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foram tomadas várias decisões quanto à
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existente na própria obra.
Rita
Farinha (Maio 2013)
MEMORIA HISTORICA
SOBRE AS
ILHAS DOS AÇORES,
COMO PARTE COMPONENTE
DA
MONARCHIA PORTUGUEZA,
COM IDEAS POLITICAS RELATIVAS Á REFORMA
DO
GOVERNO PORTUGUEZ,
E SUA NOVA
CONSTITUIÇAÕ.
LISBOA:
NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO.
Impressor do Conselho de Guerra.
Com licença da Commissaõ da Censura.
1821
[iii]
DISCURSO PRELIMINAR.
As Ilhas dos Açores adjacentes a Portugal foraõ
sempre consideradas como parte, e verdadeiras Provincias
deste Reino, mandando os seus Representantes,
ou Procuradores ás Cortes, onde tinhaõ assento, e
banco designado: e como hum verdadeiro accessorio,
seguíraõ sempre a sorte do seu principal, gosando de
todos os bens, com que os Monarchas Portuguezes
felicitavaõ os seus Vassallos, durante a sua residencia
na Europa, e soffrendo todos os males desde a modança
da Corte para o Rio de Janeiro.
A historia destas Ilhas, que he sempre ligada
com a historia em geral de Portugal, involve maximas
de Politica, que naõ será desconveniente dar ao
público nas presentes circumstancias; pois que sendo
a Politica a arte que ensina a governar os homens, e
dirigir a causa pública, todos os escriptos, que apresentarem
algumas idéas, que tenhaõ correlaçaõ com este
objecto, seraõ uteis no momento, em que casos
extraordinarios põem huma Naçaõ nas criticas circumstancias
de reformar as Leis fundamentaes do seu Governo.
Ninguem póde duvidar, que toda a associaçaõ
politica tem o direito inalienavel de estabelecer, modificar,
ou alterar a Constituiçaõ, ou fórma do seu
[iv]
Governo; mas esta crise he taõ arriscada, que os póvos
soffrem muitas vezes seculos inteiros, primeiro
que se deliberem a empenhar n'huma tal empreza.
Durante a residencia dos Monarchas Portuguezes
em Lisboa, a sua bella indole, e a facilidade com
que aquelles Soberanos ouviaõ os seus Vassallos, e remediavaõ
os males de todas as Provincias, e Ilhas adjacentes,
podia supprir a falta de melhor Constituiçaõ
em Portugal; mas postos na distancia de mil legoas,
com os obstaculos que estes póvos encontravaõ nas
suas representações, o que equivalia a dobrada distancia,
acháraõ os mesmos póvos ser incompativel com
a sua felicidade a continuaçaõ da mesma fórma de Governo,
e foi geral o voto por huma nova Constituiçaõ,
que remediasse os males, e expurgasse os abusos
introduzidos. A magnanimidade do Senhor Dom
Joaõ VI. annuindo a esta refórma, e approvando o
chamamento das Cortes em hum Aviso dirigido aos
Governadores do Reino, em resposta á participaçaõ,
que estes, lhe haviaõ feito do voto geral da Naçaõ,
fará collocar este Monarcha ao lado dos Titos, e dos
Marco-Aurelios.
Se lançamos os olhos pelos annaes das outras Monarchias
da Europa, quasi todas ellas nos apresentaõ
seus Neros, e seus Caligolas.
«Nenhuma historia
(diz o Conde de Mirabeau)
offerece huma serie mais
ampla de Reis máos, do que a historia, de França.»
[v]
E na verdade a começarmos desde Filippe o Bello,
naõ encontramos senaõ Principes huns faltos de
fé, outros insaciaveis de poder, e de dinheiro, e até
fabricadores de moeda falsa, outros vingativos crueis,
e mais barbaros em assassinios, do que o mesmo Tiberio.
De hum Carlos IX. diz o citado Author—
este
monstro infernal executou ao sahir da infancia,
o que Caligula apenas teria ideado; elle medita com
a mais profunda maldade, a mais abominavel perfidia,
e extermina de hum só golpe cem mil dos seus
Vassallos.—Falla da mortandade do dia sempre memoravel
de S. Bartholomeu, em que o Rei pessoalmente
animava os matadores.
Entre os Reis de Hespanha basta apontarmos o
cruel, e supersticioso Filippe II., que matou o proprio
filho, e envenenou sua Esposa: he curioso o parallelo,
que deste Rei faz Mr. de Voltaire, com o
Imperador Tiberio, onde comparando-os em todo o
genero de crueldades, acha sempre o tyranno Hespanhol
em gráo superior ao tyranno Romano.
Dos Reis de Inglaterra será bastante lembrarmos
hum só Henrique VIII., que empregou o tempo do
seu Reinado em perturbar os seus Estados, inunda-los
com o sangue dos proprios Vassallos, e empobrecê-los:
elle exhaurio o Reino (diz Sanderuz),
vexouo,
e opprimio ao ponto que lhe naõ restava mais do
que vender o ar aos vivos, e a sepultura aos mortos.
A Inglaterra pois, que hoje consideramos hum paiz
[vi]
afortunado pela segurança, e liberdade de que alli gosa
o Cidadaõ, já foi o theatro da tyrannia, e de todos
os males, que acompanhaõ o governo arbitrario:
he depois que os seus Soberanos foraõ ligados por huma
Constituiçaõ, e coartada a arbitrariedade destes, que
aquelle Reino tem chegado ao auge em que o vemos,
e que merece o elogio dos Sabios, e a admiraçaõ das
outras Nações. E póde dizer-se que á sua Constituiçaõ
deve a Inglaterra o achar-se classificada na primeira
ordem das Potencias da Europa, quando pela
extençaõ do terreno parecia naõ poder passar da segunda.
Se este quadro nos mostra por huma parte naõ
serem infalliveis os Reis, como parecia quererem persuadir
aquelles, que sustentavaõ derivarem elles o seu
poder immediatamente de Deos, e naõ dos Póvos,
que os elegem; pela outra parte tambem nos confirma
da bondade dos Monarchas Portuguezes, em cujo
cathalogo se naõ encontra hum só com iguaes defeitos:
sendo pelo contrario os Principes da Casa Reinante
por indole natural justos, humanos, e cheios de
beneficencia: Mas todas estas qualidades, que tambem
adornáraõ, e em gráo eminente, o Imperador Tito,
naõ podéraõ evitar que este tivesse por Successor hum
Diocleciano, o mais barbaro dos tyrannos. E hum só
passo imprudente do Senhor Rei D. Sebastiaõ percipitou
os Estados Portuguezes em hum abismo de
desgraças, de que já mais pôde restabelecer-se; todas
[vii]
as vantagens, descobertas, e conquistas, grangeadas
no decurso de muitos reinados felizes dos seus antecessores,
foraõ por assim dizer, mallogradas em hum
só momento. Por isso juntando-se á boa indole dos
Monarchas Portuguezes huma Constituiçaõ, que ponha
os seus Vassallos a salvo de toda a arbitrariedade,
e da influencia dos Valídos; huma Constituiçaõ, que
igualando os Direitos de todos os Cidadãos, ligue ao
mesmo tempo os interesses de todas as Partes deste
grande Imperio, virá elle a ser o mais feliz, e o mais
respeitavel do Universo.
A presente Memoria offerece em hum pequeno
quadro os acontecimentos mais notaveis das Ilhas
dos Açores, a ordem seguida do seu Governo Politico,
Militar, e Civil; a marcha dos seus progressos
na Populaçaõ, na Agricultura, no Commercio, e descreve
o caracter dos seus habitantes. Alli apparecem
aquellas Ilhas sahindo do Occeano incultas, e sem algum
ente vivente: pouco depois povoadas, e cultivadas
por effeito de sábias providencias, e leis justas:
e depois de as vermos florecentes, e ricas nas primeiras
duas partes da Memoria, em quanto gosáraõ da
benefica influencia dos seus Monarchas; na terceira
parte ultimamente as vemos experimentando com Portugal
huma terrivel decadencia com a mudança da Corte
para o Rio de Janeiro, pelas desordens praticadas
por certa ordem de Valídos, que haviaõ subplantado
os mesmos Ministros de Estado, e que abusáraõ da
[viii]
confiança que nelles punha o Rei
[1] prevalescendo-se
da impossibilidade em que Sua Magestade se achava
de poder saber o que soffriaõ os seus Vassallos da
Europa. Todos estes acontecimentos nos vem a confirmar
de que só nas Cortes, neste Senado representativo
de toda a Naçaõ, he que se póde restabelecer a
antiga ordem das cousas, organisando-se huma Constituiçaõ
acommodada ao tempo, e circumstancias, em
que fiquem prevenidos, e acautelados semelhantes abusos,
restabelecido o credito do nosso Augusto Soberano,
que os Valídos haviaõ compromettido, e segura
a felicidade dos Vassallos em que o mesmo Senhor
sempre mostrou o maior empenho.
Convém que reformando-se os abusos, se reconheça
a belleza de grande parte dos Estatutos Nacionaes:
cumpre estimular nos Portuguezes o amor da sua
Patria, e fazer animar entre elles o espirito público,
e nacional. O patriotismo, diz hum Author moderno,
he o mais nobre de todos os sentimentos, elle honra
o homem, e a Naçaõ.
[1]
PRIMEIRA PARTE
Da descoberta das Ilhas dos Açores, pelos Portuguezes,
até o estabelecimento da Capitania Geral.
Se os Portuguezes, Naçaõ espirituosa, e intrepida,
tem tido Principes analogos ao seu Caracter, os mais
respeitaveis na Europa pelos seus talentos militares, e
valor, e pelas emprezas as mais arduas, e felizes; se
esta Naçaõ nos tem apresentado grandes homens de
Estado á sua frente, e politicos Superiores, ella naõ
tem sido menos fertil em Principes sabios, e illustrados.
O Infante D. Henrique, filho do Senhor Rei
D. Joaõ I. he hum dos talentos mais distinctos do
seu tempo, e quando toda a Europa jazia ainda em
huma profunda ignorancia pelos principios do seculo
XV., este Principe com conhecimentos já mui superiores,
media os Astros, e no meio dos seus profundos
estudos traçava emprezas, que deviaõ fazer espanto
em toda a terra. Elle teve huma grande parte
na invençaõ do Astrolabio, e a elle he devido o uso
da Agulha de mariar, conhecida já d'antes, mas de
que nunca os homens se tinhaõ servido para navegar
no mar largo pelo favor dos ventos, toda a navegaçaõ
se fazia terra terra, e a longo das praias.
Este Principe filosofo depois de ter feito instruir
alguns Pilotos debaixo da sua direcçaõ, e no seu mesmo
observatorio, determina descobrir por mero delles
[2]
as Costas da Africa além do Cabo
Naõ, que era o
termo de todas as Navegações até entaõ conhecidas,
e adiante do qual se naõ tinha já mais passado. Já
elle cogitava em abrir pelo mar huma passage para a
India: e foi este o principio das grandes descobertas,
que depois fizeraõ os Portuguezes, cujas viagens, e
perigos saõ cantadas por Camões no seu divino Poêma,
onde diz o Author do Espirito das Leis, se encontraõ
os encantos da Odisséa, e a magnificencia da
Eneida.
He do Algarve que o Principe faz despedir aquelles
Pilotos, em hum Navio, que para isso lhe apresta,
instruindo-os sobre a sua navegaçaõ, e derrota.
Os Navegantes dobraõ o Cabo
Naõ, e chegaõ até o
Bojador, dois gráos distante do nosso Tropico; mas
encontrando grandes tempestades, e desanimando de
continuar na viage, que lhe havia sido ordenada, elles
arribaõ, e nesta digressaõ descobrem a Ilha de
Porto Santo, visinha da Ilha Madeira, que tambem
foi descoberta pouco depois.
Estas noticias participadas ao Infante D. Henrique,
lhe confirmaõ a idéa, que de muito tempo o
occupava, de que para o Poente existiaõ terras incognitas.
E em quanto toma medidas para mandar povoar
aquellas duas Ilhas, que o acaso lhe offereceo,
elle medita novas descobertas: faz aparelhar hum Navio
para aquelles destinos, incumbe o seu commando
a hum Gonçalo Velho Cabral, Commendador da Ordem
de Christo, pessoa illustre, descendente da antiga
Casa de Belmonte, e em quem tinha muita confiança
palas suas virtudes; e instruindo-o novamente
com os Pilotos, sobre a navegaçaõ que deviaõ seguir,
os despede finalmente do porto de Sagres no Algarve.
O descobrimento das Ilhas era hum ensaio, em
que os Portuguezes se habilitavaõ para as grandes emprezas,
[3]
a que os destinava o seu genio emprehendedor,
e a sua coragem.
