The Project Gutenberg eBook of Inscripções portuguezas

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Title: Inscripções portuguezas

Author: Luciano Cordeiro

Release date: March 17, 2009 [eBook #28348]
Most recently updated: January 4, 2021

Language: Portuguese

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*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK INSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS ***





VESPERAS DO CENTENARIO

DA

INDIA


Inscripções Portuguezas

POR

LUCIANO CORDEIRO




Fiel guarda da memoria é a escripta, porque
renova as cousas antigas, confirma as novas,
conserva as confirmadas e representa as
conservadas para que as noticias d'ellas se não
entreguem ao esquecimento dos vindouros.


(N'um diploma de doação de Affonso Henriques
ao Mestre Galdino Paes.--Trad.)





LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1895




INSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS




VESPERAS DO CENTENARIO

DA

INDIA



Inscripções Portuguezas



POR

LUCIANO CORDEIRO


Fiel guarda da memoria é a escripta, porque
renova as cousas antigas, confirma as novas,
conserva as confirmadas e representa as
conservadas para que as noticias d'ellas se não
entreguem ao esquecimento dos vindouros.


(N'um diploma de doação de Affonso Henriques
ao Mestre Galdino Paes.--Trad.)




LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1895





A

Gomes de Brito






INSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS



1.ª SERIE



(EXTRAHIDA DA ARTE PORTUGUEZA)






É claro que os seguintes apontamentos, desordenadamente colhidos e reunidos, não têem a menor pretenção a iniciar um Corpo de inscripções portuguezas, que, aliás, era tempo de começar-se.

Estas notas dispersas, que a piedade domestica, a prosapia genealogica, a vaidade individual, o culto civico escreveu na pedra ou no bronze dos monumentos ou das campas, têem, sob varios aspectos, um irrecusavel interesse critico, alem de que são, frequentemente, verdadeiras e importantes revelações históricas.

Parecerá até impertinencia querer demonstrar, ainda, a utilidade da sua colheita e registo.

Ora, todos os dias ruem os monumentos e vão-se apagando e desapparecendo as legendas tumulares, por esse paiz fóra.

É, comtudo, tão facil, tão agradavel passatempo, até, conserval-as!

Nas minhas excursões provincianas, tenho consagrado ao calco,--ao modesto e singelissimo calco a papel, agua e escova,--a dedicação de uma propaganda importuna e teimosa, e é ainda a idéa de reforçar essa propaganda pela [10] lição directa da sua razão e utilidade, que me determinou a ir publicando os primeiros resultados,--embora pequenos, valiosos.

Pareceu-me, porém, não dever limitar-me a reunir, apenas, as inscripções agora directamente colhidas, e, menos ainda, sómente as que podessem considerar-se ineditas.

Alem de que algumas, publicadas de ha muito, precisam e poderam ser corrigidas por um novo exame, o successivo agrupamento das que andam dispersas por varias obras é evidentemente um bom serviço, em que oxalá me permittissem o tempo e os recursos poder cooperar melhor do que procurarei fazel-o.







[11]

I





Thomar, convento de Christo, na Sacristia Velha: pequena lapide, caracteres gothicos minusculos.



[12] Leitura:

--Esta capella mandou fazer Vasco Gonçalves d(e) Almeida, cavalleiro, e sua mulher Mecia Lourenço, amos do Infante Dom Henrique, e foi feita (na) era do Salvador de 1426.--


Damião de Goes (Liv. das Linh. MS.) abre o--Titulo dos Almeidas--com o seguinte:


--«Fernão d'Alvares d'Almeida foi um honrado cavalleiro em tempo delRei Dom João o 1.º. Foi Vedor de sua Casa, sendo elle Mestre d'Aviz, e, depois, em sendo Rei, foi Craveiro da dita Ordem e Ayo dos filhos do dito Rei.

«Houve filhos bastardos: Diogo Fernandes d'Almeida, Alvaro Fernandes d'Almeida e Nuno Fernandes, de quem não ha geração. E houve filhas».


N'esta bastardia, é que continuou e prosperou fidalgamente o nome, logo pelo primeiro rebento,--o Diogo,--que foi vedor da fazenda de D. João I e. de D. Duarte, e que, segundo Goes--«casou com sete mulheres»--das quaes o illustre chronista se limita a citar duas, apenas, se é que não houve erro de copia na primeira conta:


«...a primeira, filha de Dona Tareja, filha de João Fernandes Andeiro, Conde de Ourem e foi irmã, da parte da Mãe, do Arcebispo de Braga Dom Francisco da Guerra; e della houve a Lopo d'Almeida; e a outra segunda mulher foi filha do Prior do Crato Dom Nuno Gonçalves, e houve della a Alvaro d'Almeida e Antão d'Almeida e Dona Branca d'Almeida, primeira mulher de Ruy Gomes da Silva, o da Chamusca, e Dona Isabel d'Almeida, mulher d'Alvaro de Brito, e assim houve outras filhas.»


Não terá havido anterior ligação com a familia do Prior, e não derivaria d'ella o Vasco Gonçalves, da inscripção?

O que parece certo é ter elle escapado, até agora, á luz indiscreta da Genealogia, na desolada solidão da Sacristia Velha de Thomar, com a sua companheira, a Mecia Lourenço, [13] que trouxe, naturalmente, aos burguezes seios o--«Alto Infante»--das descobertas.

Amos do Infante são evidentemente os que o crearam; e esta designação abrangendo a Mecia, deve indicar a mulher que o amamentou. Bemditos peitos!

