pés, e fechados por uma tampa convexa ou em fórma de telhado de duas aguas. Eram esculpidos com ornatos e symbolos; florões, folhagens, monogrammas, cruzes e alguns assumptos [97] allegoricos. Collocavam-nos habitualmente sobre pequenos pilares grossos, ou sobre columnas curtas só com o fim de os isolar do solo.

Durante o periodo roman tambem foi adoptado o uso dos cenotaphios que consistem em sócos de pedra, macissos d'alvenaria ou grupos de columnas, assentes sobre uma sepultura subterranea e sustentando ou um sarcophago simulado ou a effigie do defunto. Em tôrno do sóco ou do macisso d'alvenaria acha-se disposta uma serie de pequenas columnas. Umas vezes são unidas por meio d'arcos, outras, o rebordo da grande lage que corôa o sóco é apoiado sobre as columnas. No XII seculo, os cenotaphios começaram a ser encimados pela effigie do defunto, esculpida em relevo e ás vezes até mesmo gravada ao traço ou representada em esmalte. O personagem é geralmente collocado estendido sobre um leito e tem todas as insignias da sua dignidade; os bispos estão com a mitra e o báculo pastoral; os reis e os principes, com o sceptro e a corôa. Estas estatuas deitadas não apresentam o aspecto d'um morto; porque têem os olhos abertos, os gestos e attitudes de pessoas vivas.

Alguns anjinhos fazem balancear thuribulos ou sustentam a almofada sobre que assenta a cabeça do personagem.

Tumulos não apparentes. Consistem, como os do periodo anterior, em cofres de pedra ou de alvenaria mais largos do lado da cabeça que dos pés e fechados por uma tampa chata ou prismatica. [98] No interior do cofre encontra-se algumas vezes, principalmente do XI até ao XIV seculo, um espaço circular destinado a receber a cabeça do cadaver. Alguns têem no fundo dois regos, no prolongamento dos quaes está feita uma abertura destinada a dar vasão ás materias viscosas.

Pedras tumulares. O uso das pedras tumulares continuou durante o periodo roman. Em geral têem a fórma d'um trapezio; algumas tambem, as mais antigas, são rectangulares. A sua decoração em geral consiste em figuras geometricas, folhagens ou figuras symbolicas, e raras vezes se lê o nome do defuncto, e a causa e data do seu fallecimento.

Pias baptismaes. As pias baptismaes eram de grandes dimensões durante todo o periodo roman, por isso que se continuou a administrar o baptismo por immersão até ao XII seculo. As pias eram em geral de pedra; comtudo algumas havia de bronze e outras de cobre. Em França e especialmente na Inglaterra tambem as havia de chumbo.

As pias romans eram de variadissimas fórmas; sendo algumas similhantes a uma vasilha.

O grande impulso que na Allemanha teve a arte da ourivesaria durante o XI seculo, longe de affrouxar no seculo seguinte, pôde conservar-se na vanguarda do movimento artistico da Europa Central e Occidental.

Com a applicação do esmalte, os objectos d'ourivesaria mudaram completamente d'aspecto no XI e XII seculos. Até ali a accumulação das pedrarias [99] ligadas por folhagens de filigranas constituia todo o segredo d'ornamentação dos ourives do Occidente; desde o fim do X seculo que as laminas duplas e lavradas alternam a maior parte das vezes com laminas esmaltadas. Estas encontram-se não só nas grandes peças d'ourivesaria, taes como as molduras e as alfaias dos altares, mas até nos menores objectos.

Os primeiros esmaltes fabricados na Allemanha foram engastados em ouro e prata, semelhantes aos que os Bysantinos fabricavam durante a segunda metade do X seculo; mais tarde tambem se empregou o cobre com o qual se douravam as partes que ainda ficavam visiveis depois da incrustação do esmalte. Foi a começar no XI seculo que em algumas localidades substituiram o esmalte introduzido no rebaixo pelo dividido em separação.

Até meado do seculo XII, a influencia Bysantina é apparente nos esmaltadores Rhenanos. Durante bastante tempo, com effeito, os esmaltadores allemães imitaram o estylo Oriental, reproduzindo mais ou menos fielmente typos bysantinos, modificando-os comtudo segundo o seu proprio engenho. Os seus processos technicos tambem se resentem da origem Bysantina da arte allemã: é assim, por exemplo, que, nos esmaltes em separação, e até mesmo nos mais antigos esmaltes executados em rebaixos, as carnações são substituidas pela pasta vitrea, a exemplo do que se praticava em Constantinopla. Com tudo isto, os esmaltadores das margens do Rheno não tardaram em gravar sobre metal [100] reservado, as figuras de pequenas dimensões, emquanto que para as grandes, continuaram ainda, durante algum tempo, a esmaltar as roupas; e n'este caso só se serviam da gravura para as carnações. No final do XII seculo, para proceder sem duvida d'uma maneira mais expedita, começaram a gravar figuras inteiras, ainda mesmo que tivessem uma certa grandeza, e quasi que não era preciso gravar com esmaltes os entalhos, muitas vezes grandes e profundos da gravura.

Em França, os ourives do XI seculo e dos primeiros annos do XII, continuaram a servir-se exclusivamente, para a decoração das suas obras, de placas cinzeladas ou até simplesmente estampadas, e d'applicações de pedrarias ligadas com filigranas. Até 1145 os ourives francezes ignoravam o modo de gravar do esmalte; tanto que, quando no principio d'esse anno, Suger, abbade do mosteiro de S. Diniz, proximo de Paris, quiz mandar fazer uma peanha e cobril-a de placas de esmalte engastadas sobre cobre, viu-se obrigado, segundo elle mesmo conta, a chamar em seu auxilio ourives da Lotharingia, em numero de cinco ou sete, que tiveram o trabalho de terminar esta obra em dois annos.

As producções dos primeiros esmaltadores francezes apresentam grandes analogias com as dos allemães do Rheno, que vieram ensinar a arte de esmaltar, em França.

Uma vez começado, o gosto pela ourivesaria esmaltada em breve foi augmentando em França, e [101] deu logar a que, em 1160, se creasse uma celebre escola de esmaltadores em cobre cuja séde foi em Limoges.

Nos primeiros ensaios, os ourives de Limoges procuraram dar aos seus esmaltes o aspecto do dos allemães; representavam as figuras inteiras, até as proprias carnações, com côres d'esmalte; só aproveitavam o metal para lhe fazer traçar as principaes linhas do desenho. Em pouco tempo, para mais rapida e mais barata producção, renunciaram a este processo e principiaram a gravar logo sobre o metal, todas as figuras e a esmaltar apenas o fundo. Muitas vezes até substituiam as partes gravadas por  figuras em alto relevo de bronze fundido e cinzelado. Os esmaltadores de Limoges cederam em parte a sua obra ao gravador, ao esculptor, ao fundidor e ao cinzelador, limitando assim o seu trabalho á simples decoração dos fundos, operação que se tornava pouco difficil.

Pelo lado artistico o esmalte rhenano é muito superior ao de Limoges. Os esmaltes fabricados no XI e no XII seculo nas margens do Mósa, em Liêge, Maestricht, Stavelot, em Waulsort e em Gembloux têem os caracteres da escola rhenana, cujo principal centro de fabrico era em Colonia, constituindo por isso uma variedade dos esmaltes rhenanos. As differenças que se encontram entre os esmaltes com rebaixo de Limoges, os do Rheno e os do Mósa são estas: nos primeiros predominam as côres azul e verde claros, em quanto que nos outros são o verde e o azul carregados. Os esmaltadores [102] do Rheno e os do Mósa servem-se d'algumas côres que lhes são proprias; o bello azul de torqueza, o branco de leite, o vermelho de purpura muito vivo e o preto. Os tons são mais harmonicos na Belgica e na Allemanha, e mais vivos e asperos na França. Os esmaltes do Rheno e do Mósa reproduzem scenas em que toma parte um grande numero de personagens, com inscripções latinas em verso, gravadas e encrustadas de esmalte; nos de Limoges não se encontram inscripções a não ser apenas um ou outro nome. Os differentes lavôres que os esmaltadores do Rheno e do Mósa executavam sobre o cobre e com as incrustações de esmalte, são notaveis pelo bom gosto e variedade de assumptos, qualidade que se não encontra entre os de Limoges.

Os objectos, grandes ou pequenos, ornados com esmaltes do Mósa ou do Rheno apresentam geralmente uma particularidade que se não observa na ourivesaria franceza contemporanea. Têem, além das placas esmaltadas, filigranas e pedrarias, placas de cobre vermelho com ornatos e inscripções douradas sobre campo brunido ou vice-versa.

Calices e patênas. Conservou-se, durante o periodo roman, o uso dos calices ordinarios e ministeriaes.

Os calices ordinarios do VIII e do IX seculo, têem muitas vezes, como os do periodo Latino, a taça profunda e estreita, o pé pequeno e ligado á taça por um simples nó sem haste.

No IX seculo começou a usar-se a taça maior, e [103] ás vezes de fórma espherica e com azas. O pé conserva-se ainda n'este seculo com as mesmas dimensões que nos precedentes.

Os calices do XI e do XII seculos têem a taça e o pé muito grandes, o nó bastante grosso e a haste curta quando a têem.

Na Allemanha encontram-se calices do XII seculo que têem o exterior da taça inteiramente coberto de medalhões, de esmaltes, de pedrarias e de filigranas; estes ornatos são apenas interrompidos por um pequeno espaço semi-circular destinado para o padre applicar o labio inferior durante a communhão.

Os mysterios da vida e da paixão do Salvador e principalmente a sua crucifixão, eram os assumptos que os artistas mais gostavam de reproduzir sobre os medalhões circulares ou ovaes com que decoravam a taça e o pé dos calices.

Em geral compõem-se d'um reservatorio sustentado por um grosso fuste cylindrico, ou mesmo por um pilar quadrado, e tambem se encontram alguns cujos angulos se apoiam sobre quatro columnas.

Estas pias baptismaes, exteriormente quadradas, são os reservatorios circulares e ovaes, tendo as faces externas esculpidas com florões, folhagens, arcos, animaes phantasticos, carrancas e até é facil vêrem-se assumptos legendarios ou historicos.

Grades. Os romanos faziam muitas vezes grades fundidas em bronze. Na Italia e no Sul da Allemanha [104] ainda se empregaram até ao XI seculo. estas grades.

Carlos Magno empregou o bronze nas grades da egreja de Aix-la-Chapelle que foram, assim como o edificio de que fazem parte, uma importação meridional.

Durante o XI e XII seculo, as grades eram compostas de montantes verticaes mettidos n'uma moldura e encerrando ornatos formados de barras, de secção quadrada ou rectangular; estes ornatos consistem em geral em curvas entrelaçadas.

Alfaias religiosas


No seculo VIII estavam as artes e as sciencias inteiramente decahidas no Occidente, em consequencia das continuas guerras provocadas pelas invasões dos barbaros. Os processos technicos das artes industriaes e mais faceis d'adoptar tinham quasi caído no esquecimento. No imperio do Oriente, pelo contrario, o culto das artes não cessou de prosperar desde Constantino Magno até ao XI seculo inclusivamente, graças á protecção generosa dos imperadores bysantinos. Tambem, logo que se seguiram os primeiros momentos de socego depois das tempestades politicas, pensou-se na Italia e no resto do Occidente em dotar d'alfaias convenientes as egrejas, e basilicas que se acabavam de construir ou de restaurar e para isso foram obrigados a dirigirem-se a Constantinopla tanto para proc No seculo VIII estavam as artes e as sciencias inteiramente decahidas no Occidente, em consequencia das continuas guerras provocadas pelas invasões dos barbaros. Os processos technicos das artes industriaes e mais faceis d'adoptar tinham quasi caído no esquecimento. No imperio do Oriente, pelo contrario, o culto das artes não cessou de prosperar desde Constantino Magno até ao XI seculo inclusivamente, graças á protecção generosa dos imperadores bysantinos. Tambem, logo que se seguiram os primeiros momentos de socego depois das tempestades politicas, pensou-se na Italia e no resto do Occidente em dotar d'alfaias convenientes as egrejas, e basilicas que se acabavam de construir ou de restaurar e para isso foram obrigados a dirigirem-se a Constantinopla tanto para procurar os objectos que desejavam como para obter [105] artistas aptos que annuissem a vir trabalhar no Occidente.

Durante muito tempo os artistas verdadeiramente dignos d'este nome, pintores, esculptores, ourives e outros, continuaram a vir de Bysancio, e quando no principio do IX seculo, Carlos Magno quiz decorar com mosaicos e enriquecer com vasos sagrados e outros objectos d'arte o edificio religioso que elle acabára de construir em Aix-la-Chapelle, teve que se dirigir a artistas gregos ou aos discipulos que se haviam formado na Italia, particularmente em Ravenna.

Com os inferiores successores d'este principe, a arte cessou de ter desenvolvimento, retrocedendo tanto na Europa central como na Occidental, ao mesmo estado de barbaria em que se achava antes dos esforços empregados por Carlos Magno para restabelecer o seu progresso.

No fim do X seculo, produziu-se no Occidente um movimento util nos estudos artisticos; os artistas gregos foram ainda aqui, como mais tarde na Italia, os iniciadores que presidiram a este movimento instructivo.

A restauração artistica, começada sob a influencia dos artistas bysantinos, foi extremamente rapida na Allemanha. Desde o fim do X seculo, a escola de Trèves, dirigida pelo bispo Egberto, deu nascimento, no territorio germanico, a muitos outros centros artisticos creados pelos bispos nos seus palacios episcopaes, ou pelos abbades nos seus Mosteiros. Santo Henrique que governou o [106] imperio do Occidente durante o primeiro quartel do XI seculo, foi tambem um dos grandes promotores da restauração artistica na Allemanha.

Os calices ministeriaes conservaram, durante o periodo roman, a mesma fórma que tinham tido anteriormente. A sua decoração é a mesma que a dos calices ordinarios. São munidos d'azas com a fórma de folhagens, ou de dragões e d'outros animaes phantasticos.

Nos medalhões sobre a taça representavam-se scenas da vida do Salvador; nos do pé, as quatro virtudes Cardeaes e assumptos tirados da historia do Velho Testamento; e nos medalhões do nó mostravam-se as personificações dos quatro rios do Paraizo.

As patênas, ordinariamente muito simples, tinham a configuração d'um pires com um esvasamento circular no meio. O fundo interior era liso, com adornos de buril; os bordos, por vezes lavrados em relevos ou gravados ao buril, eram de pequenas dimensões. Encontram-se comtudo algumas patênas da época roman, sobre as quaes abundavam os ornatos e as esculpturas.

Custodias eucharisticas: pyxides e ciborios. Desde o XI seculo que as pombas eucharisticas foram substituidas em geral pelas pyxides, cuja origem alguns auctores reputam ser do V seculo. Dá-se o nome pyxides a pequenas caixas de marfim, d'onyx, d'ouro, de prata ou de cobre esmaltado, nas quaes se guardavam as Sagradas particulas. Suspendiam-se, debaixo do docel do altar, n'uma bolsa de tecido [107] precioso, ou então collocavam-se n'um pequeno nicho aberto em parede proxima do altar.

Durante os primeiros seculos do periodo roman as pyxides de marfim empregavam-se em concorrencia com as pombas eucharisticas de metal.

Consistiam regularmente em pequenas caixas cylindricas, tendo muitas vezes no exterior esculpturas em relevo.

As pyxides do XII e do XIII seculo são ordinariamente de cobre dourado e esmaltado; compõem-se d'uma pequena caixa cylindrica encimada por uma tampa de fórma conica ligada ao cylindro por uma charneira. Muitas d'estas pyxides sairam das officinas dos esmaltadores de Limoges.

As pyxides romans têem algumas vezes um pé, e são em geral tanto umas como outras de pequenas dimensões, por isso que apenas servem para guardar um pequeno numero d'hostias necessarias para dar o Sagrado Viatico aos doentes em perigo de vida.

Todas as pyxides anteriores ao XVI seculo, com raras excepções, têem a tampa ligada ao cylindro por meio de charneira.

Relicarios. Consideraram-se primeiramente como reliquias os restos mortaes dos Santos, porém, hoje têem um sentido mais lato; considerando-se tambem como taes os paramentos e outros objectos usados por elles durante a sua vida mortal. A Egreja professou sempre um grande respeito pelas reliquias, prestando-lhes um culto particular. Em vista d'isto não é para admirar que nos primeiros [108] seculos se fabricasse um tão grande numero e diversidade de relicarios, afim de conservarem estes preciosos thesouros e expôl-os á veneração dos fieis.

Relicarios da verdadeira Cruz. A maior parte dos relicarios que contéem parcellas da verdadeira Cruz foram trazidos do Oriente na época das Cruzadas, ou fabricados na Europa segundo os modêlos bysantinos. São ricamente cravejados de pedraria e d'esmaltes, e têem muitas vezes a fórma de uma dupla cruz chamada cruz do Santo Sepulchro, de Lorrena ou de Caravalla. Como a travessa superior d'esta cruz é menor que a inferior, leva isto a suppôr que o que parece uma repetição dos braços seja simplesmente o titulo da cruz, pelo qual os Gregos e os Orientaes sempre tiveram especial veneração.

Tambem muitas vezes se collocavam as reliquias da Sagrada madeira n'uma cruz com uma simples travessa.

As reliquias da verdadeira Cruz, encerradas n'uma cruzeta, muitas vezes com duas travessas, eram tambem muitas vezes emmolduradas n'uma placa metallica ricamente ornada e fixa sobre um centro de madeira. Estes relicarios, com a fórma d'um pequeno quadro rectangular ou d'um triptyco, eram mettidos em ricos estojos guarnecidos d'esmaltes, filigranas e pedras preciosas.

Não eram só os relicarios da madeira da verdadeira Cruz, que tinham a fórma d'uma cruz com duas travessas horisontaes; os proprios edíficios [109] em que se conservavam estes relicarios eram muitas vezes encimados com uma cruz do mesmo genero. Nas parochias em que os campanarios tinham a dita cruz, eram collocadas sobre os tumulos n'ellas existentes, cruzes de madeira ou de pedra com a mesma fórma.

Urnas. A urna é uma especie d'um cofre dentro do qual são guardadas as reliquias d'um Santo. O emprego das urnas vulgarisou-se desde o XI seculo. Ha-as grandes e pequenas. As grandes urnas têem o feitio d'um pequeno edificio rectangular, com a fórma de telhado de duas vertentes; ha algumas, como a dos Reis Magos em Colonia, que imitam uma egreja com as suas paredes exteriores.

Em geral são cobertas de placas de metal ornadas com filigranas, esmaltes e pedrarias. Christo lançando a benção, sentado ou em pé, só ou no meio de dois Santos, occupa ordinariamente uma das faces extremas, e na outra face a Santissima Virgem entre dois Santos cujas reliquias a urna encerra. As faces lateraes são divididas por arcadas de volta inteira ou abatida, debaixo das quaes se vêem as figuras dos Apostolos ou d'outros Santos; emfim, as vertentes da imitação de telhado são decoradas com baixos relevos. Os esmaltes servem de caixilhos aos differentes assumptos e cobrem tanto as archivoltas como as columnas das arcadas. Ha tambem urnas exclusivamente feitas de placas esmaltadas.

As urnas pequenas, muito triviaes nos seculos XII e XIII, têem a fórma d'um cofre oblongo, coberto [110] com uma tampa semelhante a um telhado de duas aguas. Compõem-se em geral de placas de cobre vermelho, esmaltadas segundo o processo do buril. Tanto as quatro faces da urna, como a tampa são adornadas de figuras e algumas vezes com assumptos completos. Merecem attenção as figuras pela gravura em relevo ou pelo seu modo de execução especial.

Sobre muitas d'estas urnas se vêem em relevo as cabeças e as mãos ou sómente as cabeças; nas mais antigas, em vez de serem simplesmente gravadas, são incrustadas de esmalte.

D'ordinario o trabalho é rude e barbaro e o desenho deixa muito a desejar com relação a correcção.

A tampa é geralmente terminada por uma lamina de cobre recortada em fórma de crista.

Pertencem em geral estas urnas ao trabalho dos esmaltadores de Limoges.

Tambem se têem encontrado urnas romanas de pedra, marfim e mesmo de madeira.

Estatuêtas, bustos, braços, pés, etc. No seculo X, começou-se a collocar as reliquias em estatuêtas, bustos, ou relicarios de metal ricamente ornamentados e imitando a fórma do corpo humano a que ellas haviam pertencido. Assim, quando queriam guardar os ossos d'um pé, ou d'um braço, dava-se ao relicario a fórma de qualquer d'estes dois modelos. Continuaram a usar-se estes relicarios durante os seculos seguintes, tornando-se bastante vulgares.

[111] Urnas de marfim. Encontram-se, com frequencia, nos thesouros das egrejas e nas collecções d'objectos antigos, cofres de marfim cobertos de esculpturas decorativas e legendarias. As que offerecem assumptos religiosos ou alguns signaes de symbolismo christão, e que por consequencia foram executadas para o serviço do culto, são extremamente raras. Isto prova que primitivamente eram destinadas aos usos profanos, por exemplo, para guarda joias. No entanto não é para admirar que se encontrem nas egrejas, pois que umas foram cedidas ás egrejas como obras artisticas offerecidas por bemfeitores generosos; outras, executadas no Oriente, serviram aos cavalleiros cruzados para trazerem as reliquias de Constantinopla e da Terra Santa. As reliquias vindas do Oriente, ficaram encerradas em pequenos cofres, adquiridos por alto preço no Egypto, na Syria e na Asia Menor. Estes pequenos cofres, que sahiam d'officinas musulmanas ou indianas, são regularmente cobertos de figuras geometricas, d'arabescos d'animaes phantasticos e algumas vezes d'inscripções Orientaes.

Frascos de crystal de rocha. D'entre os varios objectos de que os cruzados se serviam como relicarios, para trazerem reliquias para o Occidente, devemos especialmente mencionar os pequenos frascos de crystal de rocha. Estes frascos, cuja altura raras vezes excedia dez centimetros, eram ou muito simples ou com fórmas d'ani. D'entre os varios objectos de que os cruzados se serviam como relicarios, para trazerem reliquias para o Occidente, devemos especialmente mencionar os pequenos frascos de crystal de rocha. Estes frascos, cuja altura raras vezes excedia dez centimetros, eram ou muito simples ou com fórmas d'animaes phantasticos. Muitos estiveram guardados, durante o [112] periodo ogival, em ricos estojos de ouro ou de prata.

Diversos relicarios. Ha-os com diversas fórmas architecturaes imitando, em metal ou em marfim, as principaes partes das egrejas romans, e até mesmo as dos edificios civis.

Corôas suspensas nos altares. Estas corôas conhecidas com o nome de votivas eram por devoção offerecidas a Deus e aos Santos, ou em cumprimento d'algum voto. Já existiam durante o periodo latino; como então, compunham-se de um circulo de metal precioso, muitas vezes adornado com o brilho de pedrarias e de esmaltes. Fabricou-se grande numero d'estas corôas directamente para o serviço dos altares; todavia os antigos chronistas designam-nas tambem muitos como offertas feitas por reis e principes, de corôas d'ouro e de prata e que elles precedentemente cingiam como insignia de realeza.

Corôas para luzes. As corôas para luzes continuaram a usar-se durante o periodo roman e as mais bellas que a idade media nos legou são d'esta época.

Todas estas corôas, guarnecidas de torres e ameias parecem alludir á visão de que falla S. João no capitulo XXI do Apocalypse. Deus me mostrará a santa cidade de Jerusalem, que desceu do Ceu, mandada por Deus... representada por uma alta muralha, franqueada por dôze portas; vendo-se a estas portas dôze anjos, e tendo gravados os nomes das dôze tribus de Israel. As portas [113] ficavam tres ao Oriente, tres ao Norte, tres ao Sul e tres ao Occidente. A muralha tinha dôze socalcos, em que se achavam gravados os nomes dos dôze Apostolos.

Suspendiam-se estas corôas no côro proximo do altar e tambem no ponto de intersecção da nave com o transepte, quando eram muito grandes.

A corôa para luzes de Aix-la-Chapelle tem oito metros de circumferencia; é composta de oito arcos de circulo unindo-se de maneira que formam angulos reintrantes. Estes angulos são guarnecidos de lanternas em fórma de torrinhas redondas havendo, no ponto medio de cada arco de circulo, uma torre quadrada maior. Entre cada torrinha podem ser collocadas tres vellas; como são dezeseis torres, oito quadradas e oito redondas, a corôa póde receber quarenta e oito luzes em todo o seu circuito. Duas inscripções latinas se lêem em tôrno do circulo metallico, indicando a data do XII seculo em que foi dada á egreja de Aix-la-Chapelle pelo imperador Frederico Barba-rôxa.

Cruzes d'altar e para as procissões. Até ao final do XV seculo, não havia distincção alguma entre as cruzes do altar e as procissionarias ou estacionarias. A mesma cruz servia para ambos os fins; collocava-se sobre o altar fixando-a em uma peanha, trazia-se em procissão na extremidade d'uma vara comprida.

As cruzes d'altar romans, ordinariamente de cobre, de prata, ou mesmo d'ouro, têem em geral apenas uma só cruzeta; as mais antigas são de fórma [114] Trina, e cravejadas de perolas ou de variadas pedrarias. Mais tarde, no XI e no XII seculos, são então compostas com a imagem de Christo, sendo os ramos da cruz de desiguaes dimensões, isto é, deixam de ter a fórma Trina.

Grande parte das cruzes d'altar romans são de cobre vermelho adornado com esmaltes entalhados ao buril, outras compõem-se de simples laminas de cobre sobre as quaes se reproduzem em esmalte a imagem do Divino crucificado ou outros symbolos religiosos. Muitas cruzes são formadas de madeira, tendo as duas faces ou só a principal revestidas com placas esmaltadas. A imagem de Christo era representada n'estas cruzes e em alto-relevo. O perizonium, que cobre os rins e a corôa que cinge a cabeça do Salvador, são ordinariamente esmaltados e os olhos representados por fragmentos de vidro azul.

No fim do periodo roman, as peanhas em que se fixavam as cruzes para as collocar sobre o altar eram muitas vezes d'uma riqueza notavel; algumas eram de fórma triangular, a mais geral; e outras tinham quatro faces. Em cada um dos quatro angulos, d'estas ultimas, apresentam um Evangelista escrevendo textos relativos á vida ou á morte do Salvador. Queria-se d'este modo symbolisar a diffusão, pela prédica do Evangelho, da Fé em Jesus-Christo, Redemptor do genero humano.

Candelabros. Os candelabros eram em geral pequenos e terminavam na sua parte superior por uma dirandella ponteaguda. A fórma d'estes candelabros [115] do XII seculo, varía pouco; consta em geral de um pé assente sobre tres patas de leão ou em tres corpos de dragão; um nó de folhagens ou de dragões enroscados; e uma dirandella bastante concava, sustentada por tres ou quatro pequenos animaes phantasticos que se assimilham aos dragões ou aos lagartos com azas.

O contraste que existe entre os pequenos candelabros d'outro tempo e os que actualmente se empregam de excessiva altura, explica-se da seguinte maneira: deram aos candelabros e ciriaes uma tão descommunal altura que obrigaram a substituir as antigas velas de cêra por um cirial simulado e accrescentado com uma vela. Não devemos esquecer que os ciriaes se accendem em homenagem ao Crucifixo ou ao Santissimo Sacramento, e que portanto não devem exceder em altura o tabernaculo. Comprehende-se, pois, a razão por que um candelabro d'altar é maior e mais monumental que outro qualquer de sala.

Candelabros para o Cirio Pascal. Tinham uma altura bastante consideravel.

A ornamentação d'estes candelabros, destinados a sustentar o Cirio Pascal, era analoga á dos candelabros d'altar. N'elles se encontram, tanto no pé como na dirandella, os dragões e os lagartos com azas (geralmente no numero de tres), as folhagens e os florões. Em alguns, tambem se representavam varios personagens e diversos outros assumptos nas facetas do pé.

Candelabros de sete braços. Estes candelabros [116] sempre de bronze, usavam-se desde o periodo roman, e talvez antes. Destinados, sem duvida, a fazer recordar o antigo candelabro dos israelitas, são tambem muito elevados. O pé, o nó e os ramos eram ordinariamente ornados.

Os braços estão collocados, em geral, no mesmo plano, tres de cada lado da haste central e as dirandellas tambem se encontram ao mesmo nivel.

Evangeliarios. Durante o periodo roman, trataram, como até ali, de reproduzir o mais correctamente possivel o texto Sagrado; e continuaram do mesmo modo a transcrever os exemplares de luxo com lettras de ouro sobre velino branco ou côr de purpura.

As Biblias completas e os evangeliarios, isto é, os manuscriptos em que se encerra o texto dos quatro Evangelhos, são em geral ornados com um grande numero de miniaturas representando personagens e assumptos do Novo e Velho Testamentos, e até mesmo alguns factos legendarios. Todavia, nos mais antigos manuscriptos o numero das illustrações é geralmente muito menor que nos do XI e XII seculos. Encontra-se com frequencia, na parte superior de cada Evangelho, a figura do Evangelista, sentado e escrevendo o seu livro.

Egualmente se encontram na parte superior de quasi todos os Evangeliarios, miniaturas que occupam muitas paginas, consistindo em arcadas sobre columnas, agrupadas ás t Egualmente se encontram na parte superior de quasi todos os Evangeliarios, miniaturas que occupam muitas paginas, consistindo em arcadas sobre columnas, agrupadas ás tres e ás quatro, sob um arco commum que abrange toda a largura da [117] pagina; em cada arcada lêem-se series de numeros collocados uns debaixo dos outros.

Estas columnatas formam o que se chamam os canhões d'Euzebio ou de concordancia Evangelica. Foram compostas por Euzebio de Cezaréa para facilitar o estudo comparativo dos Evangelhos, e consistem em quadros que indicam, por meio de algarismos escriptos na mesma linha horisontal em duas ou mais arcadas, as citações dos Evangelhos com relação ao mesmo objecto.

São dez: o primeiro indica todos os logares communs aos quatro Evangelhos; o segundo, os que se não lêem senão em S. Matheus, S. Marcos e S. Lucas; o terceiro, o que é referido por S. Matheus, S. Lucas e S. João; o quarto, as passagens comparativas de S. Matheus, S. Marcos e S. João; o quinto, o accôrdo de S. Matheus com S. Lucas; o sexto, de S. Matheus com S. Marcos; o setimo, de S. Matheus com S. João; o oitavo, de S. Lucas com S. Marcos; o nôno, de S. Lucas com S. João; emfim o decimo, sob differentes series, o que cada evangelista escreveu de particular.

Cada Evangelho tem á margem, com tinta preta por ordem numerica, a indicação de todos os versos que o compõem; e inferiormente a cada verso está notado a encarnado o numero do canhão a que se tem de recorrer para encontrar a concordancia.

Capas evangeliarias. Durante o periodo roman as capas dos livros lithurgicos tinham ordinariamente um. Durante o periodo roman as capas dos livros lithurgicos tinham ordinariamente um comprimento dobrado ou triplicado da [118] largura. Comtudo já havia n'essa epoca encadernações que se approximavam sensivelmente da fórma quadrada, que foi a que mais tarde prevaleceu.

As capas dos livros romans são de metal e tambem de marfim; acontecendo muitas vezes reunirem estas duas materias na mesma capa, ou servindo de caixilho a uma placa de marfim quadrada ou rectangular e com relevos metallicos.

Os assumptos que mais trivialmente se encontram sobre as capas dos evangelhos são: 1.º O Salvador, sentado ou de pé, lançando a benção e collocado n'uma aureola oval; 2.º A crucificação de Christo; 3.º A Santissima Virgem com o menino Jesus; 4.º Scenas tiradas da historia do Novo Testamento.

Os symbolos dos Evangelistas occupam quasi sempre os quatro angulos das capas.

Para o fim do periodo roman, tambem frequentemente se empregaram, como capas de livros lithurgicos, placas esmaltadas, oblongas, rectangulares, fabricadas em Limoges, representando a crucificação do Senhor, com as figuras accessorias.

Thuribulos. É provavel que nos primeiros seculos fossem simples vasos com grande diametro e um peso consideravel.

Dos thuribulos anteriores ao XI seculo apenas temos conhecimento pelas pinturas das paredes e pelas miniaturas dos manuscriptos.

São d'uma simplicidade notavel; têem, como todos os que se lhes seguiram, a fórma espheroidal.

No XI e XII seculos apparecem thuribulos mais ricos.

[119] Caldeirinhas d'agua benta portateis. Estas caldeirinhas serviam para levar agua benta aos imperadores, aos reis e outros grandes personagens no momento em que entravam na egreja. Têem a fórma d'um cóne troncado e invertido.

Geralmente são de pequenas dimensões, não excedendo 20 centimetros em altura.

Tambem as ha de marfim e outras de metal. A maior parte tem exteriormente duas ordens sobrepostas de figuras em relevo, representando assumptos religiosos, figuras de Santos ou symbolos.

Pentes lithurgicos. Os padres eram obrigados a pentear os cabellos e a barba antes de celebrar o Officio Divino. O uso dos pentes lithurgicos existiu até ao XVI seculo, e ainda nos nossos dias se emprega o pente na Sagração dos Bispos.

Os pentes lithurgicos são geralmente d'osso ou de marfim e tambem algumas vezes de madeira.

Uns são maiores do que outros; os maiores são guarnecidos com duas ordens oppostas de dentes, tendo uma com mais finissimos dentes. O espaço comprehendido entre as duas ordens de dentes é em geral esculpido. Os pentes de menores dimensões têem apenas uma ordem de dentes, sendo egualmente mais ou menos ricamente esculpidos.

Cadeiras. O uso da cadeira, cathedra, foi durante, muito tempo considerado como uma prerogativa dos Papas, dos Bispos e dos Soberanos temporaes.

No fim do periodo Latino e no começo do Roman, as cadeiras, eram por vezes feitas á imitação [120] da cadeira curúl dos Romanos, a qual era formada de duas dobradiças em fórma de X, entre as quaes assentava um coxim. Os ramos das dobradiças d'esta especie de cadeiras romans são ordinariamente terminados, superiormente, por cabeças d'animaes e inferiormente por patas ou garras; como tambem succede com as cadeiras curúes mais ricamente esculpidas.

As cadeiras romans têem d'ordinario a fórma d'um cofre rectangular, não tendo costas nem tão pouco braços. Adornavam-nas com incrustações de marfim, ouro, prata ou outros metaes; eram estofadas de preciosos brilhantes e damascos. As cadeiras de costas altas são raras.

Baculos pastoraes. Desde os primeiros seculos que os Bispos empunhavam o bastão pastoral como insignia da sua dignidade. Mais tarde foi este privilegio extensivo aos abbades dos grandes mosteiros.

Os bastões pastoraes mais antigos eram de duas fórmas diversas: havia o bastão em fórma de muleta e o bastão em voluta. O primeiro, pela sua similhança com a letra T (a que os gregos chamavam tau) é conhecido pelo nome de bastão ou baculo em fórma de tau. O cabo ou travessa ordinariamente de marfim é todo esculpido.

Os baculos de voluta que ainda hoje existem, datam do XII seculo. A fórma que tinham antes d'esta epocha sabe-se pelas esculpturas, pinturas e miniaturas.

Não nos parece que se encont Não nos parece que se encontrem Bispos empunhando [121] o baculo em monumentos cuja data seja anterior ao ultimo quartel de X seculo.

No seculo XII e até mesmo já durante a ultima metade do seculo XI, é que se começaram a usar os baculos de voluta. São tambem d'esta epocha os bastões de metal ornados de pedrarias d'esmaltes e filigranas.

A voluta de quasi todos os baculos do XII seculo termina por uma cabeça de serpente ou de dragão encimada por uma cruz, ou lutando com o Divino Cordeiro armado com o signal da redempção. As volutas terminando em florão são por emquanto raras n'esta epocha, assim como tambem aquellas que têem representadas scenas historicas.

Attribue-se geralmente aos baculos pastoraes e a todas as suas differentes partes, uma significação symbolica. O baculo representa o bordão do Pastor espiritual; do Bispo na sua diocese e do abbade no seu mosteiro. A haste é recta para recordar ao Prelado a rectidão da governação; a ponteira de metal é o emblema da justa severidade com que deve reprimir os rebeldes, e a voluta recurvada symbolisa a bondade como as almas são attrahidas para o bem pelas consolações. A voluta do baculo voltada para o peito, indica a jurisdicção interna dos Abbades; voltada para fóra, mostra a auctoridade dos Prelados.

Sapatos lithurgicos. Estes sapatos, que desde os primeiros seculos são considerados como uma das principaes insignias dos Bispos e dos Abbades, tinham o nome de sandalias, sandalia, e eram em [122] geral de fórma identica. Constavam d'uma solla de coiro ordinario, d'uma gaspea e de dois quartos.

A gaspea era de coiro e recortada muito profundamente a formar uma especie de lingueta, lingua, e quatro appendices, ligulae, em fórma de orelhas atravez das quaes passavam os cordões. As seis chanfraduras, formadas por estas orelhas, fizeram dar á gaspea o nome de coiro fenestrado, corium fenestratum, por affectarem a fórma de aberturas dos rotulos de janellas.

Tanto a gaspea como os quartos tinham um grande numero de furos, os quaes bem como as chanfraduras da gaspea tinham uma significação symbolica.

As sandalias são guarnecidas, inferiormente, por uma solla e superiormente por um pedaço de cabedal chanfrado ou fenestrado, porque os pés dos prégadores devem ser resguardados inferiormente para se não sujarem nas coisas terrestres conforme as palavras do Senhor―Sacudi o pó de vossos pés―; são descobertos pela parte superior para que lhes seja relevado o conhecimento dos celestiaes mysterios, segundo estas palavras do propheta: «Desvendae-me os olhos e considerarei as maravilhas da tua Lei».

A gaspea e os quartos eram ordinariamente bordados a ouro e seda e até mesmo de pedras preciosas.

Mitras. As mitras de dois bicos eram desconhecidas até ao fim do XI seculo. D'antes os Bispos usavam algumas vezes uma corôa ou grinalda de [123] laminas de metal, cravejada de pedras, debaixo da qual elles punham um barrete pouco elevado ou um pedaço rectangular de seda ou de tela, cujas extremidades, ordinariamente bastante compridas, fluctuavam livremente sobre as costas.

No fim do XI seculo, a cobertura collocada por debaixo da corôa tornou-se mais alta de maneira que formava ou uma especie de touca ponteaguda ou dois lobulos obtusos ou arredondados e pouco tempo depois duas agudas pontas. N'esta mesma epocha foi substituido o circulo de metal por fachas de pergaminho primorosamente pintadas e as extremidades fluctuantes do pedaço de tela por duas fachas compridas e estreitas, que se chamam fanons.

Alfaias preciosas. Tecidos. Durante os primeiros seculos da éra christã, os tecidos de seda apenas se fabricavam no Oriente.

Mas no periodo roman continuou a Europa a mandar vir todos os tecidos preciosos de Constantinopla, da Grecia, da Asia Menor e da Persia.

Comtudo, no seculo IX, os Mouros introduziram a cultura do bicho de seda no Sul da Hespanha, e a começar do seculo seguinte, a pequena cidade de Almeria, situada a pequena distancia de Malaga sobre as costas do Mediterraneo, tornou-se um importante centro de industria de seda, cujos productos da Europa eram procurados.

Em seguida á expulsão dos musulmanos no anno de 1146 ou 1147, as fabricas de seda tambem se desinvolveram muito na ilha da Sicilia, e o commercio [124] de tecidos de seda tornou-se extremamente florescente e prospero, graças aos intelligentes esforços do rei normando Roger, secundado na sua empreza por operarios trazidos da Grecia na escolta d'uma expedição militar. Os tecidos d'ouro e seda, fabricados na celebre manufactura official de Palermo, e conhecida pelo nome de Hotel de Tiraz, foram os mais estimados durante toda a edade média.

Os tecidos do periodo roman, geralmente encorpados e solidos, são uns lisos e outros ornados de desenhos representando animaes, plantas, flôres e fructos, empregados apenas como decoração, sem a menor intenção de symbolismo. Os estofos produzidos pelas fabricas musulmanas, tinham tambem ás vezes inscripções arabes; aquelles cujas decorações consistiam em assumptos biblicos ou symbolos christãos, fabricavam-se em Constantinopla, na Grecia e mais tarde egualmente na Sicilia.

Bordados. Os bordados continuaram a usar-se para reproduzirem assumptos religiosos quer em medalhões quer sobre umas fitas que applicavam ás velas d'altar e aos paramentos sacerdotaes. A arte de bordar fez consideraveis progressos durante o periodo roman. Encontram-se um grande numero de passamanarias inteiramente executada á agulha «acula pictae» no XI e XII seculos.

Os bordados executados durante o periodo roman eram geralmente feitos em seda ou lã fina sobre uma talagarça de tela fina.

[125] Paramentos sacerdotaes. No principio do periodo roman eram ainda desconhecidas as côres lithurgicas, e só se começaram a empregar no IX seculo tomando um certo desinvolvimento nos seculos seguintes, ao mesmo tempo que se fixou o seu symbolismo. A côr branca e a vermelha foram as primeiras adoptadas: aquella, como emblema da innocencia e da candura, servia nas festas do Salvador, da Santa Virgem, dos anjos, dos Santos que não morreram martyres e durante a Paschoa; o vermelho, symbolo da caridade e do heroismo, foi destinado aos martyres bem como ao Pentecostes, festas por excellencia do amor.

No XII seculo duas novas côres vieram augmentar as que já se usavam: o verde, symbolo da esperança, foi empregado aos domingos e nos dias de semana em que se não celebrava festa alguma de Santo e durante o tempo que decorre entre a Epiphania e a septuagesima, entre o Pentecostes e o Advento, o preto, signal de luto, foi reservado para a sexta feira Santa e para os officios funebres.

A principio, o uso d'estas differentes côres era facultativo; porém desde o final do XII seculo e ainda mais durante o seculo XIII, tornou-se obrigatorio.

Mais tarde, tambem se introduziu o uso da côr violeta, symbolisando penitencia, para o Advento, quaresma, temporas e vigilias.

A casula conservou, durante o periodo roman a mesma fórma que até ali havia tido, isto é, [126] a d'uma veste dupla, sem mangas, e caindo livremente á roda do corpo.

As casulas mais ricas eram de seda; cravejadas de pedras, de perolas e bordadas a ouro, prata, seda ou lã, reproduzindo figuras geometricas, flôres, animaes, symbolos e assumptos religiosos. Estes ornatos espalhavam-se muitas vezes por toda a casula; comtudo, d'ordinario, apenas occupavam as bandas verticaes longas e estreitas, chamadas praetestae, listae ou augusti clavi; regularmente são duas, uma na frente e outra na parte posterior. Além do modo decorativo que ellas tinham, estas bandas serviam ainda a um fim util, a de tapar as duas costuras precisas para dar feitio ao paramento. Duas outras fachas, egualmente estreitas, passavam sobre os hombros e vinham terminar nas bandas verticaes do peito e ao meio das costas, figurando, adiante e atraz, uma Cruz em fórma de Y.

Ha casulas antigas que não têem as fachas de juncção que passam sobre os hombros e cuja decoração se resume nas duas fachas verticaes. Algumas vezes tambem estas fachas são substituidas por arvores ou plantas com muitas ramificações.

As casulas de uso diario e as das egrejas mais modestas não eram de seda, materia de um preço excessivo n'essa época, mas sim de lã, tela ou outros tecidos mais baratos.

A estola consiste em uma facha comprida e estreita, de seda, de lã ou de tela, medindo em geral 2m,70 de comprimento sobre 6 a 7 centimetros [127] de largura. Foi a partir do IX seculo, que ella tomou esta fórma e estas dimensões, que se approximam muito das que ainda hoje tem.

As estolas ricas eram ornadas de pedrarias bordadas, e placas de metal cinzeladas e esmaltadas, e terminavam nas pontas por longas franjas.

O manipulo, que d'antes consistia n'uma especie de toalha, com a qual os padres limpavam as mãos e a cara ou purificavam os vasos sagrados, só perdeu a fórma e o destino primitivo, durante o IX seculo, quando se tornou um verdadeiro paramento similhante á estola na fórma, côr e decoração.

A capa conservou, durante o periodo roman, a mesma fórma que tinha antes; especialmente reservada aos chantres e clero inferior, era feita com um tecido ordinario. Os Bispos só raras vezes a vestiam e, por consequencia, não havia capas ricamente decoradas.

A alva era de linho mais ou menos fino e algumas vezes de seda branca. Havia duas especies de alva: as alvas sem ornatos, chamadas albae purae ou simplices, e as alvas guarnecidas, albae paratae ou frisiatae. As primeiras serviam nos dias ordinarios e nas egrejas de segunda ordem; as outras eram usadas pelos Bispos e pelo clero, especialmente nos grandes dias de festa.

A decoração das alvas dos Bispos consistia apenas em certos ornatos em volta do pescoço, nas extremidades das mangas e no bordo inferior; além de duas orlas parallelas verticaes que lembram [128] as augusti clavi dos Romanos, e que descem do pescoço até aos pés, tanto na frente como nas costas.

O cinto era geralmente ornamentado com grande luxo.

Muitos tecidos preciosos se fabricaram com fio d'ouro; tendo a fórma d'uma grande fita de largura entre tres e seis centimetros, podendo-se mui facilmente assentar, em toda a sua largura, perolas, pedrarias, e placas de metal cinzeladas e esmaltadas.

O amicto é composto d'um pedaço de panno quadrado ou rectangular, que o sacerdote põe na cabeça, quando começa a revestir-se, e que depois faz descer sobre o pescoço.

Os amictos eram em geral de panno de linho. No periodo roman tambem os havia de seda, e de fio d'ouro.

No IX seculo começaram os amictos a ter um ornamento, que se conservou em uso durante toda a edade média, e que recebeu o nome de―parura plaga―e tambem, ás vezes o de―praetextae. Este adorno consistia, no seu principio, em uma tira rectangular d'ouro, de renda ou tecido de côr brilhante, que se pregava no bordo superior do amicto, e que formava em torno do pescoço uma especie de rico collar, visivel mesmo depois do sacerdote e os ministros sagrados terem revestido a casula ou a dalmatica. Algumas vezes tambem tinham como adorno perolas e pedras preciosas.

A dalmatica é o paramento sacerdotal para vestir [129] por cima, pertencente ao diacono e sub-diacono. Consistia, durante o periodo roman, regularmente n'uma especie de toga fechada muito comprida, com mangas e uma abertura para passar a cabeça. Duas faixas verticaes d'ouro ou de côr brilhante se applicavam, ás vezes, sobre a toga, prolongando-se até ao bordo inferior.

Do seculo XI em diante appareceram dalmaticas abertas nos dois lados até uma certa altura. Eram muitas vezes guarnecidas de faixas douradas em volta do pescoço, e nos canhões das mangas.

O pallium constituia entre os antigos o principal paramento de vestir por cima.

Deu-se com o pallio o mesmo que se havia dado com a estola; a parte principal, e primitivamente essencial, isto é, o manto foi supprimido, e apenas se conservou o ornato accessorio, as faixas que se lhe applicaram. Estas uniam sobre o peito e sobre as costas, em fórma de Y, da mesma maneira que as listae em certas casulas.

Durante o periodo Latino já se decoravam as faixas do pallium com pequenas cruzes gregas. Estas cruzes, pouco numerosas a principio, foram-se multiplicando insensivelmente, e desde o XI que já se contavam muitas sobre toda a extensão das faixas.

Abbadias, Mosteiros e claustros dos Capitulos


Desde o VIII seculo que se começaram a levantar estabelecimentos religiosos, compostos de numerosas [130] construcções edificadas e dispostas com arte. Havia já egrejas, edificios para alojamento e exercicios dos frades, enfermarias, escolas, bibliothecas, hospedarias para os estrangeiros, celleiros, jardins, edificações destinadas aos aprovisionamentos, emfim, habitações e officinas para as corporações d'artistas que as abbadias tinham sempre ao seu serviço.

Todos estes antigos mosteiros foram destruidos ou inteiramente modificados com o correr dos seculos.

Examinaremos as suas disposições interiores, quando tratarmos do plano das abbadias do periodo ogival.

A principio os conegos das cathedraes e collegiaes viviam em communidade como os religiosos.

Os claustros dos simples collegiaes eram ordinariamente, como os das abbadias, contiguos ás paredes meridionaes da egreja, porque a exposição ao sol do meio dia é a mais agradavel e a mais vantajosa para a saude. Por estas razões o lado sul nas cathedraes era occupado pelos palacios episcopaes, e os conegos viam-se obrigados a escolher o lado norte das egrejas, para edificarem os seus claustros.

Todavia, esta regra não era geral: existem muitos exemplos de claustros tanto d'abbadias como de capitulos occupando outros logares. Estas excepções á regra geral são devidas a differentes causas, taes como a presença de ruas ou de construcções que era impossivel supprimir, e, nos [131] paizes montanhosos, os accidentes do terreno que torneava a egreja.

Os claustros das egrejas monasticas, cathedraes e collegiaes, compunham-se ordinariamente de um pateo quadrado ou rectangular, rodeado de galerias cobertas, que serviam de passeio aos religiosos e aos conegos.

Estas galerias, abertas para o lado do pateo, eram comtudo d'elle separadas por meio de um apoio quasi continuo, sobre o qual vinham assentar as columnas com archivoltas, tornando a arcada toda contínua. Os mais antigos claustros apenas tinham uma especie de ornamentação com as galerias cobertas d'um simples alpendre de madeira, cujo madeiramento só era visivel no interior. Desde o fim do X seculo foram estes alpendres substituidos por abobadas de berço com aresta, por baixo das quaes muitas vezes tambem se construia um pavimento.

Na maior parte dos claustros romans do XII seculo, as curvas descendentes das archivoltas são sustentadas por columnas duplas, cobertas por uma perna de telhado. Algumas vezes columnas isoladas alternam com columnas duplas.

Os claustros das cathedraes e das collegiaes eram, como os das abbadias, rodeados de edificações indispensaveis para a vida commum dos conegos.

Debaixo d'essas galerias se abriam as portas do refeitorio, do dormitorio, da escola, e da sala capitular e outros locaes affectos ao serviço da communidade. Mais tarde, quando a vida commum foi [132] abandonada pelos capitulos, as habitações privadas dos conegos occuparam, em torno das galerias, o logar d'estes differentes edificios.

A iconographia, isto é, a sciencia das imagens, occupa-se das representações figuradas devidas á esculptura e, em geral, a todas as outras artes de modelar.

A gloria, o nimbo e a auréola. A gloria é um ornamento symbolisando uma nuvem luminosa, que os artistas da idade média põem em torno da cabeça ou do corpo d'um personagem, como attributo da santidade ou do poder. Quando ella não rodeia senão a cabeça, dá-se-lhe o nome de nimbo; quando rodeia o corpo inteiro, chama-se auréola.

O nimbo derivado da palavra latina (nimbus) é um adorno circular, e tambem ás vezes quadrado, oblongo ou triangular com que se costumam adornar as cabeças das figuras que representam as pessoas divinas, os santos e os homens revestidos d'auctoridade suprema, quer civil, quer ecclesiastica. É costume collocal-o verticalmente na parte posterior da cabeça. Assim como a corôa é o signal da realeza, assim o nimbo é o da santidade ou da auctoridade.

O nimbo circular ou em fórma de disco é o symbolo de Deus, dos anjos e dos Santos; comtudo, quando circumda a cabeça d'alguma das pessoas divinas, o disco é regularmente ornado com uma cruz grega, de que apenas se vêem tres ramos, pelo que se chama nimbo crucifero. A cruz do [133] nimbo crucifero deve ser vertical, e não inclinada como a cruz de Santo André X. Muitos artistas, quando se servem do nimbo, commettem um erro, contra esta regra de iconographia. O nimbo crucifero é o symbolo caracteristico das pessoas divinas, mesmo quando apenas se representam por figuras symbolicas. Assim, por exemplo, a mão, symbolo do Pae Eterno, o cordeiro, symbolo do Filho Jesus Christo, e a pomba, symbolo do Espirito Santo, representam-se sempre com o nimbo crucifero.

Os ramos do nimbo crucifero são geralmente bastante compridos e mais largos nas extremidades. O nimbo circular sem a cruz é o symbolo dos anjos e dos Santos do Novo Testamento. No Oriente tambem os Santos do Velho Testamento têem o nimbo, mas no Occidente não se segue essa pratica. As personificações das virtudes, das provincias e das cidades têem tambem o nimbo. Elle é egualmente concedido aos Papas, aos imperadores, aos reis, e aos padres quando são representados administrando o Sacramento do baptismo, por isso que elles se acham n'estes casos revestidos d'uma auctoridade suprema.

Os personagens vivos depositarios da auctoridade suprema, eram tambem adornados com o nimbo quadrado ou rectangular. O nimbo é muitas vezes substituido pela corôa que se dá ás imagens esculpidas do Salvador crucificado ou da Virgem com seu Filho.

Origem do nimbo. Os pagãos já faziam uso do [134] nimbo, para ornamentar os seus deuses e imperadores.

Assim se vê Trajano n'um baixo relevo do arco de Constantino e Antonio o Piedoso em uma moeda, confirmando o uso d'este emblema. Mas que época indicará a introducção do nimbo na iconographia christã? O nimbo parece só ter sido empregado pelos christãos depois da conversão de Constantino. Até este tempo não se conhece monumento algum authentico dos tres primeiros seculos, em que vejamos Christo ou os Santos adornados com o nimbo. Os mais antigos monumentos, de data determinada, em que este ornamento se acha empregado como signal iconographico, são os mosaicos de Roma e de Ravêna.

Ora foi da comparação d'estes differentes monumentos entre si que se conheceu terem sido as imagens do Salvador as primeiras que tiveram nimbo, em segundo logar as dos anjos, depois as dos evangelistas e seus symbolos e emfim as dos Santos e dos soberanos. As imagens de Nosso Senhor começaram a ter nimbo desde o principio do IV seculo; até ao VI seculo se vê o nimbo umas vezes simples, outras crucifero. A Santissima Virgem e os anjos começaram a ter nimbo desde os primeiros annos do seculo V, os Evangelistas e os Apostolos no meado do mesmo seculo, os Santos e os personagens revestidos de auctoridade soberana no começo do seculo seguinte.

Auréola (palavra derivada do latim aura, vento suave, sôpro luminoso) é uma especie de moldura [135] que envolve todo o corpo como se fôsse o nimbo do corpo inteiro.

Os artistas da edade média dão auréola ás tres Pessoas Divinas e á Santissima Virgem e tambem ás almas dos Santos e principalmente á do pobre Lazaro, figuradas por um pequeno corpo inteiramente nú. A alma é assim deificada no momento em que volta ao seio do Creador.

Os Santos, por mais venerados que sejam, nunca têem auréola.

Quando Deus Pae ou Deus Filho se representam sentados na auréola, os seus pés assentam em geral sobre um arco-iris, e sentados sobre um arco similhante.

Estes arco-iris são muitas vezes substituidos, o primeiro por um escabello rendilhado, e o segundo por uma especie de poltrona. Sendo a auréola mais recente do que o nimbo, caíu comtudo em desuso primeiramente do que este ultimo.

Representações da Santissima Trindade. Durante o periodo roman eram as pessoas da Santissima Trindade representadas de varios modos.

1.º―Para inculcar aos fieis o dogma da egualdade dos homens, representavam-se estes com fórmas inteiramente similhantes. Ás vezes tambem o Deus Filho se representa nos pés ou nas mãos, e o Espirito Santo é representado com a fórma d'uma pomba. As pessoas Divinas quando se representam com fórmas humanas, têem sempre nús os pés.

2.º―Tambem empregavam a representação do [136] baptismo do Senhor nas aguas do Jordão, para figurar as pessoas da Santissima Trindade.