Aquelles Navegantes, depois de terem por muitos
dias crusado mares incognitos, fazendo tentativas
em diversos rumos, com os olhos sempre fitos no
Orisonte, figurando-se-lhe ver terras a todo o momento,
e em todas as nuvens, descobrem finalmente em
Agosto de 1432 a primeira Ilha dos Açores, a que
deraõ o nome de Santa Maria: elles desembarcaõ em
huma praia, por onde corria hum ribeiro de agoa purissima,
junto do qual se fundou depois a primeira
povoçaõ. O Commendador, e seus Companheiros,
mal podem tornar a si da admiraçaõ, em que os tinha
lançado a vista de huma ilha coberta ainda de seus
encantos virginaes. Elles naõ encontraõ vestigio de
creatura humana, nem mesmo de algum animal; por
toda a parte se lhe offerecem florestas solitarias, tudo
he silencio; querem penetrar pelo interior da Ilha,
porém as arvores enterlaçadas humas com outras lho
impedem; he pelo mar, rodeando-a no seu mesmo Navio,
que observaõ a sua grandeza. Esta Ilha tem quasi
cinco leguas de comprido, e duas de largo.
Os exploradores depois de marcarem a Ilha, e
fazerem algumas observações, voltaõ a Portugal com
estas novas, e saõ acolhidos pelo Infante com demonstrações
da maior estima, e accumulados de beneficios.
Gonçalo Velho Cabral foi logo feito Capitaõ Donatario
da Ilha descoberta, com faculdade de a ir povoar
com as familias, que o quizessem acompanhar. Elle
levou comsigo, além de outras familias distinctas,
quatro irmãs, as quaes casadas com pessoas mui nobres
de Portugal, e algumas com exercicio na Casa
Real, deixáraõ larga descendencia, que se estabeleceo
nas mais Ilhas.
Doze annos depois, em 1444, com iguaes diligencias
[4]
he descoberta a Ilha de S, Miguel, da qual
foi tambem Donatario Gonçalo Velho. O Infante guiado
sempre pelo amor da gloria, e pela nobre curiosidade
das descobertas, envia logo Colonos de Portugal,
para povoar, e cultivar esta Ilha, que tem 18
leguas de comprimento, e duas e meia de largura;
mas naõ cessa de fazer repetir novas diligencias, sobre
aquelles mares, até que no anno seguinte de 1445 se
descobrio a Ilha Terceira. Tem esta 13 leguas de extensaõ,
e 9 de largura.
Pelo mesmo tempo foraõ descobertas as quatro
Ilhas visinhas a esta, que saõ a Ilha de S. Jorge, que
dista da Terceira 8 leguas para Oeste, e della se vê
distinctamente: tem de comprimento 10 leguas, e
pouco mais de huma de largura: A do Pico, que tambem
se avista da Terceira, e he separada da Ilha de
S. Jorge por hum canal de quatro leguas de mar: tem
18 leguas de comprido, e 4 de largo: A do Fayal,
que só dista do Pico legua e meia, e tem 7 no seu
comprimento, e 3 de largura. Finalmente a pequena
Ilha Graciosa com 8 leguas de circumferencia, a qual
dista da Terceira tambem 8 leguas para o Norte.
Pouco depois foraõ descobertas as duas ultimas
Ilhas das Flores, e Corvo, que saõ as menos importantes,
e distaõ da Capital 70 leguas.
Todas estas nove Ilhas, denominadas dos Açores,
foraõ achadas pelos Portuguezes no estado, em que a
natureza as tinha produzido, cobertas de denços matos,
entre os quaes sobresahiaõ algumas arvores magestosas;
ellas offereciaõ á vista hum espectaculo maravilhoso:
ao lado de troncos taõ antigos como as
mesmas Ilhas, se divisavaõ pequenos arbustos, e logo
flores campestres, taõ variadas, e em taõ grande número,
que dahi veio a darem a huma dellas o nome
de Ilha das Flores.
[5]
Na Ilha da Madeira haviaõ achado os seus descobridores
huma Cruz de páo fincada no chaõ, letras
gravadas n'huma pedra, e outros indicios, que mostravaõ
terem alli abordado alguns naufragantes. Mas em
nenhuma das Ilhas dos Açores se achou signal algum
de ter já mais alli aportado creatura humana, nem
que de alguma Naçaõ fossem conhecidas. A distancia
de 300 leguas de mar em que ellas se achavaõ desviadas
do Continente, fazia impossivel huma semelhante
navegaçaõ, sem o soccorro da Busola, da qual se
naõ haviaõ já mais servido antes do Infante D. Henrique
[2].
O principio destas Ilhas naõ he como o de quasi
todos os outros paizes misturado de fabulas, e coberto
de obscuridades: além de tradicções apuradas por
huma judiciosa critica, os manuscriptos conservados
nas mesmas
Ilhas, e até assentos antigos de algumas
das suas Camaras, e Alfandegas, nos tiraõ de toda a
dúvida a respeito do seu descobrimento, e dos seus
principios.
Este Paiz debaixo do benefico Governo dos Monarchas
Portuguezes, teve hum progresso taõ feliz, que
em 1503, cincoenta e oito annos depois da descoberta
da Ilha Terceira, achou o Senhor Rei D. Manoel
ser necessario para o seu bom regimen, e administraçaõ
da Justiça, crear hum Corregedor naquella Ilha
com jurisdicçaõ sobre todas as outras, estabelecendo
[6]
ao mesmo tempo hum Juiz de Fóra na de S. Miguel.
E em cousa de cem annos, se achavaõ todas perfeitamente
cultivadas, e com huma populaçaõ prodigiosa,
fundadas duas Cidades, 20 Villas, e muitas Aldêas.
Hum clime doce, hum ar puro, hum terreno fertil
em todos os fructos, e particularmente nos grãos
fromentaceos, concorrêraõ muito em beneficio dos
seus habitantes; mas he sem dúvida, que ao Governo
he principalmente devida a prosperidade de hum Paiz:
a oppressaõ, e a miseria saõ contrarias á reproducçaõ
da especie; os homens multiplicaõ-se quando elles saõ
felizes, e vivem em abundancia: estas vantagens sómente
se gosaõ debaixo de hum bom Governo; e por
isso a populaçaõ rapida de hum Paiz he a prova mais
incontestavel da bondade do Governo, que o domina,
e da sabedoria da sua administraçaõ.
Que o Governo Monarchico he de todos o melhor,
[3]
tem sido a opiniaõ dos Sabios de todos
os seculos, incluindo Plataõ, o maior politico da antiguidade;
e o mesmo Joaõ Jaques Rosseau, grande
entuziasta, porém ao mesmo tempo pensador profundo,
naõ deixa de conhecer esta verdade, confessando
no seu Contracto social, que o Governo Republicano
naõ he proprio para a natureza do homem.
No interior de huma familia, quando hum só individuo
dirige os negocios domesticos, todos vivem
em harmonia; logo que mais de hum influem no regimen
da casa, naõ ha mais passificaçaõ. Isto se observa
a bordo da Náo, e do mais tenue batel; isto se
[7]
observa no Exercito, e geralmente em todas as Corporações,
e associações humanas.
Se examinamos os annaes do mundo, he aquelle
o unico Governo, em que se encontra estabilidade
sobre a terra. Qual he a Republica, cuja duraçaõ possa
comparar-se, naõ digo com o Imperio da China,
que conta mais de quatro mil annos, nem com a Monarchia
da Assyria, que desde Belo até Sardanapalo
contava mais de mil e quatrocentos annos, nem com
a do Egypto, que desde Sezostrio até Alexandre Magno
contava mil trezentos e noventa annos; mas ainda
com as Monarchias mais modernas da Europa?
O Governo Republicano, além de naõ poder ter
presistencia, como contrario á natureza do homem,
Segundo a experiencia de muitos seculos o tem mostrado,
he o fóco de todas as paixões humanas; o odio,
a ambiçaõ, a inveja, alli desenvolvem todo o genero
de perversidades. Naõ foi hum Governo Monarchico,
o que envenenou o virtuoso Socrates, e desterrou o
justo Arristides. Hum Monarcha, pela grande distancia
em que está acima de todos os seus Vassallos, naõ
conhece a emulaçaõ, este monstro, que occasionou o
primeiro assassinio sobre a terra, apenas sahida
das mãos do Creador, que naõ persegue senaõ a virtude,
e o merecimento, que soprou as prescripções de Sylla,
as quaes ainda hoje fazem estremecer a humanidade,
contra todos os Cidadãos, cujos talentos, ou riquezas
podiaõ fazer sombra á sua ambiçaõ. Foraõ os
Tribunaes Republicanos, que fizeraõ degolar milhares
de innocentes, e cobriraõ a França de mortes, e carnagem.
A Republica Romana apresenta mais crimes, e
mais atrocidades, commettidas sómente em alguns dias
de hum Mario, de hum Sylla, de hum Cesar, do que
se tinhaõ commettido no decurso de mais de duzentos
[8]
annos, em que governavaõ os Reis: e a França, em
perto de quatorze seculos, em que havia sido regida
pelos seus Monarchas, naõ experimentou tantos horrores,
como em hum só dia dessa ephimera Republica,
no tempo dos Robes Pieres, dos Marates, e dos
Dantons.
Sendo pois o Governo Monarchico exempto das
paixões monstruosas, que dominaõ nas Repubicas, o
mais sólido, e permanente, o melhor, e o mais confórme
á natureza do homem, póde ainda affirmar-se,
que entre todas as Monarchias da Europa naõ havia
hum só, em que os Vassallos fossem mais felizes,
nem gosassem de mais igualdade de direitos, do que
na Monarchia Portugueza, em quanto as Leis fundamentaes
estiveraõ em vigor, e foraõ respeitados os
costumes, e o regimen economico, e politico dos nossos
maiores. Todo o Vassallo Portuguez, fosse do
Reino, ou Colonias, podia por meio dos seus talentos,
e virtudes ser elevado ás maiores honras, e aos
empregos mais importantes, Militares, Civis, ou Ecclesiasticos.
Em nenhum outro Paiz do mundo, a naõ
ser o Imperio da China, gosaõ os humanos de huma
taõ perfeita igualdade.
O grande Marquez de Pombal quando foi nomeado
Secretario de Estado, e chamado á dignidade mais
eminente do Imperio, era hum Fidalgo de Provincia,
sómente recommendado pelas suas luzes; foraõ os talentos,
que elle desenvolveo no ministerio, e no Serviço
do seu Soberano, que depois o eleváraõ aos titulos
de Conde, e de Marquez.
Huma das bellas qualidades, que se notáraõ no
Imperador Marco Aurelio, foi a sua extrema circumspecçaõ
na escolha dos Magistrados, dos Governadores
das Provincias, e Funccionarios públicos. Elle dizia
que naõ estava no poder de hum Principe o crear
[9]
homens taes como este os quereria, mas que delle depende
o emprega-los taes como elles saõ, cada hum
segundo o seu talento. Esta era a maxima dos Monarchas
Portuguezes; nenhuma classe de Cidadãos se
podia julgar excluida dos mais honrosos Cargos. Se
entre os Titulares, e grandes do Reino apparecia o
merecimento, alli se fazia a importante escolha dos
Ministros de Estado; se entre os Magistrados, ou
homens de letras, he a estes, que se dirigia aquella
nomeaçaõ; se entre os Militares, era esta a classe preferida.
Em todos os empregos geralmente, foi sempre
observada a mesma justiça, e imparcialidade: simples
Soldados Portuguezes foraõ por muitas vezes elevados,
pelos seus serviços, aos postos de Generaes,
e Marechaes; na Marinha pessoas muito humildes, chegáraõ
aos postos de Capitães de Mar Guerra, Chefes
de Esquadra, e Almirantes, sómente pelos seus
distinctos merecimentos
[4].
Na Inglaterra, mesmo nesta Naçaõ illuminada,
naõ se pratíca huma taõ perfeita imparcialidade: os
cargos importantes saõ ordinariamente dados aos parentes
dos Membros do Parlamento; e todos sabem
as difficuldades, que he perciso vencer hum Inglez,
para ser eleito Membro da Camara dos Communs, que
manobras, que intrigas, que despezas, para obter a
preferencia sobre os seus concorrentes? As mesmas Patentes
Militares até certa graduaçaõ, podem ser compradas
a dinheiro.
He por ventura vulgar na mesma Inglaterra, o
ver tirar hum Bispo de entre os mais humildes Vassallos,
como todos os dias se via em Portugal, onde
os Monarchas para huma taõ respeitavel eleiçaõ, sómente
[10]
tinhaõ em vista as virtudes, e qualidades pessoaes,
que devem adornar estes Principes da Igreja,
sem alguma attençaõ aos seus progenitores? Esta sábia
politica he mais que humana, he no Evangelho que
os nossos Augustos Soberanos tinhaõ bebido os principios
de huma taõ admiravel igualdade. He mais hum
beneficio devido á Religiaõ Christã.