Devo o calco d'esta inscripção ao meu amigo sr. M. H. Pinto, o distincto artista e director da escola industrial de Thomar.



[14]

II





Leiria, Castello, sobre a porta da Torre de Menagem: em caracteres gothicos grosseiramente abertos sobre linhas ou pautado egualmente cavado, n'uma das pedras da muralha. Inferiormente e na mesma pedra, tres pequenos escudos, tendo o do centro as bandas ou barras de Aragão e os dos lados as quinas, convergentes.



[15] Leitura:

--(Era) 1362 an(n)os foi esta tor(r)e co(meçad)a (aos) 8 dias de maio, e mandou-a fase(r o muito) nobre Dom Diniz, Rei de Portugal.................acabada.


Esta ultima parte, inintelligivel já, evidentemente diria a data do acabamento: dia e mez, ou sómente o mez.


Esta inscripção, que parece ter sido feita depois de concluida a Torre, e que é de singular importancia por fixar precisamente a construcção ou a reconstrucção do castello por D. Diniz, tem-se conservado desapercebida, talvez pela altura em que está e por se confundir, á primeira vista, com as escabrosidades da pedra.

Áparte o facto dos nossos archeologos, ou dos que se dizem taes, mais se dedicarem, geralmente, á exploração das mais banaes inscripções de cippos romanos do que á colheita das que podem illustrar a historia patria.

Alli mesmo, n'aquelle formoso monumento chamado o Castello de Leiria, que bem póde dizer-se amassado com sangue, a busca das inscripções romanas nas pedras funerarias aproveitadas nas muralhas, tem chegado a fazer perigar a segurança das construcções, ao passo que nos restos dos Paços do Rei Lavrador nenhuma exploração regular se tem feito.

Escusado será acrescentar que o escudo com as barras ou bandas aragonezas é uma affirmação ou uma homenagem ao senhorio de Leiria dado á Rainha D. Isabel, a Santa.

O calco d'esta inscripção, e até a denuncia d'ella, foi-me fornecido pelo meu amigo sr. João Christino da Silva, então director e professor da escola industrial Domingos de Sequeira, de Leiria.




[16]

III





Obidos, Torre do Castello, no humbral da porta (ogival), lado esquerdo.



[17] Leitura:

--E(ra) 1413 annos, no mez d(e) outubro, foi começada esta tor(r)e, p(or) mandado delrei Dom Fernando, da q(ua)l foi védor D(iog)o M(art)i(n)s da Tougia, e foi della m(estr)e Jo(ão) Do(mingue)s, e foi feita á custa do dito.


O meu amigo Sousa Viterbo lembra-me que Giner de los Rios dá esta inscripção no seu Portugal; mas, pela copia que me transmitte, entendo que o escriptor hespanhol não soube copial-a e lel-a bem. Assim, na linha 1) tomou o s final pelo algarismo 6, que nada significaria, e na linha 2) supprimiu o o na primeira palavra. Embaraçaram-n'o naturalmente os pontos de separação, muitas vezes colocados por simples fantasia decorativa. Trocou tambem os nomes do védor fazendo-o representar por um caprichoso --A.n Mig.n da Toura-- e o do Mestre por--f.a Doz.

O do primeiro é claramente:--d.o miz (Diogo Martins) e apenas a ultima designação offerece difficuldade, não podendo, porém, ser:--Toura--porque está muito intelligivel no começo da linha 8) a letra g. A sobreposta parece realmente r, o que difficultaria extremamente a leitura; mas porventura uma irregularidade ou estrago da pedra é que lhe dá aquella apparencia, sendo simplesmente um i, o que dá a palavra--Tougia.

Tougia, Taugia, Ataugia, Touria, é Atouguia da Baleia, povoação que não fica muito distante e que teve grande importancia no tempo de D. Fernando e de D. Pedro I, que n'ella celebraram côrtes, e onde, pouco antes do primeiro, senão no seu tempo, se fez ou reformou tambem um forte castello.

O nome do vedor seria pois: Domingos Martins da Tougia ou d'Atouguia, o que, como se vê, só pela interpretação de um signal ou letra sobreposta, póde suscitar hesitação.

[18] É a leitura que preferimos, até por não encontrarmos melhor. O nome do mestre, e que não nos parece que offereça duvida, é João Domingues ou Domingos.

Devo a um cuidado desenho do meu amigo e distincto professor, o sr. João Christino da Sil Devo a um cuidado desenho do meu amigo e distincto professor, o sr. João Christino da Silva, esta inscripção, bem como a seguinte.



[19]

IV





Obidos, na Torre do Facho.




[20] Leitura:

--Foi reformada esta muralha por Dom Sancho primeiro.--


Evidentemente não é coeva esta inscripção, em caracteres mixtos (goth. e red.).





[21]

V




Thomar, igreja de Santa Maria dos Olivaes, sob o segundo arco da nave esquerda.




[22] Leitura:

--Aqui jaz Fernã(o) de Sa(m)paio, Caval(l)eiro fidalgo, creado delrei dom Af(f)onso, e sua filha M(ari)a de Sa(m)paio.--


Será Fernão Vaz de Sampaio, filho de Vasco Pires de Sampaio e de D. Maria Pereira, da casa da Feira?

Este, fazem-n'o os genealogistas casado duas vezes, uma com D. Senhorinha, outra com Joanna de Alvim; e alguns, uma só vez, com uma ou com a outra d'aquellas senhoras, attribuindo-lhe varios bastardos havidos n'uma Leonor Affonso,--«mulher solteira»--entre os quaes um Lopo Vaz de Sampaio, que D. Affonso V legitimou em 1453.