3.º―Nos ultimos annos do periodo roman representava-se a Santissima Trindade da maneira seguinte: Deus Pae, sentado n'um throno ou sobre um arco-iris, tendo nas mãos uma cruz na qual está crucificado o Salvador; o Espirito Santo, representado por uma pomba, apparece entre a bôca do Pae e a do Filho, para mostrar que o procede tanto d'um como do outro. Este typo foi conservado durante toda a idade e mesmo até aos XVI e XVII seculos.

Comtudo, a partir do XV seculo, deixou de se symbolisar o dogma da procissão do Espirito Santo, e collocava-se a pomba ou no braço da cruz ou no hombro do Pae.

Representações das tres Pessoas Divinas. Deus Pae. Até ao seculo XI, nunca se attribuiram a Deus Pae fórmas humanas. A sua presença era apenas indicada por uma mão saindo das nuvens. Esta mão symbolica, primeiramente sem nimbo, e mais tarde com o nimbo simples ou crucifero, encontra-se nos sarcophagos e nos antigos cofres. Foi pois no XI seculo que Deus Pae começou a ser representado sob fórmas humanas.

Deus Filho. Quando tratámos da iconographia das catacumbas, dissémos que, durante os tres primeiros seculos, só se representava o Salvador, debaixo das fórmas symbolicas ou das scenas historicas. Já no IV seculo se encontram imagens isoladas do Salvador. Até ao X seculo, Christo representa-se [137] muitas vezes com as feições d'um mancebo de quinze a vinte annos, sem barba, de figura agradavel e resplandecente d'uma mocidade Divina; só excepcionalmente Christo tem barba e parece não ter mais de vinte e cinco annos. No XI e XII seculos os artistas dão-lhe uma expressão mais severa; ordinariamente apresenta barba parecendo ter trinta a trinta e cinco annos.

Deus Espirito Santo. Até meiado do X seculo foi sempre representado com a fórma d'uma pomba; mas no XI e XII seculos começou tambem a ser figurado com a fórma humana.

A cruz e a crucificação


Considerações geraes. A historia da representação da crucificação póde resumir-se dizendo que este assumpto não se encontra sobre os monumentos christãos e outros objectos do culto anteriores á conversão de Constantino; a cruz apresenta uma fórma dissimulada.

No IV seculo, a cruz fez a sua apparição na iconographia christã. Desde a conversão de Constantino foi então que appareceu sobre um grande numero de monumentos; mas até ao VI seculo ainda não tinha a imagem de Christo: era no emtanto adornada com pedrarias e ás vezes circumdada por uma auréola.

No VI seculo começam então alguns artistas christãos, ainda que timidamente, a representar o Salvador sobre a cruz. Primeiramente servem-se do Cordeiro symbolico, que elles representavam [138] de differentes maneiras com o signal da redempção. Tambem se vêem cruzes tendo ao centro, e ás vezes nas extremidades dos braços, uns medalhões com o Divino Cordeiro ou com a imagem do Salvador Triumphante.

Desde o VI até ao XI seculo representa-se o Salvador sobre a cruz com o fim manifesto de recordar o Seu Triumpho sem nunca indicar a minima idéa de soffrimento ou d'opprobrio.

Do XI ao XII seculo representa-se Christo crucificado mas Glorioso e Triumphante, apesar de ser manifesta a idéa de soffrimento.

Do XIII ao XV seculo, os artistas christãos, tendo mais ou menos em vista o symbolismo das épocas precedentes, esforçam-se por patentear realmente os soffrimentos do Divino Crucificado.

Durante o periodo do renascimento, o culto da fórma e da realidade constitue por assim dizer a unica preoccupação do artista, que, dominado pela idéa de expressar uma dôr vulgar ou de representar um corpo morto ou moribundo, perde todo o sentimento de nobre symbolismo.

A historia das representações da cruz e do crucifixo comprehende, pois, duas épocas distinctas: a primeira, que durou desde o IV ao XII seculo inclusive, tem por caracter distinctivo a representação glorificada do instrumento da Paixão e da Victima, sem signal de que se tivesse prestado voluntariamente; a segunda, que começa no XIII seculo e termina no XIX, é caracterisada pela expressão dos soffrimentos do Divino Salvador.

[139] A época do soffrimento corresponde ao periodo ogival e ao do renascimento.

No IV seculo a cruz é frequentemente encimada por um monogramma inscripto em uma corôa. Quando não tem o referido monogramma, (o que se dá principalmente desde o V seculo) ou tem os braços eguaes e mais largos nos extremos, ou é ornada de perolas em renques, ou ornada de flôres e folhagens, ou rodeiada de auréola. Ha todo o cuidado de apresentar na cruz qualquer idéa d'opprobrio ou d'ignominia; a cruz não é o instrumento de supplicio, mas sim, a cruz glorificada, o instrumento da Redempção do genero humano.

Estas diversas fórmas de cruz continuaram a usar-se até muito antes do periodo Roman.

Datam do ultimo quartel do VI seculo as primeiras imagens conhecidas do Salvador crucificado. Porém, entre a cruz simples e o Cruxifixo encontra-se uma série de monumentos intermediarios, offerecendo a cruz associada ao Cordeiro symbolico.

Estas cruzes intermediarias, partindo da cruz sem figuras animadas, ao crucifixo propriamente dito, ainda se encontram em alguns monumentos do VII seculo.

Os mais antigos monumentos conhecidos que representam Christo pregado á cruz, pertencem ao ultimo quartel do seculo VI. Taes são a miniatura do celebre manuscripto syriaco de Florença, do anno 586, e muitos objectos enviados por S. Gregorio [140] o Grande, a Theodolinda, rainha dos Longobardos e conservados hoje no thesouro de Monza. Alguns d'estes ultimos mostram-nos claramente Christo na cruz, ao passo que outros, taes como os frascos de chumbo, que continham liquidos recolhidos dos tumulos dos martyres, não fazem mais do que relacionar a imagem de Christo com a cruz, d'uma maneira muito mais sensivel do que a cruz do imperador Justino e outros objectos similhantes. Tres d'estes curiosos frascos têem ao meio da face principal, uma simples cruz folheada, acima da qual se acha o busto do Salvador entre as personificações do Sol e da Lua; aos lados da cruz vêem-se dois adoradores, os dois ladrões, a Santissima Virgem e S. João; inferiormente está figurado o Anjo e as Santas mulheres ao pé do tumulo de Christo.

No reverso acha-se a Ascensão do Senhor, nos dois lados do gargalo uma cruz grega de braços eguaes debaixo d'um arco de triumpho e inscripto n'uma corôa folheada. Sobre o quarto frasco figuram scenas symbolicas analogas: está Nosso Senhor em pé entre os dois ladrões, tendo os braços estendidos em cruz. O instrumento do supplicio, que não se vê na face principal, é comtudo representado no reverso do frasco, debaixo d'um arco de triumpho, e cercado pelas cabeças dos Apostolos inscriptas em medalhões circulares e formando uma especie de corôa. Conclue-se, pois, que o artista christão foi obrigado primeiramente a não representar a menor idéa de opprobrio e de soffrimento; [141] para isto elle transformou a cruz tornando-a de braços eguaes, ornando-a de folhagens e metamorphoseando-a em arvore da vida: quiz affirmar o triumpho alcançado com a morte, por Aquelle que morreu sobre a cruz, recordando a Resurreição e Ascensão do Salvador.

Os crucifixos primitivos não têem quasi nunca Christo esculpido em alto relevo.

Christo está vestido com um colobium ou tunica, ordinariamente sem mangas, que chega até aos pés. O uso d'esta longa veste serviu exclusivamente durante o VII seculo e generalisou-se no IX seculo. N'esta época foi substituida por uma tunica larga cobrindo os rins do Salvador.

Christo tem sempre a cabeça elevada ou ligeiramente inclinada para a direita e os braços estendidos e perfeitamente horisontaes. Os pés estão pregados separadamente á cruz por dois cravos e muitas vezes apoiados sobre um escabello, ou suppedaneum. Algumas vezes parece serem supprimidos os cravos com a intenção manifesta de significar que o Christo se offereceu voluntaria e espontaneamente sobre a cruz para a redempção dos homens.

Desde o VI seculo até ao VIII, a scena da crucifixão é muitas vezes acompanhada de personagens e outros accessorios fundados na verdade historica, mas que se representam, bem como a imagem de Christo, de uma maneira symbolica. Assim vemos a Santissima Virgem e S. João, o phariseu que empunha a lança e o que segura a [142] esponja, o Sol e a Lua, a resurreição do Salvador, o bom e o mau ladrão. Todos estes accessorios, com excepção do bom e do mau ladrão, se encontram ainda representados nos crucifixos do seculo VIII.

O sacrificio da crucifixão e os crucifixos do seculo IX até ao XII, apresentam Christo na mesma attitude que nos seculos precedentes. Os pés conservam-se ainda com dois cravos, mas afastados um do outro e assentes geralmente em um―suppedaneum.

Foi no XII seculo que appareceram os primeiros crucifixos apresentando Christo com os pés sobre-postos.

Christo poucas vezes se encontra vestido com o colobium; apenas em geral tem á volta dos rins uma toalha de linho larga e comprida, que lhe cobre o corpo desde os quadris até aos joelhos. Nos seculos XI e XII, esta toalha tem muitas vezes a configuração d'uma pequena saia que se chama―perizonium.

A Cruz tem geralmente quatro ramos.

Algumas vezes teem um rotulo, mas sem inscripção alguma; outras, nem mesmo teem rotulo, que em geral consiste n'uma pequena travessa de madeira rectangular. As inscripções costumam ser variadissimas.

Antes do seculo IX, os personagens e outros accessorios que acompanham a Cruz, são historicos, isto é, a sua presença é justificada pela narração dos proprios Evangelistas. No IX seculo começaram então a apparecer os crucifixos com figuras [143] allegoricas, taes como a Egreja, a Synagoga e as personificações da Terra e do Oceano. Vamos, pois, tratar successivamente dos principaes typos do cyclo d'estas representações, começando pelos accessorios historicos, visto que elles se empregam desde o VI seculo.

Personagens e accessorios historicos


A Santissima Virgem e S. João.―Santa Maria está á direita e por debaixo da Cruz, e o Apostolo em posição analoga, mas á esquerda do Salvador. Só muito raramente se encontram ambos do lado direito, como succede na miniatura de Florença.

Ordinariamente estão como que erguendo os braços ao Salvador ou occultam o rosto em signal de dôr com a mão núa ou escondida na ponta do manto. A Santissima Virgem tem a cabeça envolvida em um veu e os pés calçados, em quanto que S. João, de cabeça descoberta e com os pés descalços, tem nas mãos um livro.

O phariseu que empunha a lança e segura a esponja.―Ha uma piedosa tradição, desde a idade media, em que se diz que o guarda que feriu o Salvador com uma lançada, era um pagão chamado Longino, que mais tarde se fizera christão, sendo depois venerado como Santo pela Egreja.

Quasi todos os escriptores ecclesiasticos consideram Longino representado ao lado da Cruz com o typo dos gentios, em quanto que o phariseu que apresentou a Jesu-Christo a esponja embebida em vinagre parece ser um judeu.

[144] O Sol e a Lua.―No seculo VI, tambem estes astros começaram a ser representados no sacrificio da crucifixão, vendo-se o Sol á direita e a Lua á esquerda do Senhor.

A presença do Sol e da Lua n'estes primitivos monumentos, parece ter por fim recordar o obscurecimento do Sol e as trevas que subitamente se deram em seguida á morte do Salvador.

No seculo IX, a significação, ainda limitada e puramente historica d'este assumpto, foi amplificada com outra mais allegorica, desde esta epocha. O Sol e a Lua não alludem sómente á obscuridade que envolveu a terra por occasião da morte de Christo, simulam tambem o firmamento assistindo e tomando parte na morte e no triumpho do seu Creador.

N'este mesmo seculo os dois astros são quasi sempre personificados e representados por um homem e uma mulher. A personificação do Sol tem regularmente a cabeça cingida de raios luminosos, a da Lua é em geral encimada por um crescente. Uma e outra teem ás vezes um facho.

As santas mulheres chegando ao tumulo do Salvador.―Desde o VI até ao XII seculo, apparece muitas vezes, por debaixo do crucifixo, a approximação, ao tumulo, das tres santas mulheres, Maria Magdalena, Maria, mãe de S. Thiago, e Salomé. Ellas seguram jarros, thuribulos ou outros vasos, e estão diante do Anjo, sentadas, não dentro do sepulchro, como diz o Evangelho, mas diante d'elle. Muitas vezes figuram-se tambem soldados desfallecidos ou adormecidos.

[145] A reproducção d'esta scena na parte inferior da Cruz era para pôr em parallelo a humilhação e a glorificação do Salvador, a sua morte sobre a Cruz e a sua resurreição gloriosa.

A resurreição dos mortos e a sua sahida do tumulo.―Durante o seculo IX figurava-se muitas vezes ao pé da Cruz a Resurreição dos mortos que se deu por occasião da morte de Jesus Christo, segundo narra o Evangelho.

Os tumulos d'onde sahiram os resuscitados têem a forma de pequenos edificios, geralmente armados com uma capella, mais raramente d'um frontão triangular ou d'um telhado de duas aguas. Nada havia que mais se prestasse a proclamar a victoria alçada contra a morte de Nosso Senhor expirando sobre a Cruz, como a Resurreição dos mortos.

Personagens e accessorios allegoricos


A Egreja e a Synagoga. Desde o seculo IX até ao XII encontram-se, sobre a maior parte das representações do Sacrificio da Cruz, personificações da Egreja e da Synagoga. Tinham ellas por fim recordar aos Christãos a reproducção do povo d'Israel e a vocação dos infieis á Fé da Egreja Christã. A Egreja, quasi sempre á direita da Cruz, é representada por uma mulher com uma bandeira e aparando n'um calix o sangue que corre da chaga de Nosso Senhor feita no lado direito. A Synagoga é representada por uma mulher com uma bandeira e tambem ás vezes uma palma. [146] Está collocada á esquerda do Salvador com as costas voltadas para o Senhor, e algumas vezes parece afastar-se lançando olhares d'insulto e de cólera.

O Oceano e a Terra.―Os artistas romans collocavam frequentemente sobre o marfim e sobre as miniaturas dos manuscriptos, no pé da Cruz ou inferiormente a toda a composição, as personificações do Oceano e da Terra tiradas da mythologia.

O Oceano, geralmente collocado á direita do Salvador, é representado por um homem barbado, sentado sobre um monstro marinho, ou despejando uma urna; tem na mão um remo, um peixe, uma cornucopia, ou o tridente de Neptuno, e na cabeça chavelhos em fórma de serpentes, e tambem, ás vezes, trazendo azas. Defronte do Oceano acha-se a Terra com a fórma d'uma mulher, semi-nua, segurando, e até amamentando creanças ou serpentes, muito proximo d'ella; ás vezes mesmo, n'uma das mãos, vê-se uma cornucopia.

As personificações do Oceano e da Terra collocavam-se perto da Cruz, primitivamente, como acima dissemos, para exprimir a dôr que a Natureza soffreu com a morte do seu Creador; e mais tarde, para mostrar que todo o Universo partilhou da Redempção operada pela morte do Salvador.

A mão Divina e a pomba. Muitas vezes vê-se na extremidade superior da Cruz uma mão, com ou [147] sem nimbo crucifero, parecendo sair das nuvens e segurando uma corôa. Esta mão é o symbolo de Deus Pae, do mesmo modo que a pomba, que se vê sobre algumas Cruzes, symbolisa o Espirito Santo.

Os Anjos. Superiormente á travessa horisontal da Cruz e proximo do Sol e da Lua vêem-se ás vezes dois, tres ou quatro anjos, em attitude de adoração. Algumas vezes suspendem sobre a cabeça do Salvador uma corôa. Nos monumentos mais remotos (os do IX seculo), onde mais frequentemente se vêem os anjos, são estes em numero de dois e designados pelos nomes de Miguel e Gabriel: representam a Natureza angelica assistindo á morte do Salvador.

Os Evangelistas.―Anteriormente ao IX seculo, nunca se representavam os Evangelistas do lado principal aos crucifixos, mas sim nas quatro extremidades do reverso, tendo no centro a imagem da Santissima Virgem. A razão d'isto é porque n'esta epocha não se admittiam no sacrificio da Cruz senão accessorios puramente historicos.

No VIII seculo, quando na iconographia da Cruz se introduziram as allegorias e os symbolos, tambem appareceram os Evangelistas.

Encontram-se ora por cima dos braços horisontaes da Cruz, com os anjos e os astros, ora nos quatro angulos da cercadura, que forma a moldura da scena principal. Tambem ás vezes se encontram, tanto no IX como no XII seculo, no lado principal dos crucifixos, nas extremidades dos ramos.

[148] O Calix. Encontram-se crucifixos em que o suppedaneum é substituido por um calix.

É muito provavel que este calix não seja mais que o Santo Graal,[3] tão celebre na idade mèdia. O Santo Graal diz-se que servira á Ceia; foi n'elle que Jesus-Christo transformou o vinho pelo seu proprio sangue.

Adão sahindo do tumulo. Esta scena representa-se muitas vezes proximo da Cruz, para significar que a resurreição da carne é uma consequencia da morte de Christo.

O sacrificio da Cruz, desde o IX até ao XII seculo, com os seus accessorios allegoricos e historicos, deve interpretar-se: a Natureza Angelica, Celeste e Terrestre assistindo ao sublime sacrificio do Homem-Deus sobre a Cruz, onde affronta os salutares affectos; a Synagoga reprovada, a Egreja formada, a cabeça da serpente infernal esmagada, o genero humano rehabilitado e recebendo o testemunho da Resurreição da Carne.

Os crucifixos dos seculos XI e XII. Existem muitos d'estes crucifixos; apresentam os seguintes caracteres:

A imagem de Christo é, em geral, de cobre vermelho; tem, quasi sempre, os olhos de vidro azul.

[149] O perisonium, ou a toalha que cobre o corpo de Christo desde os quadris até aos joelhos, toma ordinariamente a forma d'um saiote cujas orlas são ornadas de perolas. Os Christos dos seculos XI e XII, vestidos de tunica comprida com mangas ou com o perisonium em forma de saiote, que lhe chega até aos pés, são extremamente raros.

Nos crucifixos do XI seculo, Christo está muitas vezes coroado com uma especie de gorra ou corôa real. No XII seculo, já a gorra e a corôa se tornam raras desapparecendo completamente no fim d'elle.

Os braços das cruzes que teem imagens de Christo, são geralmente ornados com esmaltes e symbolos, tanto no reverso como na frente principal.

Cruzes da Paixão e Cruzes da Resurreição. A Cruz da Paixão é formada por uma haste e uma ou duas travessas e representa ou imita as proporções das differentes partes da Cruz, instrumento de supplicio.

A Cruz da Resurreição é apenas um symbolo da Cruz Real ou da Paixão; é uma pequena cruz na extremidade d'uma haste como a que segura o Divino Cordeiro.

A Santissima Virgem. Durante os doze primeiros seculos da nossa era representa-se a Virgem umas vezes sósinha e outras acompanhada do Divino Filho.

A Virgem sem o Menino Jesus tem ordinariamente os braços estendidos e erguidos parecendo [150] orar e perto da cabeça está inscripta a sigla MPOY, isto é: Mãe de Deus. Este modo de representação, muito usado desde o IV até ao VII seculo, deixou comtudo de ser empregado nos seculos seguintes.

A Virgem com o Menino Jesus. Ha duas maneiras de representar a Virgem com o Menino. Quando a scena é imaginada para prestar homenagem a Nossa Senhora, diz-se que ella é poetica.

Quando os reis magos, por exemplo, vêem trazer os seus presentes a Jesus no collo da Santissima Mãe, a scena é puramente historica.

Durante o periodo Latino e a primeira parte do periodo Roman, o grupo historico é o mais frequente. Vemol-o em differentes scenas da vida do Senhor, principalmente na adoração dos reis Magos.

O grupo poetico póde reduzir-se a dois typos distinctos. O primeiro que chamaremos grego ou bysantino, consiste em representar a imagem da Virgem com os braços erguidos como que orando, tendo diante de si o Menino Jesus, lançando a benção, ao modo Grego, com as duas mãos, ou só com a direita. Este typo já se encontra nas catacumbas.

Os Bysantinos empregaram-se durante toda a idade media, e os Gregos ainda hoje se empregam.

O Guia da pintura (manual iconographico, adoptado pelos antigos pintores e ainda hoje seguido pelos Gregos), recommenda que se represente Nossa Senhora com as mãos erguidas e Christo [151] lançando a benção para ambos os lados, com o evangelho sobre o peito.

No outro typo do grupo poetico, a Santissima Virgem é representada umas vezes de pé com o Menino Jesus nos braços, outras sentada tendo-o sobre os joelhos.

Dá-se a este typo o nome de Occidental, não porque elle fôsse desconhecido pelos Gregos, pois que o usavam conjuntamente com o typo bysantino, mas por que foi este o unico usado no Occidente durante toda a idade média. Foi introduzido ou pelo menos generalisado insensivelmente na iconographia christã depois da condemnação de Nestorio pelo Concilio de Épheso, celebrado em 431. Este heresiarcha negava que Nossa Senhora fôsse mãe de Deus.

Para affirmar o dogma da maternidade divina de Nossa Senhora, representavam-n'a com o Menino Jesus nos braços, e muitas vezes acompanhada da inscripção Η ΑΓΙΑ ΟΕΟΤΟΚΟϚ, isto é, Santa Deipara, ou a Santa Mãe de Deus.

Em geral Nossa Senhora está sentada com o Menino Jesus sobre os joelhos, lançando a benção, pelo menos, com uma das mãos.

Durante todo o periodo Roman estas representações de Nossa Senhora e do seu Divino Filho distinguem-se por uma magestade e nobreza de sentimento como quasi se não encontra nos seculos seguintes.

A Santissima Virgem tem geralmente diante de si o Menino Jesus completamente vestido, não estando [152] entretido com sua Divina Mãe, mas sim abençoando aquelles que lhe vêem prestar homenagem. Tem nas mãos uma esphera ou mais geralmente um livro, ou um rolo, volumen, symbolo da doutrina da nova Lei dada ao mundo.

Na Grecia e no Oriente, os pintores e os esculptores cobrem ordinariamente a cabeça da Santissima Virgem com um veu; os artistas occidentaes tambem conservaram esta tradição durante algum tempo, mas, a começar do seculo IX, dão a Nossa Senhora uma corôa real e algumas vezes uma especie de gorra.

Os Anjos. Os anjos têem figurado nos monumentos christãos desde o IV seculo. Os primeiros não tinham azas. Só do V seculo em diante é que começaram a tel-as bem como o nimbo. São representados com uma longa tunica, orlada por duas faixas em fórma de clavi, e têem algumas vezes na mão um longo sceptro ou bastão, terminado por um florão ou por uma cruz. Os archanjos Miguel, Gabriel e Raphael, tambem muitas vezes são representados.

Os Anjos têem sempre os pés descalços. Symbolisava-se d'esta maneira a sua qualidade de mensageiros celestes.

Os Evangelistas e seus symbolos. O uso de representar os Evangelistas sob a fórma humana ou por symbolos, data pelo menos do IV seculo.

Sob a fórma humana encontrâmol-os primeiramente em alguns mosaicos antiquissimos e um pouco mais tarde tambem nas miniaturas dos evangeliarios. [153] Estão regularmente sentados debaixo d'um portico, tendo na sua frente um pulpito chamado scriptional, sobre o qual está desenrolada uma folha de pergaminho, com o titulo ou as primeiras palavras do seu Evangelho. Apparecem sempre descalços e ás vezes acompanhados do animal que lhes serve de symbolo.

Os symbolos mais usados dos evangelistas são os seguintes:

Os quatro rios do Paraizo. O modo de symbolisar os evangelistas pelos quatro rios: Phisonte, Géhonte, Tigre e Euphrates, tem origem muito remota. Os mais antigos mosaicos e as proprias catacumbas nos offerecem já exemplos d'esta representação. O Salvador com a fórma humana ou com a do Divino Cordeiro, apparece sobre um outeiro d'onde brotam quatro rios, emblemas dos Evangelhos, os quaes, produzidos pela fonte da Vida Eterna, trouxeram ao Universo a fertil doutrina de Christo.

Os animaes symbolicos. Os Evangelistas são muitas vezes symbolisados por quatro figuras com azas: um homem, uma aguia, um leão e um bezerro. Estes symbolos devem a sua origem ás visões do propheta Ezequiel e do Apostolo S. João. Eu vi (dizia este ultimo), em torno do throno do Cordeiro quatro animaes. O primeiro com o aspecto de um leão; o segundo, de um bezerro; o terceiro com rôsto humano e o ultimo semelhando-se a uma aguia em pleno vôo.

Os santos Padres consideraram estas visões como [154] os seguintes symbolos: o homem o de S. Matheus; a aguia o de S. João, o leão o de S. Marcos e o bezerro o de S. Lucas.

Encontram-se os animaes symbolicos mais a miudo: 1.º, sobre as capas dos evangeliarios; 2.º, nas quatro extremidades das cruzes d'Altar; 3.º, nos quatro angulos da representação do Christo em sua Gloria, como elle existe sobre as frentes dos altares, e nos tympanos dos portaes d'egreja do XI e XII seculos.

Os symbolos dos evangelistas reduzem-se a quatro sobre um unico objecto ou empregados conjunctamente n'uma pintura, ou esculptura; são regularmente acompanhados de Christo figurado com a fórma humana ou por um symbolo.

É, finalmente, da doutrina de Christo que derivam, como d'uma fonte commum, os quatro Evangelhos.

Quando se dá o caso dos animaes symbolicos ornarem os quatro angulos d'uma superficie quadrada, quadrangular ou redonda, taes como as capas dos livros, os tympanos dos portaes, as frentes d'altar ou a flabella, têem certos logares determinados pelo uso: o homem com azas (ao qual muitos auctores dão abusivamente o nome d'anjo) occupa o angulo superior direito (á esquerda do espectador); a aguia, o angulo superior esquerdo; o leão, o angulo inferior direito, e o bezerro, o angulo inferior da esquerda.

Quando collocados nas extremidades dos quatro braços da Cruz, a aguia acha-se no vertice, [155] o homem na extremidade inferior, o leão no braço direito e o bezerro no braço esquerdo da Cruz.

Os Apostolos. S. Pedro e S. Paulo eram os unicos Apostolos que durante o periodo Roman se representavam com um typo uniforme.

Desde os tempos mais remotos, que S. Pedro era representado trazendo uma Cruz, ou as chaves, e tem cabello na cabeça, emquanto que S. Paulo é calvo. Até ao XIII seculo não se encontra nos outros Apostolos nenhum attributo caracteristico. Representam-se todos do mesmo modo, com um rôlo ou livro na mão.

Os Apostolos e mesmo Judas, têem os pés descalços.

Os artistas da idade media symbolisavam com este signal iconographico a missão sublime, confiada aos Apostolos, de derramar por toda a terra a doutrina Evangelica.

Assumptos religiosos representados sobre os monumentos dos seculos XI e XII. Estes assumptos tirados quasi todos da Biblia, não eram muito variados; tinham em geral um caracter uniforme e reconheciam-se bem ao primeiro golpe de vista. Eis pois os que mais frequentemente eram reproduzidos:

1.º, a tentação dos nossos primeiros paes; 2.º, o sacrificio d'Abrahão; 3.º, a Annunciação; 4.º, a visitação da Santissima Virgem; 5.º, o Nascimento de Nosso Senhor, que já se representava sobre os sarcophagos e nas pinturas a fresco das catacumbas [156] do seculo IV; 6.º, a Adoração dos reis magos; 7.º, a degolação dos innocentes; 8.º, a fugida para o Egypto; 9.º, a exposição do Menino Jesus no Templo; 10.º, o baptismo de Nosso Senhor; 11.º, a sua entrada triumphal em Jerusalem; 12.º, a transfiguração; 13.º, a ultima ceia; 14.º, a crucifixão; 15.º, a descida da Cruz; 16.º, a Resurreicão; 17.º, as Santas mulheres no tumulo; 18.º, a Ascensão de Nosso Senhor.

Representações symbolicas das virtudes e dos vicios. Os artistas christãos da idade media estimavam muito symbolisar tanto as virtudes como os vicios. Durante o periodo Roman as virtudes representam-se sob a figura de mulheres tendo corôas, algumas vezes tambem azas, e na cabeça uma especie de gorra. O seu nome acha-se inscripto do seu lado, ou sobre qualquer objecto que conservam nas mãos; ás vezes teem mesmo um emblema. As quatro Virtudes Cardeaes;―prudencia, justiça, força e temperança―encontram-se frequentemente sobre os monumentos Romans de toda a especie.

Os vicios são figurados, ou por monstros phantasticos, ou por homens e mulheres entregues aos excessos de suas paixões; encontram-se muitas vezes sobre o mesmo monumento em concorrencia com as virtudes que lhes são oppostas.

Animaes phantasticos. Os monumentos do periodo Roman offerecem-nos a representação de numerosos animaes reaes e phantasticos.

Indicaremos alguns d'estes ultimos.

[157] 1.º O basilisco é um animal com a fórma d'um gallo, mas com a cauda semelhante á d'uma serpente. Reputa-se provir d'um ovo de gallinha chocado por um reptil. O basilisco symbolisava o demonio.

2.º A aspide é uma especie de serpente que a lenda diz estar de guarda á arvore do balsamo. Se o homem quizer approximar-se d'esta arvore para lhe colher o fructo, torna-se necessario que elle primeiro adormeça a mesma serpente pelo encanto; mas esta, para se subtrahir ao encantamento, tapa uma das orelhas com a cauda e a outra com terra, espojando-se na lama. A aspide representa os que voluntariamente deixam de attender aos mandamentos do Senhor.

3.º O griffo é um quadrupede com azas e cabeça d'aguia. Symbolisa o demonio. Vê-se muitas vezes sobre os monumentos Romans dos seculos XI e XII.

4.º A sereia é um monstro com o corpo metade mulher e metade peixe. A parte superior do corpo, que comprehende a cabeça, os braços e o corpo até á cintura, tem a fórma humana; e o resto inferior é a cauda d'um monstro marinho. Entre os Gregos e os Romanos as sereias terminavam em passaro e não em peixe; eram tres e habitavam uns rochedos escarpados entre a ilha de Capri e as costas d'Italia; os seus cantos tinham o poder de fazer esquecer aos navegadores o paiz d'onde vinham. Durante a idade media a sereia foi o symbolo da seducção causada pelos attractivos das pessoas.

[158] Tambem se encontram sobre muitos monumentos os doze signos do zodiaco, muitas vezes acompanhados com os trabalhos do anno que lhes correspondem. Eram frequentemente empregados para ornar as archivoltas dos portaes principaes das egrejas.

Doadores e doadoras. Quando os doadores e as doadoras d'um monumento queriam conservar ás gerações futuras a lembrança do seu beneficio, faziam-se representar em pequenissimas proporções, humildemente prostrados aos pés de Jesus Christo, da Santissima Virgem ou d'outros Santos.

Algumas vezes tambem os doadores se figuravam n'uma parte secundaria do monumento, apresentando a Deus ou tendo simplesmente nas mãos um modelo da egreja, do altar ou do objecto que haviam offerecido.



CAPITULO V


Summario.―Noções preliminares―Diversas fórmas de ogiva―Origem da ogiva e do estylo ogival―Periodo de transição do estylo Roman ao estylo Ogival―Caracteres d'Architectura Ogival―Observações geraes―Plano e disposição das egrejas―Systema de construcção―Materiaes e apparelhos de construcção―Esculptura monumental―Fachadas―Adros―Portaes―Pinturas―Janellas―Rosaes―Caixilhos de janellas e vidros―Vidraças pintadas―Pilares, columnas e columnasinhas―Bases de columnas―Capiteis―Caxorros e misulas―Arcadas e arcaduras―Triforium―Cornijas―Platibandas―Abobadas―Arcos butantes―Contrafortes―Gargulhas―Nichos e Docel―Madeiramentos―Telhados―Torres e campanarios―Pavimentos―Labyrintho―Pinturas das paredes―Cruzes de consagração―Altares―Tabernaculos―Cadeiras de côro―Separação do Altar-mór―Pulpito e confissonarios―Capellas funereas, tumulos, campas, Cruzes de Cemiterio―Pias Baptismaes―Pias de agua benta―Engradamentos―Orgãos―Alfaias religiosas―Calices e patenas―Custodias―Thuribulos―Relicarios―Corôas para luzes―Cruzes de altar e de procissão―Castiçaes―Estantes―Instrumentos de paz―Moldes para Hostias―Baculos―Mitras―Vestimentas sacerdotaes―Abbadias e Mosteiros―Egrejas―Claustros e Refeitorios―Sala de Capitulo―Dormitorios―Casa para hospedes―Celleiros―Prisão―Cartuxa―Hospitaes―Iconographia―O Nimbo―O Crucificado―Os Apostolos e os Evangelistas―O Dia de Juizo―Sibyllas.

Periodo Ogival


O estylo ogival, tambem chamado gothico, foi usado desde o meiado do XII seculo até ao principio do XIV. Chama-se ogival, porque differe de todos os outros estylos que o precederam, pelo emprego da ogiva. Os allemães chamam-lhe ás vezes―estylo em arco bicudo. As janellas, as arcadas, os vãos das portas, n'uma palavra, todas as aberturas são regularmente terminadas por arcos em fórma de ogiva. Devemos acrescentar que a denominação de Gothico, dada ao estylo da idade media, é uma especie de ironia da época da renascença, [160] pois que o estylo ogival nada tem de commum com os Gôdos. Foi o italiano Vasari quem primeiro empregou este epitheto como synonimo de barbaro!

Diversas fórmas de ogiva. Chama-se ogiva toda a figura formada por dois ou mais arcos de circulo, cortando-se segundo um certo angulo.

Expliquemos, segundo a ordem chronologica, as principaes fórmas da ogiva:

Ogiva obtusa. Chamada tambem Roman, quando termina superiormente em bico, muitas vezes quasi se confunde com o arco de volta inteira. Os dois arcos que a formam, têem os centros muito proximos; algumas vezes mesmo tão perto um do outro que é necessario um attento exame para distinguir o bico pouco sensivel que o distingue do arco de volta inteira.

A ogiva com esta fórma encontra-se muito frequentemente nos edificios do principio do periodo ogival, reapparecendo mais tarde, já no fim do mesmo periodo, nos monumentos dos ultimos annos dos seculos XV e XVI.

Ogiva aguda ou lanceta. É formada por dois arcos cujos centros estão situados além da corda que une as suas duas extremidades inferiores da volta do berço.

Tem o nome de Lanceta pela sua semelhança com o instrumento de cirurgia d'este nome.

Ogiva equilatera. É aquella cujos centros se acham nos dois extremos da corda, e na qual podemos por consequencia inscrever um triangulo [161] equilatero. Tambem se dá a esta ogiva o nome de ogiva traçada de terceiro ponto.

A ogiva alteada é aquella cujos arcos se prolongam inferiormente, sendo formados por dois ramos verticaes e parallelos abaixo da linha dos centros. Encontra-se muitas vezes no fundo do côro das grandes egrejas.

As tres fórmas de ogiva acima descriptas empregaram-se durante os seculos XII e XIII.

A ogiva de terceiro ponto é a que tem os centros dos arcos situados no terceiro ponto da linha dos centros ou corda, e está dividida em tres partes eguaes. Chama-se effectivamente ogiva de terceiro ponto, por isso que se colloca a ponta do compasso no terceiro dos pontos de divisão da corda.

É para notar que muitos auctores, aliás muito recommendaveis, não mencionam a ogiva formada por arcos cujo centro se encontra a um terço da corda; a razão d'isto é porque consideram a ogiva equilateral como de terceiro ponto.

Esta ogiva começou a apparecer no fim do XIII seculo e generalisou-se bastante nos seculos XIV e XV.

A ogiva inflexa descreve-se por meio de raios partindo de quatro pontos e produzindo duas curvas junto á corda e duas outras curvas em sentido inverso no vertice.

O extradorso d'esta ogiva bem como o da fórma seguinte é convexo na parte inferior e concavo na superior.

A ogiva em fórma de chaveta apenas differe da precedente por ser mais achatada.

[162] Estas duas ultimas fórmas usaram-se durante os XV e XVI seculos.

A ogiva inflexa serve muitas vezes de coroamento a um arco de terceiro ponto, durante a primeira metade do seculo XV, ou em chaveta, durante a segunda metade do seculo XV e principio do XVI.

A ogiva formada meia convexa e meia concava é traçada como a ogiva em chaveta, com raios que partem de quatro centros differentes, mas inversamente; o extradorso do arco é concavo inferiormente e convexo no vertice. Encontra-se esta ogiva, ainda que raras vezes, em alguns monumentos dos seculos XV e XVI.

O arco Tudor, assim chamado, porque tomou o nome dos reis, que estavam no throno de Inglaterra na epoca em que o seu uso se generalisou n'este paiz; é formado por quatro arcos cujos centros se acham todos dentro do espaço da ogiva. Ha uma fórma mais aguda, que é a que se vê em monumentos inglezes de uma grande parte do seculo XV; a outra forma mais abatida só foi empregada no fim do XV seculo, e no principio do XVI. Os inglezes chamam á primeira, arco de quatro centros, e á segunda arco abatido. Ha ainda muitas fórmas intermediarias entre estes dois extremos.

Origem da ogiva e do estylo ogival. Os archeologos não concordam uns com outros sobre a origem da ogiva. A opinião que parece mais provavel, attendendo a que os monumentos do Oriente exerceram certa influencia sobre a introducção da [163] ogiva na architectura da Europa no meiado do XII seculo, considera como um producto do genio Occidental a applicação logica e systematica da ogiva nas construcções executadas no Occidente desde essa epoca. A ogiva appareceu na Europa poucos annos depois da primeira cruzada.

É possivel que esta forma architectonica fosse como outras muitas cousas, introduzida no Occidente pelos cavalleiros cruzados, quando regressaram das suas longiquas expedições. Empregada a ogiva no principio como pura phantasia e como um novo modo de ornamentação, quer para formar os vãos das portas e janellas, quer para decorar as arcadas, as paredes lisas e por baixo das cornijas, tornou-se mais tarde o ponto de partida para o bello estylo da architectura cujo nome se ligou ao XIII seculo e cujo desenvolvimento methodico pertence exclusivamente á Europa Occidental.

Este estylo rapidamente attingiu um subido gráo de perfeição, devido ás numerosas egrejas parochiaes, collegiaes, monasticas e cathedraes, que foram fundadas, construidas ou reconstruidas e augmentadas nos seculos XIII e XIV.

A palavra ogiva nem sempre teve a mesma accepção, que nos nossos dias se lhe attribue. Outr'ora designava as nervuras salientes que se cruzam em uma abobada, seja qual for a curvatura em arco de circulo, em ogival, d'estas nervuras. Só depois do principio do seculo XIX é que este termo foi empregado para designar o arco terminando em ponta, conhecido agora pelo nome de ogiva.

[164] Divisões do periodo ogival. O periodo de treze seculos e tres quarteis, durante o qual reinou na Europa Occidental o estylo ogival, póde ser dividido em tres grandes epocas, tendo cada uma caracteres distinctos.

As denominações francezas de estylo em lancetas, radiante, são tiradas da fórma das janellas, assim como o nome de perpendicular, dado em Inglaterra, no terciario do seculo XV.

O estylo ogival não foi introduzido ao mesmo tempo em todos os paizes, nem mesmo em todas as partes do mesmo paiz. Nasceu e desenvolveu-se rapidamente, no meado do XII seculo, nos arredores de Paris.

O primeiro monumento que appareceu do estylo ogival, foi a fachada occidental da abbadia de S. Diniz, perto de Paris, construida entre 1135 e 1140. Foi introduzido em Inglaterra, Allemanha, Hespanha e mesmo n'algumas partes da Italia, por constructores formados em França.

Periodo de transição do estylo Roman para o Ogival


A substituição do estylo ogival pelo roman não se fez em um dia, foram precisos muitos annos para a operar. Foi esta epoca de transformação que recebeu o nome de periodo de transição entre os dois estylos. A duração não foi a mesma em todos os paizes, elle começou mais cedo n'um paiz do que n'outro.

Os monumentos do periodo de transição distinguem-se quasi todos pelo emprego simultaneo do [165] arco de volta inteira e da ogiva. Esta combinação consegue-se por dois modos:

1.º Por simples juxtaposição, quando a ogiva isolada se acha n'um mesmo monumento ao lado d'um arco de volta inteira. Nos edificios de transição, vêem-se muitas vezes aberturas de forma circular nos pavimentos inferiores, que são os mais antigos, emquanto que, nos demais andares, se vêem aberturas ogivaes; porém mais raramente se vêem voltas inteiras nas divisões elevadas d'um monumento, tendo vãos ogivaes nas inferiores.

2.º Como decoração, quando duas ou muitas ogivas estão comprehendidas debaixo de uma só volta inteira. Este modo de reunir a ogiva ao arco circular encontra-se principalmente nas janellas e nas arcadas. Tambem se vêem ás vezes dois ou muitos vãos de volta inteira emmoldurados n'uma ogiva.

3.º Quando arcos de volta inteira produzem ogivas, entrecruzando-se reciprocamente.

Uma outra particularidade que muitas vezes se observa nos edificios de transição, é a união da esculptura da ornamentação roman com a ogival.

Caracteres da architectura ogival


O estylo ogival seguiu principios até então desconhecidos e um methodo novo e constante nas suas deducções.

A fórma dada a um objecto era conforme a construcção, resultante não d'um capricho ou d'uma phantasia, mas d'uma necessidade real.

[166] Segue-se que a ornamentação não se applica indifferentemente e sem razão sobre as differentes partes d'um monumento. D'ella nos servimos ou para chamar a attenção sobre uma principal parte da construcção, ou sobre um ponto importante d'um objecto, ou para dissimular um obstaculo.

Um outro caracter distinctivo do estylo ogival é que os seus monumentos estão, como se diz em termos de architectura, na escala do homem, isto é: que em toda a construcção, grande ou pequena, ha certas partes em harmonia com a estatura humana e, por consequencia, tendo pouco mais ou menos sempre as mesmas dimensões.

Os caracteres notaveis do estylo ogival, que nós acabamos de assignalar em poucas palavras, encontram-se principalmente nos edificios construidos na edade media, no Noroeste da Europa.

Durante o periodo Roman os architectos e os operarios habilitavam-se nas grandes obras das abbadias.

O clero secular, e até mesmo os particulares ficaram sob a direcção de Bispos protectores das artes, taes como Egberto de Tréves (977-993) e S. Bernardo de Hildesheim (993-1022) tomaram tambem uma grande parte na direcção dos movimentos artisticos.

No XIII seculo as corporações seculares apoderaram-se da pratica da architectura, e desde este momento, tod No XIII seculo as corporações seculares apoderaram-se da pratica da architectura, e desde este momento, todos os grandes monumentos, quer religiosos, quer profanos, foram construidos por mestres praticos.

[167] Plano e disposição das egrejas. Plano no rez-do-chão.―Grande parte das egrejas ogivaes apresentam, na planta, a fórma d'uma cruz latina, cujo vertice figurado pelo côro, é voltado para o Oriente. Em algumas, nota-se sensivelmente um desvio grande no eixo do côro com relação ao da nave principal. Este desvio, que em geral só tem logar no Norte e raramente no Sul, symbolisa provavelmente a inclinação da cabeça do Salvador sobre a Cruz no momento em que deu o ultimo suspiro.

A orientação symbolica das egrejas, introduzida desde os primeiros seculos do Christianismo, foi observada escrupulosamente durante toda a edade media, e mesmo na epoca da renascença. Foi só nos primeiros annos do nosso seculo que a orientação começou a desapparecer.

Um pequeno numero d'egrejas tem o plano quasi rectangular.

No Sul e no Oeste da França muitas grandes egrejas do XIII seculo apresentam uma vasta nave unica sem naves lateraes, tendo contrafortes interiores para sustentar o esforço da abobada principal, que é d'aresta com nervuras.

Encontram-se, principalmente na Allemanha, egrejas com duas naves. Quasi todas foram construidas por religiosos d'ordens mendicantes, taes como os Dominicanos e os Franciscanos. No seculo XIII tambem os Jacobinos ou Dominicanos construiram egrejas de duas naves em Paris e no Sul da França.

As grandes egrejas do XIII seculo compõem-se [168] de tres, de cinco e até mesmo de sete naves. Na Europa Central e Meridional, na França e na Belgica, o côro tem geralmente a fórma polygonal, emquanto que na Inglaterra elle é muitas vezes rectangular e terminado por uma parede liza. No continente, apenas excepcionalmente se encontra esta disposição no côro d'algumas grandes egrejas, a não ser nas extremidades do transepte.

No final do periodo Roman, tinha-se começado em França a dispôr capellas absidaes no côro das grandes egrejas. Este uso manteve-se durante todo o periodo ogival, e as capellas tomaram grandes proporções. As primeiras que se chamam absidaes, irradiam em torno da capella-mór; as outras ao longo das paredes lateraes: exemplo a Sé de Lisboa.

Notar-se-ha tambem que na cathedral d'Amiens, conforme o uso muito geralmente seguido em França e em outros paizes, a capella-mór é muito mais vasta do que as outras. Encontram-se egualmente, no côro das cathedraes inglezas do XIII seculo, capellas da Virgem, com a simples differença que são em geral muito maiores do que as do continente e construidas sobre plano rectangular.

Na Belgica, os córos das grandes egrejas do XIII seculo estão ás vezes, como succede em França, rodeados de capellas collateraes, dando a volta completa ao côro, e limitadas por capellas construidas em parte sobre plano rectangular e em parte sobre o polygonal; mas em geral são pequenas e o seu numero mais restricto do que nas cathedraes francezas.

[169] Estas capellas constroem-se entre os contrafortes, que as dissimulam.

O plano das egrejas do XIV e do XV seculos conserva pouco mais ou menos a mesma disposição que durante o precedente seculo. A unica mudança importante, que geralmente se nota, consiste na addição de pequenas capellas ao longo das paredes lateraes das naves.

As capellas são estabelecidas sobre um plano rectangular entre os contrafortes, parecendo como que formar uma segunda nave collateral ao lado da primeira. Na mesma época, juntou-se muitas vezes, aos edificios do XIII seculo, ao longo das naves lateraes, capellas construidas fóra do primitivo plano.

Estas addições tornavam-se precisas pelo grande numero de capellanias fundadas nos seculos XIV e no XV. Pelo mesmo motivo se acrescentaram altares entre as pilastras das egrejas.

Disposição acima do solo, e aspecto exterior das egrejas. As egrejas d'uma só nave―apresentam sempre uma secção rectangular. Nos edificios abobadados os contrafortes têem muitas vezes uma grande importancia apresentando maior saliencia sobre a parede do edificio tanto no interior como no exterior. Quando os contrafortes estão construidos no interior, estabelecem-se regularmente, entre estes contrafortes, capellas fazendo corpo com a egreja: como na de S. Vicente em Lisboa.

As egrejas que têem tres ou um numero impar de naves, podem dividir-se em duas classes conforme [170] fôr a nave do meio mais elevada ou da mesma altura que as paredes lateraes.

A primeira classe comprehende as egrejas cuja nave do meio é notavelmente mais elevada do que as paredes dos lados. As egrejas com esta fórma são as unicas conhecidas na Europa Occidental e Meridional, isto é, na Belgica, na França, na Inglaterra, na Hespanha, na Italia e em Portugal. A sua nave mais alta é coberta com telhado de duas aguas inteiramente independentes, emquanto que as paredes dos lados têem muitas vezes um terraço ou um telhado de fórma de alpendre e a sua inclinação approximando-se sensivelmente da linha horisontal; ás vezes tambem são cobertos com repetidos pequenos telhados de duas vertentes, ficando perpendiculares á nave e terminados por empenas.

Abrem-se regularmente nas paredes lateraes da grande nave, janellas que deitam para cima dos telhados lateraes.

A segunda classe compõe-se das egrejas cujas naves se elevam á mesma altura. Estas egrejas são proprias da Europa central; encontra-se um grande numero d'ellas, conjunctamente com alguns edificios da primeira classe, na Allemanha, Austria e Hungria.

Os Allemães deram ás egrejas tendo nave de egual altura o nome de egrejas-mercado, sem duvida porque ellas parecem formar uma vasta salla, um hall inglez, devido á elevação uniforme das suas naves. O seu aspecto exterior tambem differe sensivelmente do das egrejas belgas, francezas e [171] inglezas; as tres naves são cobertas por um telhado unico de duas aguas, e, por conseguinte, a nave central não recebe luz directamente, como nas egrejas de primeira classe; a luz só lhe penetra pelas janellas lateraes; todavia estas, altissimas em consequencia da grande elevação das paredes, compensam bem a suppressão das janellas superiores introduzindo a luz na nave central.

No fim do periodo ogival encontram-se, particularmente na Austria e Hungria, egrejas com esta fórma, cujas paredes lateraes são um pouco menos elevadas que a nave do meio.

Tambem se construiram, na época do renascimento, egrejas com naves da mesma altura.

Egrejas da Flandres maritima. Encontram-se em muitas cidades e aldeias da Flandres Occidental, egrejas cujas disposições differem notavelmente das que se construiram no resto da Europa. Apesar de se assimilharem ás precedentes, de tres naves da mesma altura, não se devem de modo algum confundir com as egrejas allemãs, com as quaes se parecem á primeira vista por terem as naves da mesma altura; não têem nada mais de commum entre si.

Construidas em geral sobre um plano rectangular, compõem-se d'uma nave principal fechada por paredes d'egual extensão; não têem transepte ou, se o têem, não produz saliencia alguma no exterior das paredes.

As abobadas de pedra ou de tijolo são substituidas, mesmo nos grandes edificios, por tectos [172] curvos formados de madeira com divisões visiveis, pintados e até com obra de talha, e deixando vêr as peças do madeiramento.

A cobertura das egrejas é formada por tres telhados de duas aguas da mesma altura pouco mais ou menos; resultando não ter a nave principal janellas altas e ser a fachada sempre terminada por tres empenas da mesma altura.

O plano das capellas.―As capellas construidas durante o periodo ogival não têem ordinariamente transepte e são construidas sobre plano rectangular.

O côro termina no lado Oriental por um abside polygonal ou uma parede lisa. As capellas das egrejas conventuaes compõem-se geralmente de tres naves, emquanto que as pequenas capellas não têem regularmente senão uma.

As construcções ogivaes não apresentam em geral symetria, e o mesmo se nota no traçado do plano e nos caracteres architectonicos. Estas irregularidades provêem de duas causas principaes. Em primeiro logar os architectos d'esta época, sem desprezarem a symetria, não a consideraram propria das conveniencias, necessidades e harmonia geral.

Algumas vezes tambem, vindo a faltar-lhes os recursos com que contavam no principio dos trabalhos, viam-se forçados a alterar o plano primitivo e supprimirem-lhe certas partes. Emfim, muitos monumentos foram construidos muito lentamente, o que deu logar a que as suas differentes partes fossem successivamente construidas, apresentando [173] sempre por esse motivo cada uma d'ellas os caracteres architectonicos em voga na occasião da sua construcção.

Systema de construcção.―Os grandes monumentos edificados pelos romanos no tempo da republica e sob os imperadores, formavam, pela estabilidade dos seus pontos d'apoio, condensação e cohesão perfeita dos seus materiaes, massas solidas capazes de resistir ao peso, e, em caso de necessidade, á pressão das abobadas, que eram formadas de peças homogeneas, concretas e sem elasticidade.

Em substituição da abobada romana os architectos romans empregaram pouco a pouco a abobada de nervuras, cuja construcção assenta sobre o principio da elasticidade e do equilibrio das forças. O plano quadrado era o escolhido para as suas edificações; mas quando se tratava de neutralisar a pressão lateral exercida por esta abobada sobre os seus pontos d'apoio, ou quando era preciso construir uma abobada sobre um plano que não fosse quadrado, entregavam-se então a experiencias cujo resultado nem sempre correspondia á espectativa.

Os architectos do periodo ogival realisam grandes progressos na construcção das abobadas. Primeiramente cobrem os edificios servindo-se das abobadas de nervuras, superficies cujos planos são parallelogrammos, trapesios, pentagonos e mesmo polygonos irregulares; depois, resolvem d'um modo completo o problema tão difficil da estabilidade [174] das abobadas, pelo principio do equilibrio das forças. Empregam a abobada, não como uma crosta homogenea e inerte, mas como uma serie de paineis de superficies curvas ou de triangulos de enchimento independentes uns dos outros e limitados por nervuras apparelhadas e flexiveis. Ás pressões obliquas d'estas abobadas, oppõem resistencias activas, em vez de obstaculos passivos, e transportam a resultante de todas as pressões obliquas e contrarias para os contrafortes exteriores, que fazem rigidos e firmes, dando-lhes uma base muito ampla e carregando-os com um consideravel pezo.

As nervuras das abobadas com os seus pontos d'apoio, isto é, as columnas, os contrafortes e algumas vezes os arco-butantes, compõem a ossada, o esqueleto de todo o grande edificio ogival. As outras partes da construcção, que formam o revestimento d'esta ossada, desempenham o logar de simples tabiques: as janellas occupam, entre os pontos d'apoio das abobadas, o maior espaço possivel, e as paredes pouco espessas são ornadas de arcadas que ainda as tornam mais delgadas. As janellas e as paredes podiam ser supprimidas sem que a construcção principal soffresse o menor prejuiso.

Materiaes e apparelhos de construcção. Tanto durante o periodo roman, como durante o ogival, se procuravam os materiaes precisos o mais proximo possivel do logar em que se fazia a construcção. Com effeito o transporte, ainda n'este tempo, offerecia [175] grandes difficuldades por causa da ausencia completa de estradas viaveis. Os materiaes empregados são em geral de pequenas dimensões, porque os instrumentos para os extraír, transportar e assentar eram insufficientes em comparação com as poderosas machinas de que dispomos em nossos dias.

Quando não havia pedreiras para explorar, serviam-se de tijolos.

Esculptura monumental. Durante o periodo roman, a esculptura d'ornato consistia em figuras geometricas, animaes monstruosos, e tambem ás vezes de imitação de vegetaes. Durante a segunda metade do seculo XII, teve logar uma revolução completa na esculptura ornamental; as palmas, as folhagens, os galões e as figuras geometricas, os cordões entrelaçados dão logar aos vegetaes indigenas; n'uma palavra, tudo o que não é inspirado pela flora do paiz desapparece.

Os primeiros artistas que se entregam ao estudo das plantas indigenas para as reproduzir na esculptura d'ornato, não procuram imitar fielmente nas suas obras os vegetaes que têem á sua vista; mas antes os interpretam a seu modo, isto é, apoderam-se dos caracteres principaes com que se inspiram e compõem a largos traços a sua esculptura monumental.

Os artistas entendem que a arte para ser bem apreciada não consiste na reproducção escrupulosa como se fôsse photographia da natureza real, mas sim na expressão do real idealisado e transformado pela imaginação do esculptor.

[176] Esses artistas introduziram no centro e no norte da França este novo estylo de esculptura monumental durante a segunda metade do seculo XII; e os seus imitadores nas outras partes da Europa, no principio do seculo seguinte, limitaram-se em principio a imitar nas suas obras as plantas mais humildes dos bosques e dos campos na occasião em que dão os seus primeiros rebentos, quando os botões apparecem apenas meio abertos ou n'uma palavra quando começam o seu primeiro desenvolvimento. Ha um exemplo bem conhecido d'esta ornamentação vegetal rudimentar nos mais antigos crochetes de capiteis e nas rampas dos edificios que se usaram no final do seculo XII e principio do XIII.

Estes crochetes primitivos terminam enroscados de folhagem, semelhando-se bastante com os rebentos das plantas que brotam da terra.