Os nacionaes das Ilhas dos Açores gosáraõ sempre
desta prorogativa geral, sendo chamados a todos
os cargos de que os seus merecimentos os faziaõ dignos,
tanto nos tempos antigos, como modernos.
Se este systema politico, e de justiça soffreo alteraçaõ,
foi nessa
curta épocha da dominaçaõ dos Hespanhoes.
Os Cargos importantes sómente foraõ occupados
pelos Castelhanos, e os naturaes das Ilhas naõ
foraõ mais attendidos, nem considerados. Este acontecimento
deve confirmar-nos, de que o Governo Portuguez
foi sempre o mais justo, e humano, e aquelle
em que os Póvos eraõ tratados com mais igualdade,
justiça, e amor.
Durante aquella épocha as Ilhas foraõ opprimidas
com todo o genero de extorsões: Os Governadores
Castelhanos com o pertexto de fazer fortificações em
todas as Ilhas, arruináraõ a Agricultura, privando-a
dos braços necessarios, que empregavaõ em fachinhas,
e empobrecendo o povo pela privaçaõ dos seus jornaes.
Os nacionaes que precisavaõ de artifices para as
suas obras, soffriaõ tambem huma pesada contribuiçaõ
indirecta; porque se o Governo carecia para a construçaõ
dos projectados Castellos de dez, ou vinte Officiaes,
eraõ avisados militarmente oitenta, e cem; e
os Portuguezes que queriaõ concluir as suas obras, se
viaõ precisados a despender dinheiro, e obsequios para
conseguir a dispença de alguns.
Bem sabiaõ os Castelhanos, que pôr huma Ilha
[11]
no estado inconquistavel, era hum projecto aerio, e
taõ quimerico, como se hum individuo pertendesse
munir-se de tal sorte de armas, que podesse resistir a
hum Exercito, ou se hum Soberano projectasse fortificar
cada hum dos pontos do seu Imperio, de tal sorte,
que este podesse resistir a todas as forças juntas
de outra Naçaõ. Se huma Ilha póde sustentar-se contra
o ataque, de huma Náo, ou duas, naõ o poderá
fazer contra quatro; e se estas naõ bastaõ, huma Esquadra
de dobradas forças poderá conquistar a Ilha
mais bem fortificada do mundo, isto mesmo se póde
dizer a respeito de qualquer Provincia dos Estados
mais poderosos do Continente. A Alemanha por exemplo,
ou a França, naõ poderiaõ evitar, que a Naçaõ
mais fraca dos seus visinhos, acommettendo de
repente com forças superiores huma das suas Cidades,
ou Provincias, a naõ invadisse. Mas violar qualquer
territorio alheio, he huma das mais atrozes injurias,
reconhecidas entre as Nações.
E de que serviria ao usurpador huma semelhante
empreza? A potencia invadida cahiria sobre elle com
todas as suas forças, e quando estas naõ fossem bastantes,
naõ haveria Naçaõ alguma na Europa, que se
recusasse a fazer-lhe justiça, reunindo-se contra o injusto
aggressor, até que ao Soberano legitimo fosse
restituida a Provincia, Cidade, ou Ilha assim usurpada.
Em quanto houver Lei natural, e se respeitarem
os principios do Direito das Gentes, será inalteravel
esta regra, que faz de mais disso toda a segurança das
Nações, e he indispensavel para manter o equilibrio
politico.
He certo que naõ tendo os Hespanhoes direito
legitimo sobre as Ilhas, pertenderiaõ conserva-las por
meio da força, e violencia; o que sempre he de pouca
presistencia. Porém felizmente este governo só durou
[12]
sessenta annos, desde 1580 até 1640, em que foi
restabelecido em Portugal o Governo dos seus legitimos
Soberanos. As Ilhas dos Açores descobertas, povoadas,
e cultivadas pelos Portuguezes, pertencem taõ
legitimamente á Monarchia Portugueza, como qualquer
outra parte dos seus Estados; e he por isso que
ellas sempre seguiraõ a sorte da sua metrople. Saõ
pois os Direitos sagrados da propriedade, e dominio,
que conservaõ estas Ilhas aos Monarchas Portuguezes
ha mais de tres seculos, tendo sómente aquellas fortificações
que dicta a boa razaõ. Naõ saõ as forças limitadas
de huma Ilha, que a podem conservar, saõ
as forças de toda a Naçaõ, e sobre tudo os direitos
legitimos por onde ella pertence á Potencia, que a
domina. Faltando aos Hespanhoes estes titulos, inuteis
eraõ todas as fortificações, assim como o foi o
sangue dos Portuguezes, que elles derramáraõ, fazendo
degolar huns, enforcando outros, e degradando
outros.
Restaurado o Governo Portuguez, logo as Ilhas
começáraõ a respirar, foi restabelecida a sua antiga
felicidade, e continuáraõ a prosperar de dia
em dia.
[13]
SEGUNDA PARTE
Desde a creaçaõ da Capitania Geral, até a passage
da Corte para o Rio de Janeiro.
As Ilhas dos Açores taõ protegidas pelo Governo,
e favorecidas pela natureza, naõ podiaõ deixar
de ter hum progresso maravilhoso; e os seus moradores
naõ soffrendo hum só imposto, que podesse desanimar
o Cultivador, leváraõ a cultura das terras ao
maior gráo de perfeiçaõ. O trigo, o milho, os legumes,
a vinha, as frutas, com especialidade a laranja,
cobrem este Paiz por toda a parte, onde as repetidas
explusões dos fogos vulcanicos o naõ tem esterilisado
[5].
[14]
Augmentadas pois as relações da Sociedade Civil
pela multiplicaçaõ dos habitantes das mesmas Ilhas, e
suas riquezas, e fazendo-se mais complicada a
admimistraçaõ
da Justiça, e direcçaõ do Governo, achou
conveniente o Senhor Rei D. José I., por Decreto de
2 de Agosto de 1766, estabelecer alli huma Capitania
Geral, com residencia do seu Chefe na Ilha Terceira;
creando tambem Juizes de Fóra em todas as
Ilhas, e hum Corregedor para as de S. Miguel, e
Santa Maria, desmembradas da Correiçaõ de Angra,
que ficou comprehendendo as outras sete Ilhas.
Por Alvará da mesma data foraõ abolidas as Ordenanças
chamadas de Pé de Castello da Cidade de
Angra, e fortalezas da sua dependencia, substituindo-as
com tropa regular de Infantaria, e artilheria.
Organisado por esta fórma o Governo Militar,
e Civil, e postas as Ilhas debaixo de huma administraçaõ
mais regular, ficáraõ os seus moradores gosando
de huma felicidade mais sólida, certos nos seus direitos,
e seguros nas suas propriedades, e dominios.
He sabido o muito que soffrem os póvos, e o
quanto padece a administraçaõ da Justiça nas grandes
povoações regidas por Juizes Ordinarios, e Magistrados
naturaes dellas, nos quaes, como observa o Alvará
de 7 de Maio de 1801, além de faltar a Sciencia
do Direito para a direcçaõ dos Negocios, accrescem
as paixões do amor, e do odio, que entre os
moradores das mesmas terras costumaõ ser frequentes,
e irremediaveis por sua natureza.
[15]
Ainda hoje se apontaõ nas mesmas Ilhas predios,
de que os seus antigos proprietarios tinhaõ sido violentamente
privados por outros mais poderosos.
Em Portugal geralmente nos primeiros tempos
da Monarchia, e até o reinado do Senhor D. Joaõ II.
em quanto a singelleza dos costumes, e a menor complicaçaõ
dos negocios naõ permittiaõ maior número
de Leis, eraõ estas administradas por quaesquer homens
bons, e de probidade das terras.
Mas quem ignora a simplicidade dos costumes
dos tempos anteriores ao Senhor Rei D. Joaõ II.,
e por isso os poucos letigios, as poucas relações Commerciaes,
o pouco luxo? Nas maiores Cortes da Europa
naõ se conhecia entaõ a sombra do fausto, que
hoje se encontra nas mais pequenas Cidades: ainda
muitos annos depois no Reinado de Francisco I. de
França (segundo nota o Author do Ensaio sobre a
Historia Geral) sómente havia em París duas carruagens,
huma do uso da Rainha, outra da célebre grande Senescal;
homens, e mulheres andavaõ a cavallo.
Naõ havendo de mais disto até entaõ em Portugal
Corpo de Leis geraes, e governando-se as Cidades,
e Villas por Foraes, e Leis particulares, qualquer
homem probo era sufficiente para alli ser Magistrado.
Crescendo pois as relações Commerciaes, e Civis,
augmentado o luxo, e estando já publicado o
Codigo do Senhor D. Affonso V., determinou seu
filho o Senhor D. Joaõ II. denominado o Sabio, que
os Corregedores, e os Magistrados principaes das Provincias
fossem Jurisconsultos.
Administrar a Justiça aos seus semelhantes, e
manter as Leis, fundamento, elaço da sociedade Civil,
he huma das mais nobres funções da humanidade,
porém ao mesmo tempo a mais ardua, e difficil
de bem desempenhar, naõ só pelas qualidades relevantes,
[16]
que devem adornar aquelles, que saõ encarregados
de a exercer, mas tambem pela vastidaõ de conhecimentos
que requer a Jurisprudencia, e pela multidaõ
de idéas, que deve ter o Magistrado. Naõ he
bastante conhecer todas as Leis do seu Paiz, assim
como tambem o direito Politico, e das Gentes, he
preciso ainda saber a Historia, a Geografia, a Chronologia,
os usos, e costumes da sua Naçaõ, todas as
mudanças, ou alterações, que tem havido no seu Governo:
He indispensavel tambem ter noticia dos estilos,
e decisões dos Tribunaes, para os seguir nos casos
identicos, e para que a propriedade, e a vida dos
Cidadãos estejaõ certas, e naõ dependaõ de variedade
de Juizos.
«N'huma Monarchia, diz Montesquieu, a administraçaõ
da Justiça, que naõ decide sómente da
vida, e dos bens, mas tambem da honra, requer
indagações escrupulosas. A delicadeza do Juiz augmenta
á medida, que elle tem maior deposito nas
suas mãos, e que elle pronuncía sobre maiores interesses.
Por isso nos naõ devemos admirar de achar
nas Leis destes estados tantas regras, restricções, extenções
que multiplicaõ os casos particulares, e parecem
fazer huma Arte da mesma razaõ
[6]» Mil
outras circumstancias indicadas pelo mesmo sabio, concorrem
para fazer summamente complicada, e digna
de grandes estudos a Jurisprudencia, esta Sciencia,
que segundo os Jurisconsultos Romanos, exige hum
conhecimento geral de todas as cousas, tanto sagradas,
como profanas.
Pelo mesmo Decreto da creaçaõ dos Juizes de
Fóra de 2 de Agosto de 1766, se determina, que
os Naturaes das mesmas Ilhas seraõ preferidos a outros
[17]
quaesquer, nos despachos daquelles lugares; bem
entendido, naõ sendo para a propria Ilha, donde saõ
oriundos, mas para qualquer das circumvisinhas. Dois
principios da mais sábia politica apresenta esta Lei;
primeiro, o de beneficiar, e honrar os Naturaes do
Paiz, contra a pratica ordinaria das mais Nações com
as suas Colonias; segundo, o de prevenir os inconvenientes
de administrarem a Justiça na propria Patria,
e entre os parentes: Esta Lei admiravel he cuidadosamente
observada no Imperio da China, onde nenhuma
pessoa póde ser nem Governador, nem Juiz na
Provincia onde nasceo
[7].
Por Alvará de 26 de Fevereiro de 1771 foraõ as
Ilhas mandadas reputar, como partes adjacentes, e
verdadeiras Provincias do Reino, determinando-se que
fosse livre, e geral a extracçaõ do trigo das mesmas
para Lisboa, e que só no caso de necessidade, para
o sustento dos seus moradores, poderáõ as Camaras
fazer a reserva da terça parte. A mesma Lei providencêa
com penas contra os Officiaes das Camaras por
qualquer abuso, ou transgressaõ; mas naõ os priva
da inspecçaõ sobre este ramo, que diz respeito ao sustento
dos Póvos, e que pelas Ordenações do Reino,
e mais Leis lhe está incumbido
[8] naõ para os coartarem,
ou impedirem a exportaçaõ em geral, mas para
poderem em tempo providenciar sobre qualquer
falta, que possa acontecer: e he neste sentido que se
entendem as licenças, de que falla a Ordenaçaõ do
[18]
Livro 5.º Tit. 76, relativas ao trigo, milho, e mais
grãos formentaceos; sendo as licenças que alli se mandaõ
pedir, como hum manifesto para poder saber-se,
por meio delle, as circumstancias da terra naquelle importante
ramo do primeiro alimento do homem. Bem
como nas Alfandegas se tira despacho para todas as
fazendas, que se embarcaõ, ainda mesmo que sejaõ das
livres, que naõ pagaõ direitos, sem que por isso se
possa dizer que ha dependencia dos Officiaes das mesmas
Alfandegas; porque qualquer abuso da parte destes,
seria hum erro do seu officio, pelo qual seriaõ
punidos, assim como tambem no primeiro caso, o devem
ser os Officiaes da Camara na fórma do citado
Alvará.