Que o Rei Affonso de que falla a inscripção é Affonso V, não póde duvidar-se.

O «titulo» dos Sampaios, como se diz em Genealogia, foi sempre muito complicado por enxertos ganceiros.

O calco foi-me enviado pelo sr. M. H. Pinto.




[23]

VI




Thomar, igreja de Santa Maria dos Olivaes, do lado esquerdo da porta de entrada (interior). Caracteres gothicos.




[24] Leitura:

--Esta sepultura é de Isabel Vieira, mulher d(e) Af(f)o(n)so de Vivar, Caval(lei)ro, co(n)tador da casa delrei nos(s)o s(enhor), q(ue), depois de seu fal(l)ecim(en)to, foi Com(m)e(n)dador das Alencarcas. E se finou a 18 dias de fevereiro de 1492.


Não póde haver duvida de que a inscripção, muito esmerada por signal, diz:--«Commendador das Alencarcas». Foi-o Affonso de Vivar, ou depois do fallecimento da mulher, ou, o que é mais provavel que a inscripção queira dizer, depois do fallecimento do Rei, que seria então Affonso V, se a data da morte da mulher corresponde á da abertura da inscripção.

Mas o que eram as Alencarcas?

Devo o calco ao amigo já citado e que muitas mais vezes terei de citar ainda, o sr. M. H. Pinto.



[25]

VII




Thomar, igreja de Santa Maria dos Olivaes, na capella mór. Caracteres gothicos. Truncada por construcção posterior, que se lhe encostou, dos degraus do altar.




[26] Leitura:

--Aq(ui) jaz Do(m) Gil M(ar)ti(n)s, o p(ri)meiro M(estr)e q(ue) foi da Caval(l)aria da Orde(m) de Jesus Christo, q(ue) foi f(re)irado (feito freire) na Ord(e)m d(e) Avis e M(estr)e da Caval(l)aria des(s)a Orde(m) e foi da linhagem do Outeiro; q(ue) pas(s)ou (faleceu) e(m) sexta feira, 13 dias (d)e nove(m)bro, e(ra) 1359 an(n)os (a) q(ua)l alma D(eu)s leve p(er)a a gloria do Paraiso. Ame(n) Co(m) e(lle) mais os(s)os sã(o?).


Está a lapide embebida na parede do lado esquerdo, por baixo do formoso mausoleu de D. Diogo Pinheiro, primeiro bispo do Funchal, tendo sido para alli removidos os restos do Grão-Mestre, nas obras de renovação feitas na igreja, no tempo de D. Manuel ou já de D. João III, segundo a tradição.

Deviam estar anteriormente n'um caixão ou tumulo de pedra. A esses restos se juntaram os de outros personagens, e a isto seguramente alludia a parte truncada ou illegivel da lapide.

Não é, pois, perfeitamente exacto que se não saiba:--«o logar certo onde estão as cinzas do primeiro Mestre de Christo»--como diz Santos (Monum. milit, etc.), que, aliás, indica a remoção d'esses restos e a inscripção que os denuncia, que melhor fôra que tivesse copiado, com as mais.

Pertence o calco á bella colheita com que me tem brindado o sr. M. H. Pinto.





[27]

VIII




Thomar, igreja de Christo, junto á Charola. Caracteres rom. maiusc. Grande lapide.




[29] Leitura:

--Aq(u)i jaz o m(ui)to (h)o(n)rado Com(m)e(n)dador Do(m) Lopo Dias de Sousa, Mestre da Caval(la)ria da Orde(m) de Christo, q(ue) foi se(m)p(r)e m(ui)to leal s(e)r(v)idor ao m(ui)to alto se(m)p(r)e ve(n)cedor elrei Do(m) Joã(o) o p(r)im(ei)ro, (a)o qual foi gra(n)de ajuda e(m) defe(n)são d'estes reinos; e e(n)trou co(m) el(l)e ci(n)co vezes e(m) Castel(l)a co(m) sua Caval(l)aria, e e(m) a tomada de Ceuta; e teve o mestrado q(u)are(n)ta e seis an(n)os. E finou-se na era de Jesus Christo de 1435 an(n)os, aos nove dias do mes de fev(erei)ro, e o m(ui)to ho(n)rado e presado s(enh)or o I(n)fa(n)te Do(m) (H)e(n)riq(u)e, governador da dita orde(m), duq(ue) de Viseu e s(enh)or de Covilha(m), o ma(n)dou tra(s)ladar a este co(n)ve(n)to, aos oito dias do mez de março da dita era do na(s)c(i)m(en)to de Nos(s)o S(enh)or de 1435 an(n)os.


Este D. Lopo Dias de Sousa é personagem bem conhecido e de quem é facil encontrar larga noticia.

Era bisneto, pelo pae, de D. Affonso Diniz, filho de Affonso III--«e da condessa de Bolonha D. Mathilde»--a primeira mulher d'este Rei, sendo filho de Alvaro Rodrigues de Sousa e de D. Maria de Menezes, filha de Martim Affonso Tello de Menezes, irmão da celebre Rainha e adultera, D. Leonor Telles. Foi esta que o fez Mestre da Ordem, quando não tinha edade para o ser, o que não obstou a que elle honrada e valentemente viesse a servir a causa portugueza do Mestre de Aviz (João I) contra as pretensões e a invasão de Castella, patrocinadas pela adultera.