Entretanto os esculptores vão progredindo; depois de haverem applicado as suas inspirações ao estudo do primeiro desenvolvimento dos mais modestos vegetaes, abandonam estes humildes modelos, para em seu logar applicarem as folhas completamente formadas, as flores e os fructos das arvores, dos arbustos e das plantas herbaceas, mais graciosas.

Procuram reproduzir a vinha, a hera, o acre, o azevinho, a roseira brava, a figueira, o carvalho, a pereira, o nenuphar, as campainhas, o rainunculo, o morangueiro, o trevo, o platano, a salsa, etc. Todavia esta transformação não se operou bruscamente, [177] mas a pouco e pouco e por successivas transições: na flora monumental, bem como na flora natural, á maneira que os tempos passavam, os renovos abrem, as folhas desdobram-se, os botões tornam-se em flores e produzem fructos. Foi n'esta epoca que na França (no final do XII seculo, e até mais tarde) os roulamentos primitivos das crochetes se abrem dando logar a florões e ramos de folhagens inteiramente desenvolvidos.

Progredindo sempre, os esculptores do seculo XIV abandonavam pouco a pouco a nobre e graciosa simplicidade que os do seculo XIII costumavam imprimir a todas as suas obras; entregam-se apaixonadamente á imitação da natureza real e escolhem de preferencia as plantas d'um modelo exagerado; reproduzem-nas com uma rara perfeição, mas exageram-lhes as ondulações e contornos. Estas ondulações, que constituem um dos caracteres que distinguem a esculptura do seculo XIV, encontram-se já algumas vezes, ainda que poucas, durante a segunda metade do seculo XIII.

As esculpturas do seculo XIV são muitas vezes inferiores ás do XIII, porque são menos francamente executadas e carecem de simplicidade nos contornos e no modelado; finalmente já visam muito a produzir effeito. O seculo XIV no entanto produziu obras esculpturaes de grande merito.

A esculptura monumental no seculo XV caminha cada vez mais para o affectado. Toma as plantas com folhagens m A esculptura monumental no seculo XV caminha cada vez mais para o affectado. Toma as plantas com folhagens muito recortadas, taes como o cardo, a folha do repolho, etc. e para as imitar exagera-lhes [178] as profundas chanfraduras e os lóbulos angulosos das folhas.

Estas esculpturas são finas, delgadas e excessivamente vasadas.

Um ornato muito frequente do XV seculo em diante e que principalmente se vê nas açafatas dos capiteís, é o que vulgarmente se chama folha de repolho por causa da sua semelhança mais ou menos com a sua folha enroscada.

Tambem se vêem representados na esculptura decorativa do periodo ogival, assumptos historicos, legendarios e symbolicos bem como animaes reaes e phantasticos. Estes animaes e as figuras grotescas, algum tanto raras no interior dos edificios, encontram-se comtudo bastante na decoração exterior dos monumentos, como carrancas, modilhões e até algumas vezes ornatos em substituição dos crochetes de rampa.

Durante todo o periodo ogival, as esculpturas eram completamente concluidas antes de se collocarem.

Os esculptores de imagens terminavam as suas obras na casa do trabalho, e eram collocadas no seu logar pelos alveneos. Um esculptor nunca subia a um andaime.

Fachadas.―As faces exteriores dos monumentos da edade media são a expressão exacta das disposições interiores.

Em consequencia d'este principio, as fachadas occidentaes das egrejas reproduzem no conjuncto o córte transversal das naves. Além d'isso, como [179] a fórma d'este córte é pouco mais ou menos a mesma em quasi todas as egrejas ogivaes, resulta d'isso, que o aspecto geral de muitas fachadas é d'uma grande semelhança. Apezar d'esta semelhança no conjuncto geral e dos contornos exteriores, a disposição e a ornamentação das fachadas são extremamente variadas. As mais bellas fachadas ogivaes são sem duvida as das grandes cathedraes francezas. Compõem-se em geral de muitas zonas horisontaes e parallelas; o pavimento terreo tem tres portaes, que dão ingresso para as tres naves; o central, que é a porta principal, é mais largo e ornado mais ricamente que os outros dois.

As fachadas das grandes egrejas inglezas e allemãs (excepto a de Colonia), não têem ornamentações tão vistosas como as cathedraes francezas. A disposição é menos regular e a ornamentação destituida ás vezes de bom gosto. Grande numero das egrejas allemãs têem só na fachada Occidental duas torres em cada lado.

Na Belgica poucas egrejas têem tres portaes; geralmente na fachada principal ha apenas um. As rosaceas, que são tão vulgares nas fachadas francezas, raramente se vêem nas egrejas da Belgica.

As fachadas das egrejas ruraes são sempre de uma grande simplicidade. Em geral tem um campanario, e apenas uma porta ao centro da fachada e uma ou tres janellas no frontispicio.

Alpendres. Quasi todas as grandes egrejas ogivaes apresentam um ou muitos alpendres, collocados adiante da fachada Occidental, ou das entradas [180] lateraes. Em muitas egrejas romans foi addicionado o alpendre na epocha ogival.

Os alpendres contiguos á fachada principal das egrejas ogivaes ou os construidos debaixo do campanario, que limita esta fachada, quasi se não encontram em França desde o seculo XIII. Ainda são mais raros na Belgica, Allemanha e Inglaterra.

Durante o periodo ogival, muitos alpendres se construiram adiante das entradas lateraes. Os mais bellos monumentos d'este genero são os alpendres ao Norte e ao Sul da Cathedral de Chartres, que datam dos primeiros annos do seculo XIII. Na Belgica tambem ha alguns alpendres lateraes notaveis, compostos d'um ou dois vãos na frente e vedados por tres lados, estando ornados no interior com estatuas collocadas sobre misulas e coroadas de doceis. Tambem se construiam, mas raramente, alpendres abertos em tres lados ou vedados por frestas nos dois lados.

Portaes. Na França e mesmo em Colonia as cathedraes e as grandes egrejas ogivaes não têem geralmente alpendres adiante da fachada principal, mas os portaes formam de per si verdadeiros alpendres, que são cuidadosamente adornados.

Os portaes principaes das grandes egrejas francezas do seculo XIII distinguem-se pela riqueza extraordinaria das esculpturas de todos os generos com que são adornados. Apresentam grandes vãos que se abrem do interior para o exterior e divididos em duas partes eguaes por uma parede.

Na fachada de Notre-Dâme de Paris vê-se, em [181] frente d'essa parede e sob um docel, uma grande estatua representando o Salvador deitando a benção, a Santissima Virgem com o seu amado Filho, e tambem ás vezes o orago da Egreja. A base d'essa parede e os rodapés dos vãos são ornados com baixo-relevos.

Os tympanos são regularmente divididos em tres partes horisontaes, onde se figuram em relevo assumptos religiosos, estatuas de grandes dimensões, que em numero consideravel guarnecem as paredes verticaes dos portaes, emquanto que as curvas das abobadas recebem muitas ordens parallelas de estatuetas collocadas debaixo de doceis.

Todas estas esculpturas representam Santos e factos tirados da historia do Velho e Novo Testamento, da lenda e de certos dogmas da Fé.

Os arcos dos portaes, das janellas e das empenas são, algumas vezes, ornados tambem interiormente, d'um appendice chamado redente; este ornato tambem ás vezes se encontra no intradorso das grandes arcadas, ligando as columnas que separam as naves das paredes lateraes das egrejas.

Os redentes são recortes em fórma de dente ou de bicos, que guarnecem o intradorso d'um arco. Tambem se applicou este mesmo nome a uns ornatos analogos, que se collocam sobre as prumadas das empenas.

Nos edificios do seculo XIV, os portaes são ainda bem delineados, todavia já não têem a grandeza que caracterisa os do seculo XIII. Os perfis das [182] molduras são agudos e muito multiplicados; a estatuaria, abandonando a nobre simplicidade, preoccupou-se em cogitar formas affectadas, e por isso mesmo a arte declina. Apesar d'estes defeitos, os grandes portaes das egrejas do seculo XIV têem ainda verdadeiro merito quanto á composição e outras qualidades que debalde se procuram nos monumentos dos seculos posteriores.

Os grandes portaes dos seculos XIV e XV têem as mesmas disposições geraes que os do seculo precedente, com a simples differença de que as columnas cylindricas que formavam os vãos dos portaes e que sustentam as archivoltas são substituidas por molduras prismaticas, ordinariamente sem capitel, e que prolongando-se constituem por si só as archivoltas. Estes portaes occupam espaço profundo, porque são regularmente construidos entre dois contrafortes salientes da fachada.

O pilar que separa o portal, e o tympano dos grandes portaes do XIV e XV seculos, tem sempre estatuas de Santos debaixo dos doceis e apoiando-se sobre misulas primorosamente esculpidas. Desapparecem as estatuas em muitos monumentos.

Ordinariamente os vãos ogivaes dos portaes e muitas vezes os da entrada dos alpendres, são emmoldurados por um contorno em forma de empena.

Nos seculos XIII e XIV, este feitio representa a extremidade d'um telhado de duas vertentes com a inclinação d'um angulo que varia entre 45 e 90 gráos. No XV seculo, os vãos de todos os portaes grandes e pequenos, e algumas vezes tambem os [183] das janellas, são formados por ogivas ou por contracurva.

No seculo XII, as inclinações das empenas são quasi sempre ornadas de colchetes enroscados; desde o principio do seculo XIII, os enroscamentos ou extremidades d'estes colchetes desdobram-se e transformam-se em florões. Os colchetes são substituidos, no seculo XIV, por folhas de extraordinaria grandeza, que muitas vezes se designam ainda pelo nome de colchetes, redentes ou animaes phantasticos; nos seculos XV e XVI apparecem as folhas de repolho.

Estes ornamentos pouco numerosos e muito espaçados no XIII seculo, multiplicam-se e approximam-se á medida que a arte ogival vae em decadencia. O vertice das empenas ou das ogivas inflexas que substituem as empenas do XV seculo, termina ora por um florão, ora por uma estatua assente sobre uma quartella, em fórma de sóco.

Os portaes de segunda e terceira ordem offerecem mais simplicidade do que os outros que acabamos de descrever. Não têem pilar de separação e por causa dos seus vãos geralmente pouco profundos, têem molduras menores que os portaes de primeira ordem.

No XIII e XIV seculos, as empenas compõem-se de duas, tres ou quatro columnatas na rectaguarda umas das outras, e ligam-se com os extremos dos arcos superiores. Desde o final do XIV seculo, foram as columnatas substituidas por molduras prismaticas, quasi sempre sem divisão de capitel.

[184] Até meiado do seculo XV, ajuntava-se, muitas vezes, á archivolta dos portaes e tambem ás curvas das janellas, um rebordo exterior em fórma de goteira cujas extremidades assentam á altura da nascença da ogiva, sobre modilhões esculpidos, representando figuras, animaes phantasticos ou carrancas; este rebordo tambem ás vezes é ornado de colchetes com folhas de grande lavor ou figuras grotescas.

Lemes das portas. Os constructores romans tinham, como já explicámos, convertido em objecto de ornamentação os lemes e as ferragens que empregavam para reunir os frisos que compõem os batentes. As archivoltas do periodo ogival ultrapassaram os seus precedentes n'este genero de decoração.

No seculo XIII e ainda mesmo no XIV, os lemes representam folhagens entrelaçadas, armadas de flores e fructos. As suas differentes partes são reunidas com uma arte e delicadeza notaveis, apesar de n'esta epoca os meios de fabrico serem muito simples. Um martello movido por uma corrente de agua constituía, por assim dizer, o unico recurso das fabricas da edade media. O ferro obtido em fragmentos de um peso mediocre, era entregue ao ferreiro, que á força de braço convertia estes fragmentos em barras ou peças mais ou menos delgadas. Não eram conhecidas, nem a lima, nem as cisalhas. Apezar da pobreza de meios de fabricação, os ferreiros da edade media produziram obras primas de serralheria. Podemos affirmar que em [185] muitos paizes a arte de serralheria attingiu o seu apogeu no seculo XIII. Os lemes do principio do periodo ogival distinguem-se dos das epocas posteriores em que, ordinariamente, são estampados, isto é, trabalhados em relevo por meio de matriz. Foi pela estampagem que se obtiveram ramagens cheias de vigor e estes soberbos cachos que caracterisam os lemes dos portaes de todas as grandes egrejas do XIII seculo.

Os lemes estampados começaram a desapparecer na França no principio do seculo XIV, ao passo que na Belgica foram muito empregados ainda n'este seculo e até mesmo no seculo XV.

Nos fins do seculo XIII começaram a apparecer na França os lemes lisos, isto é, formados por uma peça de ferro batido, poucas vezes executados em relevo. Este uso generalisou-se desde os primeiros annos do seculo XIV; nos outros paizes e especialmente na Belgica eram empregados simultaneamente com as ferragens estampadas, tanto no seculo XIV, como no XV.

Os serralheiros da edade média procuraram para objecto de ornamentação, não só os lemes, mas tambem todos os outros accessorios necessarios para os portaes, taes como os prégos, os fechos, as argolas das fechaduras.

Janellas. Durante o periodo de transição e no principio da epoca ogival, os vãos das janellas eram estreitos, pouco elevados e fechados, na sua parte superior, por lancetas ou ogivas agudas. Estes vãos, em geral reunidos em dois ou tres, são [186] separados por pequenos pilares em fórma de humbreira, estando muitas vezes como emmoldurados por um grande arco commum. Chamam-se prumos de cantaria os que dividem uma janella em humbreiras aos vãos ou compartimentos verticaes. A triplice lanceta da janella tem o vão do meio geralmente mais elevado que o dos lados.

Em França, no principio do seculo XIII, e n'outros paizes alguns annos mais tarde, em vez de estreitarem os vãos das janellas, alargavam-nos e formavam por cima bandeira com construcção de cantaria compostas de humbreiras simples e ligeiras. Em geral existe uma abertura independente por cima dos vãos d'estas janellas primitivas. Nas construcções esmeradas e ricas, as humbreiras estão collocadas tanto no interior como no exterior, tendo uma columna com base e capitel, e o tympano da janella é ornado de redentes, com uma ou muitas vidraças compostas de tres, quatro, seis e algumas vezes oito vidros.

As grandes egrejas do XIII seculo e um grande numero de edificios do XIV seculo teem as janellas muito grandes, divididas em muitos vãos.

Estas janellas compõem-se de uma rosacea de grande diametro, que occupa a parte superior do tympano tendo uma columna que divide o vão em duas partes eguaes; em cada um d'estes vãos secundarios, apresenta uma abertura composta egualmente de uma columna central, porém, mais delgada que a primeira e d'um oculo circular do feitio de folha de trêvo, ou uma de quatro folhas. Se mesmo [187] com estas sub-divisões (como succede nas janellas de grande largura), estas columnas não ficam sufficientemente proximas para a segurança das vidraças, estabelecem-se ainda entre si novas humbreiras divisorias, tendo por cima tambem rosaceas de menor grandeza.

Na Belgica, Allemanha e Inglaterra, ha janellas do seculo XIII, divididas por duas humbreiras de menor importancia para formarem tres vãos. Ás vezes é o vão do meio mais estreito que os dos lados. Este feitio de janellas era muito raro na França, no principio do periodo ogival.

Para diminuir o espaço vazio das rosaceas do tympano das grandes janellas, collocavam-se redentes de cantaria seguros por circulos de ferro. Ás vezes, no seculo XIV, se substituiam as rosaceas do tympano por folhas de trêvo, ou compostas de quatro folhas, e tambem com outras combinações de figuras geometricas.

Durante os seculos XIV e XV, o numero dos vãos das janellas varia muito, mas em geral é de tres.

No mesmo edificio, se vêem, conforme a largura dos vãos, janellas de dois, tres, quatro, cinco, seis, sete ou oito compartimentos.

Em alguns monumentos belgas, inglezes e allemães, as grandes janellas das extremidades do transepte e da capella mór, quando esta termina por uma parede recta, ficam divididas em duas partes eguaes por uma columna central de grande grossura formando um verdadeiro pilar.

As humbreiras das janellas dos seculos XIII e XIV [188] são ás vezes formadas por uma só pedra inteiriça; comtudo geralmente são construidas por pedras pequenas. Em grande numero dos edificios francezes, ha, interior e exteriormente, ou n'um dos lados das janellas, uma columna embebida, com base e capitel.

Na Belgica, Allemanha e Inglaterra as humbreiras das janellas de muitos monumentos não têem columnas, principalmente as do seculo XIV.

As columnas servindo de humbreiras apparecem sempre collocadas junto dos pés direitos, no interior e no exterior da janella. Na Belgica vêem-se com frequencia essas columnas embebidas nos angulos das paredes pertencentes ás janellas nas quaes lhes faltam as humbreiras.

Os capiteis das columnas que formam as humbreiras das janellas, são coroados por um ábaco quadrado, no principio do periodo ogival, mais tarde tornou-se circular, e no principio do XIV seculo, hexagonal.

Os constructores dos seculos XIII e XIV, habituados a discorrer sobre todas as suas obras, facilmente comprehendiam que collocar um capitel nas columnas servindo de humbreiras, era ir ao encontro do principio fundamental da architectura ogival, que prescrevia desprezar todas as partes inuteis, todos os motivos de ornamentação que não resultassem d'uma necessidade de construcção. Effectivamente não parece sufficientemente justificada a necessidade d'este capitel, porque a parte superior da columna não serve de ponto de apoio a nenhum [189] peso extraordinario, e tambem não serve de transição ás duas partes realmente distinctas, pois a moldura superior do capitel é em tudo semelhante á fórma do fuste da columna, porquanto o capitel apenas servia de ornato, sem outro fim verdadeiramente util. Tendo em vista o principio fundamental do estylo ogival e todas as consequencias logicas que elle encerra, os architectos da segunda metade do seculo XIV e do principio do XV não se detêem em reconsiderar, supprimem inteiramente o capitel e muitas vezes a propria columna, e dão a todas as humbreiras a mesma espessura. No fim do XIV seculo introduziram egualmente modificações importantes nos desenhos traçados pelas humbreiras dos tympanos das janellas. Os redentes que até aqui serviam para diminuir o espaço roto das grandes rosaceas foram primeiramente substituidos por combinações de figuras geometricas em que predominam as formas ogivaes com curvas compostas de duas em sentido oppostos e do feitio de chamma. É d'esta epocha que data o ornato conhecido pelo nome de chamma e deu o nome de flammejante ao estylo do seculo XV. Este ornato não só se encontra nos tympanos de janellas, mas tambem nas balaustradas, nos batentes das portas, fechos, mobilias, n'uma palavra, em tudo onde é possivel applical-o. Os allemães chamam-lhe Fischblase (bexiga de peixe).

As janellas da primeira metade do seculo XV têem ainda ás vezes alguma analogia com as dos seculos precedentes. Não é raro encontrar-se nos [190] tympanos grandes rosaceas com figuras curvas ou chammas em vez de redentes. Todavia grande numero das rosaceas circulares dos tympanos, durante a primeira metade do seculo XV, foram substituidas com o feitio de triangulos e quadrilateros curvilineos ou por outras figuras geometricas regulares, nas quaes ha chammas representadas. No meado do seculo XV desapparecem do tympano as figuras regulares, e as humbreiras tomando direcções cada vez mais arbitrarias, dão logar aos mais variados desenhos flammejantes.

No fim do XV seculo as archivoltas das janellas tornam-se mais obtusas e tomam no principio do seculo XVI a forma de arcos de volta abatida ou em aza de cesto; os desenhos dos tympanos são toscos e angulosos. A volta inteira ou de semicirculo, que começa a apparecer timidamente nos vãos entre as humbreiras, annuncia o proximo regresso dos typos de architectura classica.

Do que acabamos de dizer resulta que os desenhos geometricos encontram-se principalmente nos tympanos das janellas durante a primeira metade do seculo XV, emquanto que os desenhos flammejantes propriamente ditos são da ultima metade do XV e do principio do XVI seculos.

As archivoltas exteriores das janellas dos edificios de primeira ordem têem ás vezes alguns ornatos.

O cavado mais largo e mais profundo do intradorso d'estas archivoltas é ornado de colchetes nos grandes monumentos francezes do seculo XIII; no [191] seculo XIV é ornado de florões e de cachos, e no XV apparece a folha de repôlho.

As archivoltas exteriores das janellas são do mesmo modo que as dos portaes e dos alpendres rodeadas por um rebordo saliente ou encimadas por uma galeria. Os rebordos que rodeiam as archivoltas das janellas têem o mesmo feitio que os dos portaes.

Nos seculos XIII e XIV, têem a fórma d'uma goteira e são geralmente formados nos proprios fechos da archivolta; as extremidades vêem acabar á altura do nascimento da ogiva, ficando assentes sobre modilhões ou então na direcção horisontal sob a fórma de cordão, que liga entre si duas janellas proximas uma da outra.

Nos edificios mais importantes, os rebordos são em geral decorados de distancia a distancia, com colchetes ou folhas ornamentaes. Nos seculos XV e XVI, os feitios das janellas têem a fórma de uma ogiva com curvas inversas, terminando por um florão. Os remates que coroam muitas vezes as janellas dos grandes monumentos, são similhantes aos dos portaes, tendo do mesmo modo a fórma da empena e os seus lados inclinados têem colchetes, redentes ou folhas de repolho encrispadas. O vertice, que em geral termina em florão, penetra muitas vezes na balaustrada prolongando a altura do tecto e fazendo corpo com elle.

Os architectos do periodo ogival, e até mesmo os do periodo de transição, de ordinario reservaram nas grandes egrejas, galerias passando junto [192] das janellas e que eram principalmente destinadas a facilitar a collocação e conservação das vidraças. Estas galerias são estabelecidas em toda a extensão do edificio, dando muitas vezes a volta completa em todo o monumento; são verdadeiros corredores de serviço. No rez-do-chão, isto é, nas paredes dos lados e no côro, quando este não tem capellas lateraes, são ellas estabelecidas no interior em quanto que no pavimento superior ficam sempre exteriores e atravessam os contrafortes. D'aqui resulta haver galerias em que as vidraças estão assentes por dentro nas janellas inferiores e por fóra nas altas.

Rosaceas. As rosaceas são um dos mais bellos ornamentos dos grandes monumentos religiosos do periodo ogival.

Apparecem tanto na fachada Occidental como nas empenas dos transeptes. Na França, as rosaceas são muito communs nos seculos XIII e XIV; pelo contrario na Belgica e na Inglaterra, são raras, mesmo nas maiores egrejas.

As rosaceas e as janellas têem caixilhos de pedra destinados a fixar as vidraças. Estes caixilhos são muitas vezes dispostos em fórma de raios de roda.

Durante a segunda metade do seculo XIII e todo o XIV, foram construidas grande numero de rosaceas em contacto umas das outras e dispostas em muitos renques concentricos á volta d'uma rosacea central, na qual são inseridos caixilhos do feitio de folhas de trêvo ou em quatro folhas.

Foi a brilhante ornamentação d'estas rosaceas e [193] dos tympanos das janellas que deu ao estylo ogival do XIV seculo a denominação de radiante.

Os caixilhos das rosaceas do XV seculo descrevem em geral desenhos flammejantes, semelhantes aos que se vêem nos tympanos das janellas da mesma epoca. Ás vezes encontram-se: 1.º nos monumentos do seculo XIII rosaceas que têem analogia com as dos edificios romans do seculo XII; 2.º nos edificios dos seculos XIV e XV, rosaceas compostas de folhas de feitio de trevo, e de quatro folhas, ou com figuras geometricas curvilineas.

No seculo XV, e na Belgica já no XIV, os caixilhos das rosaceas, não têem como d'antes, columnas formando as divisões, mas têem os mesmos compartimentos que os caixilhos de janella d'esta epoca.

Vedações das janellas e vidraças. Por causa da aspereza do clima nos paizes do Norte foram muito cêdo usadas as vidraças nas janellas.

Os vidros, incolores ou pintados d'uma côr unica e de pequenas dimensões, eram antigamente collocados em caixilhos de madeira ou de cantaria. Depois do seculo X eram fixos por meio de pestanas de chumbo. Foi devido ao emprego do chumbo que conseguiram formar bellas vidraças pintadas, cuja historia vamos expôr succintamente.

As vidraças dividem-se em duas classes: vidraças incolores e pintadas.

Vidraças incolores. As vidraças incolores dos seculos XII e XIII são compostas de pequenos pedaços de vidro, não excedendo doze a quinze centimetros, na sua maior dimensão, sendo de côr esverdeada [194] escura, irregulares e um pouco convexas.

O chumbo empregado antigamente era muito espesso, convexo nas suas faces e algumas vezes polido nas ranhuras; distingue-se facilmente dos modernos, fabricados depois do fim do seculo XVI, por se servirem de instrumento proprio para o reduzir a tiras, com uma especie de laminador.

Em consequencia da maleabilidade e brandura do chumbo, as tiras que reunem os vidros das vidraças incolores dos periodos roman e ogival apresentam muitas vezes as mais curiosas figuras. N'este caso e em muitos outros a urgencia fornece um motivo d'ornamentação; era necessario vedar uma abertura relativamente alta e larga com pequenos fragmentos de vidro, porque as grandes chapas de vidro eram ainda então desconhecidas. Os vidraceiros da idade média resolveram este problema como verdadeiros artistas: em vez de adoptarem um systema de envidraçar vulgar, consistindo em quadrados ou rhombos, serviram-se das tiras de chumbo para produzir, nas janellas, os mais variados e vistosos desenhos.

Na Belgica as vidraças incolores eram muito communs nos seculos XII e XIII; ha exemplos de vidraças, ainda existentes, que se podem referir com certeza a esta epoca. É verdade que se encontra aqui e ali algumas vidraças representando entrelaçamentos de fitas, anneis, circulos e figuras geometricas, que parecem muito antigas por causa da pequenez das aberturas destinadas a receber as [195] chapas de vidro; mas não é possivel determinar-lhes uma data approximada.

Estes entrelaçamentos de fitas e de figuras geometricas foram usados na Belgica durante todo o periodo ogival e conservaram-se com modificações mais ou menos consideraveis até ao presente.

Vidraças pintadas. Ha uma grande differença entre colorir um vidro ou pintal-o, ou por outras palavras, entre os vidros coloridos e os pintados. Os primeiros, que tambem se chamam vidros de côr, obtêem-se misturando-lhes na massa vitrea em fusão oxydos metallicos, que dão a toda a pasta um colorido uniforme. Este colorido não é superficial; as materias que produzem as diversas côres penetram durante a fusão na massa vitrea e combinam-se inteiramente com ella. Para fazer vidros pintados toma-se uma chapa de vidro translucido e sobre uma das faces, ou em ambas, applica-se com o pincel os traços do desenho a côres vitrificaveis, que não são mais que pastas vitreas coloridas por meio d'oxydos metallicos, reduzidos a pó e diluidos n'um liquido como vinho, agua gommada e essencia de therebentina. A lamina de vidro, esmaltada, é em seguida submettida ao fogo; o pó corante entrando promptamente em fusão, fixa-se sobre a placa de vidro que a sustenta e que apenas está amollecida pela acção do calôr.

No VII seculo, havia vidraças compostas de laminas de vidro diversamente coloridas; eram especies de mosaicos transparentes. Mas seria n'essa epoca que começaram a pintar a côres, sobre vidro [196] branco ou colorido, personagens e assumptos historicos e legendarios? A opinião mais provavel colloca a invenção da pintura sobre vidro no fim do X seculo. Comtudo só no seguinte é que esta arte nasceu na Allemanha e se desenvolveu e espalhou pela Europa occidental. Logo que se inventou a pintura sobre vidro no meiado do seculo XIV, o pintor de vidros servia-se de laminas, cada uma de sua côr uniforme.

No seculo XII e XIII, houve excepção a esta regra para o vidro vermelho, que, em geral era duplicado, isto é, composto de uma lamina delgada vermelha, applicada sobre uma lamina de vidro incolor.

As differenças de espessura que têem os vidros antigos, differenças que resultam da imperfeição dos processos de fabríco do vidro, contribuem singularmente para augmentar o brilho das vidraças da idade média. Em primeiro logar, os pintores vidraceiros empregavam com muita pericia estes vidros desiguaes ou ondulados, cortando-os de fórma que a parte mais delgada se achasse do lado da luz; o que fazia augmentar consideravelmente o effeito da vidraça. Por consequencia, mesmo para os fundos fechados, estas differenças de espessura dão á coloração um aspecto scintillante, que a certa distancia augmenta consideravelmente a intensidade dos tons.

As côres de que o pintor de vidros dispunha na idade média eram numerosas e variadas, porque a maior parte das operações chimicas empregadas [197] para obter vidros de côr, eram empiricas e por consequencia, davam muitas vezes resultados imprevistos.

Esta gamma de côres extensissima póde comtudo ser reduzida a cinco tons principaes: azul, vermelho, amarello, verde e côr de purpura.

Para exprimir as carnações, isto é as partes apparentes das carnes, taes como as cabeças, as mãos e os pés, usavam nos seculos XII e XIII, d'um vidro d'uma leve côr de violeta, e mais tarde d'um vidro esbranquiçado; os traços sobre estes vidros eram d'uma côr parda, applicada com um pincel e em seguida fixada com a cozedura.

Os pintores de vidros dos seculos XII e XIII occupavam-se principalmente, na composição do cartão, da harmonia das côres. Para o obter elles não hesitavam em sacrificar a verdade, dando aos objectos côres que a natureza lhes não deu; é assim que se encontram nas vidraças antigas, cavallos verdes e arvores com folhas de muitas côres diferentes. Como o vermelho, e sobre tudo o azul se prestam admiravelmente a uma collocação vigorosa e alliam-se admiravelmente com todos os outros tons, os fundos vermelhos e azues são sómente empregados nas vidraças de assumptos historicos ou legendarios.

Os vidros coloridos das vidraças, vistos a distancia, tomam, graças á translucidez e á luz que os atravessa, um brilho que faz parecer a sua superficie maior do que na realidade é; este effeito chama-se rayonnement.

[198] As diversas côres translucidas têem rayonnements de valôr muito differente; assim, para não fallar senão das tres côres fundamentaes do prisma; o azul é a mais brilhante, seguindo-se o vermelho e depois o amarello.

O rayonnement de certas côres translucidas, a distancia, é tal que não só faz parecer a sua superficie maior do que na realidade é, mas até modifica mesmo a qualidade d'estas côres e das que lhe ficam proximas.

É d'este modo que um azul limpido, collocado ao lado d'um vermelho augmenta o brilho dos bordos d'este e torna-os côr de violeta. Além d'isso, este brilho faz ás vezes desapparecer totalmente os filetes de chumbo, que engastam os vidros, e altera as linhas do desenho fixado sobre os vidros por meio do esmalte escuro.

Os principios artisticos que regem a pintura sobre vidro ou translucida differem notavelmente dos principios da pintura opaca. A luz atravessando côres translucidas actua sobre estas côres, e sobre as combinações d'estas côres entre si, de maneira differente do que se fossem opacas; a luz passando atravez d'um desenho modifica os contornos d'este, facto que se não dá quando actúa sobre uma superficie opaca desenhada.

A pintura sobre vidro só póde ser uma pintura de convenção muito differente da pintura em quadro. N'esta procura-se illudir a vista do espectador servindo-se de todos os recursos das sombras, do claro escuro e da perspectiva linear e aérea. [199] Na pintura sobre vidro, pelo contrario, assim como na pintura monumental, o artista deve respeitar e deixar parecer plana a superficie sobre que pinta; deve contentar-se em traçar a silhueta dos personagens e dos objectos que entram na composição do seu assumpto, fazer pouco caso da perspectiva, mesmo linear, traçar as sombras d'uma maneira convencional, indicando as partes salientes por claros e as rugas por tons opacos, e desprezar os accessorios ou, quando muito, represental-os hieroglyphicamente. Na pintura opaca o artista deve procurar grupar os personagens d'uma scena de modo que se destaquem uns dos outros afim de obter uma sèrie de planos, em quanto que na pintura translucida, evita-se, tanto quanto possivel, as agglomerações d'um grande numero de figuras, e esforçam-se por fazer apparecer o fundo em torno de cada uma d'ellas.

As vidraças pintadas do XII seculo são sempre formadas de pequenos medalhões circulares, quadrados ou apresentando outras fórmas simples e regulares. Estes medalhões, nos quaes apparecem composições adornadas, ficam dispostos symetricamente sobre fundos formados de mosaicos de vidro simples ou differentemente coloridos.

A côr azul domina geralmente nos fundos das vidraças pintadas no XII seculo; pouco empregam a côr encarnada; algumas vezes tem tambem o fundo azul, ficando mais harmonico, tendo-se espalhado, sobre esse fundo, pequenos florões encarnados, ou pequenos traços que se encruzam e [200] cobrem o fundo azul de um tecido encarnado com divisões quadradas ou rhombos. Em roda da vidraça e de cada medalhão ha cercaduras differentes, quasi sempre bastante longas e compostas de florões, palmetas, folhagens e enlaçadas com perolas.

As composições representadas nos medalhões são tiradas da vida de Jesus Christo e de Nossa Senhora, ou da historia do antigo e novo Testamento; assim como da legenda dos Santos. A execução é d'uma grande simplicidade e com muita ingenuidade. O desenho accusa as tradições bysantinas: o emprego das figuras apparece, não obstante as roupas que o vestem, sendo as prégas da roupagem estreitas e parallelas.

As vidraças do XIII seculo. As vidraças pintadas no XIII seculo têem grande similhança com as do XII, porque a maneira de sua execução ficou quasi a mesma. Nas janellas inferiores da capella mór e das naves lateraes, as vidraças compunham-se, como precedentemente, de medalhões historiados de differentes fórmas, dispostos uns por cima dos outros sobre uma ou muitas fileiras. Nas janellas superiores da capella mór e da nave principal, principiaram a representar, desde o final do XII seculo, grandes figuras em pé, figurando veneraveis personagens do antigo e novo Testamento.

As côres de que mais uso se fez para os fundos das vidraças pintadas no XIII seculo foram o azul, o encarnado e o verde; empregava-se tambem, em certos casos, porém com moderação, o amarello [201] e o roxo. Os fundos não são lisos, formam uma especie de pannos-de-raz sobre os quaes vem assentar a composição dos assumptos. Esta tapeçaria se compõe não sómente de escamas, canniçal e de xadrez, mas, muitas vezes tambem, de enlaçados, festões e folhagens, enrolamento, sobre os quaes os assumptos se destacam perfeitamente. Do mesmo modo que nas composições com as grandes figuras, as tiras de chumbo indicam os contornos principaes d'estas ornamentações.

No correr do XIII seculo, o estylo e o caracter do desenho mudaram completamente, porém por séries de transformações successivas. Desde a metade do XII seculo, os artistas de vidraças pintadas, da mesma fórma que os miniaturistas, os pintores, e os esculptores, tinham principiado a abandonar pouco a pouco as tradicções da arte Byzantina, e a manifestar uma direcção notavel para a imitação da natureza. Esta direcção augmenta e se affirma cada vez mais no XIII seculo. Os pintores das vidraças d'esta época não continuam a representar o nú das figuras em desdem da inclinação natural dos vestuarios, estudam a natureza e esforçam-se de a reproduzir tal qual se apresenta á sua vista: reconhece-se facilmente este novo methodo pela maneira por que são indicados os gestos das personagens, a physionomia das cabeças e as prégas dos vestuarios: os gestos perdem a sua expressão archaïca, as cabeças não são já desenhadas conforme os typos convencionaes, e os trajes são os da epoca, fielmente imitados. A composição [202] dos assumptos é apresentada com animação; sendo evidente que os artistas do XIII seculo se preoccupavam de proposito em produzir no espectador um effeito subito.

As vidraças pintadas do XIII seculo offerecem muito interesse para o estudo do vestuario da idade média. Conforme o uso adoptado n'esta epoca em todas as representações artisticas, sejam pintadas ou em esculptura, o artista vidraceiro tomava os seus modelos que lhe eram familiares; não se preoccupando de nenhuma maneira da fidelidade historica, trajava as suas figuras á moda do seu tempo.

A arte da pintura das vidraças não se conservou por muito tempo no apogeu que havia alcançado no decurso de alguns annos. Desde o meiado do XIII seculo principiou a declinar pouco a pouco. Em consequencia da sua propensão notavel para os effeitos dramaticos, chega á affectação e ao exquisito, occupando-se mais dos detalhes, perdendo facilmente a nobre simplicidade que tanto caracterisava as suas obras no final do XII seculo e no principio do XIII seculo.

Ao findar o XII seculo, as pinturas das janellas superiores da nave principal e quasi todas da capella mór foram ornadas com figuras em pé, representando santos do antigo ou do novo Testamento, não excedendo, em tamanho, a estatura geral do homem. No XIII seculo, dava-se a estas figuras proporções mais colossaes, porque ficavam collocadas a uma grande distancia do espectador. [203] A disposição geral d'estas vidraças nas cathedraes e nas grandes egrejas do XIII seculo merece o exame reflectido da parte do archeologo. A pintura da vidraça superior do côro da capella mór, que attrahe sobretudo a vista e domina, de alguma maneira, o altar mór, era dedicada ao Salvador soffrendo pela redempção do genero humano; vê-se ahi quasi sempre Jesus Christo na Cruz entre a sua Divina Mãe e o discipulo querido, com os symbolos accessorios, que na idade média acompanham sempre a scena da crucifixação. Nas outras janellas superiores do côro estão em pé os Apostolos e os Santos venerados na basilica; as janellas altas da nave principal são pintadas com grandes imagens de outros Santos, taes como as dos patriarchas, reis e prophetas do antigo Testamento. As vidraças pintadas á roda da capella mór e das capellas da charola, formadas por medalhões, representam os principaes factos da vida de Jesus Christo e de Nossa Senhora, ou as legendas dos oragos da egreja; algumas vezes tambem, se representavam, sob fórmas symbolicas, os principaes dogmas da Fé. As vidraças pintadas das janellas lateraes da nave, e muitas vezes do transepte, eram dedicadas ás legendas de devoção da localidade, e aos Santos ou Santas de que a egreja possuia reliquias.

Nas vidraças pintadas do XII e XIII seculo, ás vezes reproduziam os retratos dos doadores, mas sempre de tamanho menor.

Passemos agora a fallar das vidraças com pinturas [204] de grisalha. Dá-se este nome á composição do caixilho pintado de vidros brancos ou um pouco esverdinhados, sobre os quaes são traçados, por meio do esmalte pardo, desenhos e ornatos variados.

Nas grisalhas da primeira metade do XIII seculo, o desenho é desenvolvido com firmeza, vigorosamente modelado, e os vidros seguros por filetes de chumbo que indicam os traços mais fortes dos ornatos ou formam as principaes divisões do caixilho da vidraça pintada. Os vidros são quasi opacos e completamente sem nenhuma parte colorida. Estes vidros são geralmente grossos, esverdeados e muitas vezes apresentam bolhas na superficie.

A começar da ultima metade do XIII seculo, as grisalhas vieram a ser menos opacas, deixando penetrar uma claridade mais abundante no interior dos edificios; ás vezes não são estes vidros sem ter colorido, porque se lhe ajuntam vidros coloridos nos filetes que os dividem, ou nas pequenas rosetas espalhadas na superficie.

Vidraças pintadas do XIV seculo


As vidraças pintadas do XIV seculo apresentam aspecto differente das dos seculos precedentes, posto que, durante toda a metade do seculo, o artista d'esta especialidade se servia ainda dos mesmos processos d'execução dos seus antecessores. Esta mudança total d'aspecto proveio de muitas causas: pelas novas disposições da armação de [205] ferro, assim como pelo tom claro e brilhante que se deu ás vidraças, finalmente pelas propensões exageradas para a imitação servil da natureza real.

Nas guarnições de ferro das vidraças do XII e do XIII seculo, desenhando os contornos tão variados dos medalhões legendarios, foram levados a seguir a fórma primitiva, consistindo em simples hastes verticaes divididas de distancia a distancia, por travessas horisontaes, formando angulo recto com essas hastes.

As côres mais empregadas nas vidraças do XIV seculo, eram o azul, o encarnado e o amarello; este ultimo tom, geralmente muito usado, produzia um brilhante effeito, que fazia desmerecer as grisalhas claras, frequentemente empregadas n'essa epoca. A côr verde e o roxo vão sendo menos usadas.

O desenho continúa, durante o XIV seculo, a obter mais correcção; porém o pintor de vidraças, esquecendo cada vez mais a pintura transluzente que não é e não podia ser uma simples pintura de conservação, procura já produzir illusão para a vista do espectador; tenta de copiar a natureza, e consegue algumas vezes reproduzil-a com certa fidelidade.

As vidraças legendarias desapparecem quasi completamente no XIV seculo, e nos raros exemplos que se encontram, os medalhões são quasi sempre supprimidos e as representações das differentes scenas religiosas sobre-postas uma ás outras, ficam [206] sem molduras e sem separação. As grandes figuras isoladas preferidas n'esta epoca, apparecem, não sómente nas vidraças altas, mas tambem nas outras dos lados da nave e á roda da capella-mór. Representam mais vezes Santos, e poucas vezes pessoas ainda existentes.

As figuras estão sempre postas debaixo de doceis cheios de ornamentação tirada da architectura, taes como ridentes, pinaculos, clochetões, rosaceas e arcos-butantes. Estes doceis parecem ficar sustentados por pés-direitos com feitio de contrafortes ornados de arcadas e de nichos, nos quaes se collocam pequenas figuras d'anjos e de santos. As molduras e os doceis do remate das grandes figuras tomam ás vezes uma tão grande importancia que occupam tanto e mesmo maior espaço, que as figuras que elles adornam.

No principio do XIV seculo os fundos das vidraças sobre os quaes sobresaem as grandes figuras são ás vezes lizos, outra de côr encarnada ou azul; vindo a ser depois quasi sempre de feitio adamascado, isto é, cheias de desenhos differentes, similhantes aos que se vêem na seda chamada damasco.

No XIV seculo, os brazões dos doadores apparecem muitas vezes nas vidraças pintadas. Vêem-se tambem nos bordados, nas rosaceas do tympano e nas almofadas inferiores das janellas, e inscripções que apparecem frequentemente.

No meiado do XIV seculo, uma importante descoberta, do amarello de prata, fez obter aos pintores [207] de vidraças um novo esmalte e proporcionou-lhes grande facilidade no trabalho da pintura. O amarello de prata, é um esmalte obtido por um composto d'ocre amarello com o sulphureto de prata. Depois de ter passado pelo lume os vidros cobertos d'este mixto, separa-se a demão secca d'ocre; ficando depois sobre o vidro um bellissimo tom amarello mais ou menos carregado e perfeitamente translucido.

Os fabricantes dos vidros tornando-se mais habeis, conseguiram tambem, durante o curso do XIV seculo, produzir chapas de vidro muito maiores que nos seculos precedentes.

A descoberta do amarello de prata e os progressos feitos no fabrico do vidro contribuiram poderosamente para modificar o aspecto das vidraças pintadas, porque fizeram diminuir o numero dos filetes de chumbo, e simplificaram, por conseguinte, a armação da vidraça.

As grisalhas do XIV seculo parecem-se muito com as do final do seculo precedente. Todavia as grisalhas sem colorido são substituidas pouco a pouco pelas que apresentam algum colorido. Além d'isso, depois do meiado do XIV seculo, apparecem as grisalhas brancas, com o realce do amarello de prata.

Vidraças pintadas do XV seculo


No XV seculo uma unica côr tem applicação, posto que, de pouca importancia, para servir de incarnação, vindo-se ajuntar á palheta do artista aos dois [208] esmaltes já conhecidos. Esta fraca tinta, que servia para modelar as cabeças e as partes nuas do corpo humano, era provavel fôsse um composto d'oxydo de ferro e terra de sombra calcinada. O pintor de vidraças não tinha ainda á sua disposição senão tres côres para pintar sobre o vidro: o pardo, o amarello de prata e a côr para a incarnação; porém achou novo expediente para a sua arte no emprego de vidros duplicados. Já explicámos como, desde o XII seculo, o vidro encarnado era muitas vezes composto de duas laminas, uma sem côr e outra encarnada, ficando sobrepostas durante a sua fabricação. Depois no final do XIV seculo, o processo que tinha servido antes para se obter vidros encarnados, foi applicado ás outras côres. Sobrepondo duas ou mais demãos de differentes côres, obtinham-se vidros de tintas muito variadas. Os vidros duplos lhe davam certos tons d'um vigor desconhecido até então: obtinham-se vidros roxos sobrepondo o vidro encarnado ao azul claro; verdes, sobrepondo o branco, amarello e o azul.

O colorifico que é resultado de se terem unido dois vidros de côres differentes não póde ser confundido com o que se obtem pela applicação d'uma côr d'esmalte sobre o vidro fabricado, e posto depois á recocção do fogo.

Os pintores de vidraças do XV seculo, não empregavam sempre os recentes aperfeiçoamentos introduzidos na sua arte com bastante cuidado e intelligencia. É por isso que o emprego muito frequente [209] e irracional da pintura em grizalha sobre vidro branco constitue um dos caracteres particulares das vidraças pintadas da ultima metade do XV seculo e do principio do XVI seculo. Muitas vezes as roupas superiores das grandes figuras em pé são brancas e o fôrro sómente de côr. Comprehende-se que este abuso das grizalhas, nas roupagens e na maior parte dos accessorios, dá necessariamente ás vidraças uma apparencia clara e scintillante. Muitas vezes os fundos azues e encarnados, adamascados superiormente, nos quaes sobresaem as figuras e os assumptos, offerecem ainda unicamente um tom real com bastante colorido.

O maior numero d'estas vidraças tem emmoldurados de feitio architectural, consistindo em contrafortes cheios de pinaculos ou columnasinhas, com os fustes mais ou menos ornados. Estes emmoldurados parecem suster os docéis, cujos lados inclinados da empena, sempre de fórma ogival, são ornados de elegantes folhagens. Debaixo dos docéis estão figuras em pé separadas pelas molduras das hombreiras, seja por assumptos historicos ou legendarios, occupando toda a largura do vão. Nas vidraças com assumptos não apparecem os filetes de ferro na separação dos vidros. Quando se superpõem, como às vezes acontece, muitas figuras e muitos assumptos em um só vão da janella, ficam separados uns dos outros por sócos ornatados com decoração architectonica da época, e apoiando-se sobre os docéis que formam o remate do renque inferior.

[210] Os grandes progressos que foram realisados, no XV seculo, na pintura opaca ou de cavallete, e o estado prospero em que ella se achava desde a primeira metade do XV seculo, exerceram a mais funesta influencia sobre a pintura translucida. Os pintores de vidraças, que quasi sempre eram tambem, e mesmo principalmente, pintores de quadros, esqueciam diariamente, cada vez mais, que a pintura sobre o vidro é essencialmente uma pintura de convenção. Não se contentavam de introduzir nas vidraças pintadas um desenho mais correcto, procuravam ainda enganar a vista do espectador tão completamente quanto fosse possivel; por outras palavras, executavam sobre o vidro composições que só convinham para superficies opacas.

No meiado do XV seculo, apparecem nas vidraças pintadas, como nos quadros de tela, pequenas paisagens em perspectiva longiqua; estas paisagens representavam vistas pittorescas de castellos cheios de ameias, edificios de toda qualidade e apresentações dos trabalhos agricolas.

No XII e no XIII seculo, as vidraças das egrejas compunham-se de pinturas e esculpturas, eram um livro sempre patente, onde os ignorantes e bem assim os estudiosos podiam instruir-se nos principaes dogmas da Fé, na historia da religião e nos deveres do homem para com Deus e o proximo. Esta missão sublime da arte religiosa começou a ser esquecida durante o XIV seculo; em muitas vidraças d'esta época, as representações exemplares [211] e instructivas são substituidas por brazões e retratos em pé dos doadores. No XV seculo, as propensões, cada vez mais profanas, se manifestam na escolha dos assumptos reproduzidos nas vidraças pintadas. Estas não serviam para instrucção do povo; muitas vezes os principaes dignitarios ecclesiasticos e os poderosos do mundo se faziam ahi representar sumptuosamente; quando muito, o santo orago apparece atraz no segundo plano da pintura, emquanto os brazões de armas se repetem, sob fórmas diversas, em todos os lados da vidraça.

Vidraças pintadas no XVI seculo


No XVI seculo, as vidraças pintadas apresentam um aspecto inteiramente novo. Todavia o primeiro terço do seculo se passou sem que os processos materiaes da pintura sobre o vidro se tivessem modificado; e se a renascença não tivesse, desde este momento principiado a influir nas composições artisticas, seria difficil distinguir as vidraças dos primeiros annos do XVI seculo das do final do seculo precedente. Em 1540, uma nova côr teve applicação, o encarnado de ferro, que se juntou na paleta do pintor de vidraças aos tres esmaltes conhecidos então: o pardo, o amarello de prata, e a côr para encarnação. Alguns annos depois, em 1550, achou-se o segredo de applicar todas as côres, preparando-as com um liquefactivo (que não era outra coisa que o pó vitreo), incorporando-os pela cozedura nas placas de vidro. Este [212] genero de pintura sobre vidro, que teve o nome de pintura ou apprèt, deu grandissimas facilidades para os pintores de vidraças, e fez mudar completamente os processos da arte. O artista preparava primeiramente a placa vitrea, pouco mais ou menos como a téla, para a pintura a oleo pela maneira de tintas geraes e sitios; sobre estes tons modelava depois as figuras e objectos; finalmente traçava as sombras e alcançava o effeito com os retoques de côres, emquanto fazia apparecer os pontos luminosos, desfazendo com promptidão a tinta opaca afim de deixar ao vidro toda a sua translucidez.

Cerca da mesma época descobria-se a propriedade que tem o diamante de cortar o vidro, inventando-se o tira-chumbo, que facilitou a producção dos filetes de chumbo para segurar os vidros, conseguindo-se tambem executar placas de vidro de grande dimensão. Todos estes progressos nos processos materiaes produziram uma revolução completa na arte da pintura das vidraças, e tiveram por principal resultado o abandono quasi total dos vidros tintos na massa.

O estylo das vidraças transforma-se inteiramente no XVI seculo sob a influencia artistica do renascimento. Nos edificios religiosos dos primeiros annos do XVI seculo, a volta inteira substituiu insensivelmente a ogiva. Depois d'esse momento tambem appareceram, sobre as vidraças pintadas, ornatos tirados do estylo classico, misturados com florões e outras decorações que recordavam ainda a época [213] ogival. Pouco a pouco as idéas classicas fazem progressos e conseguem, depois de algum tempo, obter a preferencia. Não se vê mais então ovanos, volutas, folhas de acantho, festões de flores e fructas. O arco de triumpho ou portico, imitado da architectura pagã, forma de ora ávante o moldurado proprio das vidraças pintadas em que figuram as personagens e os assumptos. Até metade do XVI seculo, o artista se satisfaz em desenvolver, na parte inferior da vidraça o assumpto principal com o moldurado que o limita, e reserva a parte superior, assim como o tympano para collocar os brazões e os symbolos. Poucos annos depois da metade do XVI seculo, em 1560, o assumpto e o emmoldurado passam mesmo atravez dos enlaçamentos do tympano, se todavia os quizerem respeitar, e não fazel-os desapparecer.

Os assumptos religiosos e symbolicos são raros sobre as vidraças pintadas do XVI seculo: vêem-se as mais das vezes os retratos dos doadores nas vidraças, onde apparecem representados geralmente de joelhos sobre um genuflexorio, quer só, quer rodeados das pessoas de suas familias. O orago do sanctuario os acompanha sempre, e os seus brazões repetem-se muitas vezes em differentes partes na pintura da vidraça.

No XVI seculo, produziu-se uma certa predilecção pelas pequenas almofadas pintadas com que se ornavam antes, algumas vezes no final do seculo precedente, as vidraças dos edificios publicos, castellos, claustros e mesmo as habitações particulares. [214] Essas bonitas pequenas almofadas, quer em grizalha retocada com amarello de prata, quer de côres differentes, são feitas com bastante tenuidade e delicadeza extrema. Ás vezes occupam toda a abertura, ou pelo menos uma das divisões principaes da vidraça, outras vezes consistem em simples medalhões circulares ou ovaes, circumdados de vidro colorido ou branco. As pequenas vidraças pintadas, designadas vidraças suissas, porque tiveram primeiramente uso na republica Helvetica, pertencem á mesma categoria. Estas vidraças, cujo uso se conservou durante os seculos seguintes, reproduziram para a nobreza os brazões de familias differentes moldurados; para os edificios municipaes, as armarias da cidade ou da provincia com figuras de porta-estandartes vestidos com os trajos e as armaduras da época; para as abbadias, as armas do mosteiro ou a figura em pé do fundador. Os burguezes e as pessoas de profissão eram ahi representados com os symbolos do seu officio sobre um escudo. Muitas vezes tambem os fidalgos, burguezes e operarios eram representados todos nos seus trajos com sua familia. A transparencia e o brilho do colorido são geralmente mais vistosos nas vidraças suissas, que nas maiores vidraças pintadas.

Vidraças pintadas do XVII seculo


No XVII seculo, a pintura com preparo ou com côres pegadas, continuou a ter voga, devido aos aperfeiçoamentos introduzidos na composição e no [215] assentar os esmaltes, o que fez abandonar completamente o emprego dos vidros duplos e dos vidros tintos na massa. Este genero de pintura, muito apropriada para as vidraças pintadas dos aposentos, não convinha de maneira nenhuma para decoração das grandes vidraças pintadas, porque o artista querendo apresentar grandes sombras e tons fugitivos, servindo-se de meias-tintas e de tintas de bistre, tornava a sua pintura tão carregada, embaciada e confusa que, por vezes, era difficil distinguir os objectos.

A representação de Arcos de Triumpho ou porticos constituia, como no seculo precedente, o moldurado forçoso de todas as composições, com esta differença, que esses arcos e esses porticos são agora vistos obliquamente ou de lado, isto é, em perspectiva, emquanto d'antes apresentavam a frente geometral.

Os filetes de chumbo, que anteriormente seguravam tão vantajosamente os principaes contornos do desenho, foram considerados como inuteis e mesmo causando embaraço na execução da pintura. Não serviram mais que para reunir vidros eguaes e quadrados, formando uma especie de canniçado, por detraz do qual os artistas pintavam sobre os vidros como se fossem uma tela, não fazendo nenhum Os filetes de chumbo, que anteriormente seguravam tão vantajosamente os principaes contornos do desenho, foram considerados como inuteis e mesmo causando embaraço na execução da pintura. Não serviram mais que para reunir vidros eguaes e quadrados, formando uma especie de canniçado, por detraz do qual os artistas pintavam sobre os vidros como se fossem uma tela, não fazendo nenhum caso das juntas metallicas.

[216]

Vidraças pintadas do XVIII seculo


No XVIII seculo, os vidros tintos na massa foram pouco fabricados; seu preço era avultado, e sua falta muito grande. Quasi todas as vidraças d'esta época são com vidros esmaltados. O esmalte branco, já conhecído no XVI e XVII seculo, veiu a ser então de uso geral e formou as principaes côres empregadas. A decadencia da pintura das vidraças foi completa, e a arte perdeu a tal ponto que havia em Paris um unico pintor d'esta especialidade, o qual não podia subsistir por este seu trabalho.

Finalisando a historia de pintura sobre o vidro, devemos notar uma tradição popular muito vulgar que considera, sem razão, a arte da pintura sobre o vidro, conforme era feita na edade média, como sendo um segredo que se perdeu desde muito tempo. Esta opinião não tem nenhum fundamento.

Pilares, columnas e columnasinhas


Na edade média, as designações de pilar e de columna se confundem muitas vezes; todavia a palavra columna indica a idéa de um apoio com fuste cylindrico. Eucontram-se nos edificios do periodo ogival quatro especies principaes de pilares ou columnas: o pilar quadrado, a columna monocylindrica, a columna cruciforme e a columna enfeixada. A columna monocylindrica dá em secção um circulo, e o pilar quadrado, um quadrado ou um rectangulo; a columna cruciforme se compõe de um pilar central, tendo sobre as faces quatro columnas [217] mais ou menos envolvidas; finalmente a columna enfeixada, como o nome indica, é o resultado da reunião em mólho, em roda de um massiço formando pilar, muitas columnasinhas ou nervuras.