Estas mesmas licenças se achaõ em dezuso na Ilha
de S. Miguel; alli se embarca o graõ de toda a qualidade,
sem alguma dependencia, se pelo meio do anno
a Camara conhece, que em razaõ da exportaçaõ
já feita póde faltar milho, ou trigo para o sustento
do Povo, manda fazer reserva do que se julga necessario
para prover o Celeiro Público, fazendo calculo
da porçaõ, que se póde consumir por mez, até a nova
colheita; e acautelado por esta fórma o provimento
do Celeiro, se continúa a exportar todo o remanescente:
observada assim a Ordenaçaõ, que determina
no Liv. 5.º Tit. 76. §. 8., que toda a pessoa que
tiver paõ seu, ou de suas rendas, o poderá levar livremente
onde quizer, deixando a terça parte no lugar,
donde o tirar, e podendo mesmo levar essa terça
parte com licença da Camara do dito lugar.
A experiencia tem mostrado que, todas as vezes
que outras quaesquer Authoridades, que naõ sejaõ as
Camaras, se tem engerido sobre o negocio da exportaçaõ,
do graõ das Ilhas, sempre as consequencias tem
sido funestas.
[19]
Como as Camaras saõ compostas das pessoas mais
consideraveis das Cidades, e Villas, com muita sabedoria
as encarregou o Legislador Portuguez daquella
inspecçaõ; porque sendo elles por huma parte os
maiores proprietarios das Terras, mais que ninguem
interessaõ, em que os generos da producçaõ das mesmas
tenhaõ o maior valor; o que muito anima a lavoura;
e pela outra parte, sendo ligados por tantas
relações de parentesco, de amisade, e de outras muitas
considerações com os mais habitantes, elles deveraõ
interessar-se na sua felicidade, e na sua conservaçaõ.
He cousa maravilhosa
ver, como os nossos mais
antigos Legisladores fizeraõ estabelecimentos, que os
Sabios, e Filosophos tem trabalhado seculos depois
para fazer adoptar ás outras Nações.
Ouçamos o Abbade Condilhac a respeito dos regulamentos
do Governo da França sobre a Policia dos
grãos: nos tempos antigos, diz este illustre Author,
gosava aquelle Commercio na França de huma plena,
e inteira liberdade; e multiplicando-se os Commerciantes
á proporçaõ da necessidade, a circulaçaõ
se fazia sem obstaculos, e punha aquelle genero por
toda a parte no seu verdadeiro preço.
Porém que ao depois, accrescenta elle, intromettendo-se
o Governo a querer fazer regulamentos sobre
o Commercio dos grãos, humas vezes prohibíra a exportaçaõ,
e importaçaõ, aquella com o fundamento
—de que
poderia haver falta no paiz, e esta com
fundamento.—de que os trigos de fóra
poderiaõ fazer cahir os da
terra em vil preço.
Elle mesmo observa, que estas prohibições versavaõ
sobre falsas supposições; porque huma circulaçaõ
livre põe necessariamente os trigos ao nivel por toda
a parte: naõ se importaõ trigos de mais, porque esse
superfluo naõ se venderia, ou vender-se-hia com perda;
[20]
e naõ se exportaõ os trigos, que saõ necessarios
no Paiz, porque naõ haveria interesse em os ir vender
n'outra parte.
Depois daquellas prohibições do Governo, em o
primeiro anno o preço do trigo abaixou; no segundo
abaixou mais; e no terceiro veio a hum preço infimo.
A cultura decahio, houveraõ menos terras semeadas,
seguiraõ-se, como he natural, annos de fome, e o preço
do trigo foi excessivo.
Tal foi o effeito dos Regulamentos que defendiaõ
a exportaçaõ, e importaçaõ: naõ foi mais possivel pôr
nos seus verdadeiros preços, nem os trigos, nem os
salarios; e naõ houve senaõ miseria, ou entre os cultivadores,
ou entre o Povo.
Outras vezes permittio o Governo a importaçaõ
com o fundamento de terem recursos em hum anno
de esterilidade, mas defendeo a exportaçaõ pelo motivo
de se naõ exporem á necessidade daquillo mesmo,
que possuiaõ. Outras vezes permittio a exportaçaõ dizendo,
que quanto mais trigo se exportasse da França, maior
seria o seu preço; que sendo maior o preço, e
por consequencia maior o beneficio do cultivador,
mais cultivará este, e mais florecente será a Agricultura:
mas que naõ convinha permittir a importaçaõ,
porque ella faz cahir em preço baixo os trigos do
Paiz. O mesmo Author refere os infinitos inconvenientes
de todos estes planos, e os males inauditos,
que todos elles trouxeraõ ao Estado, louvando os Governos,
que tem a sabedoria de se pouparem a semelhantes
cuidados, deixando livre a circulaçaõ destes
generos
[9].
«Consistindo a sustentaçaõ (diz hum Monarcha,
[21]
Portuguez) e as riquezas essenciaes de todos os Póvos
nos primeiros cabedaes, que produzem a lavoura,
e a industria dos habitantes, deve por isso animar-se
a primeira, e favorecer-se a segunda, de
sorte qua os frutos naturaes, e industriaes, que sobejando
em huns lugares, constituem nelles hum
cabedal inutil, e morto, possaõ renascer, e fazer-se
lucrosos pela exportaçaõ para outros lugares,
que delles necessitaõ.»
[10]
No anno de 1795 havendo huma grande esterilidade
em Portugal, e em toda a Europa, e querendo
o Ministerio tomar medidas para prover a Capital,
despedio para este fim hum Aviso ao Governo Geral
das Ilhas, encarregando-o de fazer conduzir dalli todo
o mantimento possivel para Lisboa. Naquelle Aviso
Regio, que he datado de 27 de Abril de 1795, se
notaõ estas proprias palavras—bem entendido que
desta exportaçaõ, ou seja para a dita Ilha da Madeira,
ou para esta Capital, se devem reservar todos os
grãos, que se arbitrarem precisos para o provimento
ordinario das povoações de que se compõe esse Governo,
e para as sementeiras, que ainda lhe pode permittir
a Estaçaõ; de maneira que, feita com segurança
esta recommendada pervençaõ, a favor desse territorio,
e da referida Ilha da Madeira, todos os mais
grãos que se julgarem superfluos, sejaõ remettidos a
este Reino.—Apezar da consternaçaõ da Capital, naõ
se mandaõ exhaurir as Ilhas do graõ, que lhe he indispensavel.
Eis-aqui como hum bom Paiz, acodindo
ás necessidades de huma parte da sua familia, naõ perde
de vista as precisões da outra.
O bem geral da Sociedade he o objecto das Leis:
permittir a total exportaçaõ dos mantimentos de huma
[22]
Ilha sem acautelar o sustento dos seus moradores, seria
mui pouco racionavel. No Continente numa Provincia,
que soffre qualquer falta, póde mui promptamente
ser soccorrida; porém n'huma Ilha separada dos
outros Paizes por largos mares, se acaso o interesse
do Commercio animar a huma taõ grande exportaçaõ,
que no meio do anno fique extincto o graõ, he indispensavel
que os seus moradores padeçaõ pelo resto
do anno
[11]. N'huma Ilha governada com esta improvidencia,
o Povo, principalmente a classe dos pobres,
e dos artifices, que he o maior número, teriaõ
huma vida precaria, e dependente do interesse, que o
Commercio dos grãos offerecesse nas Praças do seu
destino.
N'huma tal Ilha seriaõ frequentes as emigrações;
os seus habitantes incertos de lhe
faltar repentinamente
o paõ, que he necessario para a vida diaria do
homem, procurariaõ passar-se para outro Paiz, onde
a sua subsistencia fosse
menos contingente. Elles veriaõ
com dôr levar d'ante os seus olhos os mesmos
fructos, que haviaõ cultivado com suas mãos, e seriaõ
reduzidos a penuria no meio da abundancia. A
sua sorte poderia comparar-se com os tormentos, que
os Poetas figuraõ ao infeliz Tantalo padecendo no
Tartaro; estalando de fome, e sêde, pendem sobre a
sua cabeça preciosos pomos, a agoa lhe sobe até ao
peito; mas se o malfadado alça a maõ para colher
aquelles, elles lhe fogem, se tenta nesta saciar a sêde,
que lhe devora as entranhas abrasadas, ella se retira.
No mesmo tempo da creaçaõ do Governo, e Capitania
Geral, tinha o Senhor D.José I., por Carta Regia
de 2 de Agosto de 1776, mandado estabelecer
[23]
Celeiros públicos nas Cidades de Angra, e Ponta Delgada:
Porém infelizmente nesta ultima Cidade, ou
fosse por principios erroneos, que alli houvessem sobre
o bem público, e interesses dos seus habitantes,
ou por outra qualquer causal, naõ teve algum effeito
aquelle estabelecimento até ao anno de 1807.
Foi nesta épocha que sendo Governador, e Capitaõ
General o Excellentissimo D. Miguel Antonio
de Mello, depois de precederem as informações mais
circumspectas, e do mais serio exame, já relativamente
ao bem público, já ao interesse da Real Fazenda,
se mandou instaurar na Cidade de Ponta Delgada, em
S. Miguel, o Celeiro Público por Provisaõ da Junta
da Real Fazenda do 1.º de Dezembro de 1807
[12].
He a este Capitaõ General, que os moradores da Cidade
de Ponta Delgada, e de toda a Ilha devem o
restabelecimento daquella taõ sábia, e paternal providencia
do Soberano, de cujos beneficios foraõ os seus
Vassallos privados por tantos annos. Desde entaõ naõ
se experimentáraõ ainda naquella Ilha os encommodos,
a que d'antes estavaõ sujeitos os seus habitantes. Mas
naõ he este o unico bem, que as Ilhas dos Açores devem
a hum Chefe taõ recommendavel pela sua integridade,
e distincto pelo seu saber.
N'huma Provincia remota, onde as vistas beneficas
do Soberano naõ podem facilmente penetrar, onde
os raios daquelle sol creador só podem cahir obliquamente,
e muitas vezes através de denças nuvens,
he sem dúvida que a bondade dos Governadores tem
huma grande influencia na felicidade dos Póvos.
As Ilhas dos Açores naõ tiráraõ tambem pequenas
[24]
vantagens das providentes Leis do Senhor Rei
D. José I. da 9 de Setembro de 1769, e 3 de Agosto
de 1770, que coarctáraõ a faculdade de estabelecer
vinculos, ou Morgados, naõ o permittindo sem
preceder Authoridade Regia, e por serviços feitos á
Corôa nas armas, ou nas letras, ou tambem no Commercio,
na Agricultura, ou nas Artes liberaes.
He indizivel o abuso que alli se hia introduzindo
naquellas instituições, nas quaes naõ só fica fraudada
a Coroa nas Cisas, e nas outras imposições públicas,
mas tambem limitado o Commercio dos Vassallos,
e prejudicada a Agricultura, e a populaçaõ,
que saõ sempre dependentes dos progressos da propriedade
[13].
Porém estes males foraõ remediados;
pois que sendo aquelles estabelecimentos indispensaveis
nas Monarchias para conservaçaõ das familias, e para manter
a honra, que segundo Montesquieu, he a mola,
e o fundamento de semelhantes Estados, e póde
nelles inspirar as mais bellas acções, parece que só como
em remuneraçaõ de serviços muito relevantes, e a
pessoas recommendaveis pelos seus
feitos, e talentos,
convinha permittir-se a sua instituiçaõ; e he o que as
referidas Leis vieraõ determinar, fazendo ao mesmo
tempo abolir todos os vinculos, que naõ chegaõ ao
rendimento de 100$000 réis.
Destas mesmas instituições provém os muitos letigios,
que grassaõ nas Ilhas entre os Parentes, pela
repugnancia, que alguns Morgados tem em prestar
alimentos na fórma da Lei Patria, a seus irmãos, e
muitas vezes aos proprios progenitores.
[25]
Toda a legislaçaõ dos nossos Augustos Monarchas
he digna do mais Sabio Legislador: em toda se
procura estabelecer o bem público, e a felicidade dos
Vassallos, inculca-se a boa moral, prescreve-se o respeito,
a Religiaõ, a veneraçaõ aos Pais.
«O fundamento do Governo Chinez, diz Mr.
de Voltaire, he o respeito dos filhos para os Pais:
a authoridade Paterna, nunca alli affrouxa; hum filho
naõ póde pleitear contra seus Pais, sem obter
primeiramente o consentimento de todos os parentes,
dos amigos, e dos Magistrados. Os mandarins
letrados saõ considerados como os Pais das Cidades,
e das Provincias, e o Rei como o Pai do Imperio.