Diz Goes (Liv. das Linh. MS.):


[30]
«Dom Lopo Dias de Sousa... foi Mestre de Christo, apresentado na dita dignidade por ElRei Dom Fernando, a requerimento da Rainha Dona Leonor Telles, mulher do dito Rei Fernando, que era tia d'este Dom Lopo Dias, Mestre de Christo... Teve por manceba a Dona Maria Ribeira, que em Pombal houve dispensação do Papa para a receber por mulher, e houve d'ella estes filhos: a Diogo Lopes de Sousa e Dona Mecia de Sousa, que casou com Dom Vasco Fernandes Coutinho, primeiro Conde de Marialva, e Dona Violanta, que casou com Ruy Vaz Ribeiro de Vasconcellos, Senhor de Figueiró dos Vinhos e do Pedrogam, e Dona Isabel, mulher de Diogo Lopes Lobo, Senhor d'Alvito, e Dona Aldonça, mulher de Pedro Gomes de Abreu o Velho, e Dona Branca, mulher de João Falcão, e Dona Leonor, mulher de Affonso Vasco de Sousa.»


Um neto d'elle, Alvaro de Sousa, filho de Diogo Lopes de Sousa, mordomo-mór do Rei D. Duarte, foi mordomo-mór de D. Affonso V e casou com uma filha de D. Fernando de Castro, governador da Casa do Infante D. Henrique:--D. Maria de Castro.

Uma observação ainda: A inscripção parece corrigir a versão commum adoptada por J. A. dos Santos, na bella monographia Monumento das Ordens militares, etc., em Thomar, de ter Dom Lopo cahido em poder dos castelhanos em Torres Novas, ficando inutilisado para todo o resto da campanha.

--«Entrou cinco vezes em Castella»--diz terminantemente a pedra.

Devo o calco ao sr. M. H. Pinto, que ultimamente me mandou alguns outros, de Figueiró, entre os quaes encontro o da inscripção que incluo em seguida por importar á prole do mesmo personagem.




[31]

IX





Figueiró dos Vinhos, igreja de S. João Baptista. Em caracteres gothicos.




[32] Leitura:

--Aqui jaz o muito ho(n)rado caval(l)eiro Ruy Vasq(ue)s, filho de Ruy Me(n)des de Vasco(n)cel(l)os, neto de G(onçalo) Me(n)des e de Dona Maria Ribeira; e Dona Viola(n)te de Sousa, sua mulher, f(ilh)a de Do(m) Lopo Dias, M(estr)e de Christo, neta d(e) Af(fo)n(s)o Dias de Sousa e de Dona M(ari)a, irma(n) da rainha Dona Leonor; os quaes ma(n)dou s(epulta)r Rodrigo de Vasco(n)cel(l)os, seu filho (h)erdeiro... era de Nos(s)o S(enho)r Jesus Christo de 1453 an(n)os.


(Vide o commento da inscripção anterior.)


Enviou-me o calco o sr. M. H. Pinto.




[33]

X



Thomar, Convento de Christo, sobre o arco da Sacristia Velha.



[34] Leitura:

--Era MCC · VIIII magister Galdinus nobili siquidem genere Bracara oriundus exctitit tempore autem Alfonsi illustrissimi Portugalis regis. Hic secularem abnegans miliciam, in brevi ut Lucifer eminevit, nam Templi miles Gerosolimam peciit ibique per quinquenium non in hermen vitam, duxit cum Magistro enim suo cum Fratisbusque implerige preliis contra Egipti et Surie insurrexit regem. Cumque Ascalona caperetur, presto eum in Antiocam pergens sepe contra Sidan decione dimicavit. Post quinquennium vero ad prefatum qui et eum educaverat et militem fecerat reversus est regem. Factus Domus Templi Portugalis Procurator hoc distruxit castrum Palumbar, Thomar, Ozezar et hoc quod dicitur Almoriol et Eidaniam et Montem Sanctum.--


Versão:

--Era de 1209. O Mestre Galdino, certamente de nobre geração, natural de Braga, existiu no tempo de Affonso, illustrissimo Rei de Portugal. Abandonando a milicia secular, em breve se elevou como um Astro, porquanto, soldado do Templo, dirigiu-se a Jerusalem, onde durante cinco annos levou vida trabalhosa. Com seu Mestre e seus Irmãos, entrou em muitas batalhas, movendo-se contra o Rei do Egypto e da Syria. Como fosse tomada Ascalona, partindo logo para Antiochia pelejou muitas vezes pela rendição de Sidon. Cinco annos passados, voltou, então, para o Rei que o creára e o fizera cavalleiro. Feito Procurador da casa do Templo em Portugal, fundou, n'este, o castello de Pombal, Thomar, Zezere e este que é chamado Almoriol, e Idanha e Monsanto.--


Esta inscripção tem sido dada por diversos auctores, mas em nenhum é rigorosamente exacta a copia. O proprio [35] Costa (Historia da ordem, pg. 178, doc. 14) figurando-a toscamente em reproducção graphica, erra logo na era a leitura, dando a de 1208 pela de MCCVIIII ou 1209 que tão nitidamente se lê na linha 1).

Este erro generalisou-se, repetindo-o Viterbo (Elucidario) e adoptando-o Pedro Ribeiro (Dissertações). Debalde Cunha (Historia ecclesiastica de Braga), na sua traducção, soffrivelmente phantasiosa, restituiu a era exacta de 1209.

Na linha 4) suscitou-me duvidas a leitura commum do --hic,--pela fórma especial da inicial, que se encontra na linha 6), onde parecia repugnar-lhe o valor de--h--. Mas, não podendo ler-se:--inic--ainda por:--in hic--é forçoso acceitar a leitura geral. Na mesma linha, a palavra --abnegans--tem evidentemente a fórma de--acbnegans,--que aliás diz o mesmo.