Os pilares quadrados são raros durante o periodo ogival; apparecem no começo, e ás vezes as suas arestas são chanfradas.

Em quasi todos os monumentos belgas do XIII e XIV seculos, as columnas são monocylindricas. As columnas cruciformes, communs nas cathedraes francezas, servem na Belgica principalmente na intersecção da nave e do transepte nos grandes edificios.

Os edificios do XV seculo teem as columnas monocylindricas ou enfeixadas. As primeiras apresentam ás vezes capiteis; outras vezes são inteiramente privadas d'elles. N'este ultimo caso os arcos-duplos e as nervuras das abobadas nascem directamente do fuste da columna, no logar onde se colloca o capitel. Este genero de columnas se encontra muitas vezes em todos os paizes da Europa central e occidental.

No XV seculo, as columnas enfeixadas não são já formadas, como precedentemente, de columnasinhas com capitel, porém compostas de nervuras prismaticas em grupo, á roda de um pilar central. Estas nervuras saem da base da columna erguendo-se quasi sempre sem ter por intermedio o capitel até ás abobadas do edificio, afim de formar os arcos-duplos e os arcos ogivaes; são sempre [218] com a fórma angulosa e apresentam secções similhantes ao feitio de um seio. É por excepção que se encontram ainda, em certas partes dos monumentos do XV seculo, columnas enfeixadas formadas pela reunião de columnasinhas cylindricas com capitel.

Os pilares e as columnas são construidas por fiadas na Belgica, na Allemanha e no Norte da França. No meiodia da França e na Italia, as columnas cylindricas são quasi sempre monolithos.

Durante o periodo ogival, os fustes das columnasinhas não são, como muitas vezes no periodo roman, cobertas de diversas esculpturas. Todavia encontram-se, em alguns edificios dos primeiros annos da época ogival, como na cathedral de Chartres em França, e em muitos monumentos italianos, columnasinhas terciaes em que o fuste é em espiral.

As columnasinhas tiveram principalmente applicação no XIII e no XIV seculos. As que compõem os grandes pilares teem geralmente o seu fuste envolvido n'um quarto de circumferencia, os outros tres quartos ficam apparentes; algumas, não obstante, estão inteiramente separadas da parede ou da columna que fórma o pilar que ellas ornam, como existe nas cathedraes de Amiens, França, e de Salisbury, na Inglaterra. No XIII seculo, essas columnas são muitas vezes, como as do seculo precedente, anneladas, ou compostas de engrossamentos em fórma de bracelete.

No XV seculo, estas columnasinhas são raras; [219] ou então substituidas por nervuras prismaticas não sómente nas columnas enfeixadas, mas tambem em todas as outras partes dos edificios, taes como o molduramento das portas e das janellas. Estas nervuras teem base, mas sem capitel.

No principio do XVI seculo tornam a apparecer as columnasinhas com o fuste coberto de esculpturas, representando figuras geometricas, festões e arabescos. Os fustes das columnasinhas d'esta época são regularmente cylindricos: algumas vezes polygonaes ou apresentando a forma de balaustre.

Bases das columnas


As bases das columnas do XIII seculo compõem-se de dois tóros separados por uma cavidade redonda (scocia) bastante profunda de maneira a formar uma calha na qual a agua da chuva se retem afim de não prejudicar o cimento da construcção. Algumas vezes o tóro inferior é achatado e sobresae bastante por cima do plintho; o tóro superior é quasi sempre cylindrico; por vezes todavia apresenta uma pequena depressão.

Durante a primeira metade do XIII seculo, as bases das columnas estão ainda muitas vezes ligadas aos angulos dos seus plinthos por garras. As garras apparecem por vezes, porém excepcionalmente no final do periodo ogival.

Depois do meiado do XIII seculo, a scocia profunda, que indica um dos signaes caracteristicos das bases da ultima metade do XII seculo e do principio do XIII seculo, desapparece pouco a pouco, [220] assim como o achatamento do tóro inferior. As bases passam depois successivamente pela fórma polygonal ou cylindrica; pertencendo a primeira d'este feitio ao XIII seculo, e a segunda ás bases do XVI seculo.

Quando o tóro inferior da base desdobra muito sobre o plintho da columna, põe-se algumas vezes um pequeno apoio por baixo do t­óro. Esta particularidade, sem belleza, se encontra nos edificios francezes e da Belgica.

O sóco sobre o qual vem assentar a base da columna do XIII e do XIV seculos, fórma, quasi sempre, um octogono regular; algumas vezes, comtudo, é quadrado (nos edificios dos primeiros annos do periodo ogival) ou cylindrico. Os sócos cylindricos se encontram em muitos monumentos belgas do XIII e do XIV seculo: tambem são bastante communs na Inglaterra: em França servem na Normandia, na Bretanha e no Maine.

No XV seculo, a base e plintho das columnas monocylindricas são extraordinariamente delgadas. A base é formada sempre por uma simples moldura do feitio de tóro. Muitas vezes esta moldura, que nos seculos precedentes era traçada sobre um plano circular, toma a fórma polygonal do sóco.

Nas columnas enfeixadas do seculo XV, as pequenas bases parciaes das nervuras prismaticas ou cylindricas em grupo á roda do pilar central, formam, pela sua reunião e penetração, a base e o sóco da columna. Durante a primeira metade [221] d'este seculo, as pequenas bases teem todas o mesmo perfil e ficam ao mesmo nivel. Mais tarde, os architectos costumaram perfilar as bases parciaes em niveis differentes, como para melhor fixar cada columnasinha e para evitar tantas compridas linhas horisontaes.

Capiteis.―Durante todo tempo do periodo ogival, ornaram regularmente com bellas esculpturas os açafates dos capiteis. Houve comtudo excepções a esta regra, e por isso se encontram em alguns edificios religiosos de segunda e terceira ordem do XII e do XIII seculo, limitados por uma simples moldura.

Os capiteis do XIII seculo distinguem-se com facilidade pela ornamentação vegetal de um caracter mui particular. O seu açafate compõe-se geralmente de um, de dois, e algumas vezes mesmo de tres renques de crochetes ou enroscamento de folhagens. Os crochetes de renque superior supportam quasi sempre os angulos do abaco, e substituem, de alguma maneira, o emprego dos modilhões. No final do XII seculo e no principio do XIII seculo, teem a sua extremidade enroscada e parecem rebentos de vegetaes. Em França desde o final do XII seculo, e na Belgica um pouco depois, as extremidades dos crochetes se desenrolam, e os rebentos se abrem em folhagens.

Algumas vezes os crochetes, em logar de acabarem por folhagens enroscadas ou abertas, trazem no seu cume cabeças de homens e de animaes verdadeiros ou phantasticos.

[222] Os capiteis com crochetes enroscados, cujo emprego então estava abandonado em toda a parte no final do XIII seculo, continuou na Flandres maritima até ao fim do periodo ogival. Além d'isso, os crochetes teem, n'esta região, uma fórma especial; seus enroscados são muito mais chatos e mais largos.

A ornamentação dos capiteis do XIV seculo consiste em ramos de folhagens, de flôres e de fructos, de fórma muito variada, nas quaes se acham todos os caracteres da esculptura ornamental do XIV seculo. Os crochetes, apropriadamente assim designados, não apparecem mais que excepcionalmente com os capiteis d'esta época: todavia os ramos de folhagens e de flores são geralmente collocados, nos angulos do abaco, de maneira a recordar pelo seu vulto os crochetes do XIII seculo, e servem para o mesmo fim. Muitas vezes estes ramos são dispostos sobre dois renques; esta maneira se nota sempre quando, como acontece repetidas vezes, o açafate é composto de duas peças sobrepostas, e mesmo algumas vezes, quando o capitel é formado de uma só pedra.

As figuras de animaes reaes ou phantasticos se encontram poucas vezes sobre os capiteis do XIII e do XIV seculos.

Os capiteis do XV seculo teem, como os dos seculos precedentes, o seu açafate coberto de folhagens; porém essas folhagens apresentam geralmente mais ou menos desenvolvimento; são delgadas, angulosas, muito recortadas, muito profundas [223] e exaggeradas. Com o XV seculo, appareceu sobre os capiteis o ornato vulgarmente designado folha de repolho.

Em muitos ornamentos do XV seculo, os architectos, levados pela applicação muito rigorosa do preceito que qualquer ornato deve ter ao mesmo tempo um emprego necessario, supprimiram o capitel. N'estes casos, os arcos-butantes e as nervuras das abobadas sobem, sem intermediario, do fuste cylindrico, ou então nascem na base mesmo da columna, seguindo toda a largura do fuste até ao nascimento das abobadas, e tomam, n'esse logar, as differentes direcções convenientes para a construcção das abobadas.

As columnas cylindricas com capitel são usadas nos edificios belgas do XV seculo, mas são bastante raras em França.

Modilhões e misulas


É um apoio que faz saliencia sobre a face de uma parede ou de uma columna que se chama modilhão quando tiver dois lados lateraes parallelos e perpendiculares á parede; e misula, quando apresentar uma outra differente posição.

Depois do meiado do XIII seculo, os modilhões do feitio de curvas são raros.

As misulas apresentam por vezes uma tal ou qual similhança com os capiteis, e são tambem sempre rematadas por um abaco; differençam-se comtudo, as mais das vezes, pelo seu genero de ornamentação. Na verdade, as esculpturas dos capiteis [224] do periodo ogival reproduzem quasi sempre vegetaes: e sómente por excepção mostram figuras de homens ou de animaes. Sobre as misulas, pelo contrario, a ornamentação vegetal não apparece, por assim dizer, senão no XIII seculo, e mesmo é rara; durante os dois seculos seguintes desapparece, e então as misulas são constantemente formadas de personagens grotescas, acocoradas, de animaes reaes ou phantasticos, e algumas vezes tambem de cabeças humanas, ou figuras de anjo e de homem sustentando escudos, disticos e bandeirolas.

Muitas vezes as misulas, collocadas quer no interior, quer no exterior dos edificios, são pintadas com côres vivas.

Arcadas e arcaduras


As grandes arcadas ou archivoltas ligando os pilares das naves e sustentando o peso das paredes superiores, compõem-se regularmente de dois ou tres renques de sobre-arcos nos edificios do periodo ogival. Os perfis variam nos differentes seculos.

No XIII seculo, e mesmo ainda no XIV seculo, as arestas da archivolta são formadas por tóros inscriptos na face quadrada da peça do arco; no XIV seculo e durante uma grande parte do XV seculo, os tóros já não são completamente cylindricos, mas teem antes do termino a curva d'esta moldura, um filete destinado a deter a força do reflexo; no final do XV seculo e no principio do XVI, os tóros cylindricos tornam a apparecer.

[225] As arcaduras são bastante vulgares nos monumentos do periodo ogival; servem para ornar o liso das paredes internas e exteriores dos edificios. Na parte interna apparecem principalmente no triforium e por baixo dos peitorís das janellas das naves lateraes; na parte exterior, por baixo das cornijas e nos frontespicios, nos vasamentos dos grandes portaes e nas galerias dos claustros.

As arcaduras que se vêem em baixo das janellas de quasi todos os grandes monumentos, compõem-se de uma serie de pequenas arcadas fingidas, collocadas entre os peitorís das janellas e o solo ou no sóco de cantaria que fórma, muitas vezes, uma especie de base ao longo das paredes das naves lateraes.

No XIII seculo, as curvas das arcaduras assentam sobre columnellos mais ou menos embebidos na parede. No XIV e no XV seculos, os columnellos ficam substituidos por simples nervuras, ás vezes cylindricas; porém as mais das vezes a secção polygonal não differe muito da de uma semi-hombreira de janella. Estas nervuras teem remate junto do solo, sobre as bases que lhes pertencem. No final do periodo ogival, supprimem-se, por vezes, as nervuras, e então as arcaduras assentam sobre modilhões.

No XIV e no XV seculos, as arcaduras sobre os peitorís das janellas ligam-se inteiramente com as hombreiras das janellas e parecem, de alguma maneira, confundir-se com elles: parecendo que atravessam a cantaria do peitoril e descem até ao solo. [226] As arcaduras não são mais do que a parte inferior da janella que está tapada, e na verdade, a parede necessitando de diminuir para dentro, ficando á face da vidraça, afim de deixar metade do peitoril apparente, conserva apenas uma pequena grossura, que equivale a uma simples divisão.

Nos edificios mais esmerados, os seguintes, isto é, os lados triangulares comprehendidos entre os extradoz das archivoltas e de duas arcaduras, proximas uma da outra, estão geralmente ornatados com esculpturas, pinturas ou rendilhados, mostrando a fórma trilobada ou quadrilobada, e com vidros pintados, emquanto as paredes que separam os entre-columnios, apresentam pinturas decorativas.

As esculpturas e as pinturas com as quaes se decoravam os seguintes das arcaduras, durante o periodo ogival, são ora legendarios ou satyricos, ora tirados do reino vegetal. Nos monumentos inglezes do XIII seculo, os seguintes estão muitas vezes com ornatos similhantes a estofo cheio de relevo.

Dentro das grandes egrejas do XV seculo existem como decoração as arcaduras e outras figuras por cima e por baixo do triforium, sobre o dorso das grandes arcadas e ao correr das janellas mais superiores; ás vezes mesmo sobre o liso das paredes e em outras partes do edificio.

[227]

Triforium


Os triforiums comprehendem toda a largura das naves lateraes, não se vêem senão por acaso nos edificios do periodo ogival. Desde o final do XII seculo, lhes substituiram, nas egrejas da Europa occidental, galerias estreitas, abertas na grossura da parede, por baixo dos peitorís das janellas superiores da nave principal. Estas galerias estreitas offereciam commodidade: em primeiro logar facilitavam a circulação dentro da egreja quasi á altura das janellas superiores, e davam logar a collocarem-se as armações e outros adornos com que havia o costume de decorar as egrejas nos dias de festa; e em segundo logar, diminuindo a grossura das paredes superiores, alliviavam a pressão exercida sobre os pilares principaes dos edificios; finalmente, offereciam uma das mais importantes disposições para a decoração da nave principal.

O triforium communica com o interior da egreja por series de arcaduras abertas, tendo o mesmo feitio que as arcaduras que havia sobre o liso das paredes, debaixo dos peitorís das janellas inferiores. Muitas vezes, principalmente no XV seculo, tapava-se a parte inferior da arcadura com um parapeito formando ornato de feitio de trêvo ou de quatro folhas.

Nota-se que nos triforiums, assim como nas arcaduras com ornato, as archivoltas ficam assentes sobre columnatas com capitel pertencente ao estylo do XIII seculo, e sobre nervuras das hombreiras [228] dos seculos seguintes. A disposição das arcaduras do triforium apresenta ainda uma outra analogia muito parecida com as arcaduras de ornato, formando regularmente, desde o final do XIII seculo, a continuação das janellas das naves lateraes. Depois d'esta época tambem as arcaduras do triforium se assemelham ás janellas superiores da nave principal.

No termo do periodo ogival, supprimem-se muitas vezes as arcaduras, não conservando mais do que um simples guarda-peito; o ornamento denominado chama apparece regularmente nos desenhos que formam as hombreiras d'esses guarda-peitos. As janellas superiores ficam, n'este caso, collocadas a prumo sobre a parede exterior do triforium.

Na Belgica, o triforium é geralmente tapado do lado exterior da nave por uma parede; é, por excepção, que esta parede tem abertura, e a um ou dois metros por cima do pavimento da galeria, pequenas aberturas circulares, trilobadas ou quadrilobadas, cobertas de grisalhas ou com ornatos elevados. Nos edificios francezes do XIII e XIV seculos, pelo contrario, a galeria do triforium não fica, as mais das vezes, separada do exterior senão por uma simples lumieira, apresentando bellos vidros pintados, semelhantes aos que decoram as janellas.

Cornijas


As cornijas do estylo ogival têem geralmente pouca importancia. Nos edificios que pertencem ao periodo de transição, e mesmo, na Belgica, em [229] algumas que são dos primeiros annos do periodo ogival, o larmier superior da cornija assenta ainda muitas vezes, de distancia em distancia, do mesmo modo que na época roman, sobre cachorros servindo de modilhões, com muita sacada, mas de grande simplicidade.

Em França, as cornijas dos monumentos mais principaes compõem-se, quasi sempre, de duas fiadas de cantaria. A fiada inferior está ornada de crochetes vegetaes no XIII seculo, de folhagens ondeadas no XIV, e de folhas de repôlho encrespadas no XV. Algumas vezes vê-se tambem, entre estas esculpturas, modilhões formados por cabeças humanas ou por carrancas.

As cornijas dos grandes edificios belgas apresentam as mesmas fórmas geraes que as cornijas francezas, porém não têem esculpturas, sendo substituidas por arcaduras simples, ogivaes, ou triboladas. Estas arcaduras apparecem principalmente nos paizes onde, durante o periodo Roman, as arcaduras serviam de decoração, imitando-se o estylo Lombardo, e foram usadas para ornar certas partes dos edificios.

Desde o começo da ultima metade do XIII seculo até o final do XIV, os edificios de segunda ordem, e mesmo os de primeira ordem na Belgica, têem as cornijas compostas de simples perfis, formados por um pequeno numero de molduras pouco importantes.

[230]

Platibandas


As platibandas que corôam as cornijas no exterior dos edificios principiaram nos primeiros annos do XIII seculo. Antes, a agua da chuva caía dos telhados directamente sobre o solo; até o meiado do XIII seculo sómente os edificios mais importantes tiveram canos de chumbo para dar vasão á agua da chuva e se assentaram platibandas sobre a beira do telhado. Estas platibandas encanavam a agua por gargúlas, que a lançavam para longe da face das paredes, e impediam por esta maneira que as aguas da chuva podessem prejudicar a base da construcção, introduzindo-se-lhe a humidade. As platibandas, cujo destino principal era evitar o perigo que apresentava passar sobre as gargúlas, facilitam além d'isso os concertos do telhado, e resguardam das telhas da beira quando cáem; permittindo aos architectos darem melhores decorações ao exterior dos monumentos.

As mais antigas platibandas têem a fórma de arcaduras rendilhadas, compostas de columnatas, sobre as quaes vem assentar um remate vasado, na sua parte inferior, em arco ogival, trilobado. No final do XIII seculo substituiram-se as arcaduras pelas folhas de trêvo e de quatro folhas vasadas.

A altura e o feitio das platibandas variam conforme os materiaes empregados. No XIV seculo as platibandas, as mais das vezes, tinham folhas de trêvo e de quatro folhas, vasadas e divididas de [231] distancia em distancia, na prumada dos contra-fortes, por pinaculos. No XV seculo, as prumadas são compostas, umas vezes pela reunião de rhombos, de triangulos equilateraes curvilineos, ou por figuras geometricas angulares; outras vezes por desenhos flammejantes, parecidos com os que caracterisam os tympanos das janellas d'esta época. No final do XIV seculo apparecem, principalmente nos edificios civis, as platibandas com ameias, nas quaes se vêem os mesmos feitios que nas platibandas vulgares. O seu uso persistiu até ao final do periodo ogival.

As platibandas com arcaduras verticaes apparecem ainda aqui ou acolá nos edificios do XIV, XV e mesmo do XVI seculo.

Abobadas. As abobadas ogivaes distinguem-se ao mesmo tempo pela sua elegancia e leveza. Isto foi resultado da pouca grossura dos triangulos do enchimento que vedava a parte composta de arcos-duplos e de nervuras. Comtudo a leveza não excluia a solidez; pelo contrario, as abobadas ogivaes são mais solidas e mais resistentes que as dos periodos anteriores, posto que sejam muito menos massiças.

Estabilidade e plano das abobadas. Já explicámos que a estabilidade das abobadas não depende do mesmo principio dos edificios antigos e do periodo ogival; e fizemos notar, em poucas palavras, os progressos tão importantes realisados pelos architectos do XII e XIII seculos nas construcções das abobadas.

[232] Fizemos tambem conhecer que as abobadas com o feitio das nervuras, como são construidas as abobadas ogivaes, causam um esforço lateral que tende a desviar para fóra dos seus pontos de apoio as columnas, contra-fortes ou paredes. Os constructores do periodo ogival evitavam esse esforço lateral, oppondo-lhe quer um esforço em sentido inverso, quer um obstaculo rigido que, impedindo de operar, resolveu-o empregando cargas verticaes. É caso particularmente para notar, porque constitue egualmente uma differença essencial do systema de construcção dos antigos, esses obstaculos apresentam as dimensões unicamente necessarias para preencher o fim ao qual são destinados.

Esta neutralisação dos esforços lateraes não se obtem da mesma maneira nos edificios religiosos, cuja nave principal é notavelmente mais alta do que as naves lateraes, e n'aquelles em que todas as naves teem egual altura.

Egrejas que teem a sua nave central muito mais elevada do que as outras lateraes. Foi o systema adoptado, desde o final do XII seculo, pelos constructores da Europa occidental, afim de conservar o equilibrio das differentes partes de que se compunham os seus monumentos; porque o arco-duplo da abobada principal á parede mestra, o arco butante, o contraforte e a columna que separavam a nave principal da nave lateral do seu arco-duplo, formavam um triplo esforço motivado pelo arco-duplo da abobada principal e os seus dois arcos [233] ogivaes, que faziam pender para fóra a parede mestra do edificio. A este esforço, o constructor da edade média oppunha o arco butante, que vinha apoiar-se sobre a parede mestra, ficando collocado ao mesmo nivel. Por esta maneira o esforço triplo causado n'esse ponto era transferido sobre o contraforte, onde se quebrantava por causa da sua rigidez; e devido a essa rigidez, o seu peso juntando-se ao da parede mestra do edificio, que comprime sobre a columna que sepára as duas naves; por ambas as forças reunidas, tornava-se esta bastante fixa para aguentar e neutralisar o triplo esforço exercido pelo arco-duplo da nave lateral e pelas nervuras proximas da mesma nave. O esforço do arco-duplo d'esta nave e das duas nervuras ficam supprimidas pelo encontro do contraforte.

Egrejas em que as naves ficam na mesma altura. N'estas egrejas os esforços lateraes que a abobada da nave principal opéra sobre os seus pontos de apoio ficam diminuidos pela pressão das abobadas exteriores d'estas mesmas naves lateraes, ficando supprimidos pelos contrafortes, geralmente bastante salientes, os quaes lhes oppõem um obstaculo rigido, que produz o equilibrio das abobadas.

Abobadas de feitio de tecido. As abobadas sobre plano quadrado longo, formadas por arcos ogivaes que se entroncam uma só vez, foram geralmente abandonadas proximo do meiado do XV seculo. Apparecem então as abobadas em tecido, designadas [234] tambem pelos archeologos, abobadas com divisões prismaticas. N'estas abobadas as nervuras bifurcam-se, ramificam-se e encruzam-se em todos os sentidos, de maneira a figurar um verdadeiro tecido, como está representado na surprehendente abobada do cruzeiro da egreja monumental dos Jeronymos em Belem. Todos os pontos de intersecção das nervuras estão regularmente ornados de esculpturas.

Perfis das nervuras nas abobadas ogivaes. As nervuras ou arcos ogivaes das abobadas construidas no final do periodo Roman consistem muitas vezes em um grosso tóro, algumas vezes tendo dois ou quatro tóros de menos vulto. Os arcos-duplos da mesma época, muito mais massiços que as nervuras, apresentam secções quadradas ou rectangulares, e teem os angulos das partes concavas da abobada talhadas em tóro. Desde o principio do XIII seculo, os arcos-duplos tiveram, com raras excepções, os mesmos perfis que os arcos ogivaes.

Durante os primeiros annos do periodo ogival, vê-se ainda arcos-duplos e arcos ogivaes muito grossos, semelhantes aos dos edificios romans. Todavia não tardou a adelgaçarem, a diminuirem de grossura. Pouco depois, a parte redonda do tóro principal apresenta uma aresta viva. Esta fórma teve logar em França desde o final do XII seculo, e na Belgica sómente no meiado do seculo seguinte. Mais tarde, em França ao principio, e na Belgica proximo do meiado do XIII seculo, a aresta viva é [235] substituida por um filete, que ficou adoptado até ao final do periodo ogival. Nos edificios francezes apparece tambem o filete sobre os tóros secundarios desde o meiado do XIV seculo. No final do XV e no começo do XVI seculo, as nervuras apresentam muitas vezes o perfil composto de molduras concavas e redondas.

Comparando-se os perfis mais antigos com os mais recentes, nota-se que os primeiros apresentam uma superficie mais larga e menos alta que as dos ultimos. Esta mudança na fórma dos perfis não se fez sem motivo: os constructores tinham aprendido por experiencia que a resistencia de um arco ou de uma nervura está em razão directa da altura da peça de voltas e não em razão da sua largura.

Fecho da abobada. No XII seculo, tinham principiado a ornar com esculpturas os fechos da abobada. Estes primeiros fechos esculpidos representavam Jesus Christo deitando a benção, o Cordeiro Divino, Nossa Senhora, os anjos, os animaes symbolicos dos evangelistas, santos, e muitas vezes tambem carrancas ou animaes phantasticos. Nas abobadas dos edificios de segunda ordem contentavam-se algumas vezes de indicar um simples florão ou entrelaços.

No XIII seculo o emprego dos fechos de abobadas com esculpturas veiu a ser geral, sendo representado nas abobadas do côro, Jesus Christo, o Cordeiro Divino, os symbolos dos evangelistas e outros objectos religiosos. Na nave principal e nas [236] lateraes a ornamentação distingue-se por ser vegetal. Os fechos de abobada no XIV seculo, e tambem na primeira metade do XV seculo, apresentam bastantes vezes a mesma decoração que a do XIII seculo; todavia na sua esculptura vegetal ha os caracteres proprios da ornamentação de cada um d'estes seculos. No XV seculo, os brazões dos bemfeitores da egreja são esculpidos frequentemente sobre os fechos da abobada.

No final do XV seculo, apparecem os fechos da abobada ornados de um appendice que recebeu o nome de pendente, que ficou em uso durante uma parte do XVI seculo, imitando stalactites que estão suspensas ás superficies superiores das grutas. Algumas vezes tem o feitio de um florão ou um ornamento extravagante; outras representa uma estatua pegada á abobada.

Muitas vezes os fechos da abobada são furados por um buraco circular, para se poder içar os sinos e outros objectos acima das abobadas: como havia dois oculos na abobada da egreja de Belem, indicando não sómente essa applicação, mas que o edificio deveria ter duas torres: todavia, construiram modernamente um torreão colossal, que esmaga aquelle monumento, e não respeitaram o que fôra projectado na sua primitiva edificação!

Arcos butantes. Chama-se arcos butantes aos arcos destinados a transportar até aos contrafortes exteriores o esforço lateral das abobadas mais elevadas de um edificio. Nascem dos contrafortes e [237] apoiam-se sobre as paredes da nave principal nos differentes pontos onde vão confinar os resultantes dos encostes dos arcos ogivaes e dos arcos-duplos.

Já explicámos os dois systemas empregados durante o periodo roman para contramurar o esforço lateral produzido pelas abobadas superiores sobre as paredes altas das egrejas em que a abobada principal é muito mais alta que as outras das naves inferiores, e notámos os inconvenientes que resultavam de uma e de outra applicação. Estes dois systemas foram em pouco tempo abandonados, primeiramente porque a nave principal ficava sem claridade, sobretudo nos edificios de maior largura, e em segundo logar porque, n'um como no outro systema, as abobadas das naves lateraes precisavam de ser muito altas para attingir o ponto onde se effectuava o encontro combinado das nervuras das abobadas altas. Raciocinadores dispostos a sujeitar tudo aos principios dos architectos do XII seculo e do XIII seculo, conheceram que os semicirculos das abobadas em berço contiguo, do qual alguns dos seus antecessores se tinham servido com o fim de neutralisar o esforço lateral das abobadas altas, não era necessario na sua fórma completa, e que se obtinha o mesmo resultado applicando sobre a parede exterior do edificio no ponto onde viesse dar a resultante dos encostes, um arco partindo de um contraforte exterior: foi esta combinação que deu origem aos arcos-butantes.

[238] Para que satisfaça á sua applicação deve o arco-butante: 1.º, ter as juntas das peças de sua construcção normaes ou perpendiculares á curva por elle descripta; 2.º, ficar o seu vertice sobre a parede exterior no ponto onde passe a resultante do esforço da abobada. Esse ponto acha-se entre o nascimento das nervuras ou arcos ogivaes e perto da metade da altura da abobada. Em theoria esse ponto é um ponto geometrico; todavia na prática é preciso que a summidade ou cabeça do arco-butante seja larga; primeiro porque é impossivel, na execução, determinar de uma maneira exacta a direcção da resultante dos differentes esforços das abobadas; depois porque a direcção d'esta linha póde facilmente desviar-se em resultado de ter dado de si nos pontos de apoio verticaes, effeito que acontece frequentemente nas grandes construcções medievaes cujos pontos de apoio são delgados e supportam uma pesada carga.

Os arcos-butantes são geralmente reforçados, no seu extradoz, por um encosto em linha recta, construido em cantaria. O espigão d'este encosto é muitas vezes ornatado de crochets.

Desde o final do XII seculo e no principio do XIII seculo, os arcos-butantes vieram a ser de uso geral em todos os grandes monumentos religiosos, cuja nave principal era mais alta que as naves lateraes. Os mais antigos são geralmente formados por um quarto de circulo. Depois a curvatura veiu a ser menos curva, approximando-se da linha recta.

[239] Empregaram tambem desde os primeiros annos do XIII seculo, arcos-butantes duplos, isto é, dois arcos-butantes collocados um por cima do outro.

Os arcos-butantes foram empregados durante todo periodo ogival; todavia eram menos usados durante a ultima metade do XV seculo. Em muitos monumentos d'esta época, mesmo os mais principaes, julgavam-se sufficientes os contrafortes muito massiços e salientes para diminuir o esforço das abobadas.

Quando no principio do XIII seculo collocaram por baixo do madeiramento um canal para receber as aguas da chuva, dirigiam as aguas do telhado principal para os contrafortes exteriores por um canal de cantaria posto sobre o capello do arco-butante. As aguas passavam atravez no cimo dos contrafortes, e eram depois lançadas fóra por gargulas, caindo afastadas da base do monumento. As infiltrações causadas pela passagem das aguas sobre o capello dos arcos-butantes, e atravez dos contrafortes, produziram damnos tão consideraveis nas construcções que ficou em pouco tempo abandonado este systema de dar escoante ás aguas da chuva.

Contrafortes. Durante os primeiros annos do periodo ogival, os contrafortes dos edificios de abobadas foram demasiadamente engrossados e tiveram bases bastante salientes; á proporção que se elevavam assim, iam diminuindo consideravelmente por grandes resaltos successivos sobre cada uma das faces.

[240] No meiado do XIII seculo, os contrafortes ficam mais regulares, erguem-se quasi verticalmente da base á extremidade superior, e não apresentam já por cima do envasamento um ou dois resaltos bastante pequenos e sómente sobre a face principal.

Estes contrafortes terminavam por uma face chanfrada que ia ter até á cornija, e muitas vezes era de fórma abahulada, quando ficavam isolados ou excediam a base do madeiramento. Nos monumentos principaes limitavam-se algumas vezes a pôr pinaculos, e ornavam as suas faces lisas de arcaduras e estatuas postas sobre misula, tendo docel.

No XIV seculo a fórma dos contrafortes ficou quasi a mesma que durante a ultima metade do seculo precedente. Tinham a sua extremidade, como d'antes, quer em pinaculos e fórma abahulada, quer ficando os pinaculos assentes sobre base quadrada ou octogona, terminando por agulhas pyramidaes, cujas arestas estão ornadas de cróchets.

Os contrafortes do XV seculo semelham-se ainda muitas vezes aos dos dois seculos precedentes. Como estes, apresentam, de distancia em distancia, diminuição de grossura pouco apparente sobre a sua face anterior, e são ornados de arcaduras, nichos e doceis, ornamentação no gosto da época. Todavia, desde o fim do XIV seculo, principiaram a modificar algumas vezes a sua disposição; regularmente deixaram subsistir a base [241] quadrada ou rectangular, tendo a face anterior parallela e as duas faces lateraes perpendiculares com o liso da parede; porém, a certa distancia acima do solo (ao primeiro ou segundo resalto), a face anterior, parallela á parede, passa a ser angular; mesmo ás vezes se vêem contrafortes cuja face anterior fica angular á parede desde a base do edificio. Estes contrafortes, com lados chanfrados, acabam como todos os outros, por um plano inclinado, platafórma ou espigão de feitio abahulado, ou por um pinaculo bastante ornado.

No XIII e no XIV seculo, os contrafortes collocados no ponto de intersecção de paredes que se encontram em angulo recto, são sempre em numero de dois. No XV seculo, julgavam ás vezes ser sufficiente um unico contraforte collocado de maneira a fazer face ao angulo; sendo estes contrafortes angulares muito communs nos edificios d'esta época.

Por causa do excessivo esforço lateral que produzem sobre os seus pontos de apoio, as abobadas ogivaes necessitavam o emprego de contrafortes com base de bastante largura. Nos monumentos dos primeiros annos do periodo ogival, esses contrafortes, que teem tres de suas faces inteiramente livres, apresentam saliencias grandes sobre as paredes exteriores dos edificios. Estas sacadas desagradaram em pouco tempo aos constructores, que cogitaram em as diminuir ou fazel-as desapparecer inteiramente disfarçando os contrafortes. [242] Para esse fim recuáram até á parede mestra a divisoria que havia antes na nave lateral, aproveitando na parte interna do monumento o espaço de um rectangulo que communicava com a extremidade da nave lateral e servia ás vezes de capella.

Nos edificios do periodo ogival, cobertos por simples fôrro do tecto, de madeira, os contrafortes tinham pequena sacada sobre o liso das paredes.

Gargulas. Dá-se o nome de gargulas aos canaes salientes pelos quaes as aguas da chuva sáem dos telhados e são lançadas longe da base das paredes dos edificios. Teem quasi sempre a configuração de animaes monstruosos e phantasticos, e raramente a figura humana. Admira-se, n'estas esculpturas, uma variedade prodigiosa, e seria difficil de achar duas do mesmo feitio, todavia a maior parte dos edificios ogivaes apresentam um grande numero. N'este genero ha duas no nosso paiz bastante exquisitas, uma no angulo da cimalha da egreja de Caminha, na capella mór, voltada para o norte da fronteira do paiz, estando a figura humana revirada, isto é, em posição dobrada, com a cabeça para o lado do telhado e a parte trazeira do corpo para fóra do edificio, e é pelo anus que sáem as aguas da chuva: no castello de Pombal ha outra com a figura de mulher na mesma attitude, saindo aos canaes salientes pelos quaes as aguas da chuva sáem dos telhados e são lançadas longe da base das paredes dos edificios. Teem quasi sempre a configuração de animaes monstruosos e phantasticos, e raramente a figura humana. Admira-se, n'estas esculpturas, uma variedade prodigiosa, e seria difficil de achar duas do mesmo feitio, todavia a maior parte dos edificios ogivaes apresentam um grande numero. N'este genero ha duas no nosso paiz bastante exquisitas, uma no angulo da cimalha da egreja de Caminha, na capella mór, voltada para o norte da fronteira do paiz, estando a figura humana revirada, isto é, em posição dobrada, com a cabeça para o lado do telhado e a parte trazeira do corpo para fóra do edificio, e é pelo anus que sáem as aguas da chuva: no castello de Pombal ha outra com a figura de mulher na mesma attitude, saindo a agua da chuva pelo que distingue o seu sexo. Eram de proporções curtas e solidas no principio da sua applicação; vieram a [243] ser mais compridas e com melhores fórmas desde o final do XIII seculo.

Nichos e doceis. Dá-se o nome de nicho a qualquer espaço aberto, mais ou menos profundo, feito na grossura de uma parede, pilar ou contraforte, para n'elle se collocar uma estatua, um grupo, um vaso, ou qualquer objecto de decoração. Os nichos apparecem poucas vezes nos monumentos do XIII e XIV seculos; n'essa época as estatuas, com as quaes ornavam ás vezes certas partes dos monumentos, eram postas sobre misulas salientes, tendo doceis egualmente salientes sobre a face das paredes.

No XV seculo, o uso dos nichos vem a ser mais geral; vêem-se bastantes vezes no exterior dos monumentos, sobre as fachadas, nos contrafortes e nos tympanos dos portaes.

Os doceis, isto é, os remates salientes, mais ou menos ornamentados de esculpturas, ficando collocados por cima da cabeça das estatuas, são muito geraes desde o final do periodo roman. No XII e no XIII seculos, esses doceis primitivos representam quasi sempre edificios, fortalezas, e mesmo algumas vezes cidades inteiras cercadas de muralhas. Não havia ainda n'esta época, por cima, pinaculos ou pyramides delgadas, posto que em certas partes do centro da França, as tiveram desde o meiado do XIII seculo, sendo terminadas por clochetons. As fórmas architectonicas dos edificios representadas pelos doceis são muitas vezes anteriores á época em que foram esculpidos; [244] é por isso que no XIII seculo apparecem n'elles zimborios, arcos de volta inteira, etc., que todavia não se vêem já nos monumentos contemporaneos.

No XIV seculo, os doceis mudam totalmente de aspecto, cobrem-se de arcaduras com ornamentação e com outros detalhes imitados da architectura; teem geralmente por cima vistosos pinaculos, muitas vezes vasados.

No XV seculo, apresentam quasi as mesmas fórmas que no seculo precedente, porém exaggeradas; sendo os doceis contornados demasiadamente, e a sua ornamentação feita com muita delicadeza.

Madeiramentos. Distinguem-se, nos edificios do periodo ogival, duas especies principaes de madeiramentos: os que não ficavam apparentes, porque não revestiam as construcções abobadadas, e os apparentes que se empregavam nos edificios que não tivessem abobadas, sendo estes que interessam sobretudo os archeologos.

Quando os madeiramentos ficam apparentes, isto é, visiveis no interior do edificio, apresentam sempre o aspecto de uma abobada de fórma de berço. Este berço é algumas vezes semi-cylindrico, semelhante aos que se encontram em algumas egrejas romans; as mais das vezes, todavia, são traçados por tres centros. Ripas de carvalho, ou de qualquer outra especie de madeira, tendo as juntas sobrepostas, são pregadas sobre as cambotas, circulares ou ogivaes, formadas pelas asnas e varedo. Tendo [245] pinturas por decoração, e algumas vezes as extremidades das peças de madeira ficam visiveis, tendo esculpturas, que representam anjos com escudos ou phylacterias, cabeças de gente, figuras de cocoras com carranca, ou animaes phantasticos. Muitas vezes as nervuras ou as franquias ficam parallelas ás nervuras das asnas, porém sendo mais estreitas, estão pregadas sobre o varedo e sustentam no seu logar as ripas. Estas nervuras são cobertas com vivas côres ou com elegantes entrelaçados.

Algumas vezes tambem são assentes sobre as ripas, as nervuras que se encruzam do mesmo modo que os arcos diagonaes ou as ogivas das abobadas de cantaria.

As abobadas cobertas de gesso, taes como as constroem os architectos modernos na maior parte das novas egrejas ruraes, eram inteiramente desconhecidas durante o periodo ogival. Quando a verba de que dispunham não lhes permittia o estabelecer abobada de alvenaria, serviam-se do madeiramento apparente, que se ornava tão artisticamente quanto fosse possivel. Nunca se empregavam pueris dissimulações, fingimentos architecturaes, onde as ripas appareciam a imitar a cantaria com a capa desprezivel de gesso ou de argamassa! Não se esquecia n'esta época, que a verdade é a condição essencial da existencia da arte; esta deve engrandecer o espirito, encantar a vista, e não enganal-a.

Telhados. No meiado do XII seculo, os telhados [246] teem grandes inclinações nos edificios da Europa Central e Septentrional; emquanto nos paizes meridionaes conservam pequena correnteza, como se praticava nos telhados da antiguidade e no periodo roman.

Cobriam-se os madeiramentos com chumbo, cobre, ardozia e telhas. Ás grandes cathedraes e aos edificios mais importantes punham chapas de chumbo ou de cobre, por tal maneira, que podiam, sem alterar a sua superficie, dilatar-se ou encolher-se, conforme fosse a temperatura.

Cumieira e cimeira. Dá-se o nome de cumieira ao remate do espigão de um edificio. Durante o periodo ogival este remate era de metal (quasi sempre de chumbo), de barro cozido ou de cantaria. As cimeiras são telhas que formam uma cumieira; eram de barro de cozedura.

O maior numero dos grandes monumentos da edade média tinham d'antes por remate cumieiras nos madeiramentos, egualmente recortadas, imitando quasi sempre folhagens. Infelizmente são poucos os edificios do XIII e XIV seculos que conservam esse ornato primitivo. De todas as cumieiras de chumbo anteriores ao XV seculo (e eram as mais em uso n'essa época) não ha já vestigios: a oxydação do metal e muitas outras causas de destruição as teem feito desapparecer.

Nos paizes onde a telha foi empregada para cobrir os edificios, como, por exemplo, na Borgonha, as cumieiras dos madeiramentos compunham-se de uma continuação de cimeiras de barro [247] de cozedura, mais ou menos ornado. Uma capa esmaltada e envernizada ao fogo tinham sempre estas cumieiras para se tornarem menos permeaveis á humidade.

Desde o XI seculo, o emprego das cumieiras de pedra veiu a ser geral no meio dia de França. Encontra-se ainda hoje n'este paiz um grande numero de cumieiras dos periodos roman e ogival, as quaes escaparam á sua destruição. As mais antigas apresentam enlaçamentos e figuras geometricas; as que pertencem ao XIV e XV seculos são compostas de ornamentação com remate de folhagens, como ha na egreja de Belem.

Torres e campanarios. Do mesmo modo que no periodo roman os campanarios da época ogival são compostos de dois ou mais andares sobrepostos. A separação dos differentes andares é indicada, no exterior, quer por um resalto saliente, quer por uma pequena diminuição de grossura do andar superior sobre o inferior. Estes andares não teem já, como precedentemente, a mesma altura: são baixos ou altos, conforme as disposições internas dos campanarios. O rez-do-chão das torres é geralmente construido sobre plano quadrado; mas no primeiro ou no segundo andar, e as mais das vezes sómente no principio da flecha o plano vem a ser octogono. Os espaços triangulares, que ficam livres nos angulos do quadrado, pela passagem da fórma de quadrado para octogono, apresentam quasi sempre quatro pinaculos ou clochetões.

As frentes das torres teem aberturas nos differentes [248] andares, janellas estreitas ogivaes, muitas vezes geminadas, sendo raro estarem separadas ou reunidas em tres vãos.

Desde o principio do periodo ogival, os campanarios acabavam por flechas construidas de madeira ou de cantaria, com muita elevação, tendo a fórma de uma pyramide com oito lados eguaes. Já no XIII seculo, as arestas das flechas de pedra e os pinaculos collocados na base do octogono estão por vezes ornados, de distancia em distancia, por crochets vegetaes; no XIV seculo, principia-se a vasar os lados das flechas fazendo-se pequenas aberturas do feitio de flor de trevo, ou quatro folhas e com florão. No XV seculo, essas ornamentações são substituidas por feitios de chammas e por outras figuras geometricas vasadas. No final do XV seculo e no principio do seculo seguinte, construiram-se, em muita parte, os campanarios com flechas rendilhadas.

Muitos campanarios mais importantes, de grandes proporções, ficaram por concluir desde a base da flecha projectada, e ás vezes ainda mais abaixo. Algumas vezes tambem, as flechas da primitiva construcção, depois de terem sido destruidas por uma tempestade ou incendio causado pelo raio, foram substituidas por corpos simples ou remates hybridos, que não teem nada de commum com as lindas pyramides da época ogival.

No XIV e no XV seculos, muitos campanarios teem na base da flecha uma platibanda vasada, composta de arcaduras ou com feitios chammejantes.

[249] A maior parte das egrejas ogivaes de segunda e terceira ordem tinham campanarios de uma extraordinaria simplicidade, cujo effeito é agradavel e mesmo admiravel, se reflectirmos na pouca resistencia dos meios empregados para a execução. Estes campanarios, sem nenhum ornato, compunham-se de dois andares quadrados, dos quaes o superior só tinha as quatro frentes com janellas geminadas ou com tres aberturas, servindo para sair o som do sino. Uma flecha octogona limita a sua extremidade.

Os constructores da edade média comprehendiam que, sobretudo nos edificios de menor importancia, as combinações geraes mais simples eram as unicas mais acertadas para produzirem um aspecto monumental.

Em Flandres maritima tem-se conservado até ao presente um grande numero de campanarios ogivaes de segunda e terceira ordem, dignos de chamar a attenção dos archeologos e dos architectos; encontram-se alguns muito bellos até nas modestas freguezias do campo. Estes campanarios, construidos com tijolos, como todas as outras partes dos edificios d'este paiz, são geralmente terminados por uma flecha octogona tambem de tijolos, muitas vezes tendo quatro pinaculos nos angulos da sua base; as arestas da flecha e dos pinaculos são quasi sempre decoradas de crochets egualmente com tijolos. As platibandas que ligam entre si os pinaculos são cheias, pouco altas e ornadas com arcaduras fingidas. Uma outra particularidade que [250] apresentam alguns campanarios de Flandres maritima, é inclinarem-se um pouco para o lado oeste, que se suppõe ser um facto intencional do architecto para fazer resistir melhor contra os ventos d'este quadrante que sopram com extrema violencia á beira mar.

Muitas egrejas monasticas, e algumas vezes tambem as parochiaes, teem um campanario collocado quer na extremidade da capella mór, quer em um dos dois angulos formados pela intersecção da capella mór e o cruzeiro. Esta disposição é bastante geral nas egrejas ruraes na Baviera e na Austria. As abbadias preferiam esta collocação afim de que os frades incumbidos de darem signal pelos sinos para as ceremonias religiosas não fossem obrigados a afastar-se da egreja.

Os constructores romans construíam muitas vezes um campanario no logar da intersecção da nave e do cruzeiro. Na Inglaterra e na Normandia, estes campanarios centraes conservam-se durante o periodo ogival; por toda parte, fóra d'isso, são raros desde o XIII seculo, e muitas vezes foram substituidos por simples campanariosinhos de madeira. Na Belgica, encontram-se por vezes campanarios centraes de cantaria, porém de resumida dimensão, nos edificios do periodo de transição.

As escadas dos campanarios e tambem as que servem em outras partes dos monumentos para subirem aos madeiramentos, são geralmente de caracol com centro cylindrico ou octogono. Estas caixas das escadas, collocadas no exterior do edificio [251] nos angulos formados pela saliencia dos contrafortes, nunca são dissimuladas, mas visiveis, facilitando as seteiras que estão abertas darem luz á escada.

Durante o periodo ogival, collocavam quasi sempre cruzes de ferro batido no cimo das flechas dos campanarios, na extremidade do espigão do côro por cima da abside, e algumas vezes tambem sobre os espigões do cruzeiro. Estas cruzes distinguem-se geralmente por uma composição de bastante trabalho. As cruzes dos campanarios são quasi sempre encimadas por um gallo servindo de catavento. Primitivamente este adorno encontrava-se sobre as torres das egrejas parochiaes ou dos capitulos apenas. O gallo collocado no cimo da egreja symbolisa a imagem dos prégadores; pois o gallo vela durante a noite escura e assignala as horas pelo seu canto, faz despertar aquelles que dormem, e annuncia a aurora que se approxima; mas antes d'isso, elle se excita a si mesmo a cantar, dando ás azas.

Pavimentos. Os pavimentos romans eram compostos com mosaicos. Nos paizes meridionaes esses mosaicos foram formados de marmores differentes. Tanto em França como na Belgica, Allemanha, Inglaterra e Portugal, eram compostos de ladrilhos esmaltados ou de lagedo gravado e com embutido egualmente de côres diversas. Os ladrilhos e os lagedos gravados continuaram a ser empregados nos pavimentos dos edificios ogivaes na Europa Occidental e Septentrional.

[252] Esses pavimentos eram ora de uma grande simplicidade, ora esplendidos. Poucas vezes o chão todo das egrejas estava coberto por bellos mosaicos; em geral, não se adoptou este genero de decoração senão para a capella mór e para as capellas do corpo da egreja, porque nas naves, onde todas as pessoas são admittidas indistinctamente, o roçar do calçado em pouco tempo teria destruido o verniz do ladrilho ou o lagedo com gravuras.

Como já explicámos, o amarello e o verde-escuro são as côres preferidas no final do periodo roman, nos pavimentos de ladrilho do Norte e Oeste da Europa. No XIII seculo, substituiu-se muitas vezes a côr verde-escura, o encarnado e o avermelhado escuro, empregando-se o amarello para os embutidos. As côres carregadas e escuras deixaram de ser usadas nos pavimentos.

Os ladrilhos esmaltados são geralmente de pequenas dimensões, como havia no cruzeiro da egreja monumental do convento de Alcobaça, cujos ladrilhos estão agora escondidos por baixo de simples lagedo, na profundidade de 0m,34 centimetros!

Quando os desenhos dos ladrilhos ficam completos sobre um só ladrilho, ou se completam em quatro e mesmo em maior numero de ladrilhos reunidos, formam regularmente figuras geometricas, brazões, florões, animaes existentes ou phantasticos. Circulos, flores de liz, veados, aguias com duas cabeças, é o que mais frequentemente se vê.

[253] No XIII e no XIV seculos, figuras de homens em pé foram algumas vezes representadas pela reunião de um certo numero de ladrilhos pintados. Estas effigies de personagens eram muitas vezes acompanhadas de letreiros, empregados nas campas de cantaria.

Durante o XIV e o XV seculos, os desenhos dos ladrilhos conservam quasi o mesmo caracter precedente, mas são menos vistosos e não teem o vigor das côres e o desenvolvimento que apresentavam os do XIII seculo. No XIV seculo, as ornamentações são muitas vezes substituidas por firmas, letras, inscripções, escudos, e mesmo pequenas vistas. Pelo mesmo tempo apparecem os tons verdes e azues-claros.

Nos edificios de segunda e terceira ordem, e tambem em algumas egrejas abbaciaes, principalmente da Ordem de Cister, fazia-se uso, durante o periodo ogival, de pavimentos compostos de ladrilhos de differentes côres, sem nenhum ornato.

Em alguns sitios fabricavam-se tambem ladrilhos sem ser esmaltados, apresentando figuras em relevo. Estes ladrilhos são muito raros, porque não se podiam fazer senão com barro muito rijo, para que os relevos não ficassem em pouco tempo gastos.

Lages gravadas e com embutidos. Desde o XII seculo, empregaram-se algumas vezes, para cobrir o chão das egrejas, lages de pedra e de marmore gravadas e com embutidos. Os desenhos dos ornatos eram indicados em parte pelos espaços conservados [254] da propria lage, ou por um betume colorido que enchia as cavidades deixadas pela gravura. As lages d'este genero não foram muito communs, e um limitado numero escapou da sua destruição! Um dos mais bellos e mais completos é o que ornava a capella mór da cathedral de Saint-Omer (França), e do qual bastantes fragmentos se têem conservado até ao presente. Os fundos dos arabescos são de côr castanho-escuro, assim como a inscripção; os traços do contorno das personagens e do cavallo são a encarnado, assim como está representado em gravura o nobre cavalheiro, no meio d'essa composição, que é do meiado do XIII seculo.

Labyrinthos. Na antiguidade pagã designavam-se com o nome de labyrinthos, as galerias subterraneas ou os edificios construidos em cima do solo, com ramificações em grande numero e complicadas. Todos sabem da existencia do labyrintho de Creta, onde, conforme a mythologia, o Minotauro foi morto por Theseo. Durante a edade média o nome de labyrintho foi dado a uma disposição particular que se vê no pavimento de algumas egrejas dos periodos Latino, Roman e Ogival. A disposição, divisão e côr das lages, formam, pelas suas combinações, linhas sinuosas com bastantes voltas, todas para um ponto central. Os Romanos e os Gregos representavam já, por vezes, labyrinthos nos pavimentos em mosaico ou sobre as paredes de seus templos e de suas habitações. Os labyrinthos que existem desde os primeiros seculos nas egrejas [255] christãs, por exemplo, na de S. João Vidal de Ravana (Italia), que é do VI seculo, acharam, sem nenhuma duvida, a sua origem nos labyrinthos dos edificios pagãos. A presença da figura de Theseo combatendo o Minotauro, que se vê no centro dos labyrinthos de alguns monumentos christãos, como em Pavia e em Luca, dão uma prova evidente d'esta affirmação. Os christãos introduzindo os labyrinthos nas egrejas, deram-lhes uma significação symbolica. Seria comtudo difficil, por não dizer impossivel, determinar de uma maneira irrefutavel o symbolismo dos labyrinthos nas antigas egrejas christãs.

Na edade média, parece ter-se reputado os labyrinthos como emblema da viagem á terra Santa, ou, segundo outras opiniões, o transito doloroso de Jesus Christo desde a casa de Pilatos até ao Calvario. Indulgencias eram concedidas ás pessoas que os percorressem de joelhos, recitando as orações prescriptas. Os labyrinthos n'esta epoca eram tambem designados com o nome de dedalo, meandro, caminhos de Jerusalem.

A fórma dos labyrinthos não é sempre a mesma, O de Chartres é circular; o de Saint-Quentin, octogono; taes eram tambem os de Arrhas, Amiens e Reims. Na egreja de Saint-Bertin em Saint-Omer, tinha a fórma quadrada. Muitas vezes havia, ao centro e aos angulos do labyrintho, pedras com inscripção lembrando algum facto relativo á construcção do edificio. Em Amiens, por exemplo, a pedra central representava os architectos [256] da egreja e o bispo Évrard, seu fundador, com os nomes dos personagens e a época da construcção, gravados sobre laminas de cobre embebidas na parede.

Pinturas das paredes. Já descrevemos os caracteres da pintura mural na época roman. Esses caracteres e o systema do colorido modificam-se de uma maneira evidente seguindo o desenvolvimento da architectura ogival.

Se o leitor tiver presente na memoria o que fizemos notar a respeito do estylo ogival, da sua decoração esculpida e do seu systema de construcção, comprehenderá facilmente que uma modificação notavel motivou tambem o colorido da decoração. Com effeito, nas construcções ogivaes os membros das paredes desapparecem, por assim dizer, e cedem o espaço para aberturas de janellas; os membros da architectura multiplicam-se e apresentam-se com grande evidencia; a vista examina sem custo a sua fórma e os seus fins, desde a base da columna até ao fecho da abobada que reune as nervuras da abobada. Além d'isso, as superficies das paredes, que não foi possivel supprimir, ficavam com esses espaços divididos. Como acontece nas paredes divisorias sobre os peitorís das janellas inferiores, as paredes são todas cheias de series de arcaduras estreitas, muitas vezes cheias parcialmente de esculpturas. Finalmente a multiplicidade dos detalhes e a vista de ornamentações esculpidas, diminuindo a escala dos elementos embellezadores para augmentar o [257] espaço de união, modificaram a seu modo as condições da pintura, dando-lhe caracteres novos.