Esta idéa arreigada nos corações, fórma huma
familia deste Estado immenso.»
Os nossos Sabios Legisladores conhecendo estas
verdades, tem promulgado Leis naõ menos providentes.
Entre nós os filhos saõ obrigados a alimentar seus
Pais, nenhum filho póde letigar com seu Pai, ou
Mãi, sem obter primeiro licença do Magistrado, a
que em Direito se chama Alvará de Venia: o filho
menor que casa sem licença do Pai, ou Mãi he desnaturalisado
das familias a que pertence, e privado
das suas heranças. Desta pena que he expressamente
estabelecida nas Leis de 19 de Junho, e 29 de Novembro
de 1775, sómente saõ exemptos os que obtem
antecipadamente, e com audiencia dos Pais, a permissaõ
do Soberano immediatamente, ou Provisaõ do Desembargo
do Paço, por meio da qual fique supprida a
referida licença.
Esta regra tem principalmente lugar a respeito
dos Morgados, porque naõ sendo o seu Estabelecimento
de Direito Natural, o qual antes persuadiria
que os filhos deviaõ ter igual parte nos bens dos Pais
[14];
[26]
mas sendo de Direito Civil, e Politico, isto
he, permittidos, e regulados pelo Soberano,
[15] licito
he ao mesmo Soberano prescrever as Condições,
com que qualquer filho ha de preferir a seus irmãos
na successaõ dos vinculos dos seus progenitores; e naõ
querendo este sujeitar-se áquellas Condições, nenhum
direito tem á preferencia; principalmente quando com
o seu procedimento, infringindo a disposiçao da Lei
Civil, offende ao mesmo tempo a Lei natural, que
prescreve todo o respeito, e veneraçaõ áquelles que
nos deraõ o ser.
O legislador illustrado apparece ainda na Jurisprudencia
Forense dos Portuguezes. E póde asseverar-se
que a ordem do Processo Civil estabelecida na Ordenaçaõ
do Reino em o Livro 3.º, Tit. 20, he superior
ao processo de todas as mais Nações da Europa.
O processo Portuguez, tirados os abusos, contra
a Lei introduzidos, he o mais sabiamente regulado,
o mais breve, e o menos despendioso.
Dentro em poucos mezes, se podem concluir em
qualquer instancia as demandas mais importantes intententadas
ordinariamente. A Lei prescreve tempo certo
para cada huma das allegações: offerecido em Juizo o
Libello, em que o Author propõe a sua acçaõ, deve
o Réo vir com a contrariedade, e defeza, dentro
em dois termos, isto he, no tempo de duas audiencias,
que costumaõ fazer-se em cada huma semana;
[27]
assignaõ-se mais dois termos, hum para a Replica do
Author, outro para a Treplica do Réo, que devem
levar outra semana. E aqui temos em quinze dias formadas
todas as alegações, em que se funda a acçaõ.
Organisado o processo nesta ordem, manda a Lei assignar
20 dias de dilaçaõ para se produzirem por ambas
as Partes todas as suas provas, tanto de testemunhas,
como documentos: findo este praso, novamente
se assignaõ dois termos a cada huma das Partes para
formarem as suas razões finaes, e logo se fazem conclusos
os autos para o Juiz dar a Sentença difinitiva.
Todos estes termos regulados pelo Legislador
saõ peremptorios, e os Julgadores os naõ podem reformar:
«diz a Lei, nem poderáõ delles fazer graça
alguma, antes por esse mesmo feito as Partes, e
seus Procuradores sejaõ havidos por lançados do
com que houveraõ de vir, posto que a Parte contraria
naõ accuse sua contumacia. E naõ será necessario
outra obra, mandado, pronunciaçaõ do
Julgador, sómente terá poder para assignar hum só
termo, que lhe parecer igual, e rasoado, o qual
passado naõ poderá reformar outro.»
[16]
Nada esqueceo ao Legislador Portuguez para fazer
abbreviar os processos, e se decidirem promptamente
os letigios entre os seus Vassallos. Mas qual he o
estabelecimento humano, de que se naõ possa abusar?
Os abusos introduzidos no nosso Fôro saõ inexplicaveis,
e os termos taõ positivamente marcados pela
Lei saõ de tal sorte alterados, que naõ he raro, em
lugar do praso, v. gr. das duas audiencias, dentro
das quaes devia o Réo vir com a sua Contrariedade,
ou de huma audiencia em que devia apresentar a Treplica,
ver passar naõ só mezes, porém annos, paliados
[28]
com Requerimentos, Cottas, e Aggravos. Tanto
nas Ilhas, com em Portugal, tinha esta relaxaçaõ
chegado ao ultimo excesso.
Porém estes inconvenientes estaõ prevenidos pela
Lei, e huma vez. que os Magistrados tenhaõ firmeza
na sua execuçaõ, póde o mal ser remediado. Naõ he
incompativel com a affabilidade, que convém ao Julgador
o ter ao mesmo tempo constancia, e resoluçaõ.
Mas a lentidaõ dos processos nasce ainda de outro
abuso, o qual impossibilita os Magistrados de
preencherem a mente das mesmas Leis: consiste este
abuso em se accumularem muitos empregos na mesma
pessoa, que por isso naõ póde desempenhar nenhum
perfeitamente.
Por Lei de 28 de Outubro de 1644 se determina,
que se naõ daráõ jamais dois officios a huma mesma
pessoa,
naõ só pela difficuldade de se poderem
bem desempenhar differentes occupações, mas tambem
para que repartindo-se o galardaõ por mais pessoas
haja com que premiar os benemeritos. Que sábia,
e providente Lei! Mas he ella executada? Naõ vemos
nós accumulados em alguns individuos tantos officios,
e cargos, que dariaõ que fazer a muitos homens
dos mais expeditos? E o mais he percebendo
os ordenados de todos elles, contra outra Lei, que
positivamente prohibe que algum Funccionario receba
dois ordenados, ainda que sirva dois differentes officios!
Decreto de 29 de Julho de 1668, e Carta Regia
de 11 de Setembro do mesmo anno.
Com que justiça amontuar nas mãos de hum só
homem taõ avultados ordenados, que poderiaõ fazer
felizes muitos Cidadãos benemeritos, e sustentar muitas
familias?
Este mal he digno de prompto remedio, porque
o serviço público soffre extremamente. Os processos
[29]
Civis saõ eternos; e os mesmos Criminaes, que a Lei
manda ultimar dentro em seis mezes, duraõ annos, e
annos. As Cadêas por toda a parte estaõ cheias de
desgraçados. Mas se elles saõ culpados, he preciso
que o seu prompto castigo sirva de exemplo aos outros;
e se estaõ innocentes ha maior barbaridade do
que retellos por longo tempo encarcerados entre os
criminosos? Este mesmo inconveniente se encontra nos
officios de todas as repartições: ha tal individuo, que
naõ sabe dar conta aos officios, que tem impalmado;
porém a citada Lei de 1664, considerando nullas as
mercês dos segundos officios, feitas á mesma pessoa,
determina que elles seraõ dados a quem os denunciar.
He por tanto justo, que conservando-se hum só a cada
pessoa, que tiver muitos, sejaõ dados os outros a
quem os merecer. E he huma inconsequencia a mais
absurda o dar officios, seja de Justiça, ou Fazenda, a
pessoas que naõ podem, nem os querem exercer: he
como se se conferissem os postos militares a homens
paisanos, e inhabeis para as armas. Nenhum officio
devia ser dado a pessoa inhabil, ou impossibilitada de
o exercer; porque o serviço público, e o bem geral
naõ deve ser sacrificado ao interesse particular de hum
individuo. Pedir os officios sómente para utilisar os
seus ordenados, e abandonados a pessoas, que se sujeitaõ
a exerce-los por huma diminuta parte dos mesmos
ordenados, naõ póde ser tolerado n'hum paiz
bem governado: nem he confórme a Lei patria, que
determina que todos os Officiaes sirvaõ por si os seus
officios.
Além das acções ordinarias de Libello, temos
outras Summarias, em que o processo he muito mais
rapido; sendo entre todas notavel a acçaõ chamada
de juramento de alma. Nesta acçaõ he chamado o
Réo para comparecer com o Author em audiencia pública
[30]
perante o Juiz, alli pelo juramento encarregado
ao mesmo Réo, ou Author, se aquelle se recusa presta-lo,
he decidida summarissimamente a questaõ, e
executada em poucos dias a Sentença. Devendo notar-se
que por meio desta acçaõ summaria, se podem
decidir as demandas de maior valor, huma vez que
as Partes nisso convenhaõ.
Podemos por tanto affirmar, que o Plano do nosso
Processo he excellente, e o mais sabiamente regulado.
Na França por exemplo, a ordem do processo
regulada por Luiz XIV. he cheia de imperfeições, e
de fórmulas inuteis, como confessaõ os mesmos Authores
Francezes, e as alterações posteriores naõ tem
conseguido a sua perfeiçaõ.
Em Inglaterra «as demandas de pouca entidade,
diz Mr. Pillet, he verdade saõ decididas promptamente,
porém os letigios de maior importancia saõ
taõ dispendiosos, que os litigantes, a naõ serem
possuidores de grandes fortunas, estaõ de tal sorte
persuadidos de completar com elles a sua ruina,
que preferem o silencio, e abandonaõ os seus direitos.
A subtileza nos Processos, o embaraço das dilações,
e das fórmulas, as despezas immensas, que
traz huma demanda em Inglaterra; a escolha, ou a
consagraçaõ de certos termos Saxões, Normandezes,
Hebraicos, e Latinos para designar os differentes
generos das Acções, e os seus progressos,
todas estas cousas saõ cem vezes mais inintelligiveis,
e mais barbaras, do que ellas o eraõ em França
antes da Revoluçaõ.»
He isto hum Francez que falla, e que descrevendo
os defeitos do processo forense entre os Inglezes,
confessa ao mesmo tempo a inintelligencia, e barbaridade
do processo Francez.
[31]
As excellentes Leis Portuguezas,
[17] a boa ordem
estabelecida nas Ilhas pelos cuidados paternaes;
dos Soberanos, o Caracter natural dos seus nacionaes
activos, e industriosos, concorrêraõ tanto para a sua
prosperidade, que o terreno limitado das mesmas Ilhas
naõ he sufficiente para conter o immenso povo, que
alli nasce, sahindo por isso todos os annos grande
número de pessoas, que vaõ empregar-se na navegaçaõ,
ou estabelecer-se nos Brazis
[18].
Os habitantes desta Capitania andaõ por 160$
almas. Este número naõ deixará de causar admiraçaõ,
a quem souber que huma grande parte do terreno destas
Ilhas he inhabitavel, e naõ admitte cultura alguma,
já por ser montanhoso, já por ser verdadeira
rocha em circumferencia de todas ellas, já pelos estragos
do fogo, que nas suas expulsões revolveo antigamente
o interior de quasi rodas, reduzindo-o a pedra
queimada. Estes estragos saõ principalmente sensiveis
nas Ilhas do Pico, e de S. Miguel, nas quaes mais
da metade do terreno he infructifero
[19].
[32]
Pelas mesmas razões he espantosa a producçaõ
das mesmas Ilhas, porque depois de providos abundantemente
os seus habitantes, ellas supprem em grande
parte a sustentaçaõ dos moradores da Ilha da Madeira,
e do Reino de Portugal.
Da Ilha de S. Miguel se exportaõ todos os annos
de dez até doze mil moios de graõ, segundo a
maior, ou menor abundancia da colheita
[20]. De laranja,
e limaõ de 40 a 50 mil caixas, carne de porco,
e toucinho de 300 a 500 arrobas. E algumas mil
varas de panno de linho.
A proporçaõ destes generos póde conhecer-se pelo
exemplo de hum anno dos mais regulares, v. gr.
no anno de 1809 sahio daquella Ilha, milho 5:270
moios; trigo 675 moios, e 35 alqueires; favas 2:812 moios,
e 55 alqueires; feijaõ 1:177 moios, e 55 alqueires;
laranja 21:238 caixas; limaõ 4:660 caixas;
toucinho 259 arrobas; carne de porco 118 arrobas;
panno de linho 3:009 varas.
Da Ilha de Santa Maria sahem 200 moios de trigo,
e cousa de 100 rezes.
Da Ilha Terceira embarcaõ-se 15 mil caixas de
laranja, e de trigo sahe hum, ou dois navios carregados
para Lisboa, ou Ilha da Madeira.
[33]
A Ilha do Pico produz annualmente de 10 até
20 mil pipas de vinho
[21], que por naõ haver naquella
Ilha porto capaz de receber navios, he todo
transportado em barcos para a Ilha do Fayal, atravessando
hum canal de legua e meia; e dalli se exporta
para a America Ingleza, as Antilhas, a Russia,
e para o Reino do Brazil, onde tambem se consome
huma grande parte de agoa-ardente da mesma Ilha.