Na linha 5), a leitura geral é a de--emicuit--por--emievit,--que é positivamente a que está na pedra. Preferimos, porém, a de--eminevit,--de--emineo,--que mais se approxima, e que não altera, mas precisa mais o sentido. Foi-me suggerida por Gabriel Pereira esta versão.

Na linha 6), Costa copiou--petiit--por--peciit,--e--inermem--por--in hermen,--que é o que claramente lá está. Vê-se que o embaraçou tambem a fórma da inicial acima alludida, não querendo ler n'ella o--h--que aliás não duvidára ler, como tal, no--hic--da linha 4). A solução parece-nos ser a de dar áquella fórma, aqui, o valor de uma simples tremação ou dierese do--i--lendo realmente:--ïermen--ou--in ermam vitam--. Podem não ter grande importancia estas variantes, mas é sempre bom conservar-se a fórma original em taes cousas.

Na linha 7) onde se lê:--cvm Magistro enim svo,--Costa permitte-se acrescentar um--fuit,--que lá não está, nem é necessario.

Mas é na linha 9) que as pretensões correctivas do auctor da Historia da Ordem, etc., tomam mais graves proporções. Assim: onde nitidamente se lê:--presto evm in Antiocam,--elle simula copiar:--presto fuit in Antiochie,--e [36] logo em seguida lê:--sepe Suldani--em vez de--sepe contra Sidan,--como diz a pedra, e bem. Dá assim origem ao erro que elle, Cunha, e os mais commettem, de traduzir--Soldão--por--Sidan,--o soldão ou sultão, não se sabe qual, pela cidade de Sidon, perfeitamente conhecida.

Na linha 10), a leitura de Costa e dos mais, embaraçou-se na abreviatura--vo,--que se segue á palavra--quinquennium,--claramente:--vero,--e achou então melhor supprimil-a. Em seguida, reduziu a--eum,--a abreviatura em que entrava um--t--muito bem definido, mas que o embaraçava tambem. Restituimos--et eum--que é fórma conhecida.

Na linha 11), tem-se lido sempre por--hoc construxit,--que é a leitura que immediatamente occorre, de certo, a fórma ou phrase, que, pelo rigoroso confronto dos caracteres da inscripção, não podemos ler senão como:--hocdstrvxit--. A primeira duvida suscitou-nol-a o--hoc,--não porque não esteja bem definido nos caracteres, mas porque nos pareceu arrevesado ou inadequado ao sentido. É evidente, porém, que se quiz precisar o paiz, o logar e não o objecto ou o castello, determinadamente, e assim traduzimos:--Feito Procurador da Casa do Templo, em Portugal, neste (i. e. aqui) fundou, etc. Mas porque é que todos têem fugido a ler litteralmente:--dstrvxit,--que é a forma original? Naturalmente, por entenderem que esta fórma equivaleria necessariamente á de--destruxit (de destruo)--dando o absurdo de ter Galdino destruido os castellos em vez de os ter construido (construxit). Mas é que não lembrou que não era fatal ler--destruxit,--e que, lendo-se--distruxit--(de distruo), se obtinha a idéa contraria, ou a idéa precisa de ter o Templario portuguez lançado, espalhado, ou construido, aqui, em diversas partes, os fundamentos d'esses diversos castellos. E mais explicado fica o--hoc,--antecedente.

Finalmente, na ultima linha, ha duas abreviaturas:--dod. dr.--ou talvez, por uma inversão da primeira inicial:--qod. dr.--que geralmente se lê, e parece bem:--quod dicitur--.

[37] Tambem esta interessantissima inscripção, pela primeira vez directamente reproduzida por calco, que me enviou o sr. Pinto, da escola industrial de Thomar, não tem obtido até agora uma traducção regularmente exacta. Costa e Cunha não separam as orações, nem traduzem litteralmente.

O primeiro traduz:--sepe pergens contra Sidan etc.-- por--e muitas vezes venceu ao Soldam,--o que é duplamente falso. Como já observei, iniciou o erro de ler--Suldani,-- onde, clara e rasoavelmente, está:--Sidan--.

Cunha, que restitue a era exacta de 1209, antecede-a pela formula:--Em nome de Christo,--que lá não está, e acrescenta a filiação do Rei Affonso:--filho do Conde Dom Henrique e da Rainha Dona Tareja--. Não contente com isto, traduz que: quando Escalona foi tomada, elle foi alli prestes e prompto;--põe Galdino em Antiochia pelejando muitas vezes--contra o poder do Soldão;--augmenta a enumeração dos castellos com o de--Cardiga,--supprimindo o de--Monsanto,--e alonga, finalmente, a inscripção com as seguintes palavras:--Era 1209 annos. Mestre Gualdim, nascido em Braga, que he cabeça de Galisa, edificou este Castello de Almorol com os freires seus irmãos--.

Bastam estes exemplos. Como é sabido, a inscripção está n'uma grande lapide de marmore sobre o arco da chamada Sacristia Velha do convento de Christo de Thomar, para onde foi transferida, do castello de Almorol, segundo a tradição, no tempo e por ordem do Infante Dom Henrique.