O augmento extraordinario dos vãos das janellas e o aspecto grandioso que lhes deram nos edificios motivou que nas vidraças pintadas eram quasi todas as preoccupações do constructor do periodo ogival. Era ali, em certo modo, que devia apparecer o effeito da decoração. Os progressos da arte da pintura sobre o vidro corresponderam então ás exigencias que esta arte tinha a satisfazer, e a palheta abundante, vigorosa e variada do pintor vidraceiro impôz á coloração adoptada pelo pintor ornatista uma harmonia e combinações novas. Por outras palavras, a pintura historica e legendaria, não tendo mais do que um espaço limitado e parcimonioso medido sobre a superficie das paredes foi servir-se das vidraças para os seus trabalhos, e por este motivo as figuras mostram, onde apparecem, ainda umas proporções acanhadissimas. A intensidade da coloração das vidraças pede, pela logica dos preceitos da harmonia, maior energia na pintura ornamental das paredes. Todavia, não foi essa a unica consequencia do emprego das vidraças excessivamente coloridas: a luz não entrando já no interior da massa vitrea a qual atravessava como peneirada atravez d'um tecido multicolor, dava á pintura mural um aspecto differente d'aquelle que teria a luz natural do dia; havia pois a attender simultaneamente ao reflexo das côres translucidas com as da pintura mural que se devia harmonisar com a luz colorida e sombria [258] que as vidraças pintadas projectam sobre as paredes e partes architecturaes. D'aqui veiu o emprego, principalmente no XIII seculo, de côres vivas sem ficarem separadas: encarnado, purpura, verde, azul carregado, realçado, ás vezes, por tons claros e ouro com bastante profusão quando os meios o permittiam. D'aqui ainda uma outra grande divisão dos elementos decorativos e desenho dos detalhes.

Não é pois para estranhar que as pinturas historicas e legendarias tivessem tido muita voga durante o periodo roman, vindo a ser bastante raras nos edificios do estylo ogival. As arcaduras decorativas debaixo dos peitorís das janellas inferiores, são muitas vezes as unicas superficies convenientes para terem pinturas com assumptos, e mesmo esse espaço é muito limitado e regularmente dividido em pequenos compartimentos por columnadas ou nervuras, sobre as quaes assentam as archivoltas das arcaduras. As pinturas das arcaduras decorativas representam muitas vezes personagens isolados.

A influencia das tradições byzantinas sobre a arte occidental é manifesta durante todo o tempo do periodo roman. Todavia, se desde o XII seculo se observa no desenho uma tendencia a abandonar os typos byzantinos, não foi senão nos seculos seguintes que o caracter das pinturas mudou completamente no Occidente. Nas figuras das pinturas muraes, como nas outras que ornam as miniaturas dos manuscriptos, se observa uma transformação [259] cada vez mais visivel no que respeita ao estylo do desenho. Este se desprende insensivelmente das formas tradicionaes afim de adquirir maior liberdade. As attitudes veem a ser mais variadas, o gesto mais natural, o caracter das cabeças mais individual, a expressão dos rostos mais viva ou mais serena conforme as situações. Uma tendencia ao naturalismo principia a apparecer desde o começo do XIII seculo, e torna-se mais notavel nos seculos seguintes.

Na colorisação succederam, tanto como no desenho, transformações successivas durante o periodo ogival. Nas pinturas muraes do periodo roman, os tons claros são frequentes, e seu aspecto é geralmente suave.

No XIII seculo, a colorisação teve, na pintura decorativa, as mesmas transformações que na pintura historica e legendaria. Nos edificios romans, em que as janellas eram relativamente pequenas e envidraçadas as mais das vezes com vidros brancos ou muito claros, a luz diffusa e pouco dilatada dos fundos podia-se usar para a pintura decorativa, de tons brilhantes e brandos ao mesmo tempo; porém, quando, no XIII seculo, os vãos das janellas se alargaram e tiveram vidraças extremamente coloridas, esses tons suaves ficaram inteiramente sumidos pela intensidade da colorisação das novas vidraças. O azul e o encarnado, entrando com maior emprego na composição das vidraças pintadas, davam um aspecto turvo aos tons claros e terreos ás pinturas: os verdes, por exemplo, [260] ficavam pardos e baços; os brancos, e em geral todos os tons claros, ficavam estriados. Com os vidros coloridos, foi preciso necessariamente mudar a gamma de colorisação das pinturas muraes, fazendo uso de tons brilhantes e fortes. Além d'isso, os tons, para terem toda a sua apparencia, devem ser acompanhados e contornados com traços pretos. É assim que se veem n'esta epocha as nervuras, os fechos das abobadas, e muitas vezes mesmo os tympanos das abobadas pintados com vivas côres. O uso de destacar o vertice das nervuras das abobadas servindo-se de côres vivas e com desenho chaveiroado continuou durante todo o tempo do periodo ogival.

No XIV seculo e durante a primeira metade do XV seculo, as pinturas de decoração por baixo dos peitorís das janellas inferiores, muitas vezes representavam pannos de armações. No XV seculo, viam-se bastantes vezes sobre as paredes das capellas dedicadas a um santo, os attributos caracteristicos d'esse santo, dispostos symetricamente sobre um fundo colorido. Descobriram-se, ha pouco tempo, pinturas d'este genero n'uma egreja de Bruxellas.

Motivos de economia e, nas egrejas dos monges de Cister, prescripções da regra monastica fizeram que por vezes tambem se empregasse um modo de pintura de decoração muito simples, consistindo na imitação das pedras de construcção: traçavam-se sobre fundo mais ou menos claro traços de côres differentes, pardos, encarnados ou amarellos, [261] sobrepostos, representando as juntas dos apparelhos, e algumas vezes com ornamentação.

Da mesma maneira que a pintura historica e legendaria, a pintura de decoração da idade media não se servia da perspectiva; nem conservava nos monumentos as paredes lisas e opacas, não procurando affastal-as, por assim dizer, do espectador pela illusão da perspectiva linear e aerea. São principalmente as pinturas representando as formas architectonicas, por exemplo as arcaduras e columnas, que mostram não ter o artista nenhuma intenção de disfarçar a ornamentação em relevo; o que elle pretende é sómente um effeito de decoração, não pensa por nenhum modo em produzir exactamente as dimensões relativas, o modelo, apparencia real com relevos, molduras, columnas, capiteis; contenta-se de apresentar essas formas para servirem a dar mais attractivo aos monumentos.

Muito poucos monumentos do periodo ogival têem conservado as suas pinturas bastante completas para se poder formar uma idéa cabal do systema empregado e do resultado obtido. A mais notavel de todas pela esplendida decoração, e além d'isso pela sua restauração tão habil quanto perfeita, é a da Capella Santa de Paris.

A estatuaria e a esculptura ornamental seguem o systema geral da decoração pictorica; tanto assim, que muitas estatuas e baixos relevos têem conservado até ao presente bastantes vestigios de [262] dourados e polychromia, concorrendo para se harmonisarem com as vidraças pintadas e as pinturas a fresco das paredes.

A decadencia da pintura monumental, decoração historica e legendaria, data da ultima metade do XV seculo; vindo a ser completa desde o principio do seculo seguinte. As pinturas das abobadas das egrejas não vão além do XVI seculo.

Cruz de consagração. O Pontifical romano prescreve que, para a dedicação de uma egreja, doze cruzes serão pintadas ou esculpidas sobre as columnas ou paredes internas do edificio. Estas cruzes, que o Prelado consagrante unge com os Santos oleos, devem ficar apparentes. Desde o periodo roman, estabeleceu-se o uso de ornar essas cruzes, que geralmente eram pintadas. As cruzes de consagração datam do periodo roman e vieram a ser bastante raras; conservam-se muito singulares no oratorio carlovingiano de Nimégue. Encontraram-se em grande numero da epocha ogival debaixo de grossas camadas de cal na parte interna das egrejas antigas, que ficaram escondidas na occasião do renascimento. Todas são executadas com grande esmero e esplendidamente coloridas.

Acontece ás vezes que as doze cruzes de consagração do XIII e XIV seculos são sustentadas pelas figuras dos Apostolos pintados ou em esculptura.

[263]

Altares, tabernaculos, piscinas
cadeiras do côro, bancos para os celebrantes,
tribunas e separações da capella-mór


Altares. Como já explicámos, o altar verdadeiramente designado é uma mesa de pedra sobre a qual o padre diz a missa. Sem esta mesa o altar não existe; ella e só ella, forma, todo o altar. Esta mesa é de pedra, porque o altar é a imagem e o symbolo de Jesus Christo em pessoa. Portanto, durante os oito primeiros seculos da nossa era, a egreja quiz, pela veneração por este famoso symbolismo, que o altar ficasse inteiramente independente; prohibiu severamente que n'elle se pozesse o mais simples objecto, salvo o livro dos Evangelhos, a custodia eucharistica com as divinas hostias. No correr do IX, o Papa Leão IV permittiu que se collocassem reliquarios contendo reliquias de santos. Quando o altar é formado de um corpo macisso cubico, o que tinha logar muitas vezes durante o periodo Latino e Roman, os seus lados eram cobertos com laminas de ouro, prata e de cobre dourado e esmaltado, ou ornados de esculpturas e de pinturas, ou ainda revestidos de estofos preciosos.

Algumas vezes, principalmente nas grandes egrejas, o altar estava collocado debaixo de um baldaquino sustentado por quatro columnas, entre as quaes se suspendia, sobre varões, pannos cortinas, que se corriam durante certas partes da missa afim de occultar os sacerdotes da vista dos fieis. No final do XI seculo, introduziu-se tambem o uso dos retabulos.

[264] Devemos notar, que todos estes accessorios eram ideiados e dispostos de maneira a não obstar por nenhum modo ao symbolismo sublime do altar.

Explicaremos successivamente, o altar com a sua verdadeira fórma, os frontaes dos altares, baldaquino, os cortinados e os retabulos do periodo ogival.

O altar assim designado. Como os do periodo roman, os altares da epoca ogival compunham-se as mais das vezes de um simples macisso de alvenaria, apresentando regularmente uma especie de ornamentação pintada ou esculpida. Estes macissos estavam rodeados de tapeçarias cujas côres mudavam nos diversos dias de festa. Algumas vezes, porém poucas, se decoravam os lados nús d'estes altares com arcaduras fingidas, cujos arcos assentavam sobre columnasinhas ou pilares embebidos na parede; as arcaduras tinham pinturas historiadas e decorativas, ou estatuas e baixos relevos.

Nos altares cheios ou macissos, decorados de arcaduras, estas eram formadas no XIII e no XIV seculos por ogivas equilateraes ou arcos traçados por tres centros; no XV seculo por ogivas inflexas ou postas a pár, e no XVI por arcos abatidos ou de volta inteira.

Na idade media os altares eram sempre de pedra, nunca de madeira. Consagravam-se ao mesmo tempo que a egreja ou a capella: não havia então as pedras aras, bentas, que se podiam assentar [265] depois na meza de um altar sem estar benzido, e como presentemente se usa muitas vezes.

O altar mór das egrejas cathedraes, conservou durante quasi todo o periodo ogival, uma fórma simples e positivamente symbolica. Em geral ou era sem retabulo, ou ficava-lhe por cima um retabulo de pouca altura. Tinha um crucifixo, o livro dos Evangelhos, dois castiçaes, e ás vezes um tabernaculo para a conservação da Eucharistia. Outra maneira de reservar o Santissimo Sacramento usada em certos paizes pelo menos desde o XIII seculo, foi aquella cuja recordação se conservou n'um curioso quadro do XIII seculo, representando o altar mór da antiga cathedral d'Arras com todos os seus accessorios. Uma hastea quadrada, collocada por detraz do altar, que se eleva em dois andares, a uma grande altura, tem por remate um pinaculo sobre o qual ha um crucifixo. Em meia altura da hastea ha um bello baculo ficando a sua voluta suspensa no meio de uma corrente, e a custodia eucharistica é formada com o feitio de torrinha.

Nas egrejas, cathedraes e abbadias, havia, como em muitas egrejas romans, um altar para reliquias, ao fundo da capella mór, por detraz do altar proximo do abside oriental da egreja.

Os grandes reliquarios costumavam a ficar expostos detraz do altar, de modo a deixar passar as pessoas por baixo; ás vezes tinham um docel.

Frontaes. São cortinados de seda que cobrem [266] tambem os lados verticaes de um altar, e algumas vezes o retabulo; como se usa ainda hoje em muitos paizes. Designam-se vulgarmente com o nome de antependium. Na idade media quasi todos os altares tinham frontaes. Esses frontaes eram cobertos com fazenda de custo; algumas vezes apresentavam laminas de ouro, prata e cobre dourado e esmaltado, ou almofadas de madeira cobertas de pinturas.

Os frontaes metallicos, assaz communs durante os periodos Latino e Roman, vieram a ser mais raros a começar do final do XII seculo, e pouco a pouco o seu uso foi completamente abandonado. Durante a epocha ogival, os frontaes com estofo fôram, por assim dizer, os unicos empregados. A sua côr condizia com as vestimentas lithurgicas e mudava, por conseguinte, conforme os dias festivos. Havia de linho, seda e mesmo de veludo; os mais sumptuosos eram todos bordados e ornados de pedras preciosas. Representavam figuras de Santos e assumptos historicos e legendarios.

Baldaquino. O uso do baldaquino cobrindo o altar em signal de veneração, foi bastante geral até ao XII seculo; mas ficou quasi abandonado na Belgica e França durante o periodo ogival; na Europa Occidental e Septentrional não se serviram mais do baldaquino n'esta epocha, como summidade dos reliquarios.

Na Italia, em Roma, n'este paiz onde o estylo ogival nunca teve principio, vê-se ainda um grande numero de baldaquinos da epocha ogival. [267] Os mais notaveis são os de S. Paulo fóra dos muros, os de S. João, de Santa Maria no Trastever, Santa Maria em Cosmedin e de Santa Cecilia.

Na França e na Belgica suppriam algumas vezes a falta do baldaquino, suspendendo por cima do altar um docel esculpido ou forrado com estofo de custo.

O baldaquino parece-nos apresentar a maneira mais adequada para inspirar aos fieis o respeito e a veneração devida ao altar, symbolo do Salvador. Muito melhor que todos os outros accessorios, sem exceptuar o retabulo, preenchia este fim resguardando o altar, sem todavia se confundir com elle, e conservando-lhe assim toda a sua significação symbolica. O retabulo, pelo contrario, liga de certo modo o altar fazendo parte d'elle, desvia a attenção das pessoas para o accessorio com grande perda do objecto principal, que é o altar apropriadamente assim chamado.

Cortinas. Chamam-se cortinas a armação suspensa nos dois lados do altar, e por detraz do retabulo quando fôr pouco alto. Essas cortinas, da mesma maneira que os frontaes, eram geralmente muito simples; algumas vezes, todavia, representavam figuras, quer no tecido, quer nos bordados, ornamentação, figuras e objectos religiosos.

Ficavam estas cortinas prezas por varões apoiados muitas vezes em quatro ou seis columnasinhas de cobre ou de madeira, encimadas de figuras de anjos, tendo na mão luzes ou differentes [268] instrumentos da paixão. A côr das cortinas mudava conforme os dias de festa e as differentes occasiões do anno lithurgico.

Além das cortinas do altar, serviam-se tambem, durante a idade media, de duas outras especies de armação lithurgica. Eram: 1.º a grande cortina que se suspendia durante a quaresma na entrada da capella-mór ou do presbyterio, e que se designava o véo do templo; 2.º os véos que serviam na mesma occasião nos crucifixos, retabulos e imagens, eram designados pelo nome véos de quaresma.

Retabulos. Como já indicámos, o uso dos retabulos foi introduzido no final do XI seculo. No começo collocavam-os sobre os altares das reliquias e os altares de segunda classe; ficavam encostados á tribuna ou postos no cruzeiro e nas capellas ornando a capella-mór. Nas egrejas matrizes, collegiaes e monasticas de primeira ordem, o altar-mór ficava quasi sempre sem ter retabulo, pelo menos durante todo o seculo XIII. Em França, Belgica, Allemanha, Inglaterra e nos outros paizes septentrionaes da Europa, adoptou-se no XIV seculo, depois que a cadeira do bispo ou do abbade e as cadeiras do côro dos conegos ou dos frades, que até então ficavam por detraz do altar-mór ao correr da parede do hemicyclo obsial, foram mudados, para diante do sanctuario sobre os dois lados do côro, isto é, para o logar onde se vê presentemente nas egrejas do Norte.

Durante o periodo ogival serviram-se de diversa [269] qualidade de materiaes para os retabulos. O mais antigo era o metal; como n'aquelles do periodo roman a cantaria (excepcionalmente a madeira), substituiu o metal. Desde a ultima metade do XIII seculo, os retabulos de cantaria parece terem sido preferidos. No meiado do seculo seguinte, os retabulos de madeira com obra de talha foram mais adoptados, e no XV seculo, substituiram quasi completamenle os retabulos de cantaria. Principiaram, todavia, já n'essa epocha, a introduzir as almofadas pintadas, em fórma de trypticos, que, no meiado do XVI seculo supplantaram, para assim dizer, totalmente, os retabulos com obra de talha.

As portas que os retabulos haviam tido muitas vezes desde o XIV seculo, tiveram no principio ornamentação de esculptura na face interior, e pinturas na exterior. Porém o peso das portas com ornatos compostos de estatuas ou baixo-relevos tornavam esse appendice muito difficil, e mesmo por vezes como perigoso, quando era preciso abrir ou fechar o retabulo; preferiram pois d'ali a pouco as pinturas para decoração d'essas duas frentes das portas.

Os retabulos não apresentavam a mesma fórma durante todo o periodo ogival. Quasi sempre com pouca altura no começo, tendo tambem pouca grossura. Os mais antigos eram muitas vezes rectangulares: algumas vezes comtudo a sua parte central tinha mais altura. Esta ultima fórma, principiaram-n'a a usar no meiado do XIII seculo; conservou-se [270] em alguns paizes, até o meiado do XV seculo.

O uso dos retabulos de madeira com obra de talha introduziu-se pouco a pouco no XIV seculo, principalmente na Belgica. Desde o principio, tiveram muitas vezes portas. Esta circumstancia lhe fez dar, como aos retabulos pintados tendo portas, o nome de tryptycos ou polyptycos, conforme tinham tres ou maior numero d'esses appendices.

Na Belgica, França, Inglaterra no XV seculo, e na Europa central e meridional já durante o seculo precedente, os retabulos perderam a bella e elegante simplicidade que os distinguiam antes. Os seus contornos e subdivisões se complicam cada vez mais, á proporção que se aproximam do final do periodo ogival. Tinham por remate, no XIII seculo e no XIV seculo, linhas horisontaes e sem nenhum adorno no cimo; os caixilhos dos retabulos do XV seculo passam depois por transições com mistura de linhas rectas e curvas para chegar por fim ás ogivas de requebro, arcos unidos de volta abatida e volta de sarapanel com curvas de todo o genero que ornavam muitas vezes no XVI seculo de crochetes e florões; chegando mesmo a rematar o retabulo com torrinhas e pinaculos, estatuas e enlaçamentos do feitio de firmas.

Devemos todavia notar que as formas dos moldurados do XIII e XIV seculo se encontram ainda no XV e mesmo no XVI seculo, principalmente nos triptycos pintados. Os moldurados d'este u Devemos todavia notar que as formas dos moldurados do XIII e XIV seculo se encontram ainda no XV e mesmo no XVI seculo, principalmente nos triptycos pintados. Os moldurados d'este ultimo [271] seculo apresentam sempre maior simplicidade que os dos retabulos com obra de talha.

Os assumptos representados sobre os retabulos, eram tirados da historia do antigo e novo testamento ou das lendas dos santos. No XII seculo e no XIII, ornavam-se os retabulos quer de baixos relevos, quer de estatuasinhas collocadas em arcaduras; um medalhão central de forma quadrilobada ou de aureola se via as mais das vezes no centro do retabulo, tendo a imagem de Jesus Christo na cruz ou assentado sobre o arco-iris. No XV seculo, as arcaduras não apparecem senão poucas vezes; quasi sempre, n'esta epoca, o retabulo esta dividido em muitas series verticaes e horizontaes com as divisões cheias de baixos relevos sobrepostos uns aos outros. A representação da cruxificação com a Virgem Nossa Senhora e S. José, com os dois ladrões e grupos de personagens, occupa bastantes vezes o compartimento central, commummente mais alto e por vezes tambem mais largo que os compartimentos inferiores.

Os retabulos estavam cobertos, em certas occasiões, por frontaes similhantes aos dos altares. Muitos retabulos pintados do periodo ogival se têem conservado até ao presente. Arrancados quasi todos ao logar que occupavam primitivamente detraz dos altares, apparecem agora como paineis nos museus de pinturas ou estão dependurados nas paredes internas das egrejas.

As obras primas dos pintores do XIV, do XV e do [272] principio do XVI seculo, não são como os antigos retabulos em forma de triptyco.

Os retabulos esculpidos foram usados simultaneamente com os retabulos pintados. Os que se fizeram na Belgica durante o XV seculo e os primeiros annos do XVI seculo compunham-se quasi sempre de um certo numero de grupos com mais ou menos alto relevo, em caixilhos ou collocados debaixo de docel delicadamente recortado; os dos outros paizes, pelo contrario, e particularmente os da Europa Oriental, compõem-se de estatuas perfiladas no compartimento central, e muitas vezes tambem sobre as portas. Ainda que entre os retabulos belgas do ultimo seculo do periodo ogival apparecem alguns de execução grosseira e sem nenhum merito, quasi todos, todavia apresentam bastante apreço artistico e testemunham o estado florescente da esculptura n'esse periodo.

Os retabulos de madeira com talha eram muitas vezes dourados e pintados de côres. Convém advertir que as letras que, n'esses retabulos, se veem frequentemente sobre os bordados das vestimentas dos personagens, não apresentam commummente nenhuma significação, tendo sido ahi collocadas unicamente com o fim decorativo.

No final do periodo ogival, o retabulo firma-se quasi sempre sobre um sóco de 20 a 30 centimetros de altura, e por este modo se liga ao altar.

Esta base se designa predella, nome que se dá egualmente aos degrausinhos para os castiçaes do [273] throno dos altares modernos. O lado superior, que corresponde á base do retabulo, é muitas vezes mais comprido que o lado interior; n'este caso a differença de tamanho é disfarçada por um arco de circulo saliente.

A predella (banqueta) é muitas vezes ornada do busto do Redemptor e dos doze apostolos.

Das observações precedentes resulta que, não obstante as dimensões por vezes exageradas, o retabulo parte inteiramente accessoria, conservou até aos fins do periodo ogival, o seu caracter essencial. A maior parte dos artistas modernos que se encarregam de compor os altares no estylo ogival não se preoccupam de forma alguma com o primitivo destino do retabulo, a que dão impropriamente o nome de altar. Desconhecendo a verdadeira significação do retabulo, substituem-lhe tablados ridiculos, muitas vezes de madeira, com côr de pedra!!! compostos de socos, arcaduras e pinaculos, onde os symbolos religiosos, as imagens, e os baixos relevos são inteiramente supprimidos ou estão mesquinhamente representados. Muitas vezes estes symbolos, estas imagens, e estes assumptos são executados apesar das regras da iconographia christã, regras das quaes os architectos, esculptores e pintores não teem geralmente o incommodo de adquirir as noções as mais elementares! É tambem para lastimar, que nas restaurações das antigas egrejas, não encarreguem os retabulos triptycos ao talento dos pinto ao talento dos pintores que se occupam de trabalhos religiosos.

[274] Sacrarios. Durante quasi todo o periodo ogival não se reservava, depois da celebração da missa, senão a quantidade de hostias consagradas e necessarias para levar o viatico aos enfermos em perigo de vida, e para expor o Santissimo Sacramento á veneração dos fieis.

Quando as pessoas que assistiam aos officios divinos queriam commungar, approximavam-se da mesa da communhão durante a missa, e recebiam uma parte das sacramentaes que o padre acabava de consagrar. Não se deve, pois, estranhar que os vasos sagrados destinados á veneração da Santa Eucharistia e o logar onde os depositavam tivessem pequenas dimensões durante o XIII e o XIV seculos.

Conservavam a Santa Eucharistia de muitas maneiras:

1.º Nas egrejas dos paizes meridionaes, onde a pyxide se manteve em uso durante o periodo ogival, continuaram a ficar suspensos, como se fazia precedentemente, o calix e a pyxide com as hostias.

2.º Em França e na Belgica e nos paizes septentrionaes da Europa serviram-se muitas vezes durante o XIII e o XIV seculos, da maneira indicada na pag. 272. As hostias encerradas em uma pyxide ou dentro de uma pomba dourada e esmaltada, ficavam collocadas n'uma pequena torre ou pequena tenda (tabernaculum) em estofos custozos, que se suspendiam, por cima do altar, n'um baculo de bronze ou de prata.

3.º Algumas vezes conservam-se as hostias em [275] cofres de forma de arca, relicario ou torre. Estes cofres eram transportados e depositados no sacrario, ou sacristia, ora collocados de vez sobre o altar.

4.º No maior numero de casos, principalmente nas egrejas de segunda e terceira ordem, a Santa Eucharistia ficava em armarios construidos detraz ou ao lado do altar. O uso de collocar as hostias nos tabernaculos em forma de armario, parece ter sido muito geral na Belgica, pelo menos depois do XIV seculo.

5.º No XIV e XV seculos, construiram tambem, para a reserva Eucharistica, tabernaculos de fórma de torre, inteiramente isolados e ao lado do Evangelho. Os tabernaculos d'este genero vieram a ser communs na Belgica e na Allemanha desde o XV seculo. Encontram-se muitos n'este ultimo paiz que são do XIV seculo.

O maior numero dos tabernaculos com a fórma de torre são de pedra; encontram-se não obstante, mas excepcionalmente, de madeira ou mesmo de metal.

Do lado da Epistola, defronte do tabernaculo, se faz muitas vezes na parede um armario imitando a fórma de tabernaculo, porém mais pequeno e muito menos ornado.

Os armarios feitos na grossura da parede tinham a frente para o altar sendo destinados a guardar as alfayas e vestuario dos ecclesiasticos que deviam celebrar a missa; encontram-se algumas vezes, nas capellas que guarnecem os lados da capella-mór ou da nave.

[276] Piscinas. O uso das piscinas ou pias abertas na parede do lado da Epistola, que havia durante o periodo roman, foi conservado tambem na epocha ogival.

No XIII seculo, a maior parte das piscinas eram geminadas, isto é compostas de duas pias ou orificios para passarem as aguas por uma bica, quer por baixo do pavimento da egreja, quer por fóra do pavimento do edificio. Uma d'essas pias era destinada a receber as aguas de uso, a outra, as oblações das mãos do sacerdote e mesmo as do calix; porque, ainda n'esta epocha, as oblações do calix eram lançadas nas piscinas, e não bebidas pelo padre. Encontram-se todavia ainda agora piscinas simples, isto é tendo um unico orificio para sahir a agua.

As piscinas gemeas fingem geralmente a fórma de um duplo nicho, separado por uma columnasinha. Muitas vezes, nas egrejas ornadas de arcaduras fingidas debaixo do peitoril das janellas, a piscina occupa duas arcaduras proximas, e une-se a ellas; n'este caso, a columnasinha posta entre as duas arcaduras forma a divisão dos dois nichos da piscina.

As piscinas do XIV seculo não differem muito das outras do seculo precedente senão pelo genero da ornamentação architectonica e esculptura, que harmonisa com o estylo da epocha. As mais das vezes são gemeas, posto que o ecclesiastico beba, desde então, a agua de que se serve para fazer a oblação do calix.

[277] No XV, e mesmo já no final do XIV seculo, as piscinas tornaram-se raras e acabaram proximo do fim do periodo ogival, para desapparecerem completamente.

Cadeiras de côro. Estas cadeiras collocadas no côro das egrejas eram destinadas ás dignidades ecclesiasticas assistentes aos officios religiosos. Durante o periodo roman estas cadeiras eram geralmente de pedra; porém desde o fim do XV seculo, sempre se fizeram de madeira.

As cadeiras de madeira compõem-se de differentes partes, tendo cada uma um nome para a designar.

As separações de duas cadeiras são formadas por curvas elegantes com ornamentação de obra de talha na sua parte superior, que lhes dão graça e belleza. Os arrimos são apoios horisontaes que limitam as cadeiras na parte superior; geralmente esta parte tem bastante largura com fórma inclinada, podendo as pessoas de pé encostarem-se facilmente.

Alguns auctores dão impropriamente o nome de encosto á rampa curva da divisão da cadeira, sobre o qual se apoia o cotovello, quando se está sentado. A taboa movediça servindo de assento gira sobre gonzos ou eixos, e póde-se abaixar e levantar como se quizer. Tem, por baixo uma misula que se chama misericordia ou paciencia, sobre a qual se póde sentar, fingindo estar a pessoa de pé, quando a taboa que pertence ao assento está levantada.

[278] No côro das cathedraes, egrejas collegiaes e abbaciaes, estas cadeiras ficam collocadas á direita ou esquerda do fundo do côro em duplo renque e altura: cadeiras altas para os conegos e religiosos, cadeiras mais baixas para os ecclesiasticos de cathegoria inferior ou de congregação. O piso das cadeiras superiores fica alto com dois ou mais degraus acima do chão; em quanto as cadeiras inferiores assentam sobre o solo ou sobre um unico degrau. As pessoas sentadas em cima podem mais facilmente que as debaixo vêr o altar. As costas das cadeiras do primeiro renque ficam muito baixas e servem de genuflexorio aos conegos que estiverem nas cadeiras superiores; as costas d'estas são muitas vezes inteiramente semilhantes das cadeiras baixas, outras teem por cima obra de madeira bastante alta e limitada por um remate em sacada com a fórma de um docel. As pessoas que occupam as cadeiras baixas se ajoelham sobre o chão com o rosto virado para as costas de suas cadeiras. De distancia em distancia a fila das cadeiras baixas fica interrompida pela suppressão de uma cadeira para dar passagem aos que vão assentar-se nas cadeiras mais altas; estas aberturas chamam-se entradas. Encontram-se tambem cadeiras com genuflexorios.

As cadeiras do côro do XIII seculo são notaveis tanto pela sua singeleza como pela sua elegancia. Duas columnasinhas, uma na parte inferior e outra na parte superior, ornam quasi sempre os lados de cada divisão d'estas cadeiras. As mais sumptuosas [279] têem além d'isso, esculpturas sobre as misericordias e nos remates, que no quarto de circulo. E reunem ás columnasinhas servindo de apoio aos braços das cadeiras. Estas ornamentações constam de folhagens, fructos e algumas vezes de figuras de animaes reaes ou phantasticos.

As cadeiras do côro do XIV seculo apresentam o mesmo feitio que as do XIII seculo; só com a differença de maior ostentação na obra de talha.

Muitas vezes no XIII seculo, e mesmo ainda no princípio do XIV seculo, estas cadeiras não tinham costas. Quando as apresentavam eram com uma almofada e arcaduras, tendo regularmente um tecto lavrado similhante a um docel, um pouco saliente na face interna e com poucas esculpturas. No XIV seculo, esse tecto lavrado apparece mais apparatoso; cada vez mais saliente, descança sobre reprezas, acabando em forma de curvatura. Nos dias de grandes festas, suspendiam-se em frente, no cimo do encosto, sedas de côres, bordados e pannos de raz.

Na mesma epocha, os lados superiores das cadeiras do côro, mesmo quando não tenham alto encosto, cobrem-se de diversas esculpturas, representando estatuasinhas, animaes reaes ou phantasticos, e uma decoração vegetal muito vistosa.

As cadeiras do côro do XV seculo distinguem-se geralmente das precedentes por uma abundancia extraordinaria no ornato esculptural. São cheias de bastante decoração e executadas com mais primor e delicadeza que nos seculos XIII e XIV. Os [280] seus altos encostos compõem-se quasi sempre de baixo relevos dentro de arcaduras com redentes feitos delicadamente, e cada cadeira tem um docel em que um pinaculo vasado muito alto forma a extremidade. Os baixos relevos das costas representam assumptos tirados da Biblia, da historia ecclesiastica ou da legenda; successos da vida de Jesus Christo ou de Nossa Senhora são representados quasi sempre. As esculpturas dos lados internos das cadeiras e das misericordias apresentam muitas vezes figuras com carantonhas, animaes reaes ou phantasticos, symbolisando os vicios. Poucas vezes as esculpturas das cadeiras representam santos ou assumptos religiosos.

Na Belgica ha um limitado numero de cadeiras do côro do XV e XVI seculos.

Em França, as mais notaveis são as da cathedral d'Amiens (XV seculo), e d'Auch (principio do XVI seculo), e na Allemanha, as da cathedral d'Ulm, com esculpturas de Jorge Syrlino de 1474 a 1476; em Portugal as da Sé Velha de Coimbra.

Bancos e docéis dos celebrantes. O banco dos officiantes era destinado para o celebrante, diacono e subdiacono se assentarem emquanto se canta o Gloria, Credo, e Dies irae; servia ao mesmo fim as poltronas que é costume collocar presentemente no côro proximo dos degraus do altar. Estes bancos, que havia na idade media em todas as egrejas de primeira e segunda ordem, estavam regularmente no presbyterium, do lado da Epistola defronte do tabernaculo, e apresentavam uma certa [281] analogia com as cadeiras do côro. Conforme as prescripções lithurgicas, distinguia-se por uma grande simplicidade; eram lisos e sem subdivisões. Algumas vezes, todavia, se compunha de tres cadeiras mais ou menos similhantes ás do côro. Este banco, liso ou subdividido, tinha muitas vezes um docel cheio de esculpturas, formado por um nicho aberto na grossura da parede do côro, quando este não tinha naves lateraes ou sustentado por columnas e de paredes mestras quando o côro estava rodeado de naves lateraes.

Jubes, Screens[4] e Cruzes triumphales. Antigamente chamava-se Jube á tribuna (em latim doxale) especie de barreira com tres e mais arcadas esplendidamente ornadas que nas egrejas separava o côro das naves; tinha por cima uma especie de galeria ou tribuna com guarda-peito, havendo na extremidade uma ou duas escadas em espiral, em cuja tribuna um abbade vinha lêr o Evangelho, depois de ter pronunciado a formula: Jube, Domine, benedicere.

D'ahi vem o nome Jube.

As escadas ficavam algumas vezes escondidas detraz dos pilares dentro de caixas rendilhadas com linda decoração.

Durante a primeira parte do periodo ogival, a arcada do meio estava tapada por uma parede, as duas outras arcadas ficavam abertas, tendo portas [282] ou grades. Mais tarde mudou-se em alguns paizes esta disposição primitiva; na Belgica, por exemplo, na França e em certas partes da Allemanha, a arcada central só ficou aberta com uma grade de pau ou de ferro servindo de porta; taparam com parede as duas outras lateraes encostando-lhe altares.

Na primeira metade do XIII seculo, os Jubes eram raros. Foi sómente no final d'este seculo, e principalmente durante os seculos seguintes que se fizeram geralmente nas cathedraes, collegiadas, e nas abbaciaes. No XV e no XVI seculo tambem, os collocaram nas egrejas parochiaes, mais importantes. Alguns se teem conservado na Belgica até ao presente: o mais antigo é da era 1490.

O mais magestoso é o da cathedral de Milão.

Os jubes teem sempre proxima a cruz triumphal. Esta cruz, de grande dimensão, é geralmente de madeira e ornada de pinturas e dourados. Os seus quatro ramos com florões teem muitas vezes quadrilobos, nos quaes estavam do lado da nave os symbolos dos quatro evangelistas, e do lado do côro, os quatro doutores da egreja latina; S. Gregorio, S. Ambrosio, S. Agostinho e S. Jeronymo. Ao pé da cruz estão as imagens de Nossa Senhora, e do apostolo S. João; a primeira á direita, e a segunda á esquerda.

Antes da introducção dos jubes a cruz triumphal estava igualmente suspensa por tres correntes no meio do arco chamado triumphal, que occupa a entrada da capella-mór.

Havia tambem antigamente nas egrejas do periodo [283] Latino e Roman uma haste (Tress). Era costume collocar nas basilicas entre o côro e a parte reservada para o publico uma viga atravez do côro, sobre o qual se punham luzes e tambem suspendiam lampadas, e tambem durante a quaresma, servia para pôr o véu chamado velum templi.

Separações do côro. A disposição dos antigos bancos da clerezia ao comprimento da parede absidal do côro, ja descripto, não foi conservada durante o periodo ogival, sendo em Italia e tambem em Portugal, onde continua ainda, assim como em algumas egrejas da Allemanha, principalmente nas cathedraes de Spire e de Mayence.

Desde o XI seculo, a maior parte das abbadias da Europa central e occidental tinham, como já referimos, transferido para o cruzeiro, os bancos, alem das cadeiras dos ecclesiasticos, que occupavam antes a capella da abside. Mais tarde tambem a mesma mudança se introduziu pouco a pouco nas cathedraes e nas collegiadas d'essas mesmas regiões, principalmente depois da reunião das naves lateraes e capellas absides á roda da capella mór. Os bancos de pedra do periodo roman transformados em cadeiras do côro ou cadeiras de madeira, foram collocados diante do sanctuario, sobre o lado d'esta parte da egreja. O côro ficou separado das naves lateraes pelas barreiras, as mais das vezes de cantaria, bastante alta, vedado por detraz com as cadeiras do côro collocadas entre as columnas da capella-mór. A roda do sanctuario [284] propriamente chamado, ás vezes, recortavam aberturas, de maneira que as pessoas que estivessem nas naves lateraes podessem vêr o altar, e outras vezes tambem substituiam as barreiras da porta circular da capella-mór por tumulos ou mausoléos. Nas grandes cathedraes, numerosas esculpturas em alto relevo ornavam as partes lizas das separações tanto no exterior como no interior da capella-mór. Alguns monumentos, por exemplo as cathedraes de Paris e de Amiens, teem conservado, por completo ou em parte, as suas antigas separações da capella-mór.

Pulpitos e confessionarios


Pulpitos. Durante os primeiros seculos da era christã, as tribunas do alto onde se fazia a leitura do Evangelho e da Epistola, serviam ao mesmo tempo de pulpito.

Ao uso de prégar do alto da tribuna, veiu juntar-se o de um pulpito saliente que se conservou na Europa central e occidental até ao final do XV seculo. Por isso, os pulpitos anteriores ao meiado do XV seculo se encontram mui raras vezes. Foi sómente no começo d'esta epocha que se principiou a pôl-os isolados na nave principal das egrejas d'esta parte da Europa.

Os mais antigos pulpitos são quasi todos de pedra; no XV e XVI seculos fizeram-se egualmente de madeira.

O espaço dentro do pulpito, para o prégador, [285] no periodo ogival é geralmente hexagono e ornatado no cimo dos lados, ficando o sexto lado reservado para a entrada n'elle; a decoração compõe-se de estatuas, baixos relevos, e algumas vezes tambem, de simples desenhos geometricos ou chammas. Vê-se com frequencia Jesus Christo e Nossa Senhora entre quatro evangelistas ou os quatro doutores da egreja do Occidente, S. Gregorio, Santo Ambrosio, Santo Agostinho e S. Jeronymo.

Ha em Portugal um pulpito de pedra de admiravel composição, que pertence á egreja de Santa Cruz de Coimbra, de que tirámos o modelo e figurou na exposição universal de Paris em 1867; depois o museu de Londres quiz compral-o, ao que nos oppozemos.

O pulpito apoia-se por vezes sobre uma curva em sacada, sobre um macisso de alvenaria ou sobre columnatas enfeixadas; as mais das vezes, todavia, está assente sobre uma columnata ou sobre um pedunculo. Esta ultima maneira foi mais commum no XV e no XVI seculo. Estes apoios eram ornados com esculpturas, muitas vezes muito intrincadas conforme o uso adoptado no final do periodo ogival. Na Allemanha haviam por vezes representado as figuras de Adão, Eva ou Moysés em alto relevo nas frentes do pulpito.

O sobreceu dos pulpitos principiou a servir no final do periodo ogival, e mesmo não era muito imitado n'essa epocha. Veiu a ser de uso geral no fim do XVI seculo. Os sobreceus do XV seculo têem geralmente a forma d'uma pyramide, d'um [286] coruchéo ou d'um campanariosinho. Na Inglaterra vêem-se sobreceus sómente com uma simples guarnição. Esta ultima forma nos parece a melhor, pois não causa a desagradavel vista do remate de tanto vulto, que parece abafar a voz. Ha poucos exemplares de pulpitos do periodo ogival.

Confessionarios. Os confessionarios em que o confessor fica separado do penitente por uma rotula, foram desconhecidos durante o periodo ogival. N'essa epocha, o confessor collocava-se, para ouvir as confissões, em uma poltrona ou nas cadeiras do côro, e o penitente ajoelhava deante d'elle. A recordação d'esta maneira de se confessar foi conservada nas miniaturas, paineis e gravuras do XV seculo.

Foi proximo do final do XVI seculo que os confessionarios com rotula foram introduzidos na Belgica.

Capellas funereas, tumulos, campas,
lanternas dos defunctos e cruz de cemiterio


Capellas funereas. Estas capellas funereas eram construidas isoladas nos cemiterios durante o periodo ogival. São raras em quasi todos os paizes. Não ha nenhuma na Belgica nem em Inglaterra. Em França vêem-se algumas nos cemiterios bretões, e existe uma muito notavel, do XV seculo, em Avioth nas Ardennes francezas. É na Austria que são mais communs.

Tumulos apparentes. O uso de encerrar os cadaveres nos sarcophagos e pôl-os sobre o solo ficou [287] completamente abandonado no norte da Europa desde o XIII seculo.

Na Inglaterra, Belgica, Allemanha, e nas provincias septentrionaes da França, os tumulos apparentes do periodo ogival são cenotaphios, consistindo em socos de cantaria com massiços de alvenaria postos sobre uma sepultura subterranea, tendo a effigie do finado. Compõem-se geralmente, como no XIII seculo, de um sóco ou macisso coberto de uma grande lousa, sobre a qual está deitada a estatua do defuncto. Este estendido sobre uma cama ricamente disposta, apresentando todas as insignias de sua dígnidade: os bispos e os abbades trazendo mitra e baculo; os reis e principes, a corôa e o sceptro; os cavalleiros, o seu escudo e a sua armadura. Os pés dos bispos e dos ecclesiasticos, e em certos paizes tambem dos seculares, apoiam-se contra um dragão ou um monstro phantastico; os dos clericaes, principes e nobres, contra um leão, symbolo de coragem, e mesmo, ás vezes, como para as damas tendo os pés sobre um rafeiro, emblema da fidelidade conjugal. Pequenas figuras de anjos agitam thuribulos, sustentando tochas ou almofadas em que descança a cabeça do personagem. Depois do XIII seculo, os anjos com thuribulos tornaram-se raros. Durante muito tempo, a effigie do finado não apresenta nenhum dos caracteres da morte.

No XIII seculo e ainda no principio do XIV seculo, as estatuas deitadas têem os olhos abertos e reproduzem os gestos e as attitudes dos personagens [288] vivos. Sómente depois do XIV seculo o defuncto principia a ser representado morto ou adormecido, com os olhos fechados.

Muitas vezes, columnatas reunidas por arcaduras são dispostas em roda do sóco, no qual estão assentes; algumas vezes, mas, raramente, as arcaduras são vasadas, e a estatua deitada do finado occupa o logar do sóco supprimido.

Os cenotaphios do periodo ogival são geralmente de pedra, poucas vezes de cobre ou de outro metal. Os tumulos de pedra têem quasi um metro de altura, em quanto que os sepulchros de metal, que se conservam até ao presente têem apenas 50 centimetros acima do solo; todavia o unico de metal que possue a Sé de Braga tem maior altura.

Para evitar o estorvo nas egrejas, não se permittia, salvo raras vezes, erguer-se um cenotaphio. Na capella-mór admittia-se o tumulo do fundador ou de um bemfeitor distincto, collocando os dos outros personagens de distincção nas capellas que cercam os lados do côro e da nave principal. Estes monumentos apresentavam muitas vezes uma decoração de pinturas e dourados. Alguns ficavam encostados á parede e dentro de um grande nicho sob fórma de arcadura ogival; outros, e era o maior numero, ficavam separados em todos os seus lados.

As campas com gravuras a traço tornaram-se vulgares desde o XIV seculo. Muitas têem sido conservadas até ao presente, não obstante o grande [289] numero de causas de destruição, ás quaes têem ficado expostas desde seis seculos. A maior parte estão ornadas de imagens do finado, debaixo de arcaduras trilobadas do feitio de docel, muito simples e sustentado por columnatas. Quasi sempre vê-se uma mão deitando a benção, symbolo de Deus, sahida do cimo da ogiva; e anjos agitando thuribulos occupam os seguintes da arcadura. Sobre as campas dos bispos, dos abbades e dos padres, vê-se tambem, algumas vezes, aos dois lados do personagem, clerigos, ou anjos de pequeno tamanho, segurando em velas accesas.

Muito antes do XIII seculo, as campas têem, bastantes vezes ainda, como durante o periodo roman, a forma de um trapezio, isto é, são mais estreitas do lado dos pés. A inscripção que quasi sempre têem, forma geralmente o contorno exterior da pedra, menos geral do que o emmoldurado de ogiva; principia por uma cruz a inscripção e quasi no fim do XIII seculo, ajuntam já por vezes, aos quatro angulos, os emblemas dos evangelistas collocados nos quadrilobos.

As campas dos tumulos do XIII seculo que não têem um emblema, um symbolo ou um escudo com armarias, são bastante raras na Belgica.

Sobre as campas do XIV seculo, a effigie do finado continua a ser collocada debaixo de uma arcadura, poucas vezes trilobada, porém não durante os primeiros annos. Sómente esta arcadura é muito mais carregada de detalhes architectonicos do que precedentemente, taes como ridentes, crochetes, [290] florões, pinaculos e rosaes; além d'isso, as arcaduras principiam a não ser sustentadas por columnatas com base e capitel, mas sim por pés-direitos do feitio de contra-fortes ornados de pinaculos e nichos, nos quaes se vêem pequenas figuras de homens.

Quando uma unica campa cobre uma sepultura dupla ou tripla, as arcaduras estão reunidas no numero de duas ou tres, e contéem, cada uma, sua effigie. O leão, o cão e os outros symbolos, que acompanham quasi sempre as estatuas deitadas dos cenotaphos, se vêem tambem sobre as campas do XIV seculo. Estas são geralmente de fórma rectangular, e não têem o feitio de um trapezio. Os anjos incensadores e ceroferários não se vêem excepcionalmente a começar do XVI seculo.

As arcaduras e o contorno com curvas em rampa que formam o remate caracteristico dos moldurados do XIV e XV seculos, são regularmente substituidos no XV seculo por docéis, representados em perspectiva e muitas vezes compostos de ogivas inflexas com desenhos complicados; os pinaculos, os nichos, as rosaceas flammejantes se multiplicam sobre todo o moldurado; além d'isso, os arcos-butantes apparecem para ligar os docéis aos contrafortes.

Será bom notar que os moldurados das campas do XIV e do XV seculos apresentam a maior similhança com as decorações do mesmo genero que se vêem nas vidraças pintadas contemporaneas.

Como no XIII seculo, a inscripção apparece no [291] XIV e no XV seculos sobre a borda da campa e está inscripta entre duas linhas parallelas. Nos angulos formados pela intersecção d'essas quatro linhas se vêem quadrilobos com os emblemas dos evangelistas, ou tambem algumas vezes, desde o começo do meiado do XIV seculo, as armarias; acontece mesmo que a inscripção está, além d'isso, interrompida pelo escudo da armaria sobre os seus lados mais compridos.

Já explicámos que, quando são applicados para ornar os quatro angulos de um quadrado ou de um rectangulo, os symbolos dos evangelistas põem-se, pelo menos, até ao XIII seculo, da maneira seguinte: o homem alado no angulo superior á esquerda do espectador; a aguia á direita, o leão no angulo inferior á esquerda e o novilho á direita. No XIV seculo, houve uma mudança; desde esta epocha, vê-se quasi geralmente a aguia no angulo superior esquerdo, e o homem alado no angulo superior direito. É ali tambem o logar que estes symbolos occupam sobre as campas.

Os caracteres das campas que acabamos de indicar por cada seculo do periodo ogival, não são de tal maneira proprios como os que são mais proximos da epocha indicada. Pelo contrario, acontece muitas vezes, principalmente na Belgica, que as campas do XV seculo apresentam ainda, por assim dizer, os caracteres que não se está acostumado a encontrar n'outra parte nas campas do seculo precedente. Não é raro tambem achar campas do XIII, XIV e XV seculos, nas quaes [292] o ornamento architectural seja moderado de detalhes, ou inteiramente os supprimiram.

Em França quasi sempre e algumas vezes na Belgica, as carnes, em vez de serem imitadas a traço, são represeutadas por embutidos de marmore ou de metal.

Tumulos chatos de cobre. Durante o periodo ogival, introduziu-se o uso do cobre ou de laminas de latão sobre as quaes as linhas do desenho são feitas a traços gravados bastante fundos, estando cheios com uma substancia rezinosa de côr preta e de tom mate. Essas largas linhas pretas se destacam perfeitamente sobre a superficie brilhante do metal brunido ou adamascado, até mesmo dourado, cujo reflexo luzidio é muitas vezes realçado pela armaria colorida em esmalte da composição da campa, a qual fica solidamente fixa na grossura do cobre. Devido a estas qualidades, os tumulos lizos em cobre contribuiam admiravelmente, assim como o pavimento e as vidraças pintadas, para a decoração das egrejas. É na Inglaterra e Flandres que têem sido mais communs durante toda a idade media.

Os tumulos chatos de cobre podem dividir-se em duas classes. A primeira, de maior numero, comprehende as laminas de cantaria, quer de marmore ou de gres, nas quaes a figura do finado fica recortada em silhoeta na lamina de metal, assim como differentes ornatos; as armarias, emblemas, inscripções em feitio de fita, gravadas sobre tantas peças distinctas, ficam embutidas e arrebitadas [293] separadamente nos entalhes correspondentes da pedra, designados casements pelos auctores inglezes. A segunda classe parece ter sido menos numerosa, porém contém especimens mais bellos e preciosos. Acham-se comprehendidos n'ella os monumentos que apparecem debaixo do aspecto de grandes placas de cobre, d'uma só peça, mas que, na realidade, são muitas vezes compostas de muitas laminas ajustadas, das quaes com grande habilidade ficam disfarçadas as juntas na profundura dos traços. A figura do finado, geralmente de grandeza do natural, representa-se de pé ou deitada.

Os tumulos de latão consistem em grandes laminas soltas, não destinadas a ser embutidas nas laminas de pedra, e que formam por si um todo completo; foram communs na Belgica durante todo o periodo ogival; o seu uso continuou, em certos sitios, até o XVII seculo. Na Allemanha e igualmente no Norte da França tiveram acceitação. Sobre as laminas, não sómente a figura do finado, como tambem os accessorios symbolicos e de decoração que lhe servem, foram executadas da mesma maneira que sobre as pedras das campas gravadas. Todavia, a composição do assumpto é regularmente mais superior, e a execução mais esmerada que das outras; os mais insignificantes detalhes do vestuario, os docéis do remate, as pequenas figuras dos anjos e dos santos que os ornam muitas vezes assim como os pés-direitos, todas as partes, em uma palavra, são feitas com fidelidade, [294] com arte e com delicadeza. Além d'isso, o fundo sobre o qual se destaca a effigie do finado, em logar de ser lizo e sem ornato, como sobre as pedras das campas gravadas, é regularmente adamascado, isto é, coberto de ornatos differentes imitando os desenhos que apresentam certos estofos orientaes; esses desenhos assemelham-se aos que se vêem á roda dos personagens nas vidraças pintadas do XIV seculo. São compostos de folhas do trevo, de quatro folhas, folhagens, côres matizadas, figuras de animaes, gritos de guerra, ou com divisas muitas vezes repetidas. Parece mesmo por vezes no XV e no XVI seculo, que os detalhes architectonicos desapparecem completamente para dar logar aos fundos adamascados. Finalmente, uma particularidade que apresentam ainda as laminas de cobre funereas do XV e do XVI seculo, vem a ser que as phylactéres se veem muito mais frequentemente que sobre as pedras das campas. Chama-se phylactéres a bandeirolas compridas e estreitas, saindo da boca das personagens ou estão seguras nas suas mãos, e sobre as quaes está inscripta uma oração, uma divisa ou uma sentença.

Pequenos monumentos funereos do XV e do XVI seculo. Além dos cénotaphos, das campas e dos tumulos chatos de latão, erigiam-se tambem, nos XV e XVI seculos, pequenos monumentos funereos de pedra ou latão, encaixados na face da parede proxima do logar da sepultara. Estes monumentos curiosos encontram-se, não só no interior das egrejas, mas [295] tambem nos claustros das cathedraes, collegiaes e mosteiros. Compõe-se regularmente d'um epitaphio, por cima do qual se vê um assumpto religioso, por exemplo, a SS. Trindade, a flagellação, a crucificação ou qualquer scena da Paixão. Muitas vezes tambem se vê Nossa Senhora com o Menino Jesus. O finado está regularmente representado ao lado da scena principal, de joelhos em oração e por vezes acompanhado do santo da sua devoção, o qual fica em pé por detraz d'elle e parece recommendal-o á clemencia Divina; sobre a bandeirola saindo da boca na direcção da scena principal, lêem-se frequentemente as palavras que é natural dirigir a Deus ou aos santos, por exemplo: Qui potes, oro, rei, Christe, mementa mei, e O mater Dei, memento mei.

A scena religiosa está esculpida em relevo ou gravada a traço. Quando feita em alto relevo, vê-se quasi sempre em um nicho ogival, aberto na grossura da parede, e o epitaphio inscripto na parte inferior do nicho, sobre uma pequena chapa de latão, de marmore ou de pedra.

Nos baixos relevos e nas pedras gravadas a traço, o assumpto e o epitaphio são geralmente collocados sobre uma unica pedra; ora n'uma, ora n'outra occupa a maior parte. A scena é coberta por um docél servindo de remate; algumas vezes, comtudo este docel não apparece.

Não obstante as mutilaçõ Não obstante as mutilações lamentaveis que lhe causaram os iconoclastas, estes monumentos merecem chamar a attenção, não sómente dos archeologos, [296] mas tambem dos artistas e sobretudo dos esculptores.

Serviram-se tambem de monumentos similhantes para perpetuar a fundação praticada por generosos bemfeitores. Na parte superior d'uma pedra ou de uma placa de latão, vê-se uma scena religiosa, diante da qual está de joelhos o fundador muitas vezes acompanhado do santo da sua devoção. Uma inscripção commemorativa da fundação substitue o epitaphio, o qual nos monumentos funereos se vê por baixo da scena. Algumas vezes sómente apparece uma simples inscripção gravada sobre uma pedra ou lamina de cobre.

Lanternas dos defunctos. Dá-se o nome de lanternas dos defunctos e pharol de cemiterio, a columnas ou pyramides ôcas que se collocavam n'outro tempo nos cemiterios. Este pequeno monumento tinha no cimo um pavilhão vasado, no qual se suspendia de noite uma lampada accesa com o fim de lembrar aos caminhantes que orassem pelos defunctos e para lhes indicar a presença da casa de Deus.

Cruz de cemiterio. Erguiam tambem, nos cemiterios, grandes cruzes de pedra durante o periodo Roman, ajuntavam-lhe, poucas vezes, a imagem de Christo; porém do começo do XIII seculo, essa imagem vê-se quasi sempre acompanhada de Nossa Senhora e do Menino Jesus, postos no revesso da cruz, ou encostados á columna que serve para a sustentar. Outras vezes, e isso é mais seguido, a cruz fica entre a imagem de Nossa Senhora sem [297] o Menino e a de S. João. As hastes que forma a columna ou o pilar sobre os quaes está assente a cruz, são geralmente postas sobre um sóco mais ou menos alto, tendo na sua base um pequeno altar.

As cruzes de pedra que se erigiam muitas vezes, na idade media, nas encruzilhadas das vias e no meio das praças publicas, apresentavam as mesmas fórmas que as cruzes de cemiterios; sómente não tinham altar na base do seu sustentaculo. Em Lisboa havia um excellente especimen no cruzeiro de Arroyos, estando presentemente guardadas as esculpturas na egreja d'esse bairro.