Tambem exporta algum gado; mas naõ produz graõ
sufficiente para os seus habitantes, sendo nesta parte
provída pela Ilha do Fayal, a qual he summamente
fertil, e produz bastante trigo, e milho para o seu
sustento, e supprir o que falta na Ilha do Pico.
A Ilha de S. Jorge exporta algum gado para a
Terceira, e Madeira, e poucas pipas de vinho.
A Graciosa he fertil em legumes, com que fornece
algumas das outras Ilhas; e apezar da pequenez
do seu terreno, exporta quantidade de cevada, e produz
acima de 4 mil pipas de vinho, de que a maior parte
he reduzido a agoa-ardente.
A Ilha das Flores exporta para Portugal, e Madeira
600 moios de trigo, e 300 rezes
[22].
[35]
TERCEIRA PARTE
Desde a passage da Casa Real para o Rio de
Janeiro.
A Mudança do assento da Metropole Portugueza
he hum daquelles grandes acontecimentos, que assignalaõ
os tempos, dividem as idades do Mundo, e
formaõ huma Epocha memoravel em todas as Nações.
O Globo inteiro tem sentido mais de huma vez
o impulso dado pela Naçaõ Portugueza. Esta Naçaõ
com as suas descobertas na passage do Cabo de Boa
Esperança, fez recuar os limites do Mundo, como se
explica Mr. de. Voltaire, abrindo a todas as Nações
hum caminho, até entaõ desconhecido, para passar á
Asia. Este grande acontecimento fez mudar o Commercio
de todos os Paizes, e desconcertar todos os
systemas.
Desde entaõ tudo o que a Natureza produz de
mais raro, util, e agradavel, foi conduzido para a
Europa, com menos despezas pela nova Estrada, anniquilado
totalmente o Commercio da India, que antigamente
se fazia pelo Mediterraneo atravez do mar
Vermelho, e Egypto.
Póde ainda dizer-se, que ao Genio dos Portuguezes
he devida a existencia Politica da Europa. «Sem
a descoberta de Vasco da Gama, diz o Abbade
Reinal, o archote da liberdade da Europa, se teria
[36]
apagado, e talvez para sempre. Os Turcos hiaõ
substituir estas Nações ferozes, que das estremidades
da Terra tinhaõ vindo tomar o lugar dos Romanos,
para opprimir a sua superfície, e a essas instituições
barbaras teria succedido hum jugo mais
pesado ainda. Este acontecimento era inivitavel, se
os terriveis vencedores do Egypto naõ tivessem sido
repellidos pelos Portuguezes nas differentes expedições,
que estes tentáraõ na India. As riquezas
da Asia lhe seguravaõ as da Europa, Senhores de
todo o Commercio do mundo, elles teriaõ tido necessariamente
a mais temivel marinha, que já mais
se teria visto. Que obstaculos poderiaõ entaõ suspender
sobre o nosso Continente este povo Conquistador
pela natureza da sua Religiaõ, e da sua
Politica?
[23]»
Se pois os Portuguezes, segundo a opiniaõ deste
Politico, naõ tivessem com as suas victorias suspendido
os progressos do fanatismo dos Mozulmães, e quebrado
o curso impetuoso das suas conquistas, cortando-lhe
o nervo das riquezas, perdida estava a liberdade
do mundo.
Taes foraõ os resultados da passage dos Portuguezes
pelo Cabo Tormentoso, no Reinado do Senhor
Rei D. Manoel.
E quando a mudança da sua Capital para o Brazil,
no Governo actual nos devia fazer esperar ainda
mais felizes vantagens, males a milhares recahíraõ sobre
os Portuguezes da Europa. E foi pela primeira
vez, que nas Ilhas dos Açores, apontou o flagello dos
tributos, quando até entaõ nenhum outro alli era conhecido,
mais do que o Dizimo Ecclesiastico, e o
[37]
subsidio literario, imposto tenue dos vinhos, destinado
para o pagamento dos Mestres das primeiras letras:
O que mostra o amor, e a benignidade, com
que haviaõ sido sempre tratados pelos seus Monarchas.
Depois daquella fatal mudança, cinco tributos
foraõ impostos naquellas Ilhas em menos de hum anno;
taes saõ, a Decima dos Predios urbanos
[24]: A
Cisa nas Compras, e Vendas
[25]: O Imposto de 5
réis em cada arratel de Carne verde cortada nos Açougues
[26]:
O Imposto dos sellos, e Decima das heranças,
e legados
[27].
Muito bem entendidos seriaõ estes tributos, se a
necessidade do Estado assim o pedisse, por naõ pesarem
nem na Agricultura, nem nos Artistas directamente:
o ultimo sobre tudo recahindo em bens, que nos
advem graciosamente por favor dos estranhos, ou Colatraes,
e naõ nos bens, que nos vem dos nossos ascendentes,
he hum meio politico, e mui poderoso
para fazer promover os Casamentos, e conseguintemente
para animar a populaçaõ, objecto que aos mais
Sabios Legisladores mereceo sempre hum grande cuidado
[28].
Mas como se poderiaõ dizer impostos estes tributos
por necessidade, se nesse mesmo tempo se faziaõ
mercês avultadissimas aos Valídos? Infinitas Capellas
[38]
vagas, e outros muitos bens que se achavaõ na
administraçaõ da Fazenda Real em todas as Ilhas, e
que lhe rendiaõ todos os annos huma somma immensa,
tudo está hoje dado, ou para melhor dizer, usurpado
por aquelles egoistas, que tem abusado da bondade
do Rei, enganando-o sobre o valor daquelles bens,
pois que nunca os podéraó alcançar em quanto Sua
Magestade residio em Portugal, donde facilmente se
podia informar do que lhe pediaõ. Talvez que o valor
de tantos bens assim injustamente prodigalisados
podesse bem supprir todos aquelles tributos; sendo
cousa iniqua que se estejaõ tirando gotas de sangue
de milhares de Vassallos para saciar humas poucas de
sanguissugas. Os póvos naõ devem ser considerados,
como hum rebanho de ovelhas inertes, dispostas a
serem devoradas pela
mantilha de cães famintos, que
circundaõ o seu pastor. He de esperar que Sua Magestade
inteirado das verdades expendidas, naõ deixe de
fazer restituir todos aquelles bens, reclamando-mercês
extorquiadas com manifesto engano, e lesaõ, e como
taes ob, e subrepticias; assim como devem ser alliviados
os Póvos daquelles tributos, que lhe foraõ impostos,
para supprir a falta do rendimento dos mesmos
bens, assim indevidamente tirado das rendas públicas:
principalmente a respeito das Decimas, sobre as quaes
haviaõ contractos entre os moradores das Ilhas e os
Nossos Reis, por onde aquelles se tinhaõ sujeitado a
contribuir de huma vez com certa somma, ficando desonerados
para o futuro de pagar Decimas, do que se
achaõ Titulos nos Archivos das mesmas Ilhas. Porém
he nas Cortes proximas que todos esses Artigos devem
ser averiguados
[29].
[39]
A sabia politica que os Augustos Monarchas tiveraõ
sempre com as Ilhas dos Açores dando os Officios
Civis, e os postos Militares aos seus Nacionaes,
que por isso os serviaõ mui dignamente, tambem acabou
com a ausencia do Rei. Naõ se estendia áquelles
Paizes a authoridade do General Beresford, e por isso
naõ ha alli Officiaes Inglezes, porém chegava lá
outra authoridade mil vezes mais prejudicial, e mais
iniqua, qual era a dos Valídos: ainda para os mais
insignificantes postos Militares tem vindo despachados
do Rio de Janeiro os seus afilhados. No Batalhaõ da
Cidade de Ponta Delgada ha dois Capitães, homens
honrados, e distinctos, que servem ha mais de 15, e
20 annos. Vagou o posto de Sargento Mór, veio logo
despachado do Rio de Janeiro hum individuo,
que naõ tinha metade dos serviços daquelles benemeritos
Officiaes, e pouco depois foi promovido a Tenente
Coronel, naõ passando aquelles do posto de Capitaõ.
Na Cidade de Angra vagou o Officio de Escrivaõ
Deputado da Junta da Fazenda, e em lugar de
ser admittido no mesmo o Contador da Junta, Official
habil, e honrado, a quem pertencia como mais
antigo, e substituto legal, veio do Brazil despachado
hum individuo, que animado com o valimento que a
todos inculca do seu protector Targini, tem feito as
maiores desordens. Actualmente se acha retirado em
Lisboa o Capitaõ Mór da Cidade de Angra para escapar
[40]
á prisaõ contra elle fulminada pelo dito Escrivaõ,
em despique do mesmo Capitaõ Mór pôr o nome
do Escrivaõ abaixo do seu em hum officio, que
lhe dirigio.
O mesmo aconteceo a respeito do Provimento do
Officio, que vagou de Escrivaõ da Meza grande na
Alfandega da Ilha de S. Miguel, sendo logo dado ao
Compadre de hum guarda roupa Baraõ.
Se acaso se naõ occultasse a Sua Magestade, que
estas pessoas naõ eraõ naturaes, nem residentes naquellas
Ilhas, he provavel lhe naõ fossem conferidos
os ditos officios.
Com tudo, brilhantes esperanças nos devem animar
presentemente, vindo a concorrer o excesso dos
males, para o seu mesmo remedio, todos elles ficáraõ
assás compensados, conseguindo-se huma Constituiçaõ,
que combinando os interesses de todos os
Estados Portuguezes, os ligue por meio de vantagens
reciprocas, pois que nenhuma Naçaõ no Globo encerra
em si mais felizes proporções.
Nada obsta a distancia que separa estes Estados,
distancias immensas separaõ os Astros, que com tudo
guardaõ harmonia nos seus giros periodicos.
O interesse commum he o laço que une os differentes
Póvos, e a felicidade dos Portuguezes Europeos
está radicada na fórma do seu Governo, e na sua
uniaõ com os Estados do Brazil. Os habitantes de
Portugal carecem absolutamente dos generos do Brazil;
sem o assucar, o arroz, o café, e outras producções
daquelle paiz, quasi se naõ póde viver hoje em
dia. O Brazil necessita igualmente dos vinhos, e azeites
de Portugal, assim como tambem dos vinhos das
Ilhas adjacentes, e das suas agoas-ardentes, e pannos
de linho. Sem o grande soccorro do graõ das Ilhas,
Portugal padeceria por muitas vezes, e as mesmas Ilhas
[41]
naõ achando alli o consumo daquelle graõ, que he a
sua principal riqueza, cahiriaõ em total decadencia
[30].
Eis-aqui como todas as partes deste grande edificio
se fortificaõ reciprocamente, e como o interesse
de todos estes póvos os deve ligar para sempre, além
de outro motivo ainda mais poderoso, que he o de
viverem aggregados a hum grande Imperio, ligados
por huma mesma Religiaõ, e Governados por huma
Dynastia de Soberanos deconhecida indole, e bondade.
Estes interesses seraõ ainda augmentados por novas
medidas justas, e sabias. No Brazil naõ se deve
admittir vinho Estrangeiro, azeite, agoa-ardente, em
quanto Portugal, e Ilhas lhe ministrarem aquelles generos
em abundancia; ou admittindo-se, devem pagar
hum tributo igual ao que paga por exemplo o vinho
Portuguez em Inglaterra, isto he, o quadruplo, ou o
quintuplo do seu primeiro valor: em Portugal igualmente,
e Ilhas adjacentes naõ deve permittir-se aos
Estrangeiros o introduzir generos dos que produz o
Brazil; ou permittindo-se, devem pagar hum tributo
na mesma proporçaõ.
Estas, e outras iguaes providencias faraõ que entre
os mesmos Portuguezes fiquem concentradas a maior
parte das riquezas dos seus Vastos Estados; naõ tendo
dependencia das Nações Estrangeiras, senaõ em artigos
de mero luxo.
Todos os obstaculos convém vencer para conseguir
esta uniaõ, e consolidar a base do grande Imperio.
Longe de nós a idéa da desmembraçaõ de Portugal,
[42]
este Reino teria a sorte dos pequenos Estados,
como desgraçadamente temos experimentado desde muitos
seculos, já escravos dos Hespanhoes, já miseraveis
popilos dos Inglezes, que famintos, e dolosos
Curadores, nos tem despojado, e impobrecido. Membros
da grande Imperio nós seremos respeitados em
toda a parte do mundo, seja qual for a residencia
do seu Chefe. O Cidadaõ Romano nas extremidades da
Africa, ou da Asia, era considerado em dignidade,
e respeito acima dos Principes, e Reis Estrangeiros.