É claro que não havemos de fazer, agora e aqui, a biographia de Mestre Gualdino ou Gualdim ou Galdino Paes. N'esse ponto, é justo louvar as diligencias e os trabalhos de Costa (Historia da Ordem, etc.) e de Viterbo (Elucidario), que reuniram interessantissimos documentos sobre o Templario portuguez. Segundo o primeiro, Galdino nasceu em 1118 e morreu em 1195. Era filho de Payo Ramires e de D. Gontrade Soares, nomes que denunciam uma origem visigoda. Pelo pae, era bisneto de Ayres Carpinteiro que lhe trazia uma bella tradição de fidalguia authentica.

[38] N'um velho livro de linhagens anda dispersamente registada esta prosapia:


--«Este Ayres Carpinteiro onde (d'onde) vem os Ramirãos foi casado com Amiana de Selharis e de Tevora e fege nella Ramiro Ayres...»


Ramiro casou com Orraca Peres, filha de Gontinha Eres e de Dom Pedro Affonso de Doreas--«que fez Manhente,»--e o seu primogenito foi Dom Payo Ramires. Casou Dom Payo, a primeira vez, com Dona Orraca de Caldelas de Galiza, de quem teve o alcaide Dom Vasco Paes,--«e desque morreu esta mulher a D. Payo Ramires casou com a irman de D. Payo Correa o Velho e fege nella o mestre D. Gualdim Paes do Templo e D. Gomes Paes de Piscos: e este mestre D. Gualdim Paes fez Tomar e Pombal e Castelo de Almoyrol e poboou outros muitos logares que ganhou á ordem, e foi muito forte em armas e leixou ao Templo o que agora ha, e em Abelamar (talvez em alem-mar)».

Goes, que gostâmos sempre de consultar n'estas historias, não parece ter encontrado nos Paes, do seu tempo, pelo menos, uma genealogia muito antiga, pois que abre o «titulo» com Payo Rodrigues que--«foi um cavalleiro muito honrado em tempo delRei Dom Affonso o quinto, e foi filho de Pedro Esteves, Alcaide Mór de Portel»--. São outros, evidentemente. Tambem da semente d'elle, como dizem os geneologos, não seria facil haver noticia, espalhada, como ficaria, clandestina ou ganceira, pela Syria e pelo Ribatejo, nas aventuras e desmandos das campanhas do Templario.

Segundo Cunha, nasceu o Mestre em Braga e--«n'ella se conserva ainda hoje uma rua com o nome de D. Gualdim, em que é tradição que nasceu»--.

Corrigem outros, observando que alli fôra Procurador ou Mestre da Casa do Templo, que lá existira,--o que é demonstrado por um documento citado no Elucidario de Viterbo,--mas que em Marecos, depois Amaraes e hoje [39] Amares, a 10 kilometros de Braga, é que realmente nascera o Mestre, que fôra até o primeiro a usar e a nobilitar o titulo de Marecos, da herdade que foi o nucleo da povoação.

Convem dizer, pois que não tem sido dito até hoje, que outro velho codice geneologico põe uma sombra de duvida n'esta gloria da pequena povoação minhota, dizendo, um tanto obscuramente:--«E o meestre dom galdim paez do tempre e seu irmaão forom naturaaes dapardar de braa». Mas sendo justa a hesitação na leitura indicada na compilação da Academia (Port. monum. hist.), não será talvez muito aventuroso ler:--da par de Braga,--restituindo á antiga Marecos, o seu Templario. E já agora avivemos o registo de um pequeno episodio que n'esta altura nos offerece esse codice.

Uma neta do irmão de Galdino:--Dona Estevaynha ou Estevaninha Paes casou com Dom Martim Annes de Riba da Visella, neto, pela mãe, de um grande fidalgo Dom Soeiro Mendes o Gordo que a tivera de uma barregan e que fazendo-a herdeira--«mui bem e mui compridamente em seus beens»--a casára com Dom João Fernandes de Riba da Vizella.

Diz então o codice:--«E este meestre dom galdim paaez do tempre fez muyto bem e deu grandalgo a este dom Martim Annes de riba davizela quando casou com esta dona steuaynha paaz sobredita».

Martim Annes foi--«mui priuado delRei dom afonso de portugal, filho delRei dom sancho o uelho».

Por ordem do Rei foi cercar a irmã d'este, a Infanta Dona Thereza, a Montemór o Velho, e derrotado, cahiu n'um paul entre aquella villa e Coimbra. Quando lhe acudiram:--«non se pode sofrer que non morese do sangui que del tirarom as çameçugas».

Dá, ainda, uma tradição constante, e parece confirmar a inscripção de Thomar, que Galdino fôra creado na côrte do primeiro Rei portuguez, e por elle armado cavalleiro na batalha de Ourique, em 1139. É sómente dez ou mais annos depois d'esta data, que nos apparece nos documentos, [40] e já como Templario graduado, consequentemente depois do seu regresso do Oriente.

Segundo Cunha e os diplomas reunidos por elle, seria, até, sómente na era de 1199, correspondente ao anno de 1161, que pela primeira vez nos appareceria como Mestre, na doação que lhe faz o Rei:--tibi Magistro Gualdino,--de certas herdades cultivadas e por cultivar junto de Cintra; mas Santa Rosa de Viterbo (Elucidario) encontra-o muito antes, em 1148, figurando como Mestre da Casa Templaria de Braga, n'uma concordata feita com esta, e em 1157 como Mestre absoluto ou Geral dos Templarios em Portugal, succedendo a Dom Pedro Arnaldo, que abdicou n'esse anno e morreu no seguinte. Terá Viterbo lido bem aquella primeira data? A interrogação parecera impertinente em relação ao erudito investigador, se um facto muito positivo a não auctorisasse. Esse facto é a tomada de Ascalonia, expressamente indicada na inscripção. Essa tomada, é claro que não foi a de Saladino aos christãos, que só se realisou em 1187. Foi a dos christãos aos turcos. Estava lá, então, Galdino; isto é, estava no Oriente em 1153, que é a data d'esta conquista. (Michaud, Hist. des Croisades, t. II.)