As cruzes de cemiterio e dos cruzeiros não eram todas de cantaria; havia-as tambem de bronze, de ferro e madeira. Inutil é declarar que as cruzes de madeira ficaram destruidas já ha muito tempo. As de bronze têem desapparecido egualmente, para fundirem o metal! Mas ha ainda, em alguns paizes, as que foram feitas com ferro forjado.

As cruzes de cemiterio continuaram a estar em uso durante a epocha do renascimento, e estão quasi sempre acompanhadas das imagens de Nossa Senhora e S. João, e algumas vezes d'uma pintura representando o purgatorio. Quando o cemiterio fica adjacente á egreja, a cruz colloca-se sobre um alpendre junto do coro, na parte interna. As cruzes triumphaes, que se viam durante o periodo ogival por cima do Jubé foram aproveitadas, em muitos logares, para servirem de cruzes de cemiterios.

[298]

Pias baptismaes


A pia de baptismo no periodo ogival é geralmente menos larga e profunda do que a em uso no periodo Roman. Esta differença foi motivada pelo abandono do baptismo por immersão no XIII seculo. Como precedentemente, algumas das pias têem o feitio d'uma tina sem pé, redonda, quadrada ou com seis ou oito lados; outras assentam sobre um grosso pilar central acompanhado nos angulos da pia por quatro columnasinhas, mas o maior numero são monopediculados.

As pias de feitio de tina sem pé encontravam-se ainda algumas vezes no periodo ogival, porém muito poucas durante o periodo Roman.

As pias monopediculadas, isto é, firmadas sobre um só pilar, foram as mais communs na Belgica durante todo o tempo do periodo ogival. Estas pias baptismaes, em vez de serem como as Romans, circulares ou quadradas na parte externa, eram geralmente de seis ou oito lados. A pia continua a apresentar, como durante o periodo Roman, a fórma hemispherica ou oval; havendo muitas vezes, na parte mais baixa, um orificio servindo para vasar a pia.

Na Allemanha e na Belgica desde o final do seculo XIV, e principalmente no XV seculo, havia pias monopediculadas em latão.

O maior numero de pias Romans estavam cobertas de esculpturas decorativas, symbolicas ou historicas. Sobre as pias do periodo ogival, pelo contrario, [299] os assumptos historicos e legendarios, assim como as figuras symbolicas e phantasticas são raras; por excepção se vê ainda n'ellas o baptismo de Jesus Christo e outras scenas biblicas ou tambem personagens isolados collocados debaixo de arcaduras.

Os ornatos simplesmente decorativos, taes como folhagens e carrancas, são tambem bastante raros sobre as pias do XIV e XV seculo. Toda a decoração das pias ogivaes, principalmente no XV seculo, consiste as mais das vezes n'um certo numero de molduras que se vêem sobre a pia e sobre o pilar em que se fórmam.

Pias para agua benta


Ha duas qualidades de pias para agua benta: as fixas e as portateis.

As pias fixas são cylindricas ou polygonaes, com reservatorio hemispherico, collocadas junto da entrada da egreja, no interior ou exterior do edificio: umas isoladas e postas sobre um pé, outras sem terem apoio. Estas ultimas, que estão sempre unidas com as construcções, vê-se quer em nichos, quer em sacada sobre o liso da parede ou d'um pilar, no qual estão encaixadas.

Posto que as pias para agua benta pediculadas estivessem já em uso no XIII seculo, e talvez ainda antes, foi todavia no XIV e XV seculos que vieram a ser mais communs. Em muitos paizes, apresentam bastante analogia com as pias baptismaes contemporaneas, de maneira que é muitas vezes difficil [300] distinguir de repente, se o objecto que está presente serviria na primitiva de pia para agua benta ou de pia baptismal, pela sua grandeza. A capacidade limitada do reservatorio e a falta do orificio destinado para dar sahida ás aguas baptismaes, dão algumas vezes um indicio para designar que o objecto seja uma pia para agua benta e não uma pia baptismal.

O maior numero das pias para agua benta fixas do periodo ogival que existem, ainda são de pedra. Havia tambem em outro tempo um certo numero d'ellas de bronze e de latão. A memoria de algumas d'estas pias de metal nos foi conservada, quer por desenhos e gravuras, quer por testemunhos de escriptores antigos. Encontram-se mesmo raros especimens que escaparam á destruição vandalica.

As pias para agua benta portateis são vasos com azas, destinados a conter a agua benta. Como já referimos, serviam durante o periodo Roman, para apresentar a agua benta aos imperadores, reis e outros distinctos personagens, na occasião da sua entrada na egreja. Serviam tambem n'esta epocha, para a agua com que se faziam as aspersões prescriptas pela liturgia. O costume de principiar a missa solemne do domingo por uma procissão dentro da egreja, durante a qual se aspergia o povo com agua benta, remonta aos primeiros seculos do christianismo. As capitulares de Carlos Magno confirmam já este costume, e no Concilio reunido em Nantes em 911 determina aos curas [301] que benzam a agua ao domingo, em um vaso limpo e apropriado, para que o povo seja aspergido, e o sacerdote possa leval-a aos enfermos, aspergil-os e á sua habitação.

As mais antigas pias para agua benta portateis são de marfim. As pias para agua benta em metal, já conhecidas durante o periodo Roman, vieram a ser muito communs no XIII e XIV seculos. Todas as pias para a agua benta portateis são, comparativamente ás em uso desde o XV seculo, de muito pequena dimensão: medem apenas 20 centimetros pouco mais ou menos de altura, com um diametro entre 10 e 13 centimetros.

Quando, no XV seculo, as pias para a agua benta portateis de metal vieram a tornar-se de uso geral, deram-lhes dimensões maiores. Todavia encontram-se ainda muitas d'esta epocha, que são muito pequenas.

Quasi todas as pias para agua benta antigas têem a fórma d'um balde; algumas apresentam um engrossamento consideravel sobre a borda superior, diminuindo sensivelmente para a base. Vêem-se com uma inscripção mostrando como as das pias fixas, assim como a allusão ao symbolismo de agua benta pelo baptismo de Jesus Christo.

Grades e barreiras


Grades de ferro. As grades do XIV seculo apresentam mais ou menos o aspecto geral que as do periodo Roman. Como antecedentemente, têem os prumos verticaes com um caixilho de ferro a [302] que ficam reunidos por ornatos em fórma de X composto por barrinhas de ferro com secção differente; e todavia, quando as grades são destinadas para as cathedraes ou para os edificios importantes, as barrinhas das extremidades simplesmente enroscadas não têem por ornato senão algumas hastes verticaes. A suppressão das couceiras póde ter logar sem inconveniente nos vãos de pequena largura, de pouco peso e fórmas delicadas, mas para grades maiores e expostas aos encontrões da multidão, o systema de almofadas com ornato entre as couceiras e as travessas é o unico modo que dará a solidez precisa sem obstar ao aspecto de leveza.

Os cenotaphos erguidos nos logares frequentados da egreja, os reliquarios expostos publicamente á veneração dos fieis e os armarios dos thesouros eram muitas vezes resguardados por grades com importante trabalho de mão d'obra. Estas grades ornadas geralmente por barrinhas estampadas do lado externo sómente estão por vezes armadas com grandes pontas e ganchos de ferro que impossibilitam o assalto.

Nas grades do XIV e XV seculo, os prumos servindo de couceiras e as travessas continúam a ser empregadas; porém as barrinhas torcidas e estampadas das grades do XIII seculo ficaram substituidas por ornatos obtidos, servindo-se de chapas de ferro batido, recortadas em florões ou folhagens. Depois, em logar de ficarem seguros como precedentemente os prumos por bracedeiras, não soldados, [303] esses ornatos estão fixos por cavilhas arrebitadas. Os caixilhos de ferro são muitas vezes supprimidos, e a esses prumos depois de lhe assentar na extremidade remates mais ou menos vistosos, compostos de flôres de liz ou florões de folha de ferro soldadas.

As grades que se não abrem, que assentam na frente das janellas, nos thesouros das egrejas, casas de capitulo, depositos do archivo, casas nobres e mesmo nas casas particulares, estão muitas vezes guarnecidas de pontas de ferro dispostas em espigas nas duas extremidades das couceiras. Algumas vezes as grades com espigas têem, álem d'isso, as suas couceiras e travessas reunidas de maneira impossivel para fazer mover as couceiras nos olhaes das travessas ou nos olhaes das couceiras; estes olhaes estão alternativamente feitos nas travessas e nas couceiras.

Barreiras de madeira. Em logar de grades de ferro, tambem se serviam de barreiras de madeira, a fim de separar as capellas. Estas barreiras são geralmente tapadas até á altura quasi d'um metro, não ficando interrompida a vista na parte superior. Quasi todas são feitas com madeira de carvalho, devendo a sua duração não sómente ao bem feito da obra, como á excellente qualidade do material empregado. A começar do XIV seculo, a parte inferior tapada é formada de duas ou muitas ordens sobrepostas de almofadas encaixadas entre as couceiras e as travessas. Estas almofadas teem muitas vezes obra de talha figurando [304] pinasios dos caixilhos, ou folhas de pergaminho dobradas. A parte superior d'estas barreiras compõe-se quasi sempre de arcaduras rotas, deixando passar a vista entre os prumos em que se dividem.

Orgãos e caixas para elles


Os primeiros orgãos de que os chronistas occidentaes fazem menção, são os que o rei Pepin recebeu de presente da côrte imperial de Constantinopla no meiado do VIII seculo, e que fez collocar no seu palacio de Compiègne. Carlos Magno tambem no principio do seculo seguinte mandou fabricar orgãos, conforme o modelo byzantino para ornar a sua egreja de Aix-la-Chapelle. Depois de Carlos Magno, o uso dos orgãos para o acompanhamento de certas partes cantadas do officio divino, introduziu-se pouco a pouco na egreja Latina. Desde o final do X seculo, a maior parte das egrejas cathedraes e abbaciaes de primeira ordem tinham-os adquirido, e durante os dois seculos seguintes continuaram a generalisar-se.

Os orgãos primitivos eram muito defeituosos e d'uma grande singeleza, como vemos nas miniaturas dos manuscriptos contemporaneos.

Durante o periodo ogival a predilecção pelos orgãos tomou novos desenvolvimentos, e, no final do XV seculo, todas as egrejas de alguma importancia e mesmo as capellas tinham o seu orgão. No XIII seculo, começaram já, em alguns logares, [305] a multiplicar o numero dos orgãos em uma só e mesma egreja. Ao principio contentavam-se com dois d'estes instrumentos; porém no XIV e XV seculos tinham tres, quatro e até cinco. Na egreja do convento de Mafra, el-rei D. João V mandou collocar quatro grandiosos orgãos nos angulos do cruzeiro, no XVII seculo.

Até ao XV seculo, diz o insigne architecto Violet-le-Duc, não parece que os grandes orgãos estivessem em uso. Serviam-se apenas de instrumentos de mediocres dimensões e que podiam ficar dentro d'um movel assentes na capella-mór, nos jubés ou sobre tribunas mais ou menos espaçosas, destinadas não sómente aos orgãos, mas ainda aos cantores e musicos. Foi no final do XV e principio do XVI seculo que houve a ideia de dar aos orgãos, dimensões extraordinarias desconhecidas até então, tendo uma grande força de som e exigindo, caixas collossaes. Todavia esses orgãos não são nada em comparação com os instrumentos que se fizeram depois no XVII seculo.

No fim do periodo ogival, a fórma das caixas dos orgãos era determinada pela disposição que tinha esse instrumento. A obra de entalhador para as caixas dos orgãos do XV e XVI seculos, e mesmo de alguns orgãos do XVII seculo era independente do instrumento e servia para o resguardar, cobrindo-o. O mechanismo e os folles ficam inteiramente mettidos entre as almofadas macissas dos sócos; as almofadas recortadas enchem os espaços rotos existentes entre a extremidade superior [306] dos canudos e os tectos, afim de facilitar a emissão do som. A marceneria ornada de esculpturas e de polychromia e os canudos eram muitas vezes estampados e dourados. Tudo ficava encerrado por portas que o organista abria quando tocava; estas portas eram, as mais das vezes, ornadas, pelo menos na parte interna, com pinturas historicas que se viam quando servia o instrumento. Os orgãos e as caixas, anteriores ao XVI seculo, são muitissimo raros.

Alfaias religiosas


Ourivesaria e esmaltadores. No XIII seculo, a arte de ourives transformou-se completamente sob a influencia do novo estylo architectural. Durante o primeiro quartel e mesmo durante a primeira metade d'esse seculo, os vasos sagrados e os objectos do culto apresentavam ainda, é verdade, as mesmas fórmas geraes que durante o periodo Roman; porém o systema da decoração teve modificações importantes. O artista, fosse quem fosse, esculptor, pintor ou ourives, ia procurar as suas inspirações, jamais como precedentemente aos objectos byzantinos ou aos estofos orientaes, mas sim na flora do seu paiz; serviam-lhe de modelos os vegetaes indigenas e applicava-se interpretal-os artisticamente.

As chapas esmaltadas e os engastes das joias, com algumas folhagens de filigrana, ficam geralmente em uso até ao meiado do XIII seculo; continuando a dar o principal modelo de decoração [307] para os objectos de grandes dimensões, taes como os reliquarios e os frontaes dos altares.

Todavia n'uma parte da Belgica, o uso dos esmaltes de côres desappareceu mais cedo que nas outras partes. Desde o primeiro quartel do seculo XIII, encontra-se, sobre as margens do Lambre, uma escola de ourives tendo em pratica principios inteiramente novos. Á frente d'esta escola e ao impulso artistico que produz, apparece o irmão Hugo, frade Agostinho do priorado de Oignies. Este humilde religioso executou durante o primeiro quartel do XIII seculo, (um dos seus trabalhos tem a data de 1220), em alguns annos, uma serie de obras-primas que ainda não foram imitadas, algumas das quaes teem resistido aos estragos dos tempos, e guardam-se devotamente no thesouro das freiras de Nossa Senhora em Nemours, produzindo a admiração de todos os entendedores. Desprezando o emprego dos esmaltes com muitas côres, elle procurou o principal effeito de decoração n'um trabalho original, que consiste em cobrir os objectos, no todo ou em parte, com delicadas folhagens formadas de cachos, de flôrsinhas e pequenas folhas estampadas, reunidas pela soldadura a delicados pés. A estas folhagens ajuntava figuras de veados, cães e caçadores, tudo produzido da mesma maneira. O tecido muito unido que resultava d'estes trabalhos era depois arribitado ou soldado sobre as differentes partes do objecto do qual elle abrangia todos os contornos.

[308] Hugo empregou ainda as joias; mas ás vezes, em logar de dispôl-as sobre chapas rectangulares e ligal-as pela filigrana, as dispunha artisticamente entre as suas delicadas folhagens. Além d'isto, seguindo o exemplo dos seus antecessores, não empregava camafeus e com gravuras concavas á maneira antiga, todas as vezes que não tinha joias novas para o seu trabalho.

Quanto ás massas coloridas embutidas no metal, Hugo não conserva quasi o negro do buril que serve para traçar as inscripções, ornamentos e tambem as figuras.

Depois do meiado do XIII seculo, os objectos de ourivesaria principiaram pouco a pouco por imitar na sua fórma e aspecto geral os monumentos de architectura: os relicarios, que antes eram cofres, sarcophagos, remedando o feitio dos edificios religiosos, vieram a ser pequeninas egrejas em ouro e prata: os relicarios tinham enfeites, por vezes remates, torrinhas ladeadas de contra-fortes e bastantes arcos; em uma palavra, as fórmas elegantes e graciosas da architectura ogival foram copiadas nos objectos do culto. A cinzelura tambem faz cada vez mais progresso; e vê-se mesmo a maior parte das vezes pequenos objectos apresentarem as esculpturas e altos relevos, o que não se fazia antes, excepto nos grandes objectos de ourivesaria.

Os objectos de ourivesaria propriamente chamados conservam, no XIV seculo, as fórmas que tinham precedentemente, isto é, imitam o aspecto [309] dos monumentos de architectura, ou, pelo menos, são decorados com certos detalhes architectonicos. Todavia na França, e sem excesso na Belgica, os ourives executaram, para relicarios, estatuas pequenas de alto relevo, grupos e imitações de membros de corpo humano, ou outros objectos que se desejava encerrar dentro d'elles. Desde o XIV seculo, os vasos sagrados e os outros objectos do culto perdem a nobre simplicidade do estylo grave da época precedente.

No XV seculo os trabalhos de ourivesaria correctos differençavam pouco, quanto ao aspecto geral, dos do seculo anterior. As suas fórmas patenteavam todavia as modificações successivas que teve a architectura n'esta época. Os ourives empregavam menos simplicidade nas suas composições, menos elegancia nas fórmas, porém o seu trabalho é geralmente mais apurado e mais delicado; levado por vezes até á exaggeração pelo acabamento e perfeição dos pequenos detalhes.

Quando empregavam ainda algumas esmaltes para realçar o oiro e a prata, os ourives do XIII seculo, como os seus predecessores do XII seculo, indicavam sobre o liso do metal o contorno das figuras, e dispunham depois todas as partes internas do desenho, quer por um cinzelado produzindo um relevo pouco saliente, quer, mais simplesmente ainda, por uma delicada gravura, cujos traços refaziam o desenho dos contornos das figuras; emfim, abaixavam o fundo á roda das figuras e enchiam-no de um esmalte, geralmente escuro, [310] adequado para fazer sobresair a composição. Até ao final do XIII seculo, os traços da gravura delicada ficavam geralmente vasios; era só excepcionalmente que os enchiam de preto. Mas, no começo d'esta época, enchiam-n'os quasi sempre de encarnado ou pardo-escuro.

Dinanderie. Dá-se o nome de dinanderie a um objecto de cobre ou latão coado e martellado, conforme o modo de fabricar esses objectos. Esta palavra tira a sua origem da cidade de Dinant sobre o Meuse, a qual tinha adquirido, na edade média, uma grande fama pela execução de objectos de latão. Portanto, em virtude d'esta etymologia, alguns archeologos continuaram com o uso recebido, escrevendo―Dinanterie, em logar de Dinanderie.

A arte de dinanderie estava prospera desde o fim do XI seculo nos Paizes-Baixos, e durante os seculos seguintes, os bate-folhas de cobre obtiveram de differentes soberanos muitos privilegios, que facilitaram a exportação dos productos de sua industria para Allemanha, França, Inglaterra e todo o norte da Europa.

As pias baptismaes executadas com este material, as primeiras de 1112, e as outras de 1149, ainda se conservam na Belgica.

Calices e Patenas. A communhão sob a especie de vinho tendo sido abolida na Egreja Latina, proximo do XII seculo, os calices ministraes com aza cessaram de ser empregados no Occidente, e a sua fabricação ficou completamente abandonada. Assim, todos os calices ministraes de origem occidental [311] são anteriores ao periodo ogival. Na Grecia e no Oriente, pelo contrario, onde a communhão se dava ainda aos seculares sob as especies de pão e vinho, o uso dos calices ministraes conservou-se até ao presente.

Os calices vulgares, isto é, os de uso do sacerdote que celebra a missa, teem geralmente no XIII seculo, como nos dois seculos precedentes, a taça muito larga e pouco funda, o pé redondo e de grande diametro; a tige está ornada de um nó grosso, composto muitas vezes de arestas salientes, mas raramente de medalhões circulares.

No XIV seculo, e mesmo no fim do XIII uma mudança notavel se deu na fórma dos calices. A taça estreitou-se, e de hemispherica, como era antes, veiu a ser conica ou enfundibuliforme, isto é, similhando-se a um funil. A fórma desegual, quasi desconhecida nos calices do XIII seculo, veiu a ser commum, sem todavia tomar uma grande importancia. A hastea, que durante a primeira metade do XIII seculo, era regularmente cylindrica, tornou-se angulosa e prismatica, tendo geralmente seis faces. Os lados do nó foram mudados para botões redondos, quadrados ou rhombos, egualmente em numero de seis, e quasi sempre embutidos de esmalte, gravuras ou joias. Sobre os seis botões estão algumas vezes inscriptas as seis letras do nome de Jesus, como ortographavam então: IHESUS. O pé está dividido em seis lobulos ornados de esmaltes e de gravuras a traço representando imagens, e mesmo composição completa; estes lobulos [312] correspondem ás faces da hastea e aos botões do nó. O sóco do pé está recortado em folhas de trevo, quatro folhas ou arcaduras; seu diametro, sempre menor que o dos calices romans, conserva não obstante uma base bastante larga para evitar a quéda. Em resumo, os calices do XIV seculo, comparados com os dos seculos precedentes, tem mais altura, mas o diametro da taça e do pé é muito menor.

A fórma geral dos calices do XV seculo é pouco mais ou menos a mesma dos calices do XIV seculo. Todavia, em certos paizes, por exemplo na Belgica, observa-se que os lobulos do pé, as faces das hasteas e os botões do nó teem muitas vezes o numero oito em logar de seis. Esta mudança foi introduzida proximo do meiado do XV seculo.

A patena do periodo ogival tem como a do periodo roman, a fórma de uma pequena salva, apresentando no meio uma cavidade circular. O fundo da salva traz muitas vezes, gravado a traço, um circulo ou um quadrilobo, circumdando quer o Cordeiro Divino, quer a Mão com aureola que symbolisa a Divindade, quer qualquer outro assumpto. Colloca-se algumas vezes uma pequena cruz sobre a borda da salva.

Galhetas. Existem raros especimens de galhetas da época ogival. Havia-as de cobre esmaltado e em crystal de rocha com guarnição de prata cinzelada e algumas de prata dourada com guarnições gravadas.

Durante a edade média serviram-se tambem [313] mais frequentemente de galhetas de vidro, mas por causa da fragilidade da materia, muito poucos objectos d'esta especie escaparam da destruição.

Custodias Eucharisticas. Em alguns paizes, particularmente em França, a Eucharistia continuou, durante o periodo ogival, a estar conservada, como anteriormente, nas pombas douradas e esmaltadas, collocada, a maior parte das vezes, em uma torresinha ou pequena tenda forradas de telas custosas, ficando suspensa por cima do altar, quer sob a pyxide, quer no baculo de metal.

No XIII, no XIV, e mesmo ainda durante uma parte do XV seculo, as pyxides eram geralmente como as do periodo Roman, de muito pequeno tamanho, porque, até proximo do meiado do XV seculo, serviam sómente para conservar o numero necessario de hostias de que havia precisão para a communhão dos doentes em perigo de vida. Os fieis que podiam assistir aos officios religiosos, recebiam a Santa Eucharistia depois da communhão do sacerdote, com as especies consagradas durante a missa, sendo distribuidas servindo-se da patena.

Quasi todas as pyxides do periodo ogival eram de metal; as de marfim e cobre não apparecem senão excepcionalmente.

As pyxides sem pé, de cobre dourado e esmaltado, compostas de pequenas caixas cylindricas, tendo uma tampa de fórma de cone, ficaram em uso pelo menos até o XVI seculo; empregando-se principalmente para levar o Viatico aos enfermos.

[314] Encontram-se ainda presentemente muitas d'estas pyxides, mais ou menos valiosas e ornadas. Não poucas devem a sua conservação a esta circumstancia, que depois da introducção das grandes pyxides aproveitaram-nas para guardar as reliquias destinadas a ficar chancelladas no altar no momento da consagração: portanto, não é raro encontrarem-se nos desmanchos dos altares do XVI e XVII seculos.

As pyxides pediculares, isto é, tendo um pé, que eram raras antes, vieram a ser as mais communs desde o XVIII seculo. Algumas destinadas a ficarem suspensas por cima do altar, sob o sacrario, ou na voluta do baculo, teem o pé muito pequeno, e a taça assim como a tampa bastante grandes e quasi hemisphericas, de maneira a formar reunidas uma bola ôca, geralmente um pouco achatada.

No seculo XII, as pyxides, em logar de ficarem suspensas por cima do altar, foram postas nos sacrarios, deram-lhes regularmente um pé mais alto, similhante aos dos calices e dos relicarios. No principio, bastava collocar sobre um pé as pequenas pyxides de cobre dourado e esmaltado; depois fizeram tambem as pyxides em metal com cinzelados e rebatidos, vindo a ser unicamente usadas. As mais antigas da ultima especie teem a taça e o pé circular.

No XIV seculo, a taça e a tampa tiveram a fórma hexagonal, isto é, seis faces, e o pé divide-se em seis lobulos.

[315] Durante a ultima metade do XIV seculo e todo o XV seculo, as pyxides pediculadas têem muitas vezes as arestas da tampa decorada de crochetes; os angulos formados pela intersecção dos seis lados da taça, sendo flanqueados de contra-fortes, e os lados tambem ornados de arcaduras com ou sem estatuasinhas.

Quando no XV seculo, ficou introduzido o costume de conservar o maior numero de hostias consagradas, afim de poder dar a communhão aos fieis, mesmo sem ser na occasião da missa, as pyxides tiveram dimensões muito maiores. Continuou-se geralmente a dar-lhe fórmas architecturaes, porém essas fórmas vieram a ser, sobretudo na Allemanha, mais altas e mais complicadas ajuntando-se arcos-butantes aos contra-fortes e ás arcaduras com as quaes já as ornavam precedentemente. Em França e na Belgica, appareceram proximo do final do XV seculo as pyxides esphericas, cuja fórma faz lembrar a dos antigos ciborios suspensos. Não é raro, além d'isso, achar pyxides transformadas em relicarios.

Não será inutil aqui repetir, que, salvo raras excepções, todas as pyxides anteriores ao XVI seculo teem a tampa presa á taça por um gonzo.

Custodias. A solemnidade do Corpus Domini, ou festa do Corpo de Deus, instituida em Liège em 1246, e extensiva á Egreja Universal, dezoito annos mais tarde pelo pontifice Urbano IV, trouxe o uso de expôr publicamente o Santissimo Sacramento á veneração dos fieis. Foi este uso que [316] deu origem ao vaso chamado custodia, ou apresentação nome derivado dos verbos latinos ostendere e monstrare, significam, um e outro, mostrar.

No principio, parece que o Santissimo Sacramento, estava exposto publicamente nas pyxides transparentes com cruzes e torrinhas cheias de aberturas; mas, dentro em pouco adoptaram-se, geralmente as custodias.

Algumas d'estas custodias primitivas apresentam a maior analogia com os relicarios expostos contemporaneos. São pequenos edificios de metal, com recortes, tendo um pé e furados sobre dois ou muitos dos seus lados, com aberturas, as mais das vezes sob a fórma de janella ogival.

As custodias mais communs durante todo o periodo ogival, foram as de cylindro, assim designadas porque são formadas d'um cylindro de crystal ou de vidro posto sobre um pé de metal. No XIV, XV e XVI seculos, o cylindro tem geralmente por cima um campanariosinho e nos flancos contra-fortes e arcos-butantes, igualmente de metal. Depois do XIII seculo, o campanariosinho e o pinaculo não são usados. A hostia colloca-se no interior do cylindro n'uma luneta sustentada por um ou mais anjos. O pé e o nó d'estas custodias apresentam a maior similhança com os calices e as pyxides contemporaneas; todavia, o diametro do pé é geralmente maior nas custodias que nas pyxides e calices.

As custodias em que o cylindro de crystal é substituido por um sol radiante vieram a ser geraes [317] desde o XVI seculo. Antes d'esta epocha, eram extremamente raras, e sómente se conhecem pela noticia que se encontra nos inventarios dos thesouros das egrejas pertencentes ao XV seculo.

Relicarios. Os relicarios do periodo ogival apresentam fórmas tão variadas como os da epocha Roman. Seria difficil descrevel-os todos; occupar-nos-hemos dos principaes.

Relicario da vera Cruz. Como precedentemente dava-se muitas vezes a estes relicarios a fórma d'uma cruz com travessa dupla; porém empregavam-se os ornatos proprios da ourivesaria da epocha ogival. A maior parte d'estas cruzes-relicarios, sobretudo as mais bellas, são do XIII seculo.

Depois d'essa epocha abandonou-se o costume de encaixilhar os relicarios da vera cruz, nas cruzes relicarias com travessa dupla, e serviram-se geralmente da cruz com uma unica travessa.

Deu-se tambem algumas vezes a fórma de uma cruz aos relicarios contendo reliquias de santo; mas n'este caso a cruz tem sempre uma só travessa.

No XIII seculo, os relicarios da vera cruz, collocados n'uma pequena cruz ou bocota, eram ainda ás vezes, como durante o periodo Roman, encaixilhados dentro de placas metallicas fixas sobre o meio da madeira e ornados de esmaltes, gravuras e cinzelados de maneira a formar uma especie de quadro com portas de metal ou madeira pintada.

Relicario da corôa com espinhos. Os espinhos [318] da corôa trazida pelo Redemptor durante a sua paixão, eram collocados regularmente em corôas de ouro ou de prata enriquecidas de joias. Algumas d'estas corôas, feitas no Oriente, foram enviadas para a Europa Occidental pelos imperadores que as conquistas dos cruzados tinham collocado sobre o throno de Constantinopla.

A Santa Corôa de espinhos que tinha vindo em poder dos cavalleiros cruzados em seguida ás suas conquistas no Oriente, ficou conservada religiosamente no throno sagrado do novo imperio byzantino até 1237, epocha em que o imperador Bauduino II foi obrigado a dal-a em penhor aos commerciantes venezianos, os quaes lhe haviam feito um emprestimo da quantia de quatro mil marcos de prata para occorrer ás necessidades mais urgentes das finanças imperiaes.

Pouco tempo depois, S. Luiz IX, rei de França, tendo tido a felicidade de occupar o logar dos emprestadores, ficando responsavel pela quantia entregue, pôde obter a preciosa reliquia, e a fez transportar para França por dois frades dominicanos.

O santo rei mandou pôr muitos espinhos nas corôas do mesmo feitio que tinha a corôa real, e presenteou com ellas um certo numero de estabelecimentos religiosos.

Os Santos Espinhos foram tambem por vezes encaixilhados em relicarios mais simples e d'um feitio differente.

Os relicarios do periodo ogival apresentam o mesmo aspecto que os do XII seculo, isto é, teem [319] a fórma d'um cofre oblongo, fechado por uma tampa imitando um telhado com duas aguas.

Os grandes relicarios do XIII seculo são cofres de madeira coberta com chapas de metal esmaltado, cinzelado e por vezes simplesmente gravado. Quasi todos são rectangulares; ha todavia, por exemplo, a grande caixa das reliquias de Nossa Senhora de Aix-la-Chapelle, que se vê sobre os seus dois compridos lados, saliencias que a faz parecer com uma egreja tendo um cruzeiro. As suas faces verticaes são ornadas de estatuasinhas de ouro, prata ou de cobre dourado, ficando collocados debaixo de docéis ou arcaduras. Jesus Christo abençoando, sentado ou de pé, só ou entre dois santos, se vê, como nos relicarios Romans, sobre um dos dois pequenos lados formando empena, emquanto o outro lado fica occupado por Nossa Senhora, ou pelo Santo cujas reliquias se conservam no relicario, igualmente collocado entre dois santos.

Os dois lados compridos estão divididos n'um certo numero de compartimentos tendo como remates frontões dentro dos quaes estão inscriptas ogivas quasi sempre trilobaes. Estes compartimentos formam docéis ou arcaduras, mostrando estatuasinhas dos apostolos ou de outros santos assentados.

Sobre as abas da tampa ha figuras em pé ou baixos relevos representando os mysterios da vida de Jesus Christo e os principaes factos do corpo que encerra o relicario.

[320] Finalmente, algumas vezes a aresta superior do cofre, e mesmo os lados inclinados dos frontões, teem na summidade folhagens de esmerado lavor, interrompidas de distancia a distancia, por castões.

As linhas inclinadas dos frontões, os docéis, os molduramentos e os fustes das columnasinhas que sustentam os docéis estão bastantes vezes cheios de esmaltes e filigranas como se fazia precedentemente.

Desde o final do XIV seculo, os relicarios em metal perdem o aspecto de feretro ou cofre, como haviam tido até então; transformam-se pouco a pouco e tomam a apparencia de capellas e mesmo de pequenas egrejas.

Alguns relicarios do XIV seculo fingem, d'uma maneira extremamente caracterisada as fórmas architectonicas: representando rosaceas, galerias, campanariosinhos e contrafortes; os seus docéis e frontões teem as inclinações dos contornos decorados de crochetes acabando no feitio d'um florão.

O maior numero dos relicarios metallicos dos XV e XVI seculos imitam servilmente a maneira de se construirem os monumentos de cantaria; vindo a ser reproducções em pequeno das grandes egrejas ogivaes. Tendo egualmenle arcos-butantes, na summidade recortes, parapeitos vasados em trefles ou de quatro folhas, uma nave principal e as lateraes, etc., e ás vezes tambem uma torre se ergue no centro do espigão.

Usaram tambem, durante o periodo ogival, de [321] relicarios de madeira cobertos de pinturas representando assumptos religiosos que recordam geralmente os principaes factos da vida do santo que contém o relicario.

O relicario de madeira mais notavel como objecto d'arte por causa de suas pinturas, é o de Santa Ursula, que está no hospital de S. João em Burges. Tem a data do XV seculo e constitue uma das obras primas do pintor Hans Memlinc.

Ha tambem poucos exemplares de relicarios de pedraria do periodo ogival.

Os relicarios não contém sempre os corpos inteiros dos santos, e são tambem destinados a conservar reliquias diversas.

Bustos, braços, pés, estatuasinhas, etc. O uso de conservar as reliquias dos santos dentro de bustos ou nos relicarios preciosamente ornados imitando a fórma dos ornatos a que os relicarios pertenciam já no periodo roman, manteve-se durante toda a epocha ogival, e encontram-se ainda muitos exemplares do periodo do renascimento.

O maior busto-relicario conhecido, pois mede 1m,62 centimetros de altura e um dos mais magnificamente ornados, é o de S. Lamberto da cathedral de Liège, obra de 1506 a 1512. É de prata dourada e está posto sobre um plintho decagono decorado de seis baixos relevos representando differentes scenas da vida do santo bispo de Maestricht. O bispo está paramentado com as vestes pontificaes e todo coberto de joias e perolas.

Os ossos dos braços e dos pés estão muitas vezes [322] introduzidos nos relicarios apresentando a fórma d'esses membros do corpo humano. Nos relicarios de fórma de braço, a mão fica sempre representada benzendo á maneira Latina.

No thesouro da egreja de Nossa Senhora de Tongres ha sete relicarios com a fórma de braços. Dois são do final do XIII ou principio do XIV seculo, estando compostos de chapas de prata com faxas de cobre dourado guarnecido de joias e filigranas; os outros cinco são de madeira pintados e dourados. Os tres mais admiraveis e preciosos, têem dois a fórma d'um pé, e no terceiro, com a fórma de meia lua, guarda-se uma costella do apostolo S. Pedro.

Ha tambem relicarios apresentando o feitio de estatuasinhas. Geralmente as reliquias estão contidas em um pequeno cylindro de crystal, guarnecido de prata ou cobre dourado, fechado nas duas extremidades e posto ao lado da estatuasinha ou trazendo-o na mão. Algumas vezes, posto que raramente, estão fixos n'um medalhão ou pequena cruz, sobre o peito ou sobre outra qualquer parte da estatuasinha.

Mostrador-relicario. Estes relicarios compõem-se de vasos de crystal ou de qualquer outra materia transparente, engastados em obra de ourivesaria, onde se mettem as reliquias, depois de as ter embrulhado em pellica, seda ou estofo, tecidos de ouro ou prata. Estes vasos, geralmente de fórma de cylindro ôco, põem-se muitas vezes n'uma posição vertical, e ficam limitados por um remate tambem conico. O maior numero dos mostradores-relicarios [323] são postos sobre pés similhantes aos dos calices e das custodias; alguns são sustentados por anjos ou levitas; finalmente ha os que ficam postos sobre um sóco; por vezes acontece não terem essa base.

No XIII seculo, e mesmo ainda ás vezes no seculo seguinte, os ourives, á imitação das obras dos esculptores contemporaneos, iam buscar os feitios de decoração para os mostradores-relicarios ás reliquias nos engastes das joias, ás filigranas e as folhagens imitando a flora indigena.

Ao começar do XIV seculo, muitos relicarios fingem fórmas architecturaes e imitam mais ou menos certas partes dos edificios do estylo ogival. Os feitios da decoração tirados até ali ao reino vegetal, dão logar para formar pinaculos, contra-fortes, arcosbutantes e docéis, estando delicadamente lavrados e executados, não pela imitação servil dos edificios de cantaria, mas com uma intelligencia apurada que distingue todas as producções artisticas da idade media e que attendiam á natureza da materia que se punha em obra. O ourives, posto que conservasse as fórmas geraes da architectura, dava-lhes uma leveza que seria impossivel, se fosse executada na pedra.

Quando o cylindro ficava na posição vertical, a fórma do mostrador-relicario confundia-se geralmente com a das custodias, como já referimos.

Vêem-se tambem algumas veze Vêem-se tambem algumas vezes relicarios com cylindro vertical e feitio da decoração imitando a architectura, não tendo peanha.

[324] Quando, pelo contrario, o cylindro tem a posição horisontal, é geralmente executado em obra de ourivesaria de fórma de egreja com uma ou mais naves, encimado d'uma torresinha elevada e ligada por arcos-butantes sahindo do engaste que encerra o cylindro.

Phylacteras. Não podemos deixar de mencionar uma outra fórma de relicarios que foi commum no XII e no XIII seculos. Estes objectos compõem-se de pequenos moldes de madeira cobertos de prata e cobre dourado e esmaltado, sobre os quaes estão traçadas, em esmalte ou relevo, imagens, scenas historicas e legendarias, emmolduradas n'uma cercadura de filigrana recamada de joias sem serem lapidadas. Muitas vezes mesmo as representações dos assumptos, das figuras e symbolos faltam inteiramente. As costas, formadas igualmente d'uma chapa de metal, são ornadas de lavores, gravuras ou pinturas. Têem sempre pequenas dimensões (o seu diametro não é de mais que dois a tres decimetros), e fórma redonda, ellyptica ou, as mais das vezes, com quatro folhas. Alguns archeologos lhes dão o nome especial de phylacteras, posto que, conforme a etymologia, este nome, derivado do grego, guardar, designa qualquer especie de custodia ou recipiente, e deveria por conseguinte applicar-se indistinctamente a todos os relicarios.

Algumas vezes as phylacteras são, como os relicarios de cylindro de crystal, postas sobre um pé de metal com figuras de anjos ou de santos.

[325] Cofres-relicarios. Continuou-se, durante o periodo ogival, a encerrar as reliquias dos santos nos cofres de metal, madeira, marfim e couro com figuras em relevo. É bastante raro achar, sobre estes cofres, scenas historicas ou symbolos religiosos.

No XV seculo principiou-se a fazer cofres de ferro, e o seu uso não se demorou a generalisar. Não devemos pois admirar-nos, se um grande numero d'estes objectos curiosos têem sido conservados até ao presente. A maior parte eram destinados a uso profano: guardavam joias e outros objectos preciosos. Ha todavia alguns que serviram de relicarios, principalmente os que têem inscripções religiosas, como―AVE MARIA GRATIA PLENA e O MATER DEI MEMENTO MEI.

Ás vezes estes cofres eram inteiramente de ferro; sendo todavia formados d'uma caixa de carvalho ou de faia forrada de couro encarnado, sobre o qual assentava uma chapa de ferro recortada e segura por enfeites de ferro. O ferrolho tinha ás vezes a fórma d'um lagarto ou de salamandra. A maior parte d'estes cofres eram cobertos de florões scintillantes, o que faz vêr que no XV seculo os serralheiros como os ourives iam buscar á architectura as suas principaes fórmas de decoração.

Os cofres de marfim, dos quaes se haviam servido muitas vezes para os relicarios durante o periodo Roman, ficaram em uso até á epocha ogival juntamente com os de madeira, de metal e de couro.

[326] Trombetas-relicarios. Não é raro achar, nos thesouros de egrejas, antigas trombetas de guerra e de caça transformadas em relicarios. Durante a idade media, os christãos não receiavam empregar no culto certos objectos profanos emquanto á sua origem e á sua ornamentação, mais preciosos como materia ou como obra d'arte. Já assignalamos esta pratica para os camafêos e pedras antigas gravadas concavamente, das quaes os ourives da idade media frequentemente faziam uso para dar mais brilho ao metal nos differentes objectos para o culto; encontrando-se tambem nas trombetas dos caçadores de que tratamos agora e dos esmoleres de que fallaremos depois.

Quasi todas as trombetas-relicarios são de marfim e apresentam a mesma fórma, imitando a defeza do elephante de cuja materia eram fabricadas. É do nome d'este animal, que as trombetas de marfim têem tirado o de olifante, pelos quaes são geralmente conhecidos. Na idade media o olifante era tanto se não fosse mais, um instrumento de guerra como para a caça; servia principalmente para dar signal de commando, reunir as tropas e annunciar a presença do inimigo.

Os elephantes e as trombetas estão guarnecidos de aros de metal, floreado com florões ou redentados que facilitam suspendel-os em bandoleira. Estas virolas, algumas mostrando a cabeça de bezerro, estão fixas nas duas extremidades, e de distancia em distancia sobre o comprimento do objecto. Algumas vezes tambem ornam-se os elephantes [327] de esculpturas em baixo-relevo, e então as virolas não têem ornatos.

As principaes officinas para a esculptura dos oliphantes e guarnecel-as de metal existiam durante a idade media no Norte de França, principalmente em Abbeville e Paris.

Encontram-se tambem trombetas relicarios em chifre de boi e de bufalo; posto que guarnecidas pela mesma maneira que os oliphantes, são todavia faceis de reconhecer, não sómente pela sua côr, mas ainda pela sua curva muito mais fechada, approximando-se geralmente d'um semi-circulo.

Esmoleres-relicarios. Chama-se esmoler a uma pequena bolsa com cordões ou fechos, que se traz suspenso á cintura para guardar o dinheiro e os objectos de serviço habitual. Estas bolsas, que formavam na idade media o complemento indispensavel do vestuario dos dois sexos, eram de couro ou estofos de preço. Dava-se-lhes tambem o nome de algibeira.

A fórma mais antiga é d'uma pequena bolsinha com dois cordões de correr para fechar, e d'um outro cordão para suspender á cintura. Mais tarde supprimiram-se os cordões e dobraram na frente do bolsinho uma parte do estofo, que se levantava quando se queria introduzir a mão no esmoler.

Não se tem conservado até ao presente esmoleres de estofo, e mesmo os de couro não se encontram senão casualmente. Entre estes estofos uns são de seda lavrada, outros têem bordados sobre linho ou seda com fios de ouro ou seda de differentes [328] côres traçando simples ornamentos, symbolos e mesmo algumas vezes assumptos.

Na idade media serviam-se, muitas vezes dos esmoleres para embrulhar as reliquias dos santos e deposital-as nos relicarios. É mesmo a esta circumstancia que deve ter-se conservado um grande numero d'esses curiosos objectos, o que serve tambem para se explicar acharem-se nos thesouros das egrejas. Poucas vezes esses esmoleres mostram symbolos ou assumptos religiosos; no maior numero vêem-se simples ornamentos; algumas vezes mesmo estão decorados com assumptos profanos.

Relicarios diversos. Além dos relicarios que acabamos de descrever por classes, ha tambem outros de que seria impossivel formar grupo, havendo infinita variedade, e ao mesmo tempo um gosto singular, que os artistas de todo o periodo ogival empregaram no feitio d'esses objectos.

Custodias d'Agnus Dei. Chama-se Agnus Dei a pequenos medalhões de cera branca, de fórma circular ou oval, ornados sobre as duas faces com a impressão d'um cordeiro deitado, uma cruz de resurreição, estandarte e tendo dois ou tres guiões fluctuantes. Por baixo do cordeiro ha n'um segmento de circulo, o nome do Pontifice que benzeu o objecto. N'uma epocha bastante recente, tem-se muitas vezes completado esta indicação, ajuntando-se-lhe o anno do pontificado; havendo-se substituido ao cordeiro collocado no reverso do medalhão, o brazão d'armas do papa ou uma [329] imagem. Em exergo lê-se quasi sempre: AGNE DEI MISERERE MEI QUI CRIMINA TOLLIS.

Desde o IV seculo é provavel se estabelecesse o uso de aproveitar, no domingo depois da Paschoa, os restos do cirio paschal do anno precedente para o dividir em pequenos fragmentos e distribuil-os depois aos fieis, os quaes os levavam comsigo para suas casas e serviam como objecto bento de devoção. É n'esta pratica ao presente conservado em algumas dioceses com as modificações accessorias, que se acha a origem da devoção dos Agnus Dei. Em Roma, principiaram cedo a ajuntar cera pura e oleo aos fragmentos do cirio paschal e com esta mistura, se moldavam medalhões em forma de distico, tendo a effigie do cordeiro Divino. Estes medalhões eram já conhecidos em Roma perto do fim do VI seculo. Mais tarde, e ainda presentemente, os restos do cirio paschal foram completamente excluidos da materia dos Agnus Dei, e serviram-se unicamente da cêra sem nenhuma addição de substancias estranhas, que o soberano Pontifice mergulha durante algum tempo em agua benta misturada dos Santos Oleos e de balsamo puro.

Em todos os tempos os Agnus Dei têem sido recebidos pelos fieis com grande veneração, e muitas vezes encerrados em pequenas bocetas de metal mais ou menos precioso, cuja forma e ornamentação apresentam a maior analogia com os dos relicarios. Estas bocetas têem geralmente uma argola para se suspender; são circulares [330] como os antigos Agnus Dei, trazendo em exergo a legenda como está: AGNE, (ou mais vezes ainda AGNUS) DEI MISERERE MEI QUI CRIMINA TOLLIS, ou uma outra oração. São muitas vezes recortadas de maneira a mostrarem uma maior ou menor parte da cêra. Os espaços que occupam o metal são ora dispostos em simples cruz grega tendo na intersecção dos ramos, um medalhão cinzelado, gravado ou esmaltado, ora em relevo sob a fórma de cordeiro, imagens, ou simples florão.

Os mais antigos Agnus Dei conservados até ao presente não vão além do principio do XIV seculo; porém os d'uma epocha posterior encontram-se com bastante frequencia.

Armarios para reliquias. Os relicarios, os vasos sagrados, os livros do Evangelho e outros objectos preciosos conservam-se regularmente em armarios ou tendo simples nichos feitos na grossura da parede; outras vezes formavam construcções de pedra encostadas a uma parede; todavia as mais das vezes eram moveis de madeira com mais ou menos obra de apurado trabalho.

No XIII seculo, e mesmo ainda muitas vezes no XIV seculo, estes moveis, d'uma fórma sempre simples e adequada ao seu destino eram principalmente ornados com ferragens de feitio esmerado e com pinturas sobre as suas portas. As portas sem molduras compunham-se d'uma serie de taboas simplesmente juntas, duplas, consolidadas na parte interna, por travessas e no lado exterior ornadas com bellas pinturas.

[331] Desde o fim do XIII seculo e durante a primeira parte do XIV seculo, a pintura e a esculptura foram, em certas occasiões, empregadas simultaneamente na decoração dos armarios das reliquias; algumas vezes mesmo, as portas com esculpturas tinham dourados, e o lavor de estojo com ornamentos coloridos. Depois, a esculptura augmenta e pouco a pouco acaba, no fim do XIV seculo, para substituir completamente a polychromia. As portas dos armarios não apresentam já, a contar d'esta epocha, as superficies inteiramente lisas e cheias de pinturas. Compõe-se então de almofadas encaixilhadas e preparadas do mesmo modo que as partes lisas das portas. Entre estas almofadas, algumas têem em relevo molduras com desenhos imitando as travessas das almofadas das janellas, as outras estão cheias de folhagens ou ornatos de talha imitando folhas de pergaminho, como já explicámos. Uma cimeira recortada e vasada e na qual os prumos dos aros veem terminar em florão rematam muitas vezes o movel em todo o seu comprimento.

Vasos para os santos oleos. Na quinta feira de cada anno, o bispo benze solemnemente, durante a missa que elle celebra na sua cathedral, tres especies de oleos, os quaes são depois distribuidos pelas egrejas da diocese. São: 1.º oleos para os cathecumenos; 2.º, oleo para os enfermos; e 3.º, oleo para a chrisma.

Acham-se ainda hoje em algumas cathedraes, grandes vasos do periodo ogival que serviram antigamente [332] para benzer os santos oleos na ceremonia de Quinta Feira Santa.

Além d'estes vasos de grandes dimensões, nos quaes o bispo benzia os oleos para toda uma diocese, ás vezes mesmo para muitas, havia recipientes mais pequenos, que continham sómente os santos oleos para o deão de uma grande cidade. Alguns eram cofresinhos rectangulares ou ovaes, de madeira forrada de couro, dividido interiormente em tres separações, podendo em cada uma caber um frasco. Outros em metal mais ou menos precioso, compõe-se de tres vasos, geralmente cylindricos reunidos estando soldados ou simplesmente unidos.

Os vasos contendo os santos oleos para a occasião mesmo em que dar os sacramentos e nas differentes uncções de bençãos, são regularmente muito mais pequenos do que aquelles que fallamos, e podem ser divididos em duas classes. Os da primeira classe, destinados a conter ao mesmo tempo as tres especies de oleos, são triplicados como os dos deões, os quaes se differençam unicamente pela sua menor dimensão. Compõem-se quasi sempre de tres cylindros ôcos, com uma tampa conica, collocados em roda d'um nucleo, porém raras vezes postos em linha. Alguns não têem pés, outros mostram esse appendice.

Para distinguir os differentes oleos, marcam-se os vasos com lettras differentes: I, designa o oleo para os enfermos, oleum Infirmorum; C, o santo oleo, chrisma. Para o oleo dos cathecumenos servem-se [333] ora da lettra S, oleum Sacrum, ora da lettra O, oleum, ou mesmo da lettra E, do grego Ελχιον, oleo. Como cada um d'estes oleos não serve sempre nas mesmas ceremonias, e se precisa levar longe o oleo para os doentes, cada um dos pequenos vasos pode-se separar do nó central que os reune.

A segunda classe dos vasos para uso immediato de ungir comprehende aquelles que encerram uma unica especie, geralmente o oleo para os enfermos. Teem quasi sempre a forma cylindrica e estão tapados com uma tampa de fórma conica. Alguns teem pés, outros não.

Corôas suspensas sobre o altar. Estas corôas chamadas votivas, estiveram em uso pelo menos durante uma parte do periodo ogival, e conservavam a fórma que tinham antes: a de um circulo de metal, cujo brilho era muitas vezes augmentado com joias e esmaltes. Algumas eram feitas de proposito para o serviço do altar; outras pertencentes aos soberanos como insignia de realeza, foram dadas ás egrejas pela generosidade dos principes.

Corôas com luzes. As coroas de luzes do periodo ogival são ou suspensas ou sustidas em um pedicello.

As corôas suspensas, que estiveram em uso desde os primeiros seculos do christianismo, chegaram ao seu maior desenvolvimento no XI e XII seculos. Durante o periodo ogival, perderam muito da sua importancia, e as maiores d'esta epoca, encontram-se muito raro presentemente.

No XV seculo apparecem os lustres, que quaes [334] vieram a ser communs em pouco tempo, e ficaram a substituir as corôas desde o principio do periodo do renascimento.

As corôas de luzes pediculadas são geralmente de ferro forjado e compõe-se quasi sempre de uma tampa da qual se ergue uma hastea vertical ornada de um ou muitos nós. No alto d'esta haste estão postos em diversas alturas, dois ou mais numeros de circulos em fórma de polygonos de diametros differentes, compostas de espigas e dirandellas para terem vellas. Os circulos são movediços e podem girar em roda da hastea que os sustenta; esta disposição permitte aos devotos puxar para si as dirandellas sem vellas pôr-lhes outras vellas offerecidas por promessa. Estas corôas estavam em uso nas egrejas onde numerosos peregrinos vinham venerar as reliquias ou a imagem de algum santo. As mais remotas corôas tendo pé não vão além do XV seculo.

Cruz de altar e de procissão. Já dissemos, que até o fim do XV seculo não houve distincção entre as cruzes do altar e as cruzes processionaes ou estacionarias. A mesma cruz servia para o mesmo uso: punham-a sobre o altar ficando firmada sobre uma base ou levavam-a em procissão no cimo de uma comprida hastea.

No XIII seculo, as cruzes processionaes eram de uma grande simplicidade. Tinham geralmente a imagem de Jesus Christo, e nas extremidades dos braços havia os symbolos dos evangelistas collocados em um quadrilobo.

[335] No XIV e no XV seculo, ornam muitas vezes com as fórmas architecturaes, e mesmo tendo estatuasinhas debaixo de docel, o cabo era ôco servindo para fixar a cruz sobre a hastea ou sobre um pé.

Quando no XIV, e principalmente no XV seculo, multiplicaram-se as capellas e os altares em uma mesma egreja por causa do augmento extraordinario da fundação de missas, introduziu-se o uso das cruzes do altar, isto é, assentes permanentemente sobre elle. A cruz do altar principal era a unica que ficava portatil, podendo servir no altar e nas procissões.

Castiçaes. Havia, durante o periodo ogival, quatro especies principaes de castiçaes: os castiçaes do altar, os castiçaes de elevação, e os castiçaes paschoaes aos quaes se podem ajuntar os tocheiros collocados aos lados dos catafalcos.

Castiçaes de altar. O uso de collocar dois castiçaes sobre o altar foi introduzido, em certas partes, no fim do periodo roman, e veiu a ser geral no XIII seculo.

Os castiçaes de altar do XIII seculo apresentam uma grande similhança com os do periodo roman. Do mesmo modo eram de metal e compunham-se regularmente de um pé descançando sobre tres garras, d'um nó e d'um prato com uma espiga; sendo todavia menos ornados. É por isso, que apparecem excepcionalmente animaes phantasticos de forma de lagarto ou dragão de azas que sustentam o prato de quasi todos os castiçaes romans.

[336] No XIII seculo, como precedentemente, os castiçaes teem pouca altura, sendo as mais das vezes de 15 a 25 centimetros. Algumas vezes todavia, porém muito raro, proximo do fim do XIII seculo, tinham a hastea com dois ou tres nós quasi 50 centimetros de alto.

O uso de não pôr sobre o altar mais de dois castiçaes pequenos durou até ao XVII seculo.

Nos XIV e XV seculos, os nós da hastea foram substituidos por virólas, sendo o numero de duas ou tres; ha todavia exemplos, principalmente no XIV seculo, onde a hastea tem uma unica viróla.

No fim do XV seculo e no principio do XVI seculo, os castiçaes têem muitas vezes os nós, o pé e o prato com relevos do feitio de meias perolas e a hastea torcida em espiral.

Castiçaes de elevação. Este nome foi dado aos castiçaes destinados para terem as vellas accesas antes da elevação da Hostia, e que se apagam depois da communhão do padre. Estes castiçaes, regularmente em numero de dois e collocados aos lados do altar, eram muito mais altos que os castiçaes do altar, tendo de altura muitas vezes um a dois metros de alto.

Castiçaes paschoaes. Assenta-se geralmente a hastea do castiçal paschoal n'uma estante vasada, onde se põe o livro para o canto do Exultet. Muitas vezes se collocam dois ou mais braços destinados a ter pequenas vellas; ha-os de latão e de ferro forjado.

No XIII seculo, o No XIII seculo, os castiçaes paschoaes são ornados [337] muito simplesmente imitando na ornamentação o reino vegetal.

No XIV seculo, os candelabros para a tocha paschoal estão ornados muito modestamente.

Os castiçaes paschoaes do XV seculo são ainda muito mais simples.

Os castiçaes postos aos lados do catafalco. Estes castiçaes geralmente muito simples são as mais das vezes de ferro forjado e ornados com polychromia. A sua altura varia entre um a dois metros. Um grande numero se têem conservado. Algumas vezes estes castiçaes eram tambem de madeira.