He verdade que os Brazileiros, além das vantagens
reciprocas entre ambos os Estados, gosaraõ de
outras prosperidades resultantes da existencia do Monarcha
no centro do seu paiz. Quando hum Embaixador
de Hespanha enviado a Henrique IV. de França,
se admirava do Estado brilhante em que achou París,
que n'outro tempo tinha conhecido em abatimento, e
desgraça:
he porque entaõ o pai de familia naõ existia
aqui, lhe disse aquelle bom Rei,
hoje que elle
tem cuidado dos seus filhos, estes prosperaõ.
Os mesmos salvagens do interior daquelle Paiz
aproveitaráõ da bondade com que devem ser tratados
pelos Nossos Augustos Soberanos, unico meios de
os attrahir, e civilisar. «Se alguem duvida (diz o
Author da Historia Philosofica, e Politica das duas
Indias) dos felizes effeitos da beneficencia, e da
humanidade sobre os póvos Salvagens, compare os
progressos, que os Jesuitas tem feito em mui pouco
tempo na America Meridional com aquelles que
as Armas, e os Navios Hespanhoes naõ podéraõ
fazer em dois seculos. Em quanto milhares de Soldados
mudavaõ o Perú, e Mexico, dois grandes
Imperios policiados em desertos de Salvagens errantes,
alguns Messionarios tem mudado pequenas
Nações errantes em mui grandes Imperios policiados.»
[43]
Façamos arraigar no Coraçaõ dos homens o
amor da Divindade, e da humanidade, e só estas duas
virtudes saõ capazes de attrahir Vassallos, e formar
os melhores Cidadãos do mundo.
Porém que importa aos Portuguezes da Europa
todas essas prosperidades do Brazil, huma vez que
tambem elles sejaõ felizes? Naõ se lhe impondo tributos
senaõ quando o pedirem as necessidades do Estado
reconhecidas em Cortes; naõ necessitando o Official
militar de esperar do Brazil a promoçaõ, que a
Lei lhe concede, nem o Magistrado de consumir a
sua vida, e o seu dinheiro, para ir requerer hum despacho
na distancia de mil leguas, e perante hum Ministerio,
que o naõ conhece, nem póde avaliar o seu
merecimento; reservado n'huma palavra á Regencia,
e Tribunaes que existem em Lisboa, Capital deste
Reino, o poder de providenciarem difinitivamente sobre
todos os artigos que respeitaõ á felicidade, e commodidades
dos seus habitantes: eis-aqui tudo quanto
estes podem desejar, e de razaõ, e justiça devem esperar:
mantida com tudo a devida subordinaçaõ ao
Chefe do Imperio, qualquer que seja a sua residencia,
com as regalias, que convém ao Rei da Briosa
Naçaõ Portugueza.
Tendo nós visto como as Ilhas dos Açores, paiz
fertil, e rico, unicamente pagava ao Governo Portuguez
o Dizimo, e o subsidio literario, das producções
da terra, cumpre fazermos comparaçaõ com algumas
das outras Nações. Entre os Inglezes, por exemplo,
o tributo que paga o proprietario das terras ao Fisco,
anda pela quarta parte do producto annual; e a renda
industrial, isto he, aquillo que cada hum adquire
pelo seu Commercio, e industria, paga na mesma proporçaõ.
Hum proprietario por tanto, que possue
vinte mil cruzados de renda, como succede a muitos
[44]
nas Ilhas dos Açores, e que debaixo do Governo Portuguez
apenas paga o referido Dizimo, pagaria infallivelmente
debaixo do Governo Inglez cinco mil cruzados
annualmente. Devendo ainda advertir-se que em
Inglaterra de todos os productos terrestes se paga
tambem o Dizimo ao Clero Inglez. As portas, as janellas
das casas, saõ sujeitas a tributos consideraveis.
Que direitos exorbitantes os das Alfandegas? Seja de
exemplo o vinho, que sendo Portuguez, paga de cada
pipa cincoenta e duas libras (187$200 réis em dinheiro
nosso) e sendo de França paga sessenta libras
[31].
Na França em o principio da revoluçaõ,
depois de supprimidos huma grande parte dos tributos,
ficáraõ ainda montando a 300:000:000 libras tornezas,
ou 12 milhões e meio estrelinas. Estes impostos
repartidos por 24 milhões de almas, de que entaõ
se compunha a França, fazem pouco mais, ou menos
13 chelins por cabeça, que saõ mais de dois mil réis
em dinheiro Portuguez, contando mulheres, crianças,
e velhos: estes mesmos tributos foraõ depois consideravelmente
augmentados.
Podemos por tanto concluir, que até á passage
da Corte para o Brazil, naõ havia povo em toda a Europa
[45]
menos honerado com tributos, do que os moradores
das Ilhas dos Açores, e ainda mesmo de Portugal.
Continuando a referir os estabelecimentos posteriores,
temos de apontar a Lei de 25 de Outubro de
1810, que manda receber nas mesmas Ilhas promiscoamente
os vinhos, e todos os mais generos, humas
das outras, sem algum imposto, e que os generos de
importaçaõ, tendo pago huma vez os direitos de entrada,
possaõ tambem girar livres de humas para outras
sem estorvo, nem embaraço.
O estabelecimento da Junta Criminal nesta Capitania
por Alvará de 15 de Novembro de 1810, he
tambem hum daquelles titulos, que mostraõ o cuidado
dos Nossos Augustos Monarchas para com os seus
Vassallos, sempre que pelo interesse dos Valídos naõ
foi illudido; e mostra o seu zelo infatigavel em remover
os obstaculos, que se oppunhaõ á felicidade dos
mesmos, fazendo estabelecimentos novos por todos os
seus vastos dominios, todas as vezes que as circumstancias
o pediaõ, devendo tambem dahi colligir-se a
consideraçaõ de que aquella parte dos seus Vassallos
se fez sempre merecedora pela sua conducta.
Nos tempos calamitosos, que se seguíraõ ao Reinado
do Senhor Rei D. Sebastiaõ, deraõ os habitantes
das Ilhas provas do seu zelo, e affecto pelos seus
legitimos Monarchas, fazendo mesmo prodigios de
valor, principalmente na Ilha Terceira, para a total
expulsa dos Hespanhoes, e para o restabelecimento
do Governo dos seus Soberanos. Destas, e de outras
muitas Acções vem as infinitas mercês com que os
Augustos Monarchas Portuguezes tem honrado os Nacionaes
das mesmas Ilhas, descendentes de mais disto
de familias mui distinctas de Portugal, sendo infinitos
os foros de Fidalgo, e outras honrosas, distincções,
que nellas se encontraõ.
[46]
Na creaçaõ da dita Junta Criminal, naõ teve o
Soberano em vista outra cousa mais, do que o bem
público da Capitania, porque na sua convocaçaõ annual
faz a Real Fazenda avultadas despezas, já no
diario dos Ministros, já nos seus transportes das mais
Ilhas para a Capital.
Esta Junta, assim como as outras, das quaes trataremos
depois, foi projectada durante a invasaõ dos
Francezes em Portugal, e interrupçaõ deste Paiz com
as Ilhas. E supposto que o Soberano bem podia prever
a curta duraçaõ daquelle violento dominio; pois
que naõ he do caracter Portuguez, o ser já mais dominado
por Estrangeiras Potencias, com tudo a sua
nimia vigilancia lhe fez logo acudir com este remedio,
entaõ necessario, para que a Justiça Criminal
fosse promptamente administrada, e naõ soffressem os
bons pela impunidade dos máos.
Sendo por tanto de presumir, que restabelecidas
as cousas, como se achaõ no antigo estado, e sujeitas
as Ilhas novamente á Relaçaõ de Lisboa nas Causas
Civeis por Alvará de 6 de Maio de 1809, e aos
mais Tribunaes em todas as outras repartições por Alvará
de 5 de Julho de 1816, venhaõ tambem na parte
criminal a ficar subordinadas ao Supremo Tribunal
da Relaçaõ de Lisboa: porque tendo sido estabelecida
a Junta para o fim de se expedirem mais promptamente
os processos Criminaes, esta circumstancia já
se naõ verifica depois de restabelecida a communicaçaõ
com Lisboa, a qual he taõ frequente, que poucos
mezes se passaõ em que das mesmas Ilhas
naõ saiaõ
varios navios para aquella Cidade; sendo por consequencia
muito mais promptas as decisões Criminaes
por aquella Relaçaõ, onde se despacha diariamente,
do que pela Junta Criminal, que sómente se convoca
de anno a anno, e com summas despezas, e difficuldades
[47]
na passage dos Magistrados pelo mar. Havendo
alguns processos, que tem durado annos; porque sendo
perciso o mandar-se proceder a qualquer diligencia
relativa aos mesmos, faz-se indispensavel ficar para a
convocaçaõ do anno seguinte, e assim se vaõ prorogando
de humas a outras. Além de ficarem as terras
privadas dos seus Juizes de Fóra por huma grande
parte do anno, em quanto dura a junta, e fazem as
suas viagens.
Os fastos da mesma Junta daõ tambem a conhecer
a indole dos habitantes das mesmas Ilhas, e a sua
Religiaõ, pois que no espaço de 10 annos, que tem
decorrido desde o seu estabelecimento, sómente houve
hum delicto em todas ellas, que mereceo a pena
capital
[32].
O Marechal de Campo Mr. Pillet., achando-se
em Londres no anno de 1812, refere que os crimes
de assassinatos, e roubos commettidos dentro daquella
Cidade em o dito anno, chegarao a 1663, e que
dos authores destes, perto de mil foraõ convencidos,
e condemnados á morte, ou a penas afflictivas, e infamantes.
Taõ terrivel enormidade de delictos em hum só
anno, naõ póde attribuir-se a falta de castigo em hum
Paiz, onde elles saõ taõ rigorosamente punidos. A
relaxaçaõ de costumes, como observa o mesmo Author,
ou antes a falta de Religiaõ, he sem dúvida a
origem destes males. A crença em hum Ente Supremo,
hum Juiz incorruptivel, que presenceia todas as
nossas acções, e em cujo Tribunal nenhum delicto fica
impune, nem acçaõ boa sem recompensa; e onde
[48]
todas as injustiças humanas saõ reparadas, he sem dúvida
o maior estimulo para conduzir o homem á virtude,
e fazer calar as paixões, que damnaõ o coraçaõ
humano; ao mesmo tempo que he huma consolaçaõ
preciosa no meio das desgraças, e do infortunio.
Os habitantes das Ilhas saõ Religiosos, e em geral
sinceros, e de costumes innocentes. Póde de algumas
dellas fazer-se o elogio, que fazia Justin dos Seytas—que
a ignorancia do mal era para elles huma
guarda mais segura da ordem pública, do que nas outras
partes o conhecimento, e o temor das penas
[33].
Os Portuguezes em toda a parte conservaõ huma
grande pureza de costumes; o decoro das familias he
religiosamente respeitado: as Portuguezas saõ honestas,
e recatadas, ao mesmo tempo que amaveis, e espirituosas.
O respeito á Divindade, a veneraçaõ aos Pais,
e amor ao Principe, sentimentos capazes de conduzir
o homem a todo o genero de virtudes,
e desvia-lo de
todos os crimes, saõ os principios com que somos
nutridos desde a infancia. He por isso que devemos
gloriar-nos de ser Portuguezes, e naõ devemos já mais
consentir em trocar os nossos Costumes com as outras
Nações.
Naõ padece algum dos inconvenientes acima referidos
da Junta Criminal, a outra creada por Alvará
de 18 de Setembro de 1811, com a denominaçaõ
de
Junta do Melhoramento da Agricultura, por serem
os seus Deputados todos residentes na Cidade de Angra,
e poderem diariamente convocar-se sem despeza,
nem as outras difficuldades.
Sendo o principal cuidado dos Monarchas Portuguezes
relativamente ás Ilhas, á felicidade dos seus
[49]
habitantes, elles naõ tem cessado de promover o augmento,
e melhoramento da Agricultura, como a principal
fonte donde emanaõ as riquezas, e prosperidade
dos Póvos. Com estas vistas pois foi estabelecida na
Terceira, Capital das mesmas Ilhas, a Junta de que fallamos;
permittindo-se ao mesmo tempo o poderem-se
afforar alli os baldios, e terras incultas, ou sejaõ
da Coroa, ou de Morgados, sem dependencia do Desembargo
do Paço, nem necessidade de Consultar a
Sua Magestade.
Tambem ha na mesma Capital huma Junta creada
por Alvará de 10 de Setembro de 1811, destinada
para supprir algumas Provisões da competencia do
Desembargo do Paço em certos casos expressos no
mesmo Alvará.
Por Alvará de 7 de Janeiro de 1811, foraõ ultimamente
mandados accrescentar os emolumentos aos
Magistrados das Ilhas, e pôr alli em observancia o
Regulamento das Terras de beira mar do Brazil, estabelecido
pelo Alvará de 10 de Outubro de 1754,
taxando-se tambem aos Juizes de Fóra o ordenado de
200$000 réis. E aos Corregedores de Angra foi estabelecido
o ordenado de 300$000 réis, por Alvará
de 9 de Outubro de 1818.