Estava, e demorou-se ainda. Estando em 1157 em Portugal, e sendo feito, então, Mestre geral dos Templarios Portuguezes, partiria em 1152, ou pouco antes, mas já partiria, então, como templario graduado, se é verdadeira a data de 1148, attribuida por Viterbo á concordata de Braga, o que, de resto, não repugna inteiramente á inscripção.

Inclinamo-nos a crer que foi realmente em 1157 que Galdino voltou, sendo então elevado ao cargo de Mestre geral, ou, como a inscripção diz:--de Procurador do Templo, em todo o Portugal, tendo partido, como simples Mestre da Casa de Braga, em 1152, ou pouco antes.

Dos castellos alludidos na inscripção, dois,--o de Idanha e o de Monsanto,--são-lhe doados em 29 de novembro da era de 1203 (1165), chamando-se-lhe tambem Mestre:--vobis Magistro Gualdino--.

[41] A ideia vulgar da hierarchia monastico-militar póde parecer extraordinario que elle seja designado simplesmente como Procurador, em outubro da era de 1207 (1169), quando lhe são doados, e á Ordem, os castellos de Zezere, de Thomar, e ainda o de Cardiga--«com todas as herdades que alli fizeste e rompeste»--devendo notar-se que n'esse mesmo anno como tal se apellida tambem, na doação:--«de toda a terça parte que pela graça de Deus poderem adquirir e povoar desde o rio Tejo por deante--»para o sul, é claro, aos--«cavalleiros chamados do Templo de Salomão»--nas pessoas dos de Portugal e de--vobis Fratri Gualdino in Portugalia rerum Templi Procuratori--.

Mas esta qualidade de Procurator, referida á gerencia regional ou provincial dos diversos agrupamentos da Ordem, não era inferior, e muito menos incompativel, com a categoria de Magister, a bem dizer a de Superior de cada Casa ou Commenda, com tendencias para substituir aquella pela separação das diversas communidades nacionaes.

Não foi Galdino o unico cruzado portuguez; mas é dos raros cujos nomes se apuram. Se das suas façanhas no Oriente resa sómente a inscripção, outros e diversos documentos a corroboram brilhantemente na historia patria.




[42]

XI




Claustro da sé de Lisboa.





[43] Leitura:

--Esta sepultura é de dona (?) Ignez Eannes, sobrinha de Vicente Domingues Bolhão.


Tem um certo interesse de occasião esta inscripção modestissima, agora que vae celebrar-se o centenario de Santo Antonio de Padua, mais propriamente: de Lisboa. Bolhões eram a familia d'elle. Vicente Bulhão se chamou o avô, ou, melhor, Vicente Martins dito o Bulhão, o que devia desconcertar um pouco os genealogistas, no esforço de engrandecer e nobilitar a alcunha que se tornou patronymico:--Vicenti Martinii dicti Bulhon,--segundo a nota obituaria que elles encontraram--«no livro de mão da Kalenda da Sé antiga de Lisboa».

D'este Vicente, veiu Martim Bulhão,--Martinus Bulhon, resava a mesma nota,--que, desposando Theresa Taveira, teve os seguintes filhos:

--Pedro Martins de Bulhão, do qual, nota semelhante á citada, dizia:--6 nonas julii obiit Petrus Martinii dictus de Bulhon,--tendo vivido na primeira metade do seculo XIII; d'elle procedeu um personagem relativamente illustre, o confessor da Rainha Santa, capellão de Dom Diniz e lente de theologia da Universidade: Dom Domingos Martins, conego de Santa Cruz.

--Fernão Martins de Bulhão, o nosso futuro Santo Antonio;

--Vicente Martins de Bulhão;

--Feliciana Martins Taveira;

--Maria Martins Taveira, freira, que morreu tambem com ares de santidade, em 18 de fevereiro de 1240.

Mas é claro que o Vicente da inscripção não é nem o primeiro nem o segundo. É, porém, da familia, neto de um ou bisneto do outro, segundo Monterroyo.

Teve duas irmãs Vicente Domingues, que casaram fidalgamente: uma, Dona Sancha Martins Bulhão, com Dom Soeiro Fernandes Alam, que viveu no tempo de Dom Affonso [44] III e Dom Diniz, e com o qual se orgulham os Soares de Albergaria; a outra, Dona Dordia, que foi mulher de Pedro Martins Botelho, de Riba de Vizella, e depois de Reymondo,--como quem diz Raymundo,--de Portocarrero.

Mas nenhuma d'estas senhoras parece ter-nos dado a Ignez da inscripção, cuja paternidade modestamente se escondeu na prosapia do tio, especie de conservador ou agente official dos negocios das colonias extrangeiras em Lisboa.

Uma Ignez se encontra, proximamente, na familia; mas é Ignez Dias Bulhão, procedente da geração da Dona Dordia, e que Dona Leonor Telles, a rainha bigama, considerava sua parente.

Temos, pois, de nos contentar com o facto do tio nos authenticar a antiguidade da inscripção, que obsequiosamente nos forneceu o estudioso e dedicado secretario da Arte Portugueza, sr. D. José Pessanha.




[45]

XII




Thomar. Igreja de Santa Maria dos Olivaes, na parede da segunda capella, á direita.