Aos lados dos catafalcos, os tocheiros isolados eram muitas vezes substituidos por um candieiro-triangular de pau ou metal composto de um certo numero de bicos ou de pratos e assente sobre um ou dois pés. Esta alfaia é tambem designada, principalmente nos antigos inventarios, cabide, rastrum e rastrellum.

Vestigios de apparato com luzes para os defuntos, se vêem ainda hoje em muitos monumentos funerarios do XIII seculo, nas egrejas de S. Diniz, proximo de Paris, mandados erigir por S. Luiz Rei de França, em memoria dos reis seus predecessores.

Braços com vellas e dirandellas. Os candieiros com braços e as dirandellas vieram a ser de um uso geral no principio do XV seculo. Têem geralmente o mesmo feitio que os braços do candieiro paschoal com o prato adentado. São postos sobre [338] as paredes, e mais vezes ficam defronte de uma imagem. O maior numero são de latão; os de ferro forjado encontram-se raras vezes.

Estantes para o côro. Chama-se estante do côro a uma estante de madeira ou de metal sobre a qual se põe os livros para facilitar as leituras lithurgicas.

As estantes do côro fazem parte das alfaias religiosas; são de duas especies: estantes fixas, collocadas geralmente no meio da capella-mór e chumbadas no pavimento, ou com um pé tão pesado que se não poderia facilmente mudar para outra parte, e estantes portateis. As primeiras serviam para os chantres recitarem os officios; as outras para o diacono e subdiaconos cantarem o Evangelho, a Epistola ou as lições sagradas.

Observações preliminares. Desde o VII e VIII seculos, e durante todo o periodo roman, fizeram algumas vezes as estantes fixas independentes da tribuna. Estas estantes isoladas, estando destruidas presentemente, eram quasi sempre de metal, e compunham-se, como tambem as do principio do periodo ogival, d'uma aguia com as azas abertas, pousada sobre um sóco. Muitas vezes a aguia, attributo do evangelista S. João, era acompanhada de symbolos dos tres outros evangelistas.

Estantes fixas collocadas no meio do côro. As estantes do côro destinadas aos chantres, são ordinariamente de latão e compõem-se d'uma aguia assente sobre um pé em fórma de pilar ou de columna. Este pé algumas vezes é consolidado por [339] arcos-butantes, os quaes estão ornados de arcaduras vasadas com rosaceas e ornatos variados, similhantes aos que ornam as grinaldas dos tympanos das janellas ogivaes.

Nos antigos documentos a estante do côro é designada aguia, em latim aquila, porque a maior parte das estantes, tanto do periodo ogival como da renascença, têem a forma d'uma aguia. Muitas estantes-aguias do XV seculo escaparam de serem destruidas, talvez pelo seu peso. Algumas vezes a aguia é substituida por outros animaes, ou por homens e anjos. As estantes de pelicanos, cujo uso foi introduzido no tempo do periodo ogival, veiu a ser bastante commum na epocha do renascimento.

As estantes moveis. Estas estantes facilmente transportaveis, foram empregadas durante o periodo ogival, quer para a leitura do Evangelho e da Epistola, quer para as outras ceremonias do culto; eram geralmente de ferro e poucas vezes de madeira. Estas estantes eram regularmente formadas d'uma dupla dobradiça com o feitio d'um X, cujas extremidades superiores ficam ligadas entre si por uma cobertura de couro sobre a qual se põem os livros lithurgicos. Acontece todavia, principalmente nas estantes moveis de madeira, que elle não é formado d'uma cobertura de couro, mas sim de taboinhas postas no prolongamento de duas das quatro extremidades superiores da dobradiça da estante.

Livros do Evangelho e manuscriptos lithurgicos. [340] Continuou-se, durante o periodo ogival, a illuminar os textos dos livros santos.

No fim do XII seculo, isto é, no momento em que a ogiva tomou o logar da volta inteira, fez-se uma revolução completa na arte de pintura. Os miniaturistas da Europa Occidental do mesmo modo que os pintores das vidraças e esculptores libertaram-se das tradicções byzantinas e romans, para se applicarem principalmente á imitação da natureza. Este novo genero nascido em França, como o estylo ogival, generalisou-se por todos os paizes proximos.

A escola dos miniaturistas do XIII seculo dilatou a carreira de suas obras. Até esta epocha, as Biblias, os livros dos Evangelhos e os dos psalterios tinham sido as unicas obras ornadas de estampas illuminadas; depois as obras profanas da antiguidade classica, as dos padres, os romances dos cavalleiros e as chronicas tiveram tambem illustrações calligraphicas.

Proximo do meiado do XIV seculo, uma nova mudança teve a pintura em geral, estendendo a sua influencia sobre todos os ramos d'esta arte. Ao primor do desenho que traça os principaes contornos, esforçou-se o pintor por ajuntar o modelado dos objectos no afrouxamento gradual dos tons e na opposição das sombras e da luz. A começar d'esta epocha, o colorido deu á figura, não sómente a côr, mas ainda a fórma e o relevo.

No XV seculo, a arte da pintura e do miniaturista, subiu em Flandres ao mais alto grau de prosperidade, [341] sob a influencia dos irmãos Hubert e João Van Dyck, Thierry, Streerbout, Roger von der Weyden e Haus Memling; em Portugal, Antonio e Francisco de Hollanda. Todos estes eximios mestres não desprezavam empregar o seu tempo na illuminura dos manuscriptos. O rei Filippe―o Bom―1419-1467―, tinha uma predilecção notavel pela ornamentação dos manuscriptos, como tambem em Portugal el-rei D. João II e D. Manuel[5], contribuiram singularmente para o desenvolvimento d'este genero de trabalho.

Os pintores d'esta epocha applicam-se a reproduzir a belleza real que se colhe da natureza, mais agradavel que uma belleza ideal; substituem de alguma maneira, o realismo ao symbolismo dos seculos findos passados; diligenciando representar com toda a verdade os minimos detalhes da natureza, cogitam o modo de apresentar a mais exacta reproducção do feitio e côr dos objectos.

Capas dos livros dos Evangelhos. Até ao IX seculo serviram-se bastantes vezes de capas de marfim; do IX seculo ao XII, o marfim estava misturado ao metal e ás pedras preciosas. Durante o periodo [342] ogival, abandonaram geralmente o uso do marfim, e o metal só ornado com riqueza, sobretudo no XIII seculo, de esmaltes e joias, foi empregado nas capas das Biblias, nos livros dos Evangelhos e nos lithurgicos. Salvo raras excepções, eram cobertos de estofos, de couro, e algumas vezes de madeira com esculpturas ou de chapas de prata em relevo[6].

Thuribulos e naveta para incenso. Os thuribulos do XIII seculo compõem-se geralmente, como os dos seculos antecedentes, de duas semi-espheras ôcas, as quaes juntas formam uma bola. A semi-esphera inferior tem um pé que lhe serve de apoio, no qual se põe as brazas e o incenso; vem a ser o verdadeiro perfumador. A semi-esphera superior, que serve de tampa, está crivada de muitos orificíos para sahir o fumo do incenso. Esta tampa que tem como remate muitas vezes uma torrinha com a figura de homem ou de animal, é movediça: sóbe e desce ao correr de tres ou quatro correntes prezas por uma extremidade do thuribulo e por outra parte da mesma tampa atravez da qual passa uma cadeia que fixa o remate, e facilita levantal-a ou abaixal-a como se quizer.

A fórma geral dos thuribulos do XIII seculo é conhecida, não sómente pelos raros especimens em metal conservados até ao presente, mas tambem [343] pelas esculpturas e miniaturas contemporaneas, nas quaes se vêem anjos ou clerigos thuriferarios.

Nos seculos XIV e XV, os thuribulos mudam de aspecto, apresentam poucas vezes a fórma espherica e têem geralmente o feitio de diversas curvas; tomando a fórma de torrinhas com telhado, janellas recortadas, etc. O metal de que geralmente se serviam, era o latão; para os de melhor qualidade empregavam a prata.

Gomís ou aquamaniles. Os gomís designados tambem aquamaniles (de aqua, agua, e manile, vaso para deitar agua nas mãos) faziam parte das alfaias ecclesiasticas e continham agua para as abluções das mãos, durante as ceremonias religiosas. Empregavam-se tambem no uso civil para a lavagem das mãos antes e depois das refeições. No fim do periodo roman e durante todo o período ogival tinham as mais caprichosas e mais varias fórmas. A maior parte apresentam a d'um animal real ou phantastico; a agua é geralmente introduzida no gomíl pelo cimo, na cabeça do animal, servindo de gargalo; a bocca ou o bico finalmente a aza é formada, quer pela cauda do animal revirada sobre o lombo, quer por um lagarto ou um dragão alado; algumas vezes mesmo a torneira está posta diante da figura. Os animaes representados mais vezes são o leão, o cavallo, o veado, o gallo, o dragão, a sereia e differentes passaros. Quasi todos os aquamaniles são de latão ou de cobre.

[344] Alguns gomís de metal têem a fórma do busto de homem, de mulher e de creança. Devemos tambem mencionar os gomis do XIII seculo apresentando a fórma d'um prato côvo, não sendo diverso da bacia que servia senão para pela existencia, sobre a borda d'um bico para sahir a agua sobre as mãos.

No XI seculo principiou o uso de lavatorios collocados no meio das sacristias. Havia-os de fórmas architectonicas, imitando mais ou menos uma fortaleza ou uma torre; outros (e eram os mais communs), compunham-se de vasos de bronze ou latão, de pequenas dimensões, tendo uma grande aza e dois gargalos oppostos; para se lavar as mãos, abaixava-se, empurrando de cima para baixo, um dos gargalos. O seu uso durou até ao XV seculo.

Pratos para offerendas. Encontram-se em muitas egrejas grandes pratos ou bacias de latão estampado, cinzelado e gravado, ornados de assumptos, symbolos, brasões, folhagens e figuras geometricas. Estes pratos designados bacias de offerenda, porque serviam e servem ainda para receber as offertas dos fieis, principalmente as que se fazem durante as missas para os defuntos, eram feitos no XV e XVI seculo nas officinas dos fundidores de cobre em Augsbourg, Nuremberg e Brunswick. É preciso advertir, que as bacias do XV seculo e do principio do XVI seculo, apresentam os caracteres da decoração ogival, e que as do XVI e XVII seculos apresentam ornatos do estylo da renascença.

[345] Os assumptos e os symbolos, representados geralmente no centro do prato, mais raramente sobre a borda do prato, são quasi sempre religiosos: todavia vê-se tambem algumas vezes com o busto de Cicero, de sereias, veados, cães, escudos com brazões, etc.

Inscripções ou legendas estão gravadas dentro d'um ou dois circulos concentricos proximo da borda do prato, e repetem-se geralmente cinco vezes. Entre essas legendas ha um grande numero que apresentam um sentido facil de interpretar, por exemplo: Got sei met vus, hiff Got aves not, hiff Th (esu) vnd Maria, van allen schriftvren het slodt myt sonder Gost, eh wart (ou gich wart) der in fridt, ch (ou ich) bart et zeit gelvek, gi seal recorden, gustate et benedicite Deus; outros pelo contrario (e estes são os que se encontram mais vezes) compõem-se de lettras, as quaes reunidas não apresentam nenhum sentido; taes são as seguintes: rahe wishnbi et vrmtlife, vrmtielf ou lifevrmto.

Parece bastante provavel que estas legendas, até ao presente indecifraveis, foram os signaes ou as primeiras lettras de muitas palavras formando uma divisa conhecida geralmente na epocha em que se executavam estas bacias para offerendas.

Representação da patena. Em vez de se beijar a patena, recommendava o apostolo S. Paulo aos primeiros christãos, um abraço fraternal. No XIII seculo, por motivo de decencia e de respeito foi substituido em muitas partes, pelo uso d'um osculatorium [346] o abraço porque julgaram então não se poder praticar sem detrimento para a moral e distincção das dignidades.

As regras lithurgicas fallam da patena, mas não determinam nem a fórma nem a representação. Serviram-se pois para este fim indifferentemente da cruz, relicarios, capas dos evangelhos, etc. Todavia a fórma que prevaleceu, foi a d'um pequeno painel, feito com materias de estimação, taes como ouro, prata, madeira rija ou marfim cinzelado, gravado, esmaltado ou pintado, representando um assumpto religioso ou santo. Este pequeno painel tem geralmente um cabo no lado posterior.

Moldes ou ferros para hostias. Serviam-se desde muito tempo, e servem-se ainda hoje de ferros para coser o pão que symbolisa a Eucharistia, imprimindo-se-lhe figuras e lettras. Estas hostias teem regularmente a fórma circular. Muitas vezes os moldes representam crucificação, o Cordeiro Divino, a simples cruz, o signal I H S, imagens de santos e symbolos.

Insignias e medalhas dos peregrinos. As insignias de romaria compõem-se, durante toda a idade média, de pequenas chapas rectangulares, quadradas ou circulares, muitas vezes de chumbo fundido e de obra vasada, outras de cobre ou prata impressa e aperfeiçoada ao buril. Apresentam geralmente em relevo a imagem do santo para quem ella foi feita. Distinguem-se de duas sortes: umas (e eram em maior numero), cosiam-se sobre o ornato pertencente á cabeça e sobre o vestuario; [347] as outras, bastante raras, fixavam-se na extremidade do bordão ou arrimo do peregrino.

Havia-as egualmente apresentando a fórma de medalhas ornadas, nas duas faces, com imagem de santos e inscripções; muitas vezes são acompanhadas de um carneiro ou argola servindo para se trazer ao collo, ou pegadas quer no vestuario, quer nos objectos de devoção, como são os rosarios, etc.

Pequenos altares domesticos. Encontram-se muitas vezes, nos museus publicos e nas collecções particulares, pequenos triptycos e polyptycos de marfim, metal ou madeira, esculpidos, pintados ou esmaltados. Estes objectos, os fieis se serviam antigamente nas suas habitações para satisfazer a sua devoção, teem muitas vezes a fórma de um retabulo com portas, porém, de grandes proporções; sendo como os outros retabulos, ornados de baixo-relevos, estatuas e pinturas.

Baculos. Como já explicamos, a voluta do maior numero dos baculos romans era terminado por uma cabeça de serpente ou de dragão; completava-os uma cruz com o Cordeiro Divino. Esta scena, symbolo do triumpho de Redemptor alcançado sobre o demonio pelo sacrificio do Calvario, veiu a ser raro desde o XIII seculo. Algumas volutas, sem duvida, trazem ainda n'esse tempo na extremidade, uma cabeça de dragão ou serpente, mas essa cabeça fica inteiramente separada ou invez já não ao Cordeiro nem sobre uma personagem ou sobre uma scena religiosa. Em um grande [348] numero de baculos a cabeça da serpente é substituida por um ramo de folhagens ou por uma flôr aberta.

Quando, proximo ao fim do XIII seculo, os detalhes de architectura substituiram-se as peças de ourivesaria, e a decoração foi buscar aos reinos animal e vegetal, real ou phantastico, os baculos mudaram egualmente de aspecto. Ornaram-se então de nichos, estatuasinhas, flechas e pinaculos. O nó principalmente, e tambem a hostia, ficaram sobrecarregados com estes ornatos.

Estofos preciosos. Durante o periodo ogival, serviram-se muitas vezes, para os vestuarios sagrados, de estofos preciosos, nos quaes os desenhos da decoração eram feitos, juntamente com o tecido mesmo, por meio de uma trama de differentes côres, sendo depois urdido pela applicação de bordados feitos com agulha. O uso dos pannos de raz para a decoração das egrejas generalisou-se cada vez mais durante o periodo.

Tecidos. A arte de fabricar os tecidos de seda foi trazida da Italia no XIII seculo. Os desenhos embellezadores que ornam bastantes vezes os tecidos no XIII seculo e durante uma parte do XIV são geralmente copiados sobre os estofos orientaes. As figuras symbolicas e os assumptos pertencentes á historia do antigo e novo Testamento, que se acham excepcionalmente nos tecidos sicilianos ou italianos antes do meado do XIV seculo, apparecem frequentemente depois d'esta epocha, com cercadura, ou não tendo este enfeite.

[349] No XV seculo, a industria do tecido da seda desenvolveu-se cada vez mais a Oeste e Norte da Europa. A Suissa, França e a Belgica, que possuíam, depois do XIII seculo, alguns teares isolados para a fabricação da seda, do veludo, e do setim, viram então os seus teares a multiplicar-se e tomar consideravel incremento.

Em Flandres tambem se tinha alcançado, desde o XIII seculo, bastante fama pelos tecidos preciosos, para os quaes os primeiros aprestos foram fornecidos pela Inglaterra. De todos os estofos o mais estimado e de preço fabricado em Flandres era o setim de Bruges.

Bordados. Nas bordaduras do XIII seculo, como nas pinturas e esculpturas contemporaneas, o desenhador abandonou pouco a pouco as tradicções byzantinas. Os gestos dos personagens perdem a sua expressão archaica, as cabeças não são delineadas conforme typos convencionaes, as pregas dos vestidos, em logar de serem comprimidas e paralellas, são executadas com fidelidade; finalmente, as figuras teem muitas vezes a presença curvada.

Desde o fim do XIII seculo, a arte de bordar, designada muito distinctamente na idade média pintura com a agulha, acupictura, attingiu a um subido gráo de prosperidade; desenvolvendo-se cada vez mais durante o XIV seculo, e chegou ao seu apogeu no principio do XV seculo. N'esta ultima epocha, tres paizes se distinguiram sobretudo pelo talento e habilidade no acabamento dos bordados: [350] foram a Belgica, a Prussia rhenal e a Bourgogne. Os dois principaes centros de manufactura para os estofos bordados encontravam-se em Arrhas, em Flandres e em Cologne; a estas duas cidades se póde ajuntar em segundo logar Malines, Liége, Tournai e Reims.

Pannos de Raz. Chama-se panno de raz a um tecido no qual os fios de côr, enrolados sobre uma urdidura fixa vertical ou horisontalmente, faz corpo juntamente, e produz combinações de linhas e tons similhantes aos de pintura que se obtem com o pincel, e o mosaista com os cubos de marmore ou de esmalte. O panno de raz distingue-se do bordado em que as figuras fazem parte integrante do tecido, em quanto os bordados são simplesmente sobrepostos sobre um tecido já feito. Distingue-se por outro modo, dos estofos tecidos de ouro e seda, porque constitue sempre um trabalho manual, e não é obtido por um mechanismo representando sem fim o mesmo padrão. Cada uma das producções do panno de raz é uma obra original.

Os fios com que o tecelão delinea as sua composições, seus symbolos e ornatos, são o ouro, prata, seda e lã.

A arte dos pannos de raz era já conhecida no XI seculo. Antes do anno 1025, havia, em Potiers, uma fabrica de pannos de raz, cujos trabalhos tinham sido muito apreciados, mesmo fóra de França. Os productos d'estas officinas eram ornados de retratos dos reis, de imperadores, de figuras de animaes, assim como de assumptos da biblia.

[351] No XII seculo a Allemanha toma egualmente uma parte activa no desenvolvimento do fabrico dos pannos de raz.

No XIV seculo, a arte do tapisseiro, posto que continuando a empregar o mesmo fabrico technico do seculo precedente, progride como todas as outras artes.

Desde o principio do XIV seculo a manufactura dos pannos de raz de alto-liço prosperou em Paris, Bruxellas e Arrhas; depois foi introduzida em muitas outras cidades de Flandres e do Brabante. No fim do XIV seculo os pannos de raz de Arrhas principiaram a ter a primazia; devendo a sua reputação á perfeição dos seus tecidos e á sua tintura. Desde esta epocha, os pannos de raz de alto-liço foram designados, principalmente pelos Italianos e Inglezes, sendo da fabrica de Arrhas, pelo nome de finos pontos de Arrhaz, e arazzi.

O XV seculo foi a idade de ouro para os pannos de raz. Realisaram-se então notaveis progressos na execução material. Os fios vieram a ser cada vez mais finos, a proporção da seda e do ouro augmentaram consideravelmente, os tintureiros inventaram graduação de côres novas, emfim os tecelões aprenderam a combinar as côres com tal habilidade que não podia ser nunca excedida. N'esta epocha os pannos de Arrhas eram os mais estimados e por isso muito procurados.

Vestimentas sagradas. Durante toda a idade média, as vestimentas sagradas, das quaes se serviam nos dias ordinarios, eram feitas de tecido de [352]lã, ou algumas vezes tambem de linho. Os estofos de seda empregavam-se nas vestimentas ricas e preciosas.

A casula conserva, até ao meado do XV seculo, a fórma que tinha durante o periodo Roman, isto é, de um vestuario largo, comprimido á roda do collo, cobrindo inteiramente os braços e caindo negligentemente de todos os lados á roda do corpo. Da mesma maneira que precedentemente, quasi sempre as estolas com bordaduras são comprimidas e estreitas, representando assumptos religiosos. Na Italia, nos paizes meridionaes e no meio dia de França, estas estolas são geralmente em numero de duas postas verticalmente, uma por diante e a outra por detraz do peito; a de diante fica com o feitio de um tau T. Na Belgica, na Hollanda, na Allemanha, e em Inglaterra, duas outras pequenas faxas saindo do peito passam sobre os hombros e vão ter ao meio das costas, formando assim, pela sua combinação com as estolas verticaes, duas cruzes cujos braços ficam levantados com o feitio de Y.

As casulas com dupla cruz entraram em uso no norte da Europa até ao XV seculo, epocha na qual uma mudança notavel se operou na fórma e disposição das estolas. Primeiramente, estas ficavam com muito mais largura; depois em toda a parte onde a dupla cruz com braços levantados havia tido uso precedentemente, pozeram sobre o lado opposto da casula, uma cruz latina †, e sobre a frente uma columna.

[353] No XIII e XIV seculos, sendo sempre estreitas, eram regularmente ornadas com figuras geometricas ou pequenas folhagens simplesmente de decoração. Quando no XV seculo se fizeram mais largas, representavam muitas vezes imagens ou assumptos religiosos.

A estola e o manipulo consistiam, durante o periodo ogival, em faxas compridas e estreitas, quasi sempre ficando as extremidades um pouco mais largas.

As estolas e os manipulos, geralmente de uma grande simplicidade, eram feitos de linho, de lã ou de seda, acabando n'um bordado e franjas. Os de ornamentos ricos eram por vezes bordados e apresentavam uma certa analogia com as faxas de recamo d'ouro das casulas, que lhes pertenciam. As suas extremidades não tinham ornatos com bordados symbolicos, que só se usaram depois da primeira metade do XV seculo.

No principio o pluvial, em latim coppa, isto é, capote para resguardo da chuva (pluvia) era usado sómente pelo clero inferior, principalmente pelos chantres e mesmo por vezes pelos seculares, tomando uma parte na celebração do culto. Foi sómente no XIII seculo que veiu a ser commum para todas as ordens da hierarchia ecclesiastica, incluindo mesmo o pontifice.

Serviam-se do pluvial, como se pratíca ainda hoje, nas procissões e em todos os outros officios da missa; por exemplo, no canto solemne de vesperas. O seu feitio é o mesmo da casula; [354] sómente, em logar de ser, como esta, inteiramente fechada de maneira a esconder todo o corpo, é aberto na frente desde os pés até ao collo.

O pluvial da idade media tinha, sobre as costas, um capuz de ponta muito comprida, com a qual se podia cobrir a cabeça. Nos pluviaes ricos as orlas da abertura de diante, e tambem a orla inferior, estão cobertas de faxas de estofo colorido, bastante estreitas e ornadas, principalmente no principio do XIV seculo, sendo os assumptos religiosos feitos com bordados. No XIV seculo as faxas veem a ser mais largas, e proximo da mesma época, o capuz augmenta, ficando a sua extremidade redonda, e como as faxas, ornada.

Colchete do pluvial. Prendia-se o pluvial sobre o peito com um grande colchete coberto de medalhões em metal precioso, ornado de esmaltes ou delicadamente cinzelado. Estes medalhões colchetes, em latim fibulae, morsus, monilia ou pectoralia, teem muitas vezes a fórma de quatro folhas; ha tambem circulares, ovaes, e mesmo quadrados. São geralmente ornados com assumptos religiosos ou com estatuasinhas de santos. Acompanham-os, principalmente no XV seculo, a figura ajoelhada e os brazões do doador.

A alva e o amicto conservaram as fórmas primitivas durante o periodo ogival. Eram geralmente de linho, algumas vezes tambem de seda ou brocado. Continuou-se a guarnecel-os de faxas rectangulares com recamo de oiro, bordados ou tecidos vistosos. Estas vestimentas prendiam-se no [355] meio da orla superior do amicto; e sobre a alva nas extremidades das mangas á roda do punho, por diante e detraz sobre a orla inferior proximo dos pés, e algumas vezes tambem sobre o peito.

A cintura, da qual o sacerdote se serve para arregaçar a alva, prende-se á estola em cruz sobre o peito; não teve nunca na idade média a fórma de cordão que apresenta actualmente. N'essa época geralmente consistia em um comprido cinto, especie de fita comprida de dois metros e meio, com a largura de cinco a seis centimetros. Dá-se-lhe algumas vezes o comprimento symbolico, por exemplo, do tumulo de Jesus Christo.

A dalmatica é a vestimenta decima do diacono, a tunicella, a do sub-diacono. Não existe, ha muito differença entre estas duas vestimentas, posto que n'outro tempo a tunicella teve mangas mais curtas e era mais comprida, porém menos ornada que a dalmatica.

Durante o periodo Roman e no principio do ogival, a dalmatica consistia em um comprido vestido inteiramente fechado, com mangas e uma abertura para passar a cabeça. Era enfeitada diante e detraz por duas faxas verticaes com recamo de ouro ou de côr, descendo até a orla inferior. Estas faxas, muito estreitas no XIII seculo, vieram a ser cada vez mais largas desde o XIV seculo.

No XIII seculo, a dalmatica não era ainda aberta nos dois lados da orla inferior até quasi á quarta parte do seu comprimento. No XIV e XV seculos, estas aberturas augmentaram até meia altura do [356] vestuario; tendo então, do mesmo modo, toda a parte inferior da dalmatica, bordados de faxas de côr ou as superiores de recamo de ouro.

Mitras. As mitras com dois bicos, o uso das quaes se tinha generalisado no XII seculo, foram definitivamente adoptadas no XIII seculo, como um ornamento episcopal e abbacial. Comparadas com as mitras modernas, as primitivas eram muito baixas, a sua altura variava entre 0,20 a 0,25 centimetros.

As differentes partes de que se compõem as mitras são: 1.º as peças triangulares formando pela sua reunião o barrete; 2.º as duas fitas pendentes da mitra mais largas nas extremidades inferiores, ficando prezas por detraz da mitra.

Havia na idade média duas qualidades de mitras: simples ou lisas, e com bordaduras recamadas de oiro, designadas na latinidade da idade media pelo nome mitrae auriphry giatae. Sobre estas ultimas as bordaduras recamadas de oiro dispunham-se por tres maneiras: 1.º verticalmente ou, como dizem os livros lithurgicos, en titre in titulo; 2.º horisontalmente ou in circulo; 3.º em titulo e em circulo juntamente.

No meiado do XIV seculo, os bicos da mitra são maiores. A maior parte das mitras da ultima metade d'este seculo medem de 32 a 35 centimetros de altura. Esta altura chega regularmente a 40 centimetros no seguinte. N'esta ultima época tambem as orlas dos bicos são algumas vezes guarnecidas com bordaduras recamadas de oiro, ou tendo uma especie de renda de prata dourada similhando-se [357] a folhas de repolho ou de crochetes vegetaes.

Abbadias e Mosteiros


Observações preliminares. As partes principaes de que se compõem as abbadias e os mosteiros da idade media são a egreja, o claustro, o refeitorio, a sala do capitulo, o dormitorio, o aposento para o abbade e para os hospedes, o celleiro, o palheiro, a prisão e as casas de arrecadações. Estas differentes partes ficavam geralmente da mesma maneira, principalmente nos conventos que observavam a mesma regra.

A egreja era sempre orientada, isto é, ficando a capella mór voltada para o Oriente. No lado meridional da nave fica encostado o claustro, do qual se entra para a egreja por duas portas collocadas nas extremidades da galeria encostada á parede lateral da egreja: uma junto do alpendre, outra na proximidade do cruzeiro. A galeria opposta, que fórma o lado meridional do claustro, dá entrada para o refeitorio. A sala do capitulo e o parlatorio occupam o rez-do-chão ao longo da galeria oriental, que se liga por uma extremidade com o cruzeiro; no andar por cima está o dormitorio, o qual communica com a egreja por uma escada conduzindo do dormitorio ao transepte. As construcções do occidente do claustro serviram primitivamente aos irmãos conversos, os quaes eram em grande numero nas grandes abbadias do XII e XIII seculos. Porém, quando mais tarde se supprimiu esta instituição, [358] e se limitaram os irmãos conversos ao numero estrictamente necessario para o serviço dos religiosos, ellas foram destinadas para outros usos. Muitas vezes serviram para aposentos dos hospedes, e uma parte foi transformada em celleiros e armazens.

As differentes Ordens religiosas distinguem-se na escolha do local; quando pretendiam fundar uma nova abbadia, cada uma dava preferencia aos sitios de mais predilecção. Os Benedictinos escolhiam geralmente os sitios altos e as montanhas; os Bernardos, pelo contrario, gostavam de se estabelecer nos valles sobre as margens dos ribeiros, como exprimem estes dois versos:

Bernardus valles, montes Benedictus amabat,
Oppida Franciscus, magnas Ignatius urbes.

A similhança que apresentam a maior parte das abbadias cistercienses na disposição das suas differentes fórmas é bastante notavel; quasi todas, quando o accidentado do terreno o permittia, reproduziam, por assim dizer, servilmente o plano das abbadias primitivas da Ordem de Cister; plano typo adoptado para a construcção d'estas abbadias na Europa occidental do XII e XIII seculos.

A egreja era muito vasta; a sua nave meridional ficava encostada ao claustro, com as suas galerias para passeiar; a Leste do claustro está a casa do capitulo; o parlatorio era o grande recinto onde se reuniam os monges; no andar sobre este lado ficava o dormitorio e o refeitorio, e a cozinha [359] do lado da galeria meridional do claustro. O rez-do-chão era destinado para reuniões durante o dia, e o andar superior para as de noite; como se dizia na idade média, domus conversorum. O rio ou ribeiro passava por baixo do refeitorio ou cozinha para levar o lixo de toda a qualidade. Defronte dos aposentos dos irmãos conversos, havia um grande pateo murado, no qual estava, na direcção de sudoeste, a porta da entrada principal da abbadia. Temos em Portugal um famoso modelo na antiga abbadia de Alcobaça.

As outras grandes ordens religiosas adoptaram muitas vezes, para os seus mosteiros, disposições analogas.

As ordens de S. Domingos e S. Francisco, fundadas ambas no principio do XIII seculo, estabeleciam-se regularmente nos grandes centros da povoação, onde não achavam sempre espaço bastante vasto para se poderem desenvolver á vontade e dispôr as differentes partes dos seus mosteiros seguindo dados uniformes. É por esta razão que, em muitos casos, o plano dos seus conventos differe sensivelmente da disposição tradicional observada escrupulosamente pelos monges de Cister, mesmo, porém, com mais liberdade pelos Benedictinos.

Egrejas. A planta das egrejas monasticas apresenta geralmente, como a das cathedraes e das collegiadas, a fórma de uma cruz Latina. Muitas vezes a capella-mór não é muito comprida. Foi então no XIII seculo que na Europa occidental e [360] central se pozeram as cadeiras no côro para os frades, não sómente na capella-mór, mas tambem no cruzeiro, e mesmo em uma parte da nave principal, como existia na egreja de Alcobaça.

As egrejas dos frades Dominicanos e dos Franciscanos não tinham ordinariamente nem cruzeiro nem torre. No XIII seculo, os Dominicanos, construiram em Paris, Augsbourg, Dresde e outras muitas cidades, egrejas com esta disposição excepcional, ficando divididas por duas naves com um unico renque de columnas. Encontra-se tambem esta disposição, porém, raramente, nas egrejas das outras Ordens religiosas.

Claustros. Durante o periodo ogival, os claustros eram geralmente construidos de abobada de barrete com nervuras, e communicando com o pateo do convento por arcadas ogivaes, vasadas e separadas umas das outras por contrafortes. Nas arcadas collocavam nos XIII, XIV e XV seculos, trabalhos rendilhados em cantaria, similhantes aos feitios que se viam nas janellas contemporaneas; e de que temos exemplos nos edificios religiosos da Batalha e de Belem. Muitas vezes esses caixilhos de pedra não tinham vidros; todavia, principalmente no Norte e Oeste da Europa, vedavam os tympanos com vidros brancos ou de côres, a fim de dar abrigo contra os rigores da temperatura a quem passeasse pelas galerias do claustro.

Desde o XIV seculo algumas vezes, e bastantes no XV seculo, substituiram nos claustros, as arcadas ogivaes pelo feitio de janellas com pinasios de [361] pedra similhantes aos das arcaduras ornadas, que se veem nos peitoris das janellas inferiores nas egrejas do ultimo periodo ogival.

Fizemos notar, que as egrejas cathedraes e collegiaes tinham antigamente um claustro, porque, do mesmo modo que os frades, os conegos viviam a principio em communidade. Este uso, que principiou a não se seguir desde o XIII seculo, persistiu não obstante em muitas partes até ao fim do periodo ogival.

Quasi todos os claustros, grandes e pequenos, construidos na idade média, possuiam um lavabo, lavadouro, tendo uma pia com uma fonte. A fonte occupava, no principio, o centro do pateo do convento. Mais tarde approximaram-a da galeria do refeitorio; ficando então collocada em frente da entrada do refeitorio, ou em um dos angulos da galeria ao longo d'elle. Os frades voltando do trabalho da lavoura, lavavam ahi as mãos antes de se pôrem á mesa ou ir ás rezas.

Refeitorio. O refeitorio estava geralmente situado ao correr da galeria meridional do claustro. Como já referimos, compunha-se d'uma vasta sala traçada sobre um plano rectangular, abobadada em geral ou por vãos descançando sobre um fuste de columnas. Por cima do claustro, havia muitas vezes um andar pouco alto, servindo de celleiro para abastecimento no inverno, com alimentos e fructas passadas.

Nos conventos dos Cistercienses, o refeitorio era sempre dividido em duas naves por um renque de columnas, collocadas ao meio longitudinal; além [362] d'isto, ficava este renque perpendicular á galeria proxima do claustro. No refeitorio dos frades de S. Bento, e em geral, em todas as outras abbadias, o grande eixo corria parallelo á galeria do claustro, e o renque das columnas muitas vezes não é representado.

Ao lado do grande refeitorio, quasi sempre a oeste d'elle, ficava a cosinha, geralmente com uma grande chaminé quadrada.

Casa do Capitulo. No rez-do-chão ao correr da galeria oriental do claustro era a casa do Capitulo, a casa para as visitas e a sala dos frades. O dormitorio occupava o andar d'este lado uma escada conduzindo directamente do andar superior ao cruzeiro do lado do sul, facilitava aos frades descerem á egreja para os officios nocturnos sem se expôrem ao ar exterior.

A casa do Capitulo, isto é, o logar onde os frades se reuniam sob a presidencia do abbade, afim de tratarem dos negocios espirituaes e temporaes do mosteiro, era edificado sobre um plano quadrado ou rectangular com um ou muitos renques de pilares sustentando as abobadas e as suas nervuras, dividindo-se em duas ou mais naves. Bancos de pedra guarneciam as paredes em roda. Na Inglaterra dá-se frequentemente ao plano das casas de capitulo a fórma circular ou polygona; e n'este caso, uma unica columna central sustenta a abobada e as suas nervuras, como ha em Westminster e em Lincoln.

Parlatorio. O parlatorio, collocutorium, era uma [363] pequena casa entre a do capitulo e a escada conduzindo ao dormitorio. Ali os frades tinham licença de conversarem em voz baixa, quando relações indispensaveis da vida commum o exigissem. Em todas as outras partes do mosteiro se devia guardar o maior silencio.

Ao lado da escada proxima do parlatorio, havia um corredor pelo qual se podia passar para o grande claustro e annexos da abbadia perto do côro da egreja.

Casa e dormitório dos frades. A casa onde os frades passavam o dia, que os antigos designavam domus fratrum e que os inglezes designam ainda sob o nome de fratres, isto é, logar onde vivem os frades, consistia n'um vasto espaço abobadado e occupava sempre o rez-do-chão, na extremidade Sul do lado Oriental do mosteiro.

No andar da casa de que acabamos de fallar, encontrava-se o dormitorio commum dos frades, pois a regra de S. Bento determinava que os frades dormissem n'uma só casa, mas em camas separadas: Monachi singuli, per singula lecta dormiant; si potest fieri, omnes in uno loco dormiant.

O uso das cellas, que havia em alguns raros mosteiros desde o XII seculo, não veiu a ser commum senão na epocha do renascimento.

Aposento dos irmãos leigos. Todas as grandes abbadias benedictinas e cistercienses tinham, no XII e no XIII seculos, um numero consideravel, chegando a ter 300 a 400 leigos, designados nos necrologios com o nome de conversi ou fratres [364] ad succurrendum. Estes irmãos, que não entravam nas ordens sagradas, mas faziam profissão de religiosos, destinavam-se, sob a direcção dos frades, aos trabalhos da agricultura e ao exercicio de diversos officios. Habitavam o lado occidental dos edificios monasticos, designados por esta razão casa dos leigos, domus conversorum, e prolongava-se muitas vezes desde o portico da egreja até muito álem do grande refeitorio.

Nos edificios cistercienses, a habitação dos leigos compunha-se regularmente, no rez-do-chão, d'uma só e vasta casa abobadada, dividida em duas naves por um renque de columnas; e no andar por cima, de uma casa do mesmo tamanho da inferior, coberta as mais das vezes por um telhado tendo o madeiramento visivel na parte interna.

Casa abbacial. Originariamente o aposento do padre abbade consistia n'uma simples cella. D'ahi a pouco, todavia, o aposento do chefe do mosteiro veiu a ser uma construcção importante; e viam-se muito raramente, na idade média, os abbades contentarem-se com o dormitorio commum ou uma simples cella. A começar do XIV seculo, e principalmente na epocha do renascimento, as casas abbaciaes vieram a ser muitas vezes verdadeiros palacios, constando d'uma capella particular, grandes salas, pateos, cavallariças, jardins com terraços, etc.

Aposentos para hospedes. Todas as abbadias tinham uma habitação reservada ou uma parte do proprio edificio para hospedar as pessoas que visitavam [365] os frades. No principio, esta habitação estava sempre a pouca distancia da porta principal afim de evitar distracção para os frades do convento: como ha um bello exemplo no extincto mosteiro de Alcobaça.

As abbadias, que foram em todos os tempos casas de caridade, possuiam tambem suas esmolerias destinadas a dar habitação e sustento aos pobres e peregrinos. Eram situadas na visinhança da entrada do convento.

Celleiros. Nos seculos XI e XII, as abbadias applicaram-se activamente ao surribamento dos terrenos incultos; os trabalhos campestres eram de certo modo, a sua occupação principal. Foram as Ordens de Cister e de S. Bernardo que prestaram assignalados serviços á agricultura.

As abbadias não faziam colheita sómente do producto das suas proprias explorações agricolas; cobravam tambem o dizimo em muitos sitios e recebiam em genero o pagamento dos rendeiros. Precisavam portanto vastos celleiros e armazens muito grandes para recolher, no tempo da ceifa, os cereaes que recebiam por esses differentes titulos.

Nos conventos cistercienses o celleiro formava, no principio do periodo ogival, um edificio muito vasto, edificado sob um plano rectangular. Era algumas vezes abobadado e dividia-se em duas naves por um renque de columnas para maior solidez, servindo o andar para os cereaes. Outras vezes compunha-se de tres naves separadas por dois [366] renques de pilares ou prumos de madeira para sustentar o madeiramento sem precisão de abobadas.

Officinas. Nos XII e XIII seculos havia em cada abbadia, alguns leigos ajudados muitas vezes por seculares exercendo os officios necessarios para a conservação do edificio e para o fabríco dos pannos, couros e instrumentos aratorios. Empregavam um certo numero de alveneos, ferreiros, carpinteiros, fabricantes de pannos, tanoeiros, etc.; as officinas estavam geralmente collocadas aos dois lados do pateo situado entre a porta da entrada principal do convento e a habitação dos leigos.

A maior parte das abbadias possuiam tambem seu moinho e fabrica de cerveja.

O desenvolvimento extraordinario dos estabelecimentos religiosos durante as suas culturas e explorações ruraes motivou a construcção de curraes espaçosos. Encontravam-se tambem em todas as abbadias pateos para aves.

Em propriedades importantes situadas a alguma distancia da abbadia, estabeleciam-se muitas vezes grandes herdades, sendo a sua exploração confiada a alguns leigos sob a direcção d'um frade. Compunham-se d'um corpo de casas situadas em roda d'um pateo quadrado, as quaes tinham communicação só do lado d'elle. Além d'esta habitação, curraes, celleiro e outros edificios necessarios para o serviço da exploração, havia n'estas herdades, uma capella onde os leigos assistiam aos officios religiosos.

[367] Celleiros. Dá-se o nome de celleiro aos armazens onde se conservam os mantimentos de todo o genero. O frade encarregado de vigiar o abastecimento tinha o nome de celleiro, cellerarius e collarius, mudado mais tarde, por algumas ordens religiosas, no de procurador, procurator. Este logar passava por um dos mais importantes nas abbadias.

Prisões. Na idade média, as abbadias, universidades e algumas vezes os cabidos possuiam prisões para encarcerar os membros da communidade que se tivessem tornado criminosos de delictos ou insubordinação para com os superiores.

Na qualidade de soberania, as abbadias, universidades e cabidos gosavam, nos territorios que lhe pertenciam, o poder superior de justiça, e tinham prisões para encarcerar os seus subditos seculares criminosos. As prisões das abbadias ficavam a uma certa distancia dos edificios da habitação dos religiosos.

Cartuchas. As cartuchas, cuja origem vem dos ultimos annos do XI seculo, apresentam disposições notavelmente differentes das cellas das abbadias. As principaes differenças que se observam, são: grandissimo comprimento dos claustros; numerosas habitações inteiramente separadas, para uso dos religiosos, as quaes se compunham sempre de dois ou tres quartos e d'um pequeno jardim, com uma porta dando entrada para a galeria do claustro.

Quasí todas as cartuchas tinham dois claustros unidos.

[368] Mosteiros para mulheres. As disposições das differentes partes dos mosteiros para mulheres apresentam a maior analogia com os das abbadias para homens. Á roda do claustro ergue-se a egreja, a casa do capitulo com dormitorio no andar superior, o refeitorio e os outros aposentos. As escolas exteriores, que havia ás vezes nos conventos de homens, como por exemplo dos frades Agostinhos, as casas para hospedes, peregrinos e viajantes, faltavam nos conventos das mulheres, porque toda a relação com o exterior lhe era prohibida.

Os conventos de recolhidas consistiam em casas particulares e communs, situadas em um recinto inteiramente fechado, á roda de uma egreja isolada de todos os lados. Sectarias de Bégard, partidistas de uma perfeição extrema que permittia todos os excessos de devoção e que fôra adoptada no III seculo. As recolhidas tinham o nome de Beatas.

Hospitaes. Os hospitaes da idade média differem absolutamente dos hospitaes modernos. Os do XII e do XIII seculos compunham-se sempre, de uma extensa casa onde estavam as camas para os doentes, de uma egreja ou capella contigua a esta casa e communicando com ella, de um aposento para os enfermeiros, e de algumas casas para serviço. Por causa da hygiene ficavam geralmente situados nas proximidades da porta da cidade ou sobre a margem de um rio.

[369]Iconographia do periodo ogival


Observações preliminares. As representações iconographicas tão variadas e tão abundantes de symbolismo, que se encontram em grande numero sobre os monumentos e alfaias religiosas das epochas Roman e Ogival, eram geralmente projectadas e imaginadas, não pelo obreiro ou artista que executava o objecto, porém, por um padre, frade ou secular litterato.

A aureola. A aureola ficou em uso como signal iconographico durante todo o periodo ogival. Crucifera pertence exclusivamente ás pessoas da Santissima Trindade; simplesmente circular é attributo caracteristico dos Santos. A sua fórma manteve-se geralmente a mesma que era antes, salvas algumas modificações em certos paizes, mas apenas no termo do periodo ogival.

No fim do XIV seculo, não sómente os Santos, os Apostolos e Nossa Senhora, mas tambem os anjos, assim como o Padre Eterno e Jesus Christo ficaram privados d'este attributo caracteristico. Se a aureola por acaso apparece ainda resplandecendo alguma imagem, foi porque o artista, luctando contra a moda, commetteu archaismo. Um sem numero de monumentos que datam d'esta epocha e chegaram até á nossa, apresentam sem aureola as imagens divinas, as imagens divinas, angelicas ou sanctificadas.

[370] Representação da Santissima Trindade


Na epocha ogival, serviam-se ainda algumas vezes do baptismo de Jesus Christo para representar a Santissima Trindade. Como no periodo Roman, dava-se ainda, durante o periodo ogival, a fórma humana ás tres pessoas Divinas, ou pelo menos ás duas primeiras, pois o Espirito Santo continuou a ser frequentemente symbolisado por uma pomba. As tres pessoas Divinas continúam a ser representadas da mesma fórma até ao fim do XIV seculo. Mais tarde o Padre Eterno teve a figura de um ancião, o Filho de Deus a de um homem de trinta a trinta e cinco annos, e o Espirito Santo a de um adolescente de doze a dezoito annos. Ao Padre Eterno dá-se então o distinctivo de um globo, uma Cruz de resurreição ao Filho, e um livro ao Espirito Santo. Finalmente, ainda perto da mesma epocha, representa-se o Padre Eterno, e mesmo algumas vezes o seu Filho, de papa ou de imperador, com a pretensão de expressar, por assim dizer materialmente, o seu supremo poder, achando-os revestidos das insignias das duas maiores auctoridades conhecidas sobre a terra.

Encontram-se tambem, no fim do periodo ogival, dois symbolos da Santissima Trindade, consistindo em figuras geometricas, o triangulo e tres circulos entrelaçados. Na epocha do renascimento, costumavam muito a inscrever n'um triangulo algumas vezes um olho, outras o nome de Jehovah.

[371] O crucifixo e a crucificação


No XIII seculo, epocha designada do soffrimento, ou da realidade, principia-se a representar Jesus Christo na Cruz. O corpo do Redemptor curva-se ou mais depressa retorce-se de uma maneira bastante desagradavel; os braços não ficam na sua posição horisontal, pois as espaduas descem sensivelmente abaixo do ponto de união das mãos, de modo a figurar os esforços naturaes produzidos por um corpo humano suspenso por meio de cravos; os pés sobrepostos afastam-se de pessima posição, muitas vezes mesmo fazem encruzar as pernas; finalmente a cabeça de Christo, moribundo ou sem vida, está quasi sempre inclinada sobre o hombro direito, isto é, para o logar onde se vê a Mãe de Jesus e tambem algumas vezes a personificação da Egreja.

Nas crucificações pintadas e esculpidas do XV e XVI seculo, a cruz do Redemptor e as dos ladrões, muitas vezes bastante altas e de diminuta grossura; assim como a travessa horisontal da cruz do Christo tem um grande comprimento, em quanto que a extremidade que tem o titulo, sobe apenas ao ponto de intersecção das duas travessas.

Desde os primeiros annos do XIII seculo, principiou-se com timidez primeiramente a supprimir o suppedaneum e a pregar á cruz, por meio de um unico cravo, os dois pés sobrepostos do Redemptor; porém, depois de algum tempo, o empreg e a pregar á cruz, por meio de um unico cravo, os dois pés sobrepostos do Redemptor; porém, depois de algum tempo, o emprego de tres cravos veiu a ser quasi tão commum [372] como o de quatro; e nos seculos XIV XV foi o unico empregado.

O Christo crucificado traz ainda a aureola no XIII seculo. A corôa de espinhos, quasí desconhecida antes, apparece de tempos a tempos no XIV seculo. No seculo seguinte encontra-se frequentemente.

No XIII seculo, a representação da crucificação foi ainda algumas vezes reproduzida com todas as personagens e accessorios historicos e allegoricos que acompanhavam precedentemente e que já temos descripto; o mais das vezes, todavia, não se conservam senão alguns. Os que se vêem geralmente são Nossa Senhora e S. João, o sol e a lua. Os dois ladrões, a egreja e a synagoga raro apparecem.

Nossa Senhora e S. João. Durante o periodo roman, Nossa Senhora e o discipulo mais amado são representados com uma attitude de paz, erguendo geralmente os braços para o Redemptor ou occultam o rosto em signal de pezar. No XIII seculo, e mesmo durante uma parte do XIV seculo, conservam esta attitude estavel e digna. Mais tarde, o gesto que se lhe attribue exprime já uma dôr vulgar e natural.

No XV seculo, e algumas vezes já no XIV seculo, os artistas christãos procuram produzir, na alma do espectador, sentimentos de ternura e de compaixão.

Para este effeito representam Nossa Senhora desmaiada nos braços das duas santas mulheres que a amparam. Os exemplos d'este deliquio, encontram-se na Italia desde o XIII seculo.

[373] O Sol e a Lua. Durante o periodo ogival, o Sol é figurado geralmente por um disco radiante, e a Lua por um simples quarto crescente.

A Egreja e a Synagoga. Como já explicámos, a Egreja e a Synagoga eram personificadas, durante o periodo roman, por simples mulheres trazendo os respectivos attributos. Depois do meiado do XII seculo, essas mulheres representavam rainhas. A que symbolisava a Egreja, sempre collocada á direita de Jesus Christo, traz uma corôa, e levanta a cabeça com uma expressão de orgulho; as mais das vezes, tem n'uma das mãos o calix, e na outra uma cruz de haste comprida ou um pequeno modelo de uma egreja.

A Synagoga, pelo contrario, tem uma corôa que lhe pende da cabeça e um estandarte cuja haste se quebrou entre as suas mãos; deixando escapar as taboas da Lei, e tendo os olhos vendados por uma faxa ou por um dragão que se lhe enrosca á roda da testa.

Os dois ladrões. Os ladrões nas mais antigas crucificações, apparecem de tempos a tempos durante o periodo ogival; teem os musculos encolhidos até a contorsão, e as mãos, não pregadas sobre a cruz, mas ligadas ás costas de maneira a deixar passar, pelo centro, a travessa horisontal do instrumento do seu supplicio. No fim do periodo ogival, encontram-se de novo representados os ladrões, principalmente nos retabulos de madeira de obra de talha da escola hollandeza.

Imagem de Nossa Senhora. Nossa Senhora com [374] o Menino Jesus. Durante o periodo ogival, o grupo historico de adoração dos reis magos, que se vê sobre alguns pequenos diptycos ou triptycos, de marfim, onde se vê, ao mesmo tempo, a crucificação e outras scenas tiradas da vida de Jesus Christo. N'esta representação os reis magos trazem sempre na cabeça a coroa real.

No XIII seculo, encontra-se ainda frequentemente Nossa Senhora assentada em uma cadeira ou throno, tendo sobre os joelhos o Menino Jesus, o qual deita a benção com a mão direita e na esquerda tem um livro ou o globo terraqueo.

Já muitas vezes no XIII seculo, e mais tarde quasi sempre, Nossa Senhora está de pé e com o Menino Jesus no braço esquerdo. Durante a primeira parte do periodo ogival, a sua posição é mais ou menos curvada.

Em quanto aos caracteres que apresentam as imagens de Nossa Senhora assentada ou de pé nos differentes monumentos do periodo ogival, pódem-se resumir nos termos seguintes. Nunca o grupo de Nossa Senhora com o Menino Jesus foi mais ideal que no XIII seculo; mal se approxima o XIV seculo, descuida a sua bella composição poetica para adoptar a realidade primeiramente e depois descahir na vulgaridade até á rudeza.

No fim do XII e no principio do XIII seculo, póde-se dizer que Nossa Senhora não apparece já com o Menino Jesus: esta representação seria muito vulgar e Nossa Senhora assemelhar-se-hia a qualquer mãe que tivesse o seu filho ao collo; mas então [375] a Santa imagem o tem junto de si. O Menino Jesus traz o globo do mundo na mão esquerda e deita a benção com a mão direita; além d'isso está completamente vestido, é já crescido, posto que ainda menino; é o Deus-Homem, mais depressa que Homem-Deus. No fim do XIII seculo, Nossa Senhora principia a ser mais do que a guarda de seu Filho como fazem todas as mães mortaes! Jesus está ainda vestido, abençôa trazendo um livro ou um globo; porém o vestuario é menos largo e mais curto, o livro menos volumoso, o globo mais pequeno.

Scenas tiradas da vida de Nossa Senhora. Mencionaremos as tres principaes:

A Annunciação é quasi sempre representada da mesma maneira. Nossa Senhora está de joelhos sobre um genuflexorio no momento em que apparece o Anjo. Entre a imagem e o Anjo está um vaso com a flôr de liz aberta. Muitas vezes S. Gabriel tem n'uma haste esta flôr ou um sceptro; por vezes traz na mão uma bandeirola com a inscripção: Ave Maria. Um raio luminoso cae sobre a cabeça de Nossa Senhora, ou então, o Espirito Santo, sob a fórma d'uma pomba, descança sobre a imagem da Virgem Maria.

A morte de Nossa Senhora é quasi sempre representada da maneira seguinte: Nossa Senhora está deitada sobre um leito rodeada pelo seu Divino Filho e pelos apostolos. Jesus traz no braço a alma de Nossa Senhora, representada por uma creancinha. Os apostolos trazem muitas vezes um livro com figura iconographica.

[376] A coroação de Nossa Senhora faz-se umas vezes por Jesus só, outras por tres pessoas da Santissima Trindade; outras ainda vê-se Nossa Senhora com a corôa na cabeça, sentada sobre o mesmo throno em que está o seu Divino Filho, o qual se lhe abraça ao peito.

Deixariamos incompleta a historia iconographica de Nossa Senhora, não mencionando aqui a Arvore de Jessé, que se vê tantas vezes desde o XII seculo. Jessé adormecido serve de alguma maneira de raiz ao tronco mysterioso, o qual sáe quer do seu peito, quer de sua bocca, quer do seu cerebro. Os ramos d'este tronco separando-se, trazem na extremidade um dos antepassados do Redemptor; no cimo, uma flôr desabrocha e serve de apoio a Nossa Senhora, algumas vezes só, outras tendo nos braços o seu Divino Filho. As mais das vezes a arvore de Jessé complica-se, entre cada ramo está collocado um propheta com um phylateria mostrando a prophecia de que é auctor, e que se refere á vínda de Jesus Christo. Olhando para a extremidade d'esta arvore, mostra com o dedo onde deve repousar o Espirito Santo. No Oriente, não se limitam unicamente a intercalar os prophetas no meio dos ramos, ajuntam-lhe o divino Balaam, e os sabios da Grecia com as suas maximas. O XV e XVI seculos produziram um grande numero de arvores de Jessé.

Os Apostolos e os Evangelistas.―Apostolos. Jesus Christo escolheu doze apostolos á frente dos quaes collocou S. Pedro. Depois da morte do Redemptor, [377] o traidor Judas ficou substituido por S. Mathias. Além d'estes doze apostolos, que constituem a congregação apostolica assim chamada, deu-se tambem o nome de apostolos a alguns outros santos que haviam tomado uma parte activa e vasta na fundação da Egreja christã. Tal foi S. Paulo, convertido milagrosamente no caminho de Damasco, elle o grande promotor da conversão dos pagãos e appellidado, por esta razão, o apostolo dos gentios; taes foram ainda S. Barnabé, S. Lucas e S. Marcos, unicos discipulos, os quaes pelas suas prédicas, e, os dois ultimos tambem, pelos Evangelhos que compozeram, poderosamente contribuiram para a propagação da doutrina de Christo.