Taes saõ os factos mais memoraveis destas Ilhas
Portuguezas. E tendo nós dado alguma idéa dos costumes
dos seus nacionaes, cumpre ajuntar, que o seu
caracter, bem como dos Portuguezes em geral, he nobre,
e elevado: elles saõ cheios de humanidade, e
generosos; mas estas qualidades náõ podem ser taõ geraes,
que naõ faltem em alguns individuos, subsistindo-as
vicios que se encontraõ por toda a parte, onde
existem homens.
Porém hum pequeno número de homens immorigerados,
e cheios de vicios, que se encontraõ em algumas
[50]
terras Portuguezas, quasi desapparece em comparaçaõ
dos infinitos Cidadãos benemeritos de que abundaõ
as mesmas: que saõ alguns homens turbulentos,
e infamadores, em comparaçaõ de milhares de
Cidadãos modestos, e comedidos? que saõ meia duzia
de individuos odiosos, e vingativos, que naõ respeitaõ
nem a Divindade, nem os homens, comparados
com milhares de pessoas, cheios de benignidade,
e affabilidade, e dotados de todas as virtudes
Christães, e sociaes?
Sem as trévas da noite mal poderiamos apreciar
a luz do dia; as acções dos homens máos, que entre
os Portuguezes he hum pequeno número, fazem realçar
as virtudes dos bons, que he o Geral da Naçaõ.
[51]
TABOA DOS GOVERNADORES
Capitães Generaes das Ilhas dos Açores.
1
|
D. Antaõ de Almada, tomou posse deste
Governo em
|
1766
|
2
|
Deniz de
Mello
|
1776
|
|
Governo interino desde 1783 até
1799
|
|
3
|
O Conde de
Almada
|
1799
|
4
|
O Conde de S.
Lourenço
|
1803
|
5
|
D. Miguel Antonio de
Mello
|
1806
|
6
|
Ayres Pinto de
Sousa
|
1810
|
7
|
Francisco Antonio de
Araujo
|
1817
|
[52]
GOVERNADORES SUBALTERNOS
da Ilha de S. Miguel desde a creaçaõ da Capitania
Geral.
|
O Sargento Mór Antonio Borges de
Bitancourt
continuou a governar a Ilha com
o titulo de Commandante, que estava exercendo
desde
|
1757
|
|
O Sargento Mór José Pereira de Medeiros,
nomeado Commandante da Ilha pelo Governador,
e Capitaõ General em
|
1772
|
|
O Sargento Mór José Ignacio de Bulhões
Cotta, Commandante em
|
1777
|
|
Manoel José de
França
|
1780
|
1
|
Francisco Manoel de Mesquita começa a
governar
a Ilha com o titulo de Governador[34]
|
1790
|
2
|
O Coronel Ignacio Joaquim de
Castro
|
1801
|
3
|
O Sargento Mór Manoel Timotheo de
Valadares
|
1807
|
4
|
O Coronel José Francisco de Paula
Cavalcante
de Albuquerque
|
1811
|
5
|
O Tenente Coronel Sebastiaõ José de
Arriaga
Brum da Silveira
|
1815
|
[53]
GOVERNADORES SUBALTERNOS
das Ilhas do Fayal, e Pico desde 1797, em que
estas Ilhas começáraõ
a ter Governadores Militares,
sendo até entaõ regidas nesta parte
pelos seus Capitães Móres.
1
|
Jeronymo Sebastiaõ Brum da Silveira,
toma posse em
|
1707
|
2
|
Theodoro
Pamplona
|
1804
|
3
|
Governo interino desde 1783 até
1799
|
|
3
|
Elias José
Ribeiro
|
1809
|
4
|
Joaquim Ignacio de
Lima[35]
|
1816 |
Notas:
[1] Na palavra El-Rei convém omittir para sempre o
prenome El, naõ só por ser de origem Castelhana, mas até
mesmo por naõ se accommodar com a natural energia da lingua
Portugueza; sendo muito mais expressivo o dizer-se—o
Rei dos Portuguezes, do que El-Rei dos Portuguezes.
[2] He quimerico o dizer-se (como alguns Authores referem,
fundados em noticias vagas) que no descobrimento
destas Ilhas se achára huma estatua de pedra, representando
hum Cavalleiro, que apontava com o dedo para o Occidente.
Deo lugar a esta fabula huma rocha natural, que havia
na Ilha da Corvo, e ainda hoje existe, a qual vista de longe
tem algumas aparencias ds hum Cavalleiro.
[3] Falla-se de huma Monarchia moderada, com Leis
fundamentaes que regulem a sua administraçaõ, politica,
economia, e civil; porque a Monarchia absoluta em nada
differe na pratica do Governo despotico.
[4] Todo este systema foi transtornado desde a mudança
da Corte, como se verá na 3.ª parte desta Memoria.
[5] Saõ os impostos o maior estorvo, que se póde oppôr
á Agricultura: o terreno das Ilhas dos Açores naõ he de
melhor qualidade, que o de Portugal, com tudo a Agricultura
das Ilhas he a mais florecente, a sua producçaõ he abundantissima,
ellas exportaõ muitos Navios de graõ de todas as
qualidades, centos de Navios de laranja, quantidade de mil
pipas de vinho, e agoa-ardente, e fornecem mantimentos a
todas as embarcações, e Esquadras que alli aportaõ: em Portugal
a producçaõ he insufficiente para os seus habitantes,
que pereceriaõ de fome, se lhe naõ viesse de fóra o paõ,
para huma grande parte do anno. Donde vem pois esta differença?
As Ilhas nunca pagáraõ tributo algum da sua producçaõ,
nem outro onus além do Dizimo Ecclesiastico até
o anno de 1808: e a Agricultura em Portugal he extraordinariamente
onerada: ha lugares onde ao Lavrador apenas fica
ametade do que elle extrahe da terra regada com o suor
do seu rosto. Os quartos, os quintos, as décimas, que paga
o miseravel cultivador, saõ os verdadeiros obstaculos á Agricultura
em Portugal.
[6] Esprit des Lois l. 6. cap. I.
[7] Volt. Essais sur hist. G. chap. 126.
[8] Ord. Liv. 5.º Tit. 76.—Provisaõ de 15 de Novembro
de 1687, dirigida á Camara de Ponta Delgada.—Carta
Regia do 1.º de Novembro de 1709, dirigida ao Governador
da Ilha de S. Miguel.—Regimento dos Desembargadores
do Paço, no § 113.—Alvará, e Regimento do Terreiro
de Lisboa de 24 de Junho de 1777, §. 11.
[9] Le Commerc. et le Govern. concid. relat. l'un. al'autre
2.ª P. Chap. 12.
[10] Leis de 4 de Fevereiro de 1773 ao Preambulo.
[11] Mais de huma vez havido estes funestos acontecimentos
na Ilha de S. Miguel.
[12] Esta Junta da Fazenda dos Açores, subordinada ao
Erario Regio, foi creada por Carta Regia de 29 de Outubro
de 1798.
[13] Metade do Terreno das Ilhas era vinculado, e possuido
por Morgados: a aboliçao dos muitos vinculos insignificantes
que se tem feito, e continúa a fazer, tem restituido
ao Commercio dos homens huma grande parte do mesmo
terreno.
[14] As Leis de Athenas defendiaõ aos Pais o testar, para
que a herança paterna se dividisse igualmente entre os filhos: Plutarco
vida de Solon. Licurgo tambem estabeleceo,
que os filhos tivessem partes iguaes na successaõ de seus
Pais: Plutarco vida de Licurgo.
[15] Assim como o saõ as disposições testamentarias, e
hereditarias. Montesq. Espr. des Lois liv. 26. Chap. 6.
[16] Ord. Liv. 3.º Tit. 20 §. 44.
[17] A Legislaçaõ Portugueza deve hoje ser reformada
principalmente na parte criminar, sobre cuja ramo se desenvolvêraõ
os mais luminosos principios no ultimo seculo, de
que antes apenas havia hum fraco luar, assim como a respeito
da Policia Civil, da Policia economica, e outros objectos;
porém na mesma Legislaçaõ ha muita cousa boa,
que aproveitar.
[18] Em hum só Bergantim, denominado Mãi de Deos,
embarcáraõ da Ilha de S. Miguel no anno de 1812 para o
Rio de Janeiro voluntariamente 194 pessoas.
[19] Esta ultima Ilha tem banhos thermais em duas partes;
huns no lugar chamado das Caldeiras, que fica huma
legua distante da Villa da Ribeira Grande, e 4 leguas da
Cidade: estes banhos saõ sulphureos, e applicados para as
molestias da pelle: os Reumaticos tambem alli experimentaõ
muitos allivios. Os outros saõ no Val das Furnas, 3 leguas
da Villa Franca, e 8 da Cidade: além dos banhos sulphureos
iguaes aos primeiros, ha alli banhos de agoa ferrea,
que tem applicações muito uteis. Em todos estes banhos se
tem experimentado curas maravilhosas,
[20] A producçaõ nestas Ilhas soffre grande alteraçaõ,
e naõ he raro que hum proprietario de quintas, que n'hum
anno faz 4 mil caixas de laranja, no seguinte naõ tenha 2
mil: assim como na Ilha do Pico o proprietario de vinhas,
que hum anno colhe 100 pipas de vinho, em outro anno
naõ tem 50. Os ventos a que as mesmas Ilhas saõ sujeitas,
e que fazem grande estrago nos fructos, daõ causa a esta
alternativa.
[21] Vem a ser o meio termo proporcional, 15 mil pipas.
[22] Esta Ilha he notavel por naõ haver memoria, nem
indicios de que alli houvessem ja mais expulsões vulcanicas,
nem tambem aballos de terra.
[23] Hist. Phil. et Poit. Liv. I. pag. 61. Ediçaõ d'Amst.
de 1772.
[24] Estabelecida por Alv. de 27 de Junho de 1808.
[25] Alv. de 3 de Junho de 1809.
[26] Alv. de 3 de Junho de 1809.
[27] Alv. de 17 de Junho de 1809.
[28] Nas Republicas da Grecia, e em Roma eraõ os pais
de familia favorecidos, e recompensados com grandes privilegios.
Hum dos Dogmas da Religiaõ dos Magos respeitado
na Persia, ensinava que a acçaõ a mais agradavel á Divindade,
he o produzir o seu semelhante, cultivar hum campo,
e plantar huma arvore.
[29] Seria talvez acertado que cada huma das Ilhas mandasse
o seu Deputado ás Cortes, qualquer que fosse o número
dos seus habitantes, bem como pela Constituiçaõ da Hespanha
no Artigo 33 se determinou a respeito da Ilha de Saõ
Domingos; naõ só por serem differentes os interesses de cada
huma das mesmas Ilhas, mas tambem pela grande difficuldade
que haveria em passarem os Eleitores de todas ellas
tantas leguas de mar, para hirem á Terceira Capital da Provincia
fazer as respectivas eleições.
[30] No anno de 1808 achando-se Portugal occupado pelos
Francezes, chegou o preço do milho na Ilha de S. Miguel
a oito vintens o alqueire; e se acaso durassem aquellas
circumstancias, ficaria a Ilha arruinada por lhe faltar
mercado dos seus grãos.
[31] Porque naõ havemos seguir o exemplo desta Sabia
Naçaõ, ao menos em alguns artigos? O vinho de Feitoria do
Douro, da primeira ordem, foi avaliado no presente anno
de 1820 em 36$000 réis, logo o tributo que paga em Inglaterra
huma pipa de vinho, excede cinco vezes o valor,
porque a vende o propriètario do Douro. Se hum Portuguez
tem o appetite de mandar vir huma Carruagem feita em Londres,
ou Paris por doze mil cruzados, como nós conhecemos
algumas em Lisboa, em manifesto prejuizo dos Artistas
Portuguezes, satisfaça embora o seu appetite, mas pague ao
Thesouro Público sessenta mil cruzados, que vem a ser tambem
o quintuplo do seu primeiro custo. E haverá quem se
atreva a reprovar esta justa reciprocidade?
[32] Tal foi o assassinio do Juiz de Fóra da Ribeira
Grande em 1812, commettido atraiçoadamente, e revestido
de circumstancias atrozes.
[33] Taes saõ a Ilha das Flores, o Pico, Santa Maria.
[34] Este Governo tem o ordenado estabelecido de hum
conto de réis.
[35] No tempo deste começaõ os Governadores a ter
600$000 reis de ordenado, naõ tendo entaõ mais do que o
soldo da sua patente.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
As correcções que seguem as instruções da errata
da própria obra estão identificadas com *.
Foi mantida a variação da palavra "fromentaceos" e "formentaceos" que surgem em igual número no original.
(talvez "fermentáceos" fosse a palavra pretendida).
Segundo a errata na
#pág. 19 está em falta o texto "—de que
poderia haver falta no paiz, e esta com fundamento.—"