[46] Leitura:

--Obiit frater gvaldinvs magister militum templi portugalie E. MCCXXXIII, III.º idvs octobris. Hic castrvm Tomaris cum multis aliis popvlauit. Requiescat in pace. Amen.

Versão:

--Morreu Frei Galdino, Mestre dos Cavalleiros do Templo em Portugal, na era de 1233, terceiro dos idos de outubro. Este castello de Thomar, com muitos outros, povoou. Descance em paz. Amen.



No movimento, um pouco desordenado, diga-se de passagem, das celebrações apotheosicas, centenaes ou não, que ultimamente se tem manifestado entre nós, pensaram alguns cavalheiros de Thomar em promover uma que attrahisse as attenções e a concorrencia de forasteiros á formosa cidade do Nabão, bem digna realmente de ser mais conhecida e visitada. Tiveram, então, a feliz idéa de tomar por thema o nome e a memoria do valente Templario portuguez, Galdino Paes, tão deploravelmente esquecido tambem, e de quem póde dizer-se que foi, alem de fundador de Thomar, um dos mais intrepidos e persistentes cooperadores da fundação de Portugal.

Sob aquella idéa se reanimou o empenho do meu amigo e distincto director-professor da Escola Industrial d'aquella cidade, sr. Manuel Henrique Pinto, de encontrar a jazida dos restos do glorioso Templario. Aproveito a occasião para dizer, com reconhecimento, que o sr. Pinto tem sido o meu mais dedicado e caloroso auxiliar n'esta colheita de calcos de inscripções portuguezas. Honra lhe seja, que n'isso não é a mim, mas á Historia e ao paiz, que presta um bello serviço.

Obtendo licença para sondar as paredes d'aquella interessantissima e vetusta igreja de Santa Maria do Olival ou [47] dos Olivaes, que por si dava assumpto para uma soberba monographia sobre a historia da architectura nacional, o sr. Pinto, com dois amigos egualmente interessados n'esta pesquiza, começou-a e teve a fortuna de, ás primeiras tentativas, encontrar a pedra (naturalmente um dos lados do sarcophago), em que está, nitida e graciosamente cavada a inscripção de que tirou e me enviou o magnifico calco, em poucos minutos reproduzido pelo lapis primoroso e firme de Casanova. Como se vê, a inscripção não offerece hesitações ou duvidas de leitura ou de contemporaneidade, esta ultima perfeitamente flagrante, para quem conhece a epigraphia tumular do tempo, com as suas cruzes espalmadas (pattées) iniciaes, com as maiusculas oscillando entre o romano e o gothico, com o seu pautado, até com a sua redacção dos velhos obituarios e livros de calendas, monasticos. Lê-se ao primeiro relance. Que o til ou plica que ornamenta um dos XX da era, não suggira reparo. Tem o mesmo valor que os do e (era), do m (mil) ou dos cc (duzentos): isto é, nenhum tem. O Viterbo do Elucidario já advertiu esta especie de mau habito decorativo, inconsciente.

A era é indiscutivelmente a de 1233, correspondente ao anno de Christo de 1195. Sempre se lucrou, com a idéa do centenario, ficarmos definitivamente sabendo que o grande Templario morrêra em 1195, a 13 de outubro. Teria então setenta e sete annos, se tambem acertou Costa (Hist. da Ord.), quando o dá nascido em 1118. Cedo fizera Galdino a sua iniciação de Cavalleiro do Templo nas longinquas campanhas da Syria; mas, por mais cedo que n'aquelles tempos se fosse homem, é claro que andam erradas algumas datas das suas doações e fundações. Apparecer-nos elle como Mestre,--tibi Magistro Gualdino,--em 1161, isto é, aos quarenta e tres annos, na doação das casas e herdades cultivadas e por cultivar junto de Cintra, não repugna, comtudo.

Em 1169, isto é, aos cincoenta e um, é que recebe toda a terça parte que podér adquirir e povoar desde o Tejo [48] por deante, em doação «a Deus e aos cavalleiros chamados do Templo de Salomão», como Procurador d'elle em Portugal:--«vobis Fratri Galdino in Portugal rerum Templi Procuratori»,--e mais os castellos da foz do Zezere, de Cardiga, e o de Thomar, com todas as herdades--«que fizestes e rompestes». Já anteriormente, em 1165, lhe haviam sido doados,--vobis magistro Gualdino,--e á Ordem, os castellos de Idanha e de Monsanto, e antes ainda, seguramente,--«aquelle castello que se chama Ceras»--e a Redinha. Rigorosamente, estas doações não eram mais que as confirmações reaes das fundações, das conquistas e das explorações agricolas, com que o activo Templario e os seus freires iam acrescentando e consolidando, dia a dia, a patria christã e portugueza.




[49]

XIII




Portalegre; Convento de S. Bernardo (seminario), na casa do capitulo (arruinada). Lapide de marmore, com a figura de uma abbadessa esculpida e em volta a inscripção.




[50] Leitura:

--Aqui jaz Dona Branca de Vasconcellos, a primeira abbadessa que foi d'este mosteiro, a qual ensinou as mo(n)jas d'elle, do começo de suas profissões. E falleceu aos 23 dias do mez de outubro de 1537.


Seria uma das filhas de João Rodrigues Ribeiro de Vasconcellos?

Diz Goes:


--João Roiz Ribeiro de Vasconcellos, filho d'este Ruy Vaz, foi senhor da Casa de seu pae, e foi casado com Dona Branca de Meneses, filha de Ruy Gonçalves da Silva, Alcaide Môr de Campo Maior e Ouguella, de quem houve... «e outras que são freiras».