Como S. Paulo figura quasi sempre entre os apostolos quando se representam reunidos em numero de onze, resulta que se supprime geralmente um; as mais das vezes é S. Mathias, o successor do traidor Judas, algumas vezes tambem S. Judas ou qualquer outro apostolo.

Até ao XIII seculo, os apostolos, á excepção de S. Pedro e S. Paulo, não tinham nenhum attributo caracteristico pelo qual se podessem distinguir uns dos outros. Representavam-se todos de uma maneira uniforme, com um livro ou um rolo de papel na mão. Depois do XIII seculo, ficam geralmente caracterisados pelos instrumentos presumidos do seu martyrio; porém, como o genero do supplicio que soffreram não é muito bem determinado para todos, torna-se por vezes difficil designar com [378] certeza o nome de alguns d'elles: todavia o que os caracterisa ordinariamente é o seguinte:

S. Pedro traz as chaves ou por vezes a Cruz abatida, instrumento do seu supplicio; S. Paulo, a espada com que lhe cortaram a cabeça; S. João, o calix envenenado do qual saiu a morte sob a fórma de um dragão; Santo André, com a Cruz em fórma de X, e que tem o seu nome; S. Jeronymo, a espada, ou as mais vezes, o bordão e o vestido de peregrino guarnecido de conchas; S. Filippe, a cruz com haste comprida; S. Bartholomeu, um grande cutello do qual se serviram para o esfollar, e algumas vezes tambem uma cruz; S. Matheus, um machado, uma espada ou uma lança; S. Simão, uma serra; S. Judas, uma cruz ou um livro; S. Thiago, um bordão; S. Thomaz, uma grande pedra e por vezes ao mesmo tempo uma lança; finalmente S. Marçal, uma picareta ou um alfange.

Evangelistas. Os Evangelistas continuaram a ser representados da mesma maneira que precedentemente, quer seja com a fórma humana, quer seja pelos symbolos dos quatro rios do Paraizo, quer seja por quatro figuras aladas.

Já indicámos o logar respectivo que devem sempre occupar os animaes symbolicos nos quatro angulos de um quadrado ou nas extremidades dos quatro braços da Cruz. Esta regra ficou em vigor durante o periodo ogival.

Scenas diversas. Seria impossivel indicar, mesmo resumidamente, todas as scenas representadas pelos [379] pintores e esculptores christãos da idade média. Mencionaremos sómente as quatro principaes, e que se veem mais vezes.

O Dia de Juizo. Esta scena encontra-se principalmente: 1.º no principio do periodo ogival, esculpida nos tympanos dos portaes principaes das abbadias, cathedraes, egrejas das parochias e mesmo nas capellas; 2.º no fim do mesmo periodo, pintada na nave principal das egrejas por cima do arco triumphal.

Para dar uma ideia exacta da maneira como esta scena é representada nas principaes cathedraes francezas, faremos a descripção do Dia de Juizo, que se vê no portal central da Sé de Paris. Este assumpto é um dos mais bem compostos. A verga da porta está inteiramente occupada por figuras representando diversos misteres saindo dos seus tumulos, despertadas por dois anjos, os quaes, de cada lado, tangem trombeta. Todas estas personagens estão vestidas; ahi está um papa, um rei, guerreiros, mulheres e um preto. Na zona superior, está ao centro um anjo que peza as almas; dois demonios tentam fazer pender um dos pratos para o seu lado. Á direita de Jesus Christo estão os escolhidos, todos vestidos de compridas vestimentas e coroados. Estes escolhidos são representados sem barba, jovens e risonhos, olhando para Jesus. Á esquerda o demonio empurra uma multidão d'almas agrilhoadas vestidas com os fatos do seu mister. As expressões d'estas figuras são indicadas com superior talento: o terror, [380] o desespero assignalam-se nas suas feições. Na parte superior está, ao centro Jesus Christo, representado semi nu, que mostra as suas chagas; dois anjos em pé, á direita e á esquerda, têem os instrumentos da Paixão; depois, estão de joelhos, implorando o Redemptor, Nossa Senhora e S. João. As curvaturas do portal do lado dos condemnados estão occupadas, na parte inferior, por vistas do inferno, e do lado dos escolhidos, por anjos e patriarchas, entre os quaes se vê Abrahão colhendo as almas no seu regaço; depois os escolhidos em grupos. Esta esculptura tão notavel é da era de 1210 a 1215, e estava inteiramente pintada e dourada. Ha a mesma representação nas cathedraes de Chartres, Amiens, Reims e Bordeus.

O inferno é quasi sempre figurado por uma bocca enorme de monstro lançando chammas, no meio das quaes os démos, armados de grandissimos harpeos, abysmam os condemnados. Por vezes tambem é representado o inferno por uma grande caldeira na qual os démos precipitam as almas dos perversos; e, n'este caso, um demonio armado de um folle activa o fogo da caldeira.

A scena de se pezar as almas faz geralmente parte do Juizo final, e é quasi sempre representada da mesma maneira. O archanjo S. Miguel segura a balança: em um dos pratos está uma alma humana figurada por uma creança nua; emquanto ao outro, com o pezo que deve ter a alma do innocente, afim de ser admittido no paraizo, Satanaz [381] procura que elle se incline para o seu lado. Esta scena, cujo fim era evidentemente inculcar aos ignorantes a ideia de dar conta a Deus depois da nossa morte, está representada nas miniaturas dos manuscriptos, e mesmo nas gravuras em madeira que ornam alguns livros impressos no fim do XV e no principio do XVI seculo.

Missa designada de S. Gregorio. Este assumpto encontra-se muitas vezes nos paineis e nas miniaturas do XV seculo. O Santo papa diz a missa, e Jesus Christo apparece-lhe em vida, em pé sobre o altar, e á roda estão os instrumentos da Paixão. Traz os estigmates nos pés e nas mãos, e deixa saír do lado o sangue da chaga.

Alma humana. Quando os artistas da idade média representam uma pessoa moribunda, indicam sempre a alma do justo que acaba de saír do corpo, por uma creancinha nua trazida nos braços de Nosso Senhor.

Sibyllas. A representação dos prophetas tem-se ás vezes ajuntado ás sibyllas, que se reputa haverem predito o nascimento, a vida, a morte, e a resurreição de Jesus Christo. No XIII seculo, começou-se a fazer figurar em alguns monumentos, principalmente a sibylla do Dies irae.

As doze sibyllas são: 1.ª A Sibylla da Persia, percicae, que tem na mão uma lanterna, porque ella annunciou a vinda do Messias; bastantes vezes o sol brilha por cima da sua cabeça. 2.ª A de Libya, libicae, que tem um brandão acceso e prediz o Redemptor como a luz do mundo. 3.ª A de Delphos, [382] delphicae, que tem na mão uma corôa de espinhos, porque prophetisou as mortificações de Jesus Christo. 4.ª A do Mar Vermelho ou de Erythrea, erythracae, uma das mais celebres, que havia predito a ruina de Troyes; era a prophetisa das vinganças divinas; traz uma espada nua. 5.ª A de Cumas, cumana, egualmente muito citada, tem um presepio, porque annunciou o nascimento de Christo em uma manjadoura. 6.ª A de Samos, samia, traz uma corôa de espinhos como a de Delphos, e um caniço, porque prophetisou a Paixão. 7.ª A Cimmerianna, cimmeria, prophetisou a crucificação, e por esta razão traz uma cruz da paixão. 8.ª A de Tivoli, tiburtina, tem na mão uma vara, por haver annunciado a flagellação do Redemptor. 9.ª A de Phrygia, phrygia, traz uma cruz de resurreição, no cimo da qual fluctuam tres bandeirolas encarnadas. 10.ª A de Hellesponto, hellespontica, tem por attributo uma rozeira florida, ou então uma cruz, porque annunciou algumas circumstancias da Paixão. 11.ª A Europa, europaea, tem u, tem um alfange, porque predisse a degolação dos innocentes. 12.ª Finalmente, a Sibylla Agrippa tem a vara como a de Tivoli.



[383]

CAPITULO VI

Periodo da Renascença



NOÇÕES PRELIMINARES


Não nos demoramos muito sobre as differentes phases da arte na epoca da renascença, mais apropriadamente moderna do que antiga; e que, por conseguinte, não pertence ao dominio da archeologia.

Chama-se renascença das artes e das lettras ao retrocesso para a arte classica antiga e para as litteraturas grega e latina. A renascença das artes estendeu-se não sómente á architectura, mas a todas as artes de desenho. A reacção favoravel para a architectura grega, romana ou classica, produziu-se primeiramente na Italia, onde nunca o estylo ogival tinha vigorado summamente, nem dominado só com poder absoluto.

Proximo ao principio do XVI seculo, a architectura néo-classica transpoz os Alpes, e passou successivamente á França, Hespanha, Portugal, Belgica, Allemanha e Inglaterra. Os paizes mais afastados do renascimento, foram tambem os ultimos a adoptarem os seus principios architectonicos.

Na França como na Belgica o progresso do novo estylo foi rapido, tendo apparecido quasi ao mesmo tempo.

O retrocesso tão rapido e tão universal para as [384] fórmas da arte classica, foi motivado em grande parte por um desejo de novidade, e por uma reacção contra a architectura ogival. Nota-se, realmente, que em architectura, mais que em qualquer outra arte, o gosto é sempre movido para a variedade; e é isto que explica como se póde dizer com verdade, que a historia da architectura offerece uma continuação de transições sem repouso. A esta causa principal vieram ajuntar-se muitissimas causas secundarias, taes como a reacção que se operou nos XV e XVI seculos, a protecção aos estudos gregos e latinos, e a invenção da imprensa, que concorreu tão admiravelmente para a diffusão das obras primas da litteratura e da arte antiga, pelas quaes se tinham apaixonado.

Até ao meiado do XVIII seculo, a renovação das fórmas antigas fez-se exclusivamente conforme os modelos antigos de Roma e de Italia, modelos quasi todos não satisfazendo a respeito da conformidade artistica. Foi sómente n'esta epocha que se principiou a estudar os monumentos da melhor epocha ainda conservados em Athenas e na Grecia.

Houve, entre o estylo ogival e o do renascimento, um periodo de transição, durante o qual se notou muitas vezes, no mesmo monumento, uma mistura, uma fusão de fórmas particulares a cada estylo. Portanto encontram-se edificios, os quaes, entre os detalhes melhor caracterisados do estylo ogival do XVI seculo, apresentam ornatos, taes como medalhões, folhagens e arabescos, copiados dos monumentos da Roma antiga. Outras vezes, [385] janellas em ogiva são compostas de pinasios com os perfis no gosto da renascença. Finalmente, ás vezes as abobadas pendentes, os pinaculos e os campanariosinhos estão cheios de ornatos imitados dos edificios da antiguidade.

Caracteres da architectura da Renascença


Comêço. A architectura da renascença seguiu os mesmos principios fundamentaes que a architectura classica, isto é, as cinco ordens greco-romanas.

Os primeiros architectos da renascença inspiram-se unicamente dos monumentos de Roma e da Italia. Ora, n'um grande numero d'estes monumentos, o entablamento, isto é, a parte superior da Ordem, composto do friso, da architrava e da cornija, membros que, nas Ordens Gregas, servem sempre para ligar duas columnas proximas, tinha sido supprimido e substituido por arcos, os quaes vinham firmar-se nos capiteis d'essas columnas. Quando procuram empregar materiaes de pequena dimensão, a substituição do arco pelo entablamento é perfeitamente logica; porém esta não é a pratica seguida na epocha da decadencia romana, de interpôr ao fecho inferior do arco e ao açafate do capitel, um simulacro de entablamento da Ordem, entablamento que ficava completamente inutil, visto que o seu emprego está preenchido pelo arco. Na época da renascença, esta prática pouco racional e pouco reflectida foi geralmente [386] adoptada, principalmente d'áquem dos Alpes. Além de que, foram buscar aos mesmos edificios da decadencia romana outros defeitos tambem notaveis no que diz respeito ás cornijas: em primeiro logar, quando muitas Ordens estão sobrepostas na altura de um monumento, como acontece frequentemente nas fachadas, põem-se tantas cornijas quantas são as Ordens; depois, coisa mais singular ainda, a Ordem collocada no interior de um monumento conserva a sua cornija, isto é, o remate do edificio destinado a ter um telhado e um algeroz para dar saída ás aguas da chuva!

A architectura do renascimento, todavia, não é uma simples mescla, uma copia servil da architectura greco-romana. Serve-se ella, na verdade, das cinco Ordens, mas ajustou-as para outros usos e para outros climas, aproveitando os progressos obtidos pela arte de edificar durante o estylo ogival. Os edificios que executou conforme os principios de construcção d'este ultimo estylo, foram enfeitados á maneira antiga, ornamentado superficialmente, ou desfigurados, como em S. Paulo de Londres, por paredes isoladas que encobrem a configuração architectonica do monumento; emquanto na Belgica, nas egrejas do renascimento, o systema do apparelho das abobadas ogivaes foi em toda a parte conservado, porém dissimulado com arte. As paredes exteriores das naves lateraes, muito grossas, preenchem o fim dos contrafortes, e muitas vezes esses arcos-butantes ficam revirados (isto é, collocados de maneira que a sua curva [387] convexa fica posta na direcção do telhado d'essas naves), e apoiados nos arcos duplos d'elles.

Decoração. Sob o ponto de vista da decoração pintada e esculpida, muito mais que sob o ponto de vista architectonico, o periodo da renascença, no sentido mais lato, póde-se dividir em muitos estylos, apresentando cada um caracteres distinctos. Estas sub-divisões se applicam particularmente ás producções da arte Franceza. 1.º o estylo da renascença propriamente chamado, o qual comprehende o XVI seculo e a primeira metade proximo do XVII seculo; todavia sepára-se algumas vezes d'esta época nos annos 1610 a 1642, para lhe constituir o estylo Luiz XIII; 2.º o estylo Luiz XIV (1643 a 1715); 3.º o estylo Luiz XV (1715 a 1774); 4.º o estylo Luiz XVI (1774 a 1796); 5.º finalmente o estylo, designado do imperio (primeiros annos do XIX seculo).

Na origem da renascença, os ornamentos foram, como na architectura imitados quasi servilmente dos monumentos da antiguidade. As almofadas, frizos, pilastras e um grande numero de outros trabalhos architectonicos se revestiram, nos edificios os mais sumptuosos, de assumptos de decoração proveniente da arte greco-romana. As palmetas, folhas de acantho e triglyphos tornaram a apparecer em todo o logar. Viam-se tambem, genios alados, figuras naturaes e phantasticas de toda a especie enlaçadas nas grinaldas e em espiraes formando desenhos os mais caprichosos. Estes ultimos ornamentos, compostos principalmente conforme [388] os modelos antigos achados em Roma nas grutas ou ruinas do palacio de Titus, tiveram no principio o nome de grotescos, denominação mais propria do que a de arabescos, a qual lhe foi dada depois, porque os Arabes proscreviam severamente da sua decoração qualquer representação da natureza animada.

O estylo da renascença não se conservou intacto senão até o principio do XVI seculo.

Os ornamentos do estylo Luiz XIV consistem principalmente em grandes espiraes, palmas muito desenvolvidas, separadas ou envolvidas com os elementos de ordem architectural, medalhões, trophéus, etc.

O estylo Luiz XV, que prima antes de tudo pela elegancia exaggerada nos pequenos detalhes, desce á affectação na lindeza. A esculptura decorativa abunda nas espiraes com folhagens myrrhadas e subtilmente contornadas; faz com frequencia uso de conchas ou embrechado, misturando-as em todas as suas composições. A linha recta cede o logar á linha curva, e sobretudo a symetria não é observada. No principio do XVIII seculo, o gosto se corrompeu de novo; volta-se no traçado do plano e nas fachadas dos edificios ás fórmas torcidas e ás linhas quebradas. Nos ornamentos dos maiores e soberbos contornos, as plantas vistosas do estylo Luiz XIV transformam-se em definhados filetes, torcendo-se e entrelaçando-se uns nos outros da maneira a mais singular, e acompanhados de abundantes obras de conchas e de grande numero de [389] cupidos; o que fez dar a este estylo exquisito e todo affectado o appellido de estylo embrechado e estylo Pompadour.

A affectação e o grande exaggero que caracterisam o estylo de Luiz XV motivaram cedo uma reacção. No reinado de Luiz XVI voltaram a empregar menos entrelaçados e menos entalhaduras. A descoberta de Herculanum e a publicação das Antiguidades de Athenas contribuiram a levar o entendimento para o gosto mais serio, uma decoração menos contrafeita; fizeram vigorar as fórmas classicas da arte grega e romana, cujas investigações recentes vieram a descobrir os especimens importantes e notaveis.

A época da revolução franceza e do directorio causou um extraordinario prejuizo á industria artistica. Quando, no principio do actual seculo, um novo estado politico ficou definitivamente constituido, o seu novo soberano, vencedor na Italia e no Egypto, cuidou em conservar junto de si as coisas que lhe recordassem as suas victorias gloriosas.

No estylo do imperio viu-se apparecer os gryphos, as sphinges, os feixes consulares, victorias com palmas e corôas de carvalho. Pouco tempo depois, esses assumptos foram quasi os unicos empregados na decoração tanto de architectura, como na mobilia.

Plano das egrejas. A maior parte das egrejas da renascença têem a fórma da cruz Latina. As capellas que havia ao correr das naves lateraes e na nave principal das egrejas ogivaes, ficaram supprimidas [390] em França, na Belgica e na Allemanha, porém conservaram-se na Italia. A capella mór e o cruzeiro terminavam geralmente por uma abside semicircular ou polygonal, apresentando no interior uma disposição de pilastras corinthias ou compositas, entre as quaes ha janellas e nichos. Arcadas de volta inteira, descançando sobre columnas ou pilares põem a nave principal em communicação com as naves lateraes. As portas, as janellas e todas as aberturas estão tapadas na sua parte superior por um arco de volta inteira.

Os triforiuns das egrejas ogivaes não se construiram na renascença. Primeiramente substituiu-os, durante algum tempo, uma galeria em sacada, tendo parapeito de cantaria vasado ou de obra de ferro; todavia pouco depois esse logar foi occupado por uma simples cornija com sacada bastante solida para servir como galeria, podendo-se andar á roda da nave principal, ficando na altura das janellas superiores.

O monumento mais gigantesco e grandioso que tem produzido a architectura do renascimento é, sem duvida, a basilica de S. Pedro do Vaticano em Roma, cuja construcção foi dirigida pelos mais celebres architectos, Bramante, Raphael, os dois S. Gallo, Peruzzi, Miguel Anjo, Vignola, Maderno e finalmente Bernini, este artista de quem infelizmente o seu mau gosto em bellas-artes veiu a ser proverbial, sendo originado pela inveja dos seus emulos, que pretendiam tirar a fama ao seu superior talento: imaginando dar formas novas e as [391] mais extravagantes ás suas composições architectonicas afim de supplantar os seus rivaes, morreu desesperado por nada ter conseguido; posto que fosse dotado de talento, o seu desmarcado amor proprio veiu a causar-lhe o descredito do seu nome. N'esta colossal construcção da Basilica de S. Pedro consumiu-se mais de seculo e meio.

Fachadas das egrejas. As fachadas compõem-se regularmente de duas, e algumas vezes de tres Ordens de columnas sobrepostas. A ordem inferior abrangendo ao mesmo tempo a nave principal e as lateraes, é mais larga que a ordem superior; essa corresponde á unica nave central, pois que o madeiramento das naves lateraes não sóbe nunca até o entablamento da primeira ordem. A ordem mais superior sempre terminada por uma attica ou um frontão triangular, tendo no vertice uma cruz ornatada nos angulos, acrotéros com vasos, fogaréos e tocheiros. Duas misulas deitadas de cada lado da ordem superior, preenchem os espaços dos angulos rectos produzidos pela superposição das duas ordens tendo desigual largura. As columnas da fachada estão geralmente embebidas um terço ou metade do seu diametro. Um ou tres portaes, conforme a importancia do edificio, dão ingresso nas naves.

Os jesuitas, cuja Ordem se fundou no XVI seculo, vindo a ser muito rica e poderosa no XVII seculo, adoptaram em toda a parte esta composição para as fachadas de suas egrejas; por isso dá-se o nome do estylo dos Jesuitas á architectura religiosa [392] d'esta época. A maior parte das egrejas que estes religiosos construiram distinguem-se pela abundancia dos seus ornamentos, principalmente as edificadas na Belgica.

Abobadas. As abobadas têem, como as da época antecedente, nervuras encruzadas, as quaes, em logar da fórma da ogiva, descrevem uma curva de volta inteira ou um arco de volta abatida. Os arcos duplos são largos e muitas vezes formados por almofadas pouco fundas. No XVI seculo, as abobadas tinham ás vezes decorações pintadas, e os seus fechos sustentam abobadas pendentes com muitas sacadas de bastante peso. Depois abandonou-se, além dos Alpes, a decoração pintada, substituindo-lhe os ornatos em relevo.

Torres. As torres, geralmente construidas sobre plano quadrado, e compostas de dois, tres ou quatro andares sobrepostos e ornados de pilastras ou de columnas embebidas, têem muitas d'ellas uma balaustrada á bôca da flecha, com as fórmas mais variadas; campanulada, piriforme, pyramidal ou uma fórma mais complicada ainda.

Mobilia religiosa


Altares. Durante algum tempo continuou o uso dos retabulos com divisões multiplices, no genero d'aquelles dos ultimos annos do periodo ogival, porém tendo as molduras das almofadas em detalhes no gosto do renascimento.

Foi proximo do XVI seculo que uma mudança radical appareceu na fórma e disposição dos altares. [393] Os retabulos foram então substituidos pelos porticos copiados dos arcos de triumpho da antiguidade, encimados com frontões de fórmas muito variadas. Serviram-se quasi sempre de marmores raros e preciosos, sobretudo para as columnas, adquirindo-os com grande despeza, dos paizes os mais distantes. A arcada imitando o arco de triumpho foi ornada, no principio, de estatuas e de altos e baixo-relevos, depois por retabulos de grandes dimensões; e estes mesmos acabaram em pouco tempo para serem substituidos geralmente por esculpturas.

Quando no XVII e no XVIII seculos, as fórmas extravagantes (rocôcó) prevaleceram no systema da decoração, os altares tambem ficaram sobrecarregados de ornamentos de pessimo gosto, e appareceram as columnas torcidas, em espiral e em saca-rolhas!

Tabernaculos. O uso de collocar tabernaculos para conservar a eucharistia sobre os altares principaes e secundarios, generalisou-se no fim do XVI seculo. Até essa época as particulas se conservaram, como durante o periodo ogival, nos tabernaculos isolados em fórma de torre ou em armarios abertos na parede, por detraz ou á ilharga do altar. Houve mesmo paizes onde o antigo costume não ficou abandonado inteiramente só muito depois do XVII seculo.

Os tabernaculos de marmore e de madeira que se collocavam sobre o altar desde a época do renascimento, compõem-se geralmente de um cylindro [394] ôco ornado com riqueza e reunido a predella ou throno, no qual se põem castiçaes sobre misulas reviradas. O cylindro fechado no seu cume por uma tampa de fórma hemispherica tem por remate um crucifixo, dividido por um, dois ou tres compartimentos com separação, e girando sobre um eixo vertical.

Cadeiras do côro, obra de talha e confissionarios. As obras de entalhador que ornam muitas egrejas do XVII seculo, são as principaes obras deixadas pela época da renascença.

As costas das cadeiras do côro compõem-se sempre de almofadas de marcenaria ornadas de baixos-relevos ou de pinturas, separadas umas das outras por columnasinhas da Ordem Corinthia ou Composita, sustentadas em sacadas por misulas com bella obra de talha. Os fustes d'essas columnasinhas, rectos ou torcidos, estão cheios de lindos arabescos e delicadas folhagens. A obra de talha e dos confissionarios apresentam na sua decoração de esculptura bastante similhança com as das cadeiras do côro.

Jubéos e balaustradas. Os jubéos da renascença compõem-se geralmente de tres arcadas de volta inteira, que descançam sobre columnas ou pilastras imitadas das Ordens classicas.

Collocam-se os jubéos á entrada da capella mór nas grandes egrejas até proximo do meiado do XVII seculo.

No meiado do XV seculo, uma grande reacção se fez contra os jubéos, porque, dizia-se então, [395] destruiam o aspecto architectonico e impediam os fieis de vêr o sacerdote no altar. Muitos foram desmanchados n'esta época, outros transportados proximo da fachada Occidental da egreja, a fim de servirem de tribunas para collocar os orgãos.

As balaustradas destinadas a vedar a capella mór e a separar das naves lateraes as capellas, ou resguardar certas partes da mobilia religiosa, foram poucas vezes feitas de ferro ou de madeira, faziam-se de preferencia de marmore ou latão. A sua composição era de repetidas columnasinhas de fórma classica, quer com balaustres em pé ou revirados, o que lhe fez dar o nome de balaustrada.

Muitas vezes assentavam extraordinarios monumentos funerarios entre essas separações da capella mór e as naves nas cathedraes e nas egrejas importantes.

Caixas de orgão. Na época do renascimento, deu-se ás caixas dos orgãos as maiores dimensões. Collocaram-se, primeiramente, nas egrejas ogivaes, do lado do Evangelho, na parte inferior do triforium, no primeiro ou segundo vão da nave principal. Depois, isto é, perto do meiado do XVI seculo, foram assentes proximo do cruzeiro, á entrada dos lados lateraes da capella mór. Finalmente, quando as dimensões dos orgãos se foram desenvolvendo desmedidamente, estabeleceram-se tribunas especiaes na nave central, proximo da frente Occidental da egreja. As mais antigas caixas dos orgãos estão cobertas de obra de talha.

Pulpitos. Durante o periodo da renascença, o [396] pulpito teve dimensões muito maiores que precedentemente. No XVI e XVII seculos foram construidos geralmente de madeira; porém desde o meiado do seculo seguinte, ajunta-se algumas vezes o marmore á madeira. Os pulpitos das egrejas de primeira ordem compõem-se muitas vezes de grupos de estatuas acompanhadas de arvores, rochedos e outros detalhes pittorescos representando factos da historia sagrada ou ecclesiastica.

Tumulos e campas. No XVI seculo os cenotaphios eram compostos ainda como durante o periodo ogival, d'um sóco ou macisso de alvenaria, coberto por uma grande lousa, sobre a qual se vê a estatua do finado. Á roda do sóco acham-se por vezes estatuasinhas debaixo de arcaduras de volta inteira descançando sobre columnelos jonicos, corinthios e compositos, outras vezes, as arcaduras e as estatuasinhas estão substituidas por uma ordem de brazões. A figura do finado vê-se umas vezes deitada, outras de joelhos sobre uma almofada ou genuflexorio. Esta ultima attitude foi a mais commum no fim do periodo: todavia no XVII seculo, os monumentos sepulchraes veem a ter uma composição muito mais complicada; os sarcophagos tiveram as mais variadas fórmas, e as estatuas dos finados foram acompanhadas de outras estatuas allegoricas, como a morte tendo uma foice, figuras de anjos, a Fé, Esperança, Caridade, etc.

No XVII seculo, os mausoleus encontram-se muitas vezes collocados por baixo de uma arcada muito ornada no estylo do renascimento. Esta decoração [397] architectonica applicada sobre as paredes de uma capella ou das naves lateraes, da nave principal e capella mór conservou-se nos XVII e XVIII seculos, mas disposta com acerto, com as modificações introduzidas successivamente na architectura. Na segunda metade do XVII seculo, e muito mais frequentemente no seculo seguinte, rematavam os tumulos com pyramides e obeliscos em meio relevo, ornados de bustos, em medalhão, do finado. Os cyprestes, as columnas quebradas, as urnas funereas, genios com fachos derribados, todas as reminiscencias pagãs vieram a ser tambem uma decoração mais seguida n'esta ultima época.

O uso das campas continuou durante o periodo do renascimento, e o seu numero augmentou muito relativamente á época precedente. No XVI e no XVII seculos eram postas no pavimento das egrejas e dos claustros; tambem ás vezes se assentavam na grossura da parede, junto do logar em que fôra sepultado o finado. As mais antigas, especialmente as da segunda classe, estão cobertas em parte por figuras em alto e baixo relevo, em parte com inscripções. Mais tarde limitaram-se a uma simples inscripção acompanhada de um symbolo ou de um brazão.

A maior parte das campas são de calcareo azul ou de marmore preto, e muitas vezes têem as inscripções embutidas com marmore branco. Acham-se tambem algumas lousas funerarias de latão, cujos traços gravados estão cheios de um esmalte encarnado ou preto, posto a frio.

[398] Desde o começo do XVII seculo, as inscripções funereas principiam frequentemente pela fórma pagã D (eo) O (ptimo) M (aximo), ou com as letras P. M. interpretadas PIAE MEMORIAE, mas isso tem o inconveniente de fazer directamente allusão ao P (iis) M (anibus) dos antigos romanos.

Pias baptismaes. As pias baptismaes apresentam pouca importancia; a iconographia tão esplendida e tão abundante de symbolismo que se notava sobre as pias romãs, e algumas vezes ainda sobre as do periodo ogival, desapparece de todo. Ellas foram então formadas de simples pias de marmore, circulares ou polygonaes, tendo a fórma de uma semi-esphera ôca e achatada, ás vezes ornadas com molduras de fórma de perolas e assentes sobre um pedunculo com molduras. As tampas são de latão ou de madeira.

Obras de ourivesaria e de esmaltador. Durante o periodo da renascença, os ourives serviram-se princípalmente do trabalho de estampar em relevo, da cinzelura e da gravura para ornar os objectos de ourivesaria. Os esmaltes de côres, cujo uso havia sido introduzido no fim do XV seculo, concorreram egualmente ás officinas de Limoges, Augsbourg e de Nuremberg. Os Limousinos cobriam quasi sempre com pintura esmaltada as peças metallicas, grandes e pequenas, transformando-as assim em paineis ou medalhões: os Allemães empregaram os esmaltes, não sómente como faziam os Limousinos, para pintar pequenos modilhões, muitas vezes camafeus côr de rosa, e os applicavam sobre os pés [399] dos calices, das custodias e sobre outros logares das suas obras, mas serviam-se tambem para fazer realçar, pelo emprego do colorido superficial, certos detalhes das suas peças de ourivesaria, por exemplo, as figuras, folhagens, flôres e grinaldas.

O gosto pelos assumptos mythologicos, que dominava nas artes como na litteratura, exerceu a sua influencia na ourivesaria religiosa. Os deuses, os semi-deuses e os monstros da antiguidade pagã foram resuscitados. Ainda mais, apparecendo nos assumptos da historia da Biblia ou das legendas dos Santos, os artistas curavam muitas vezes na reproducção dos heroes do paganismo: representavam o Padre Eterno com as feições de Jupiter antigo; suppunham exaltar Nossa Senhora assemelhando-a ás deusas mythologicas; os anjos vieram a ser genios nús, e as tres Graças serviram para personificarem as virtudes theologaes. Entre os arabescos via-se reproduzir os Centauros, Pans, Sylvanos, Tritões, Nereidas; representações onde a natureza humana e a natureza animal se reunem da maneira a mais singular. Os objectos do culto revestem-se com todas as excentricidades, e teem muitas vezes dimensões fóra de toda a proporção.

Calices. Os ourives do XVI seculo abandonam pouco a pouco as tradições da edade média, e, posto que a fórma antiga da taça se conserve ainda algum tempo mais ou menos primitiva, o calix vem a ser cada vez maior. A principiar do meiado do XVII seculo, os artistas deixam-se levar pela sua imaginação, esquecendo completamente as boas [400] tradições dos tempos anteriores. O calix chega, e mesmo vae além muitas vezes, á altura desmedida de 35 centimetros; a taça estreita-se muitas vezes de maneira que na communhão o padre é obrigado a curvar a cabeça para traz; o nó não se distingue já da hastea, e o diametro do pé do calix diminue a tal ponto que ao menor choque o calix está arriscado a cair.

A patena é uma simples chapa redonda, não tendo nenhuma cavidade.

Pyxide. As pyxides distinguem-se das que havia nas épocas precedentes pelas suas muito grandes taças; sendo raramente ornadas de lavor representando assumptos religiosos. A começar do XVII seculo, a sua tampa não fica ligada á taça por um gonzo.

Custodia. As custodias de fórma radiante, foram, póde-se dizer, as unicas conhecidas da época do renascimento; teem geralmente as dimensões muito exaggeradas. As custodias com cylindro de crystal apparecem apenas no XVI seculo. Muitas vezes mesmo mudaram mais tarde estes ultimos, substituindo o cylindro de crystal por um sol radiante. Nas custodias ricas, o oculo com sol radiante é algumas vezes ornado de grupos, scenas em alto relevo e estatuasinhas, que não convém, por fórma alguma, junto ao Santissimo Sacramento. Essas extravagancias notam-se mais vezes ainda nas custodias modernas.

Relicarios. Os grandes relicarios do renascimento eram as mais das vezes de madeira pintada [401] e dourada. Faziam-se ainda algumas vezes os relicarios de madeira, apresentando a imitação de egrejas contemporaneas, com columnas, entablamento, frontão, etc. Muitas vezes tambem serviam-se de bustos de Santos de madeira pintada e dourada, que se collocavam sobre uma base ornada com molduras com ovanos. Encaixilhavam-se as reliquias no meio da face anterior d'essa base, mettendo-as debaixo de vidro, ou em um pequeno. relicario de metal.

Estofos preciosos. Tecidos. No XVI seculo, os estofos de que se serviam para as vestimentas, os mais ricos eram tecidos com oiro ou prata, brocado e velludos de Genova e de Utrecht.

O estofo com oiro ou prata é um tecido feito com fios cobertos de qualquer d'estes metaes. Quando os desenhos são tecidos servindo-se dos mesmos fios ou fios de seda, designam-se brocado. Finalmente, se em logar de fios de seda se servem de velludo, chama-se velludo de Genova.

Antes do XVII seculo não se conhecia o velludo lavrado: da sua superficie tiravam-se servindo-se da thesoura, certas partes do pello para formar desenhos de flôres e grinaldas. Mais tarde conseguiram obter um resultado analogo comprimindo os velludos com uma poderosa machina movida a braços ou pela agua; foi este o processo que forneceu, durante muitos seculos, o velludo batido. O velludo dito de Utrecht tem geralmente o pello mais comprido que as outras qualidades de velludos, e distingue-se por uma consistencia mais forte.

[402] Bordados. Os bordados da época do renascimento podem-se dividir em duas grandes classes. A primeira comprehende os estofos bordados, tendo conservado a sua flexibilidade, e consistindo o seu apreço na disposição artistica dos fios de oiro, prata, seda ou lã de differentes côres, empregadas pelo bordador. Os bordados de segunda classe apresentam em estofo um aspecto esculptural, devidos aos effeitos das grinaldas, flôres, fructos e figuras com as quaes estão ornados; podia-se suppôr que o bordador, esquecendo o seu proprio officio, foi pedir auxilio a uma arte estranha, que não é nem póde ser a que lhe pertence! Inutil seria accrescentar, suppomos, que a logica pedia que o bordador empregasse os processos de execução dos quaes legitimamente elle dispõe pela natureza mesmo do seu officio, áquelle que empregou da arte da esculptura, arte da qual os effeitos nos parecem incompativeis com os do bordado inconvenientemente produzido.

Pannos de raz. Os pannos de raz continuaram em uso, e obtiveram mesmo maior acceitação durante o periodo do renascimento. Nunca os teáres de alta e baixa trama foram nem mais numerosos, nem tiveram maior uso que no XVI seculo. O centro de fabrico de mais importancia n'esta época foi Bruxellas, cujos productos alcançaram primazia não sómente pela habilidade dos operarios, mas tambem pelos cuidados constantes que se empregavam na preparação e applicação do tabalho das materias de que se serviam na sua execução. [403] O magistrado communal da cidade não desprezava nenhum meio para conservar a merecida reputação das officinas de Bruxellas, que contribuiam com uma tão grande parte para a prosperidade nacional. Finalmente, para conseguir pannos de raz perfeitos, elle prohibiu, por um edital, de 24 de abril de 1425, que se pintassem ou retocassem com pincel as encarnações dos tecidos de uma certa dimensão; pelo mesmo edital promettia, além d'isso, aos fabricantes a propriedade artistica de seus grandes modelos de desenhos, estabelecendo punições muito severas contra os falsificadores. Tres annos depois, isto é, em maio de 1528, promulgou um outro edital mais notavel ainda, ordenando que toda a peça fabricada na cidade e medindo mais de seis varas devia trazer d'alli em diante na ourela inferior: de um lado uma das tres marcas dos fabricantes, Bruxellas, Antuerpia e Tournay, e do outro um pequeno escudo entre dois BB, iniciaes da palavra Bruxellas.

Em 1544, a obrigação de ter a marca foi extensiva pelo governo a todas as cidades dos Paizes-Baixos.

Na marca de Bruxellas algumas vezes o B está voltado, ficando os dois anneis do B virados para o escudo. A marca de Antuerpia é formada por uma mão acompanhada de uma flor de liz; a de Tournay mostra uma torre.

Durante o periodo ogival os pannos de raz reproduziram assumptos religiosos e, algumas vezes tambem, figuras allegoricas ou contos de cavallaria. [404] Á proporção do adiantamento no XVI seculo, os assumptos religiosos tornam-se mais raros; ficando preferidas as representações que se referissem á mythologia pagã ou á historia antiga da Grecia e dos Romanos.

A fabricação dos pannos de raz de Bruxellas declinou sensivelmente durante a ultima metade do seculo XVI, por causa das perturbações religiosas que assolaram a Belgica.

A Antuerpia era mais um deposito commercial que um centro de producção. Desde o XV seculo, os commerciantes expediam os pannos de raz para toda parte; tomando no XVI seculo este commercio uma extensão maior.

No principio do XVII seculo, a concorrencia de muitos paizes estrangeiros estabeleceu manufacturas officiaes, fazendo declinar a industria da Belgica. Todavia os novos estabelecimentos foram fundados com o concurso dos mestres e operarios vindos de Bruxellas.

Durante a segunda metade do XVII seculo o fabrico dos pannos de raz bruxellezes principiaram a affrouxar, tanto pela sua qualidade, pois não empregavam as boas tradições artisticas, como principalmente pela fundação, em França, da manufactura real dos Gobelins, estabelecida em 1662 por Luiz XIV. A direcção d'este estabelecimento foi entregue ao pintor O'Brun, que tinha um pessoal numeroso, á frente do qual estava, entre outros, officiaes, João Jans, habil tapeceiro, oriundo de Oudenarde, que foi residir para Paris, depois [405] de 1650, com grande numero de operarios flamengos. A concorrencia da fabrica dos Gobelins causou a ruina das officinas de Bruxellas.

A cidade de Oudenarde, que já tinha officinas de tapeçaria no seculo XV, produziu nos seculos XVII e XVIII tapeçarias de um genero especial, designado sob o nome de Verduras. Representavam, não assumptos historicos, mas paisagens animadas por algumas pequenas figuras de homens e animaes, assim como vistas de castellos ao longe. O seu nome deriva da circumstancia dos tons de verde-carregado que predominam geralmente n'estas composições. A industria da tapeçaria acabou em Oudenarde em 1772.

No XVIII seculo, a illusão da manufactura dos Gobelins foi tão grande na Allemanha, que a palavra Gobelin veiu a ser synonimo de tapeçaria de alta e baixa lissa, e tem conservado até hoje esta significação.

Iconographia


Uma revolução se effectuou na época do renascimento, na representação da natureza humana. Até ao XV seculo, a nudez das figuras não era admittida, não sómente na architectura religiosa, como na architectura civil. Dissimulavam-se mesmo de proposito as fórmas dos corpos debaixo da roupagem do vestuario, com receio de despertar as paixões sensuaes; os esculptores do renascimento fizeram tudo ao contrario: tomaram a taxa de executar sem disfarce a natureza, e dar ao seio, aos [406] hombros, ao corpo um desenvolvimento de fórmas que na edade média se tinha dissimulado debaixo da roupagem. O retrocesso do genio para os estudos classicos levou, por um mesmo estimulo, os artistas ao estudo da anatomia do corpo humano: vieram a ser pagãos sem comtudo deixarem de ser christãos, e principiaram a representar, até no sanctuario das egrejas, a imagem núa da mulher, faunos, etc., nas attitudes as mais lascivas: foi esta a propensão da arte desde o XVI seculo. A começar d'esse momento, foi a sensualidade e a nudez que dominaram na maior parte das pinturas e esculpturas mesmo as religiosas. Muitas vezes nas egrejas, os assumptos legendarios ficam substituidos por scenas tiradas da mythologia. Estas mesmas com figuras núas se vêem sobre os vasos sagrados. Os anjos, que abundam nos edificios religiosos, são genios, cupidos com azas, dispostos para entrarem no banho.

Entre as representações proprias do periodo do renascimento, mencionaremos uma unica: A deposição de Jesus Christo no tumulo, que se representa em grande numero de egrejas com figuras de grandeza natural. Além do corpo inanimado de Christo, vêem-se mais sete personagens. Nicodémos e José de Arimathéa pegando nas extremidades da mortalha sobre a qual descança o corpo do Redemptor; Nossa Senhora, o apostolo S. João e as tres Marias, Maria Magdalena, Maria Cleóphas e Maria Salomé, estão em fileira, entre as duas primeiras por detraz de Christo.

[407] Concluiremos estas considerações pelas palavras de um douto archeologo que estygmatisa o sensualismo:

Podemos todavia ponderar que o estylo da architectura da Renascença, querendo adoptar as formas da architectura classica, não produziu progresso nenhum na arte architectural, pelo contrario a fez retrogradar; se os artistas antigos tivessem conhecido essas ousadias engenhosas dos periodos em que a architectura apresentou as suas novas idéas artisticas, não teriam espontaneamente renunciado ao grande numero de fórmas que a Renascença se lembrou de avivar; em uma palavra, não se teriam adoptado modos differentes antigos, que não significavam ser o resultado de symptoma de progresso, sendo pelo contrario uma retroacção da arte, pois não tinham progredido nas bellezas essenciaes no estylo antigo, tendo apenas alterado ao mesmo tempo a perfeição mechanica e a belleza racional da arte classica.

FIM





Nomes dos Rev.os Parochos

QUE FORAM ASSIGNANTES D'ESTA PUBLICAÇAO



Alexandre de Faria e Silva―Beneficiado da Sé d'Evora―Correio do Collegio.

Alexandre Ramos Cid―Santa Maria da Feira―Beja.

Alfredo Elviro dos Santos―Secretario do Patriarchado―Lisboa.

Antonio d'Almeida Estrella―Rua do Bomjardim, 187―Porto.

Antonio Ferreira da Gama―Alfarellos―Alfarellos.

Antonio Luiz Pinto de Carvalho―Cartaxo―Cartaxo.

Antonio Luiz Thiago Mesquita―S. Miguel―Villa Franca do Campo.

Antonio Narcizo Pereira―Rua da Borragem―Almada.

Antonio Roza de Carvalho―Nossa Senhora da Conceição―Torres Novas (Alqueidão do Sena).

Antonio dos Santos Figueiredo―Seminario de Portalegre.

Antonio dos Santos Silva―Santa Catharina da Fonte do Bispo―Tavira.

Caetano Xavier d'Almeida da Camara Manuel―Evora.

Caetano Honorio da Graça e Sousa―Seminario de Portalegre.

Domingos José Alves Almeida―S. João Baptista―Vieira (Mosteiros).

[410] Eugenio de Freitas Cavalleiro de Sousa―Rua da Bella Vista, á Lapa, 7, 2.º―Lisboa.

Faustino Antonio de Moraes―S. Saturnino―Fanhões.

Francisco da Conceição Costa―S. Pedro―Elvas.

Francisco Ferreira Flôres―Nossa Senhora da Visitação―Ourem.

Francisco José Monteiro―Nossa Senhora da Encarnação―Mirandella.

Francisco Lourenço Cardoso―Nossa Senhora da Assumpção―Caminha.

Francisco Maria de Vasconcellos―Nossa Senhora do Milagre―Leiria (Vieira).

João Baptista de Mendoça―Nossa Senhora da Graça―Olhão (Moncarapacho).

João David d'Azevedo Barros―Rua do Bonjardim, 158―Porto.

João José de Mattos Ferreira―Santa Maria e S. Miguel―Cintra.

João Maria de Mendoça Vasques―Nossa Senhora da Conceição―Silves (Alcantarilha).

João Nepomuceno da Costa―S. Pedro de Penaferrim―Cintra.

Joaquim Antonio dos Reis―S. Domingos de Bemfica.

Joaquim Antonio Teixeira―Algarve―Loulé.

Joaquim Bernardo das Dôres―Cacella―Villa Real de Santo Antonio.

Joaquim José d'Ánova―Povoa de Varzim―Povoa de Varzim.

Joaquim Maria Duarte Dias.

Joaquim Martins de Carvalho―Coimbra.

Joaquim Pereira de Moraes (Abb.)―Santa Maria―Taboaço (Sendim).

Joaquim Rodrigues Barroso―Nossa Senhora dos Prazeres―Vizeu (Abravezes).

[411] Joaquim dos Santos Sequeira―Seminario de Portalegre.

José Alves de Mattos (Dr.)―Reitor do Seminario de Santarem.

José Baptista Pereira―Senhor Jesus―Obidos Sanguinhal.

José Bernardo dos Santos―Borba.

José David d'Azevedo Barros.

José Diogo Ribeiro―Vimieiro―Correio de Alcobaça.

José Farinha Martins―Seminario de Portalegre.

José da Luz Capella―S. Miguel do Pinheiro―Mertola.

José Maria Tavares Portugal―Nossa Senhora d'Assumpção―Vianna do Castello (Gaveão).

José Ribeiro da Silva―Seminario de Portalegre.

José Victorino de Carvalho―Reitor de Marcello―Santa Cruz de Villa Aleã.

Luiz José Nunes (Abb.)―S. Miguel―Bouças (Leça da Palmeira).

Manuel Branco de Lemos―Salvador―Ilhalvo.

Manuel Francisco dos Santos Peixoto―Val de S. Sebastião―Ilha Terceira.

Manuel Ferreira Peixoto de Sousa―Vera Cruz―Aveiro.

Manuel Henrique de Sousa Machado―S. Martinho de Bornes.

Manuel José Bernardo Coelho―S. Thiago―Tavira.

Manuel Maria da Costa―S. Matheus da Calheta―Ilha Terceira.

Manuel Marques Monteiro―Nossa Senhora da Conceição―Nellas.

Manuel Ribeiro de Mello―Valladares―Correio de Gaia.

Manuel dos Santos Lourenço―S. João Baptista―Feira (S. João de Vêz).

Mathias M. Grave―Seminario de Portalegre.

Miguel Antonio da Fonseca e Sousa―S. Faustino―Pezo da Regoa.

[412] Paulo da Costa―Rua do Infante D. Augusto―Coimbra.

Prior da Freguezia de Cezimbra.

Prior da Freguezia de S. Miguel―Vagos (Sôza).

Thomaz Joaquim d'Almeida (Dr.)―Santo André―Mafra.

Vice-Reitor do Seminario de Faro.

Victorino da Silva Araujo―Leiria.

Zephyrino José Pinto.


INDICE





Pag.
Ao leitor. 5
Introducção. 7
Capitulo I―Principios da arte christã no Occidente.
Primeiro periodo. 13
Capitulo II―Descripção das catacumbas de Roma; 1.º periodo. 14
Symbolos ou allegorias dos primitivos christãos. 16
Monogramma de Christo. 18
Sarcophagos. 21
Edificios religiosos construidos nos tres primeiros seculos. 23
Cemiterios. 24
Paramentos e objectos do culto. 25
Capitulo III―Estylo latino. 25
Caracteres d'este estylo. 31
Decoração dos monumentos do periodo latino. 32
Narthex, fachadas e portaes das basilicas. 33
Janellas e vidraças. 33
Altar nas egrejas do Occidente. 36
O ciborium durante o periodo latino. 39
Cemiterios―sarcophagos―campas e tumulos. 42
Os calices e patena. 45
Os crucifixos e os castiçaes. 48
[414]
Diptycos. 49
Estofos preciosos. 50
Paramentos sacerdotaes. 53
Mosteiros latinos. 55
Iconographia do periodo latino. 55
Caracteres do estylo bysantino. 57
Systema de construcção. 58
Duração exterior e interna das egrejas. 58
Capitulo IV―Periodo Roman. 60
Caracteres do estylo lombardo. 62
Duração monumental. 66
Estylo roman durante os seculos XI e XII. 67
Caracteres da architectura roman. 69
Esculptura monumental no seculo XI. 71
Atrios e portaes romans. 73
Caixilhos rendilhados e vidraças pintadas. 75
Columnas anneladas―ornato designado―garra. 77
Capiteis da architectura roman. 78
Arcadas e arcaduras nos seculos XI e XII. 79
Triforiums e cornijas. 81
Contrafortes e telhados. 83
Torres e campanarios. 84
Pintura das paredes e pintura historica. 86
Altares fixos, retabulos e relicarios. 89
Piscinas. 93
Doceis―Cadeiras episcopaes. 95
Capellas funerarias―tumulos―pedras tumulares. 96
Pias baptismaes. 98
Esmaltes. 99
Ourives de Limoges. 101
Calices e patênas. 102
Grades. 103
Alfaias religiosas. 104
Restauração artistica. 105
[415]
Custodias―pyxides e ciborios. 106
Relicarios e urnas. 108
Corôas suspensas nos altares. 112
Cruzes d'altar e para procissões e candelabros. 113
Evangeliarios e suas capas. 116
Baculos pastoraes e sapatos lithurgicos. 120
Mitras. 122
Alfaias preciosas e paramentos sacerdotaes e suas côres. 123
Abbadias―Mosteiros―Claustros dos capitulos. 129
Iconographia, a sciencia das imagens. 132
A cruz e a crucificação. 137
Personagens e accessorios historicos e allegoricos. 143
Evangelistas e seus symbolos. 152
Assumptos religiosos representados sobre os monumentos dos seculos XI e XII. 155
Capitulo V―Periodo ogival. 159
Diversas fórmas de ogiva. 160
Origem da ogiva e do estylo ogival. 162
Periodo de transição do estylo roman para o ogival. 164
Caracteres da architectura ogival. 165
Plano das egrejas do XIV e do XV seculos e aspecto exterior das egrejas. 169
Systema de construcção. 172
Esculptura monumental. 175
Fachadas―Alpendres―Postaes. 179
Janellas no periodo de transição. 185
Rosaceas―Vidraças incolores. 192
Vidraças pintadas. 195
Idem do XIII seculo. 200
Idem pintadas do XIV seculo. 204
Amarello de prata. 206
Vidraças pintadas do XV seculo. 207
Idem pintadas do XVI seculo. 211
[416]
Idem do XVII seculo. 214
Idem do XVIII seculo. 216
Pilares―Columnas. 216
Bases e columnas. 219
Capiteis. 221
Modilhões―misulas. 223
Arcadas―arcaduras. 224
Cornijas―platibandas. 228
Estabilidade e plano das abobadas. 231
Egrejas que teem a sua nave central muito mais elevada que as outras naves lateraes e aquellas tendo igual altura. 232
Perfis das nervuras―fecho da abobada. 234
Arcos butantes―contrafortes. 236
Gargulas. 242
Nichos e doceis. 243
Torres―campanarios. 247
Pavimentos. 251
Lages gravadas com embutidos. 253
Labyrinthos. 254
Pinturas das paredes. 256
Cruz da consagração. 262
Altares―tabernaculos―piscinas. 263
Frontaes―baldaquinos. 265
Retabulos―banqueta. 268
Sacrarios. 274
Cadeiras de côro. 277
Jubes―cruzes triumphaes. 281
Pulpitos―confessionarios. 284
Capellas funereas―tumulos―campas. 286
Pequenos monumentos funereos do XV e do XVI seculo. 294
Pias baptismaes―pias para agua benta. 298
Grades―barreiras de metal e de madeira. 301
Orgãos e caixas para elles. 304
[417]
Alfaias religiosas―esmaltes. 306
Calices―patenas. 310
Custodias―pyxides sem pé. 313
Relicarios―braços―pés. 317
Esmoleres―relicarios―diversos. 327
Vasos para os Santos Oleos. 331
Corôas com luzes―castiçaes. 333
Estantes para o côro. 338
Livros do Evangelho―manuscriptos lithurgicos―miniaturistas. 339
Thuribulos―gomis―pratas para offerendas. 342
Insignias―medalhas dos peregrinos. 346
Estofos preciosos. 348
Pannos de raz. 350
Vestimentas sagradas. 351
Mitras. 356
Abbadias―mosteiros. 357
Egrejas―claustros―casa do capitulo. 359
Aposento dos irmãos leigos―aposentos para hospedes. 363
Celleiros―officinas―prisões. 365
Cartuchas. 367
Mosteiros para mulheres―conventos do recolhidas. 368
Hospitaes. 368
Iconographia do periodo ogival. 369
Representação da Santissima Trindade. 370
O crucifixo―a crucificação. 371
O sol―a lua. 373
Imagem de Nossa Senhora―o Menino Jesus. 374
A Annunciação―a morte de Nossa Senhora. 376
Os apostolos―os evangelistas. 377
Scenas diversas. 379
Sibyllas. 382
Capitulo VI―Periodo da renascença. 383
[418]
Caracteres da architectura da renascença. 385
Começo. 385
Decoração. 387
Plano das egrejas. 389
Fachadas das egrejas. 391
Abobadas. 392
Torres. 392
Altares. 392
Tabernaculos. 393
Cadeiras do côro, obra de talha e confessionario. 394
Jubéos e balaustradas. 394
Caixas de orgão. 395
Pulpitos. 396
Tumulos e campas. 396
Pias baptismaes. 398
Obras de ourivesaria e de esmalte. 398
Calices. 399
Custodias. 400
Relicarios. 400
Estofos preciosos. Tecidos. 401
Bordados. 402
Pannos de Raz. 402
Iconographia. 403
Lista dos assignantes. 409



Notas:


[1] Extraido do Boletim de Architectura e Archeologia, n.º 2, Tomo V, pag. 20 a 22, anno 1886.

[2] Tinha a mesma designação que coemeteria e criptae.

[3] Era um calix mystico que continha o vinho que bebeu Jesus Christo na sua ultima ceia. Este calix tinha sido conservado por José de Arimathêa e transportado por elle para a Bretanha. (Inglaterra).

[4] Termo em inglez admittido pelos archeologos.

[5] Havia no paiz dois magnificos livros do côro, um do convento de Christo, em Thomar, e outro do convento de Belem. Este foi retalhado pelos orphãos da casa pia de Lisboa, que fizeram d'elle barretinas e talabartes. Ao outro livro foram cortadas as folhas de pergaminho, tendo vistosos arabescos e lettras floreteadas, coloridas e douradas, cujos preciosos fragmentos comprámos avulso aos poucos no anno de 1835.

[6] Ha um muito curioso no cabido da Sé de Vizeu, do qual tirámos o molde em 1869. Está exposto no museu do Carmo em Lisboa.






Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 25 das das ... das
#pág. 88 indefinidamenie ... indefinidamente
#pág. 102 quaiidade ... qualidade
#pág. 142 seseculo ... seculo
#pág. 209 da da época ... da época
#pág. 301 asperpergil-os ... aspergil-os
#pág. 350 representanto ... representando
#pág. 352 nma cruz ... uma cruz
#pág. 397 XVII e XXIII seculos ... XVII e XVIII seculos
#pág. 410 Varzlm ... Varzim
#pág. 411 Conceiceição ... Conceição
#pág. 415 dos imagens ... das imagens


* correcções feitas com base na errata do próprio livro.

Foi adicionada a indicação do capítulo II (pág. 14) e corrigida a entrada do capítulo III (pág. 